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Afastamento da presunção de constitucionalidade da lei

Afastamento da presunção de constitucionalidade da lei

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RESUMO

Trata da possibilidade de afastamento da presunção de constitucionalidade da lei, com a sua submissão a exame judicial mais rigoroso. Parte-se da experiência da Suprema Corte norte-americana, que, com base na nota de n. 4 do caso "Carolene Products. Co. v. USA", de 1938, submete restrições aos direitos fundamentais e medidas discriminatórias desfavoráveis a minorias, entre as quais a afro-americana, a exame judicial rigoroso, exigindo a demonstração de que perseguem interesse público de elevada magnitude, sob pena de sua invalidação. Demonstra a viabilidade da adoção de tal técnica de decisão no Brasil, o que teria importantes reflexos na promoção dos direitos fundamentais e na proteção de grupos que tenham dificuldades para valer seus interesses no processo político democrático. Tal técnica de decisão buscaria, em suma, melhor conciliação entre democracia e jurisdição constitucional, legitimando esta a atuar mais incisivamente em hipóteses de mal-funcionamento da primeira.


1. Considerações iniciais

Em regime democrático, cabe aos representantes eleitos pelo povo a primazia na formulação das políticas públicas, o que fazem, principalmente, através de atos legislativos.

Esta constatação óbvia gera conseqüências inevitáveis para a jurisdição constitucional. O juiz, no seu exercício, deve adotar postura de deferência em relação à atividade legislativa, deixando de pronunciar juízo de censura quando não vislumbrar argumentos convincentes de que aquela é incompatível com a Constituição.

Trata-se da presunção de constitucionalidade da lei, que tem reflexo expresso no ordenamento jurídico brasileiro no art. 97 da CF/88.

Não obstante, examinando o Direito Comparado, especificamente a jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, verifica-se que, em determinadas hipóteses, é possível e até necessário o afastamento de tal presunção, o que provoca a submissão da lei a exame judicial mais rigoroso.

É bastante valioso o estudo de tal jurisprudência, uma vez que, guardadas as devidas adaptações, poderia ser assimilada pelas cortes nacionais, talvez gerando, como ocorreu em terras norte-americanas, maior desenvolvimento e efetivação dos direitos fundamentais.


2. A nota de n.º 4 em "Carolene Products Co. v. USA", de 1938

Durante a Era "Lochner", iniciada pelo "leading case" "Lochner v. New York"1, de 1905, a Suprema Corte norte-americana invalidou sistematicamente as então nascentes leis de intervenção estatal no domínio econômico, inclusive, leis que protegiam os trabalhadores contra abusos de seus empregadores. Assumiu tal postura com base no princípio da razoabilidade, que reputava sediado na norma do devido processo legal (Quinta e décima-quarta emendas à Constituição norte-americana). A Corte estava impregnada pelo liberalismo econômico que vicejou no Século XIX, não tendo se apercebido da mudança dos tempos.

Tal posicionamento, absolutamente condenável e efetivamente condenado pela própria Corte posteriormente, só foi abandonado na década de 30. A partir de então o referido Tribunal passou a presumir como constitucional toda legislação de intervenção no domínio econômico.

Em caso que se insere nesta nova linha, "Carolene Products Co. v. USA", de 1938, o Juiz HARLAN FISK STONE, apesar de reconhecer a presunção de constitucionalidade que revestiria em geral todo ato legislativo, formulou, na célebre nota de rodapé n.º 4, tese de que, em determinadas hipóteses, tal presunção poderia ser afastada:

"Pode existir um âmbito mais estreito para utilização da presunção de constitucionalidade quando a legislação aparece, evidentemente, compreendida dentro de uma proibição específica da Constituição, tal como aquelas das dez primeiras emendas, que se consideram igualmente relacionadas na Décima-Quarta.

É desnecessário considerar agora se a legislação que restringe estes processos políticos, dos quais ordinariamente se espera que provoquem a repulsa de leis indesejáveis, deve se submeter a um escrutínio judicial mais rigoroso, embaixo das proibições gerais da Décima-Quarta Emenda, do que os outros tipos de legislação.

Tampouco precisamos investigar agora se considerações similares devem ser feitas na revisão de leis dirigidas a singulares minorias religiosas, nacionais ou raciais, ou se preconceitos contra minorias discretas e insulares devem constituir uma condição especial, que tende a restringir o funcionamento desses processos políticos nos quais se pode ordinariamente confiar para a proteção das minorias, e que podem exigir uma investigação judicial correspondentemente mais inquiridora."

A tese, apenas aventada pelo Juiz STONE, foi largamente adotada pela Suprema Corte em casos futuros, sendo elemento determinante para a revolução constitucional promovida pela Corte de WARREN (de 1953 a 1969) e, em grau menor, pela Corte de BURGER (1969-1986)2.

Em síntese apertada, a Suprema Corte norte-americana passou a exigir, nos casos para os quais não valia a presunção de constitucionalidade, a demonstração por parte do Estado ou do interessado na aplicação da lei de que esta tinha em vista interesse público de elevada magnitude.

Especificamente, a Suprema Corte adotava tal postura contra restrições aos direitos elencados nas dez primeiras emendas e também na décima-quarta da Constituição americana, principalmente, contra restrições à liberdade de expressão e aos direitos de participação, formulando a teoria das "liberdades preferenciais"3, e contra medidas discriminatórias desfavoráveis a minorias, dentre as quais a mais significativa era a minoria afro-americana.

JOHN HART ELY, em livro célebre do Direito Constitucional norte-americano4, buscou conciliar jurisdição constitucional e democracia, reinterpretando a nota de n.º 4 do caso "Carolene" e a jurisprudência da Corte de WARREN.

Para ELY, a jurisprudência constitucional estaria legitimada a agir apenas nas hipóteses de mal-funcionamento da democracia, assegurando os canais políticos de mudança e protegendo minorias "cujas necessidades e desejos nossos representantes eleitos não apresentem interesse em atender"5. De acordo com suas palavras:

"O enfoque aqui recomendado para a jurisdição constitucional é semelhante ao que poderia ser chamado de ‘desconfiança’ em oposição à orientação ‘reguladora’ para assuntos econômicas – mais do que ditar resultados substantivos, ela intervêm somente quando o ‘mercado’, no caso o mercado político de idéias, está sistematicamente funcionando mal (uma analogia ‘arbitral’ não se encontra distante: o árbitro deve intervir somente quando um time está ganhando uma vantagem injusta, e não quando o time ‘errado’ marcou ponto). (...) Em uma democracia representativa, as escolhas de valores devem ser feitas pelos representantes eleitos, e se, de fato, a maior parte de nós as desaprovar, poderemos retirá-los, através do voto, de seu ofício. Mal funcionamento ocorre quando o ‘processo’ está carente de confiança, quando (1) os que estão dentro estão bloqueando os canais de mudanças políticas para assegurar que eles permaneçam dentro e os que estão fora permaneçam fora, ou (2) mesmo que ninguém esteja privado verdadeiramente de voz ou voto, os representantes, de olho na maioria efetiva, estão sistematicamente deixando em desvantagem alguma minoria mantida fora por simples hostilidade ou recusa preconceituosa em reconhecer interesses em comum, e desse modo privando tal minoria da proteção concedida a outros grupos em um sistema representativo."6

A teoria de ELY, apesar de lograr ampla aceitação, mereceu agudas críticas7. Particularmente, não se pode acatá-la sem reservas, uma vez que, doutro modo, a jurisdição constitucional teria que se afastar de áreas nas quais não estivessem envolvidos problemas de mal-funcionamento da democracia, o que importaria em redução de seu campo de atuação presente (pelo menos, em países como os Estados Unidos, a Alemanha, a Espanha e o Brasil). Não obstante, fornece, juntamente com a nota de n.º 4, valiosos pontos de vista que podem aprimorar a jurisdição constitucional.


3. Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade

Na esteira da jurisprudência da Suprema Corte norte-americana e de vários Tribunais Constitucionais europeus, o Supremo Tribunal Federal vem servindo-se dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, os dois de conteúdo similar, na revisão judicial de atos legislativos8.

Os referidos princípios podem ser desdobrados em subprincípios, ou, mais propriamente, pode-se falar em etapas da verificação da proporcionalidade/razoabilidade do ato legislativo9:

a) subprincípio da adequação – os meios empregados pela lei devem ser adequados ao atendimento de sua finalidade;

b) subprincípio da necessidade – existindo mais de um meio adequado, deve-se optar pelo menos gravoso a outros interesses protegidos pela ordem jurídica;

c) subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito – ainda que o meio seja adequado e necessário, não passará no crivo da proporcionalidade/razoabilidade se as desvantagens dele decorrentes ultrapassem as vantagens obtidas.

O afastamento da presunção de constitucionalidade da lei tem importantes reflexos para o teste da proporcionalidade em sentido estrito. Através deste, faz-se a ponderação entre os interesses envolvidos no caso. Em primeiro lugar, cumpre verificar qual interesse é perseguido pelo ato legislativo e qual interesse é por este afetado. Deve o intérprete realizar a compatibilização possível, dando preferência ao interesse de maior "peso" segundo as circunstâncias do caso.

Tome-se, como exemplo, restrição legislativa à norma de direito fundamental que prevê a liberdade do exercício de atividade profissional (art. 5., XIII, CF/88). Direitos fundamentais não se revestem de caráter absoluto, podendo ser restringidos desde que resguardado o veículo próprio (esclareça-se: a lei ou, eventualmente, a decisão judicial), seu núcleo essencial e o princípio da proporcionalidade/razoabilidade10. Não é destituído de razoabilidade ato legislativo que exige qualificação especial para aqueles que pretendam exercer a medicina. A lei pode, inclusive, impor sanção penal ao exercício ilegal da medicina e ao "curandeirismo" (arts. 282 e 284 do CP). Os interesses em jogo são, portanto, a liberdade profissional e a saúde pública, prevalecendo esta na hipótese mencionada.

Resolvendo-se a ponderação dos interesses constitucionalmente protegidos na dimensão do "peso", é grande o risco das preferências pessoais do intérprete influenciarem de forma indevida a solução do caso.

O afastamento da presunção de constitucionalidade contribui, entretanto, para redução dessa margem de risco, qualificando, "a priori", um dos interesses e exigindo, consequentemente, especial qualificação do outro para sua restrição.

Envolvidas, por exemplo, liberdades básicas ou, ainda, direitos de minorias, se faz necessário para sua restrição que o interesse perseguido pela lei revista-se de acentuada magnitude.

O caso "Shapiro v. Thompson", de 1969, da Suprema Corte norte-americana bem ilustra tal técnica de decisão. Foram invalidadas diversas leis estaduais que negavam prestações estatais de caráter social aqueles que não comprovassem que residiam nas respectivas localidades por pelo menos um ano. A Corte entendeu que tal exigência restringia a liberdade de locomoção das pessoas pobres, que dependiam das prestações sociais para subsistir. Em seu voto, o Juiz WILLIAM J. BRENNAN admitiu que a exigência legal perseguia, pelo menos, um objetivo político válido, qual seja, o de coibir fraudes11. No entanto, tal objetivo não se caracterizava como de especial magnitude, o que motivou a declaração de inconstitucionalidade, uma vez que estava envolvida uma das liberdades básicas.


4. Afastamento da presunção de constitucionalidade no Brasil

Parece viável, com base nos mesmos fundamentos expostos na nota de n.º 4 de "Carolene", a adoção pela jurisdição constitucional brasileira da técnica de afastamento da presunção de constitucionalidade da lei.

Tal fato poderia contribuir para o avanço do desenvolvimento e efetivação judicial dos direitos fundamentais no Brasil, o que, pelo menos, ocorreu nos Estados Unidos, conforme já mencionado.

Resta, todavia, a tarefa de identificar dentre os direitos fundamentais arrolados na CF/88 aqueles dignos de tal proteção especial. A Suprema Corte norte-americana confere tal proteção a todos os direitos enumerados nas dez primeiras emendas da Constituição respectiva e, ainda, na décima-quarta, excetuando a liberdade do exercício de atividade econômica pela lembrança da negativa Era "Lochner". Semelhante postura talvez aqui não seja recomendável diante do extenso rol de direitos fundamentais arrolados pela CF/88. Também não tem lugar quando se estiver diante de colisão de direitos fundamentais. Seu local próprio é o da restrição de direitos fundamentais, talvez daqueles de mais acentuada importância em Estado Democrático de Direito, com base em interesses comunitários como de combate à inflação, promoção de desenvolvimento econômico, segurança nacional etc.

Talvez sua aplicação mais interessante, contudo, tenha lugar na proteção de minorias no processo político democrático. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte estendeu tal proteção aos afro-americanos12 e, com algumas peculiaridades, aos estrangeiros13 e às mulheres14. No Brasil, dadas as diferenças de realidade social, parece mais adequado buscar a identificação de outros grupos, especificamente, daquele que mais tem dificuldade de valer sua voz e interesse no processo político. Refiro-me especificamente aos pobres, impedidos de participar adequadamente no processo político democrático em virtude de suas condições econômicas precárias. Afinal, o exercício da cidadania resta eliminado ou sensivelmente prejudicado sem o apoio em condições de subsistência adequadas15. No Brasil, a situação dos desafortunados é agravada pela elevada concentração de renda nas mãos de poucos, o que leva a uma correlata desigualdade na distribuição do poder político. A caracterização de um grupo como merecedor de especial proteção pela jurisdição constitucional depende menos do fato deste ser objeto de hostilidade por parte da maioria política e mais do desequilíbrio da distribuição do poder político, para a qual é determinante a distribuição do poder econômico.

Isso não significa que os juízes devam emitir julgamentos sempre favoráveis aos pobres, o que comprometeria sua imparcialidade. Significa apenas que, no exercício do controle de constitucionalidade, devem submeter a rigoroso exame judicial, na forma acima exposta, medidas legislativas desfavoráveis aos interesses deste grupo, exigindo a demonstração de que estas têm por base interesse público de especial magnitude16. Tal técnica de decisão, embora direcionada a outros grupos, é adotada, conforme visto, pela insuspeita Suprema Corte norte-americana.

O Direito Constitucional deve ter em vista a realidade a qual se dirige. No Brasil, isso significa que se faz necessária prática constitucional que leve em consideração a pobreza e o desequilíbrio na distribuição do poder político existentes, uma espécie de "Direito Constitucional da Pobreza", para o qual a técnica de afastamento da presunção de constitucionalidade da lei pode representar significativo papel.


BIBLIOGRAFIA

1. Todos os julgados aqui citados da Suprema Corte norte-americana foram extraídos de LOCKHART, William B.; KAMISAR, Yale; CHOPER, Jesse H.; SHIFFRIN, Steven H.; FALLON JR., Richard H. Constitucional law : cases-comments-questions. 18.ª ed. St. Paul, Minn. : West Publishing Co., 1996. A tradução foi realizada pelo próprio autor deste artigo.

2. Para relato acerca da Corte de WARREN recomendo a leitura de TUSHNET, Mark (Ed.) The Warren Court in historical and political perspective. Charlottesville: University Press of Virginia, 1995. Sobre a Corte de BURGER existe interessante obra em português, embora de cunho jornalístico e não especificamente jurídico (WOODWARD, Bob; ARMSTRONG, Scott. Por detrás da Suprema Corte. trad. por Torrieri Guimarães. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1985). Em um e outro caso, entretanto, é mais valiosa a leitura das decisões mais célebres de uma e outra corte. Para a primeira, é obrigatório a consulta de "Brown v. Board of Education of Topeka", de 1954, no qual a Suprema Corte reputou inconstitucional o regime de segregação racial escolar ainda existente nos Estados Unidos. Para a segunda, vale o exame de "Roe v. Wade", de 1973, no qual a Corte invalidou leis estaduais que criminalizam indistintamente a prática do aborto.

3. Sobre esta teoria, diz ENRIQUE ALONSO GARCIA: "La teoría, por tanto, no sólo consiste en la afirmación de la supremacía de determinadas cláusulas constitucionales, sino que ello se refleja en el juego de la presunción de constitucionalidad, de forma que es el Estado que tiene que justificar la ley a la que se dota de una especie de presunción de inconstitucionalidad. Paralelamente, la inversión de la carga de la prueba conlleva la necesidad de proveer con una mayor justificación a la ley, con lo que no basta alegar cualquier interés estatal, sino que ese interés debe tener un plus suficiente para sobrepasar al protegido constitucionalmente." (GARCÍA, Enrique Alonso. La interpretacion de la Constitucion. Madrid : Centro de Estudos Constitucionales, 1984, p.281.)

          4. ELY, John Hart. Democracy and distrust – A theory of judicial review. 11.ª imp. Cambrige: Harvard University Press, 1995. Primeira edição em 1980.

5. ELY, John Hart. op. cit., p. 151.

          6. ELY, John Hart. op. cit. p. 102-103.

7. Por todas, recomenda-se a leitura das críticas formuladas por LAWRENCE H. TRIBE (TRIBE, Lawrence H. Constitutional choices. Cambridge: Harvard University Press, 1985, especialmente p. 9-20). ENRICO ALONSO GARCIA, outrossim, apresenta, além de relato sintético das idéias de ELY, síntese das principais críticas contra elas formuladas (GARCIA, Enrico Alonso. op. cit, p. 328-346).

8. Para breve relato de vários casos, vide SCHÄFER, Jairo Gilberto. Restrições a direitos fundamentais : relato de um caso concreto : constitucionalidade do exame de ordem dos advogados do Brasil. In: Revista da AJUFE, ano 17, n.º 59, 1998, p. 339-365.

9. cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p.262-263.

10. Sobre limites das restrições aos direitos fundamentais vide CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit., p. 410-420.

11. Interessante destacar que foi reputado inconstitucional o outro objetivo da restrição legislativa, que era o de dissuadir a migração de pessoas pobres.

12. v. g. "Loving v. Virginia", de 1967.

13. v. g. "Sugarman v. Dougall", de 1973.

14. v. g. "Frontiero v. Richardson", de 1973.

15. Merece referência a seguinte observação de JOHN KENETH GALBRAITH: "É preciso haver, acima de tudo, uma rede de segurança eficaz – apoio individual e familiar – aos que vivem nos limites inferiores do sistema, ou abaixo deles. Isto é humanamente essencial, e também necessário para a liberdade humana. Nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de um cidadão quanto a absoluta falta de dinheiro." (O engajamento social hoje. In: "Folha de São Paulo", de 20/12/98, Caderno "Mais", p. 5).

16. Dificilmente serão encontrados atos legislativos explicitamente discriminatórios contra os pobres. Entretanto, atos legislativos gerais podem ter efeitos práticos discriminatórios, como, por exemplo, quando se exige preço público ou taxa elevada para fruição de serviços públicos, o que deve merecer atenção por parte dos juízes. Outrossim, também merece censura mais enérgica por parte do Judiciário a falta de regulamentação ou a regulamentação legislativa insuficiente de direitos fundamentais a prestações materiais, os, com alguma aproximação, direitos sociais, no mais das vezes necessários para que os pobres adquiram condições suficientes para exercício da cidadania. Já é tempo do Supremo Tribunal Federal rever seu posicionamento restritivo acerca da eficácia do mandado de injunção e, principalmente em virtude da resistência do Supremo, dos juízes ordinários exercerem controle difuso e incidental de inconstitucionalidade por omissão legislativa, o qual, por não ser vedado pela Constituição brasileira, constitui possibilidade implícita em nosso sistema constitucional (a última afirmação mereceria fundamentação mais extensa, o que aqui, entretanto, não é possível, por ser estranha ao objeto deste trabalho).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORO, Sergio Fernando. Afastamento da presunção de constitucionalidade da lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/117. Acesso em: 19 abr. 2024.