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Do protesto de dívida de alimentos provisórios e sua utilidade no constrangimento do devedor

Do protesto de dívida de alimentos provisórios e sua utilidade no constrangimento do devedor

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Sumário:Introdução 1.Requisitos da dívida sujeita a protesto. 2.Qualificação da dívida alimentar arbitrada em sede de alimentos provisórios Conclusão: efeitos do protesto da dívida oriunda de alimentos provisórios.

A obrigação oriunda do dever de alimentos é daquelas que têm maior proteção estatal, como bem sabido por todos os que estão familiarizados com o microcosmos do direito de família. Para além das garantias patrimoniais do direito obrigacional comum, tem a dívida alimentar a garantia corpórea lastreada no cerceamento da liberdade do devedor injustificadamente inadimplente.

Embora tal sanção pareça severa e aparentemente em contrafluxo com a própria evolução do direito obrigacional, restou consolidada na experiência jurídica ocidental, matizada por Tratado Internacional (Pacto de San Jose da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário), a necessidade de manter por sobre esta espécie de obrigação a severidade da prisão civil, dado o conflito de interesses, de direitos fundamentais em jogo: por um lado a liberdade do devedor inadimplente, de outro a própria sobrevivência do alimentando.

Nem sempre o temor da prisão civil tem evitado o inadimplemento da obrigação alimentar. Há casos, não muito raros, de devedores de alimentos que desaparecem do alcance do Judiciário, não deixando endereço, mudando de emprego, tornando difícil, quando não impossível, o cumprimento, por exemplo, de carta precatória determinando a sua prisão civil.

Aproveitam-se os tais da inerente burocracia do Judiciário, em coalizão inconsciente com a fragilidade, pouca agilidade e a falta de estrutura de muitas defensorias públicas, bem ainda das partes interessadas mais frágeis, geralmente mulheres e seus filhos menores, incapazes de proceder a um trabalho de investigação mais apurado sobre o paradeiro do indigitado.

Tal situação de fato peca contra os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, da solidariedade familiar e, notadamente, da dignidade da pessoa humana, fazendo perpetuar a situação de impunidade paterna daquele que se recusa terminantemente a responder por seus atos e a assumir o ônus jurídico da paternidade.

O presente artigo propõe um mecanismo alternativo, não uma solução definitiva, para minimizar tal hiato entre o desejado e o realizado, na esteira da busca de realização dos princípios supra elencados, através do protesto da dívida alimentar arbitrada pelo Juízo de Família, sob a égide do devido processo legal, e demonstra as razões da provável efetividade em alcançar o devedor de alimentos com mais eficácia do que um mandado de prisão do qual o mesmo possivelmente sequer tomará conhecimento.

1. Dispõe o art. 1º da Lei federal nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, que "protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida". Com isso, deixa claramente explicitada a norma em comento que qualquer dívida inadimplida e descumprida, seja oriunda de título, seja oriunda de documento, pode ser protestada.

Para que uma obrigação reste inadimplida, em outras palavras, em mora, segundo a boa doutrina obrigacional, resta que esteja líquida e vencida. A liquidez de uma dívida significa a certeza de sua existência e a medida de sua exata dimensão.

Não pode ir a protesto dívida ilíquida, como, por exemplo, verbas oriundas de condenações trabalhistas ainda não calculadas em seu montante, posto que, apesar de certa a sua existência, carente a sua exata dimensão.

Doutra feita, pendente litígio quanto à própria existência do débito, falta-lhe liquidez, posto que não há certeza de sua própria existência. Inadimplida é a dívida que, no seu termo, isto é, em seu vencimento, não foi honrada. Não pode ser protestada dívida que ainda não venceu.

2. A dívida alimentar arbitrada em sede de alimentos provisórios cumpre os requisitos suficientes para ir a protesto? Basta examinar o disposto no art. 2º da Lei federal nº 5.478, de 25 de julho de 1968, que dispõe que o alimentando deverá provar "o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor", sendo este o requisito exigido para o deferimento do pedido de alimentos provisionais previsto no art. 4º da mesma lei:

Art. 4º As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita.

O despacho lastreado no art. 4º da Lei de Alimentos determina dívida líquida, com termo para pagamento, findo o qual tem-se certo o inadimplemento, cumpridos assim ambos os requisitos (liquidez e mora) necessários para o reconhecimento da legalidade do protesto da dívida.

Desta forma, obrigação alimentar provisoriamente arbitrada, vencida e impaga está sujeita a protesto nos termos da lei regente da matéria

3. Hodiernamente, o principal efeito do protesto de uma dívida está no cerceamento do crédito incidente sobre o devedor. Num sistema financeiro e creditício interligado, instituições financeiras, tais como bancos, operadoras de cartões de crédito, empresas comerciais que vendem a crédito, recusam-se terminantemente a liberar seus produtos e serviços a quem possui restrições em órgãos de cadastro de tais apontamentos.

Tais órgãos de cadastro, dentre os quais são mais conhecidos o SPC e o SERASA, funcionam como centralizadores de informações coletadas de entidades conveniadas, tais como bancos, entidades comerciais em geral, Órgãos Judiciais e notadamente cartórios de protesto. Ao apontar para protesto dívida alimentar, ainda que provisória, o devedor de alimentos estará sendo cerceado em seu acesso ao crédito em todo o território nacional.

O efeito de tal medida é muito mais eloqüente do que o eventual decreto de prisão civil, muitas vezes ineficaz ante as razões já elencadas. Isto porque para cercear a liberdade de alguém é preciso antes encontrá-lo, ao passo que, para protestar uma divída, é possível a mera intimação por edital, nos termos do artigo 15 da lei que dispõe sobre a matéria:

Art. 15. A intimação será feita por edital se a pessoa indicada para aceitar ou pagar for desconhecida, sua localização incerta ou ignorada, for residente ou domiciliada fora da competência territorial do Tabelionato, ou, ainda, ninguém se dispuser a receber a intimação no endereço fornecido pelo apresentante.

Por outro lado, para resolver a pendência creditícia, por exemplo, sustando o protesto por via judicial, o devedor de alimentos terá que aparecer, informar ao Judiciário sua localização, bem como a origem da dívida e a causa petendi de seu pleito de sustação do protesto. Isto o exporá decerto a uma inversão de papéis: de autor logo se tornara réu, ocasião em que poderá facilmente ser localizado e o decreto prisional devidamente cumprido.

Buscando dar efetividade à prestação jurisdicional, pode o credor lançar mão do referido expediente, de modo a estimular o devedor, ainda certo de sua impunidade, a expor-se e finalmente ser constrangido a cumpri-la, ou ser definitivamente jogado para fora do sistema financeiro moderno, tornando-se assim um verdadeiro pária social, tudo sob o manto da legalidade e visando realizar princípios constitucionais vigentes em favor daquele contra o qual os direitos mais básicos são violados.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE NETO, Carlos Gonçalves. Do protesto de dívida de alimentos provisórios e sua utilidade no constrangimento do devedor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1915, 28 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11780. Acesso em: 16 abr. 2024.