Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/11683
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Letras hipotecárias da Carteira de Colonização do Banco do Brasil.

Lei nº 2.237/54

Letras hipotecárias da Carteira de Colonização do Banco do Brasil. Lei nº 2.237/54

Publicado em . Elaborado em .

1. DA CRIAÇÃO E CONCEITO

Os recursos captados através das "Letras Hipotecárias da Carteira de Colonização do Banco do Brasil" tinham por objetivo financiar a colonização agrícola nacional, instituída pela Lei Federal n. 2.237 de 19 de junho de 1954.

Constituindo captação de recurso popular garantido pelo Tesouro Nacional, as LHBB, como passaram a ser denominadas, exploravam a doutrina da garantia absoluta e imprescritibilidade dos títulos públicos federais vigente à época.

Instituído no governo de Getúlio Vargas, o Programa de Colonização Nacional (Lei 2.237/54) foi regulamentado no governo de Juscelino Kubitschek (Dec.n. 41.093/57). Forte e destacado instrumento de ação político partidária, a Carteira de Colonização do Banco do Brasil, de acordo com o art. 5º da Lei 2.237/54, era "dirigida por um Diretor, com as mesmas vantagens, regalias e deveres dos demais Diretores do Banco, de livre escolha do Presidente da República."

Híbrido de título financeiro e obrigação do Tesouro Nacional, as LHBB representavam programa, projeto e implementação de política de desenvolvimento e reforma agrária que estimulavam a lembrança de Getúlio Vargas e JK.

A partir de março de 1964, as forças militares deflagraram perseguição às personalidades, aos programas de governo e, principalmente, às fontes e aos recursos que promoviam a sustentação política e a imagem daqueles que se posicionaram contra o regime instalado.

Ícone financeiro ao portador de tudo o que o regime militar repudiava, as LHBB tornaram-se alvo de ações e omissões propositadamente destinadas a frustrar a credibilidade do investimento e dos seus responsáveis políticos.

O resultado é que o Banco do Brasil, gestor e depositário dos fundos, confortavelmente, tornou-se senhor de bilhões e bilhões de cruzeiros captados com as LHBB. Bilhões parcimoniosamente velados pelo regime militar, pela concorrência da inflação e do tempo.

O golpe mortal sobre as LHBB veio com a edição da Lei 4.357/64, do general Castello Branco, que instituiu a correção monetária no país e leis sucessivas que não conferiram aos titulares das LHBB a correção do poder de compra do capital investido.

Principal e juros "anulados e destruídos pela inflação", aos investidores não restou outra alternativa senão guardar e transmitir as Letras às gerações posteriores que tivessem melhor sorte de haver e submeter o seu direito a juízo regido por Estado Democrático.

Eis que agora, 50 anos depois, em ambiente constitucional distante do regime inaugurado em 1964, as LHBB começam a circular no mercado.


2. SÍNTESE HISTÓRICA E GARANTIA DO TESOURO NACIONAL

As condições de garantia, pagamento e utilização do crédito representado na referida Letra estão impressos no verso da cártula: "são elas ao portador (....) garantidas, indeterminadamente, por todos os imóveis hipotecados ao Banco, assim como pelo seu Fundo Social e pelo seu Fundo de Reserva, com preferência a quaisquer títulos de dívidas quirografárias, ou privilegiadas, e têm assegurada a garantia especial do Tesouro Nacional. Além de outros favores concedidos em lei, gozam de isenção de quaisquer impostos, taxas ou contribuições federais."

De acordo com os artigos 13 e 14 da Lei n. 2.237/54, as LHBB poderão ser utilizadas como caução de qualquer natureza perante as repartições públicas federais, ou pagamento de indenizações relativas a atos ilícitos ou de outra natureza.

As Letras Hipotecárias da Carteira de Colonização do Banco do Brasil são títulos ao portador, garantidos por tempo indeterminado por todos os imóveis hipotecados ao BB, pelo seu Fundo Social, pelo Fundo de Reserva e pelo Tesouro Nacional, e mais ainda, com preferência no pagamento de quaisquer ações condenatórias.

Em suma, o legislador, o agente financeiro e o Tesouro Nacional ofereceram ao portador da LHBB todos os privilégios e garantias possíveis de retorno do investimento, sem limite de tempo.

Editado logo após a Proclamação da República, com redação e assinatura de Rui Barbosa, à época Ministro da Fazenda, o Decreto n. 370, de 02 de maio de 1890, em que se funda a ordem para emissão da LHBB, determina em seu art. 337 que, à ação do portador da letra para o recebimento do crédito, não pode o emitente opor outra exceção que não seja a de falsidade ou de não exibição.

Estando obrigado pela Lei 2.237/53 a emitir a Letra nos termos do Decreto 370, de 1890, as duas únicas hipóteses de oposição do Banco do Brasil contra o pagamento e/ou utilização do crédito é se a Letra Hipotecária não for exibida ou se for falsa.


3. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Se os créditos de depósitos populares de poupança são imprescritíveis (art. 2º, § 1º, da Lei n. 2.313/54), muito mais razão há também para o reconhecimento da imprescritibilidade das Letras Hipotecárias da Carteira de Colonização do Banco do Brasil.

Tendo ambos os créditos origem na captação da poupança do cidadão, como pode o crédito popular de poupança bancária ser imprescritível e o crédito havido com garantias, por tempo indeterminado, por todos os imóveis hipotecados ao Banco, com preferência a quaisquer títulos e garantia especial do Tesouro Nacional, não gozar do mesmo privilégio?

Como pode a poupança popular captada e depositada junto ao sistema financeiro gozar de imprescritibilidade e a poupança popular investida em Letras destinadas a financiar e fomentar programas de colonização e reforma agrária do Estado Brasileiro não gozar também de tal direito?

3.1. DA UTILIZAÇÃO DO CRÉDITO DA LHBB NA REMIÇÃO DA EXECUÇÃO

A remição de dívida em execução pelo uso do crédito da LHBB, em encontro de contas, é direito que passa ao largo do instituto da decadência e da prescrição.

A remição de execução do BB pela via da compensação com o crédito representado na Letra é direito natural, moral, perpétuo – e muito mais quando evidente o enriquecimento do agente emissor pelo uso do capital do título que o devedor se lhe apresenta como portador e também credor.

Em tal condição, a remição pelo encontro de créditos no processo de execução é de uma obviedade ululante, universal! É direito de ordem natural, direito moral de sustentação das relações financeiras, das instituições econômicas e de essência moral da própria sociedade. Direito imprescritível, perpétuo.


4. VALOR LÍQUIDO E CERTO DA LHBB

Emitidas nos valores de Cr$ 100,00, Cr$ 200,00, Cr$ 500,00, Cr$ 1.000,00 e Cr$ 5.000,00 e juros de 6% a.a. pagos semestralmente, as LHBB são títulos de créditos perfeitamente revestidos de liquidez e certeza, pois os requisitos exigidos pela lei para sua validade estão presentes.

Não há que se falar em título sujeito a cotação em bolsa porque o valor está expresso na própria Letra, sujeito a correção monetária e juros pactuados.

4.1. METODOLOGIA DE ATUALIZAÇÃO E JUROS APLICÁVEIS À LHBB

A jurisprudência dos tribunais é unânime quanto ao direito do credor haver o recebimento do seu crédito corrigido, haja vista ser a correção monetária mera atualização do capital corroído pela inflação.

Aliás, foi justamente a deliberada e proposital resistência do BB em promover ao pagamento do crédito sem qualquer correção da perda do seu poder de compra, quando toda a economia e as finanças bancárias eram regidas por tais parâmetros, que determinou aos portadores reservarem-se o direito de apresentá-los em momento e oportunidade que agora democraticamente se afigura.

O índice de correção monetária adotado, salvo melhor interpretação, deve ser o IPC da FGV, isento de manipulações.

4.1.1 JUROS REMUNERATÓRIOS OU CONTRATUAIS

São os juros de 6% a.a. semestrais, prometidos e impressos na face do título, devidos por obrigação contratual. O regime de capitalização adotado para o pagamento de juros remuneratórios é sempre de capitalização composta.

4.1.2. JUROS COMPENSATÓRIOS

Ao titular da LHBB são também devidos juros compensatórios que, no caso, visam compensar o período de enriquecimento sem causa por parte do BB, que impediu ao portador se valer do capital investido findo o prazo de 20 anos, como prometido na face do título. Também como compensatório, deve se entender o prejuízo decorrente da perda de oportunidade gerada pela impossibilidade de uso do capital. Juros compensatórios podem ser pleiteados na ordem de 12% ao ano (§ único art. 404 do atual CCB), capitalizados anualmente.

4.2. JUROS ISONÔMICOS OU JUROS DE ARMISTÍCIO OU DE CONTENDA

A isonomia de tratamento ou a equanimidade das relações de força em contenda judicial é princípio basilar de direito processual.

A rejeição do BB ao pedido de remição da execução pela utilização do crédito representado por LHBB é uma possibilidade que pode esgotar e anular o crédito do executado, pela concorrência do tempo da demanda.

Sendo larga a diferença entre os juros remuneratórios, e para que o banco não se beneficie da concorrência do tempo ao qual pode dar causa, e que poderia deliberadamente provocar para esgotar e anular o crédito do devedor titular da LHBB, necessário que se igualem pelo período do debate processual sobre a recepção da Letra.

O pedido de juros de armistício ou de contenda visa afastar o devedor portador da LHBB da autêntica "vitória de Pirro".

4.3. MORATÓRIOS

Os juros moratórios decorrem da inadimplência no pagamento da obrigação (arts. 1062 e 1063 do CC de 1916). Dispõe o atual CC, art. 406 que "quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional."

À resistência do BB ao pedido de remição de dívida pela utilização da LHBB, a constituição em mora é explícita, decorrente do próprio ato que nega a validade ou utilização à Letra.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Uarian. Letras hipotecárias da Carteira de Colonização do Banco do Brasil. Lei nº 2.237/54. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1892, 5 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11683. Acesso em: 19 abr. 2024.