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Súmula vinculante nº13 do STF.

Decifra-me ou te devoro!

Súmula vinculante nº13 do STF. Decifra-me ou te devoro!

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A súmula antinepotismo, sob certa perspectiva, parece que confunde mais que esclarece. Creio, com todas as vênias, que o STF perdeu uma excelente oportunidade de resolver alguns assuntos de vez por todas.

"Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel" (RE n.397.762/BA, Rel. o Min. Marco Aurélio, no Informati1vo STF519/2008)

"Súmula n.13 – "A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo em comissão de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição."

1. Qual o seu conteúdo? Define situação de violação à Constituição.

2. Qual é essa situação? A que envolve relações de parentesco, relativamente a certos cargos e funções públicos.

3. Na Administração Direta e Indireta? Sim.

4. De uma mesma pessoa jurídica? Não, não é assim. É o contrário: dentro da mesma pessoa jurídica, na administração direta e indireta.

5. Qual é a natureza da relação de parentesco? O parentesco consangüíneo e por afinidade, na linha reta ou colateral.

6. Não importa o grau? Importa.

7. Nesse caso, qual o grau alcançado? O terceiro grau, inclusive.

8. Essa limitação pelo grau de parentesco está de acordo com o Código Civil? Não. Isso pelas seguintes razões: a) no CC, na linha reta, seja ascendente, seja descendente, conta-se o parentesco pelo número de gerações; na linha colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente, limitado o parentesco ao quarto grau; na súmula, a limitação inclui apenas o terceiro grau; b) no CC, o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro; na Súmula, este parentesco vai mais além e inclui o terceiro grau, (Arts. 1591 a 1595).

9. Se é de relações de parentesco que se trata, a súmula poderia dispor diferentemente do CC? Chamar de parente quem parente não é? A resposta foi dada, inicialmente, pelo Ministro CARLOS BRITTO, que chegou até a propor interpretação conforme a fim de excluir relação de parentesco que o CC não contempla, qual seja aquela que leva para além do cunhadio o vínculo da colateralidade por afinidade (n° 45, I, do seu voto na ADC-12); entretanto, mais adiante, nos debates, o Ministro preferir aderir à tese da extensão ao terceiro grau, como critério de inibição de abusos.

A despeito, e em respeitosa divergência, penso que o STF foi longe demais e merece uma segunda chance... Realmente, ainda quando se trate de assunto específico, ou seja, para fins de proibição a servidores de desempenho de atribuições de direção, chefia e assessoramento, na Administração Direta e Indireta. Veja-se que essa conceituação fragmentada de categorias jurídicas, dada somente para certo e determinado fim, não é estranha ao Direito Positivo brasileiro, embora engendre grave insegurança jurídica, expressão de contraponto ao direito fundamental à segurança (Art.5°, caput, da CF) e que, só por isso, já não deveria ser admitida Assim, por exemplo, a noção de funcionário público, no CP, é compreensiva inclusive de agente político, nada obstante destoe do conceito que se depreende, direta e imediatamente, da própria Constituição; de serviço, para fim de licitação, que inclui locação de bens, com o que se instala a babel no universo do Direito; a de servidor público, para o mesmo fim de licitação, que não coincide com a correspondente noção constitucional; a de autoridade, para efeito de mandado de segurança e para efeito de responsabilidade por abuso de poder. Todavia, sempre que assim se faz, é por lei formal e pela pessoa legiferante competente, normalmente com o concurso do Congresso Nacional e do Presidente da República.

Ora, este não é o caso do CNJ, nem da Resolução 07/2005, posto que, no plano nacional, cabe ao Congresso, com a aquiescência do Chefe do Executivo, legislar sobre todas as matérias de competência da União (Art.48 cc o Art. 22, inciso I, da CF). Ou será que cabe, agora, a ressalva: exceto aquelas de competência originária do CNJ?

Parece de evidência solar que o propósito da Resolução do CNJ é mais modesto do que lhe atribuiu o Tribunal Supremo, confinado que se acha a excluir parentes e não, abrangentemente, relações familiares ou de mera afetividade. Aliás, a ementa da Resolução é só por si suficientemente explicativa: parentes e não familiares.

Pois do parentesco cuida o CC, embora não também dos demais afetos, que não sejam os do casamento ou do companheirismo. Se fosse de afetos, a Resolução teria proibido também a nomeação por amizade, especialmente a íntima, que é motivo de fundada suspeição de parcialidade do magistrado; como não o fez, sai reforçado o brocardo popular de que mais vale um amigo (não parente!) na praça do que dinheiro em caixa... E se o fim fosse tão dilargado, então bastaria, linearmente, proibir a nomeação de familiares, fossem quais fossem, não importando se parentes, nem o grau, nem a linha! Enfatizo: há na Constituição paradigma que se impunha à observância da Corte, residente na inelegibilidade, no território da jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins até o segundo grau ou por adoção ao Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. Pronto, aí estava o norte magnético, a orientar a caminhada do Excelso Pretório no sentido que lhe parecia adequado. No entanto...

10. A Resolução n° 7/2005 do CNJ, dispondo sobre disciplina jurídica atinente a servidores públicos não teria invadido competência privativa do Presidente da República? Quanto a isso, não há a menor dúvida.

Com efeito, o que a Constituição Federal atribui aos Tribunais, como expressão da sua autonomia, é a competência para prover-lhes os cargos necessários á Administração da Justiça, e, ainda, ao STF e aos Tribunais Superiores, bem como aos Tribunais de Justiça, a competência para propor ao Poder Legislativo projeto de lei dispondo sobre a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver (Art. 96, inciso I, alínea e, e o inciso II, II, alínea b, da CF).

Em nenhum dos dispositivos que integram o artigo há competência para dispor sobre regime jurídico dos seus servidores, no que se inclui o regime dos direitos, deveres e proibições. Isso, pela óbvia razão de que essa competência – a de dispor mediante lei sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, e não somente do Executivo – foi atribuída privativamente ao Presidente da República, no âmbito da União, em norma de simetria de observância compulsória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme jurisprudência pacificada no STF (ADI 1.381-5/AL, no DJ de 06/06/2003).

Ora, o próprio Pretório Excelso já fixou, em ementa de conteúdo pedagógico, o que se deve entender por regime jurídico dos servidores públicos: "A locução constitucional "regime jurídico dos servidores públicos" corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes." (ADI/MC-1.381-5/AL, Rel. o Min. CELSO DE MELLO, no DJ de 06/06/2003, citando precedente, sem o destaque em itálico).

Como a Resolução trata de proibição, com o que define relações vedadas entre servidores, por afeto ou parentesco, em atenção ao cargo ou função exercidos, o que compõe dimensão abrangida pelo regime jurídico, nomeadamente o regime disciplinar deles, abrangente dos deveres e das proibições, é luminosamente visível que essa matéria se integra no conceito de regime jurídico de servidores públicos. Então, diante de enunciado de cristalina nitidez (Art.61,§1°, inciso II, alínea c, da CF), o CNJ excedeu-se nos limites da sua competência, pois na de zelar pelo cumprimento dos princípios do Art. 37 da CF não se inclui a de usurpar competência privativa do Executivo, que é de vício de tão singular gravidade que nem mesmo a eventual aquiescência deste seria de molde a sanar a transgressão, acaso se cuidasse, por exemplo, de iniciativa do Legislativo (ADI 1381-5/AL). O que dizer quando é de Resolução que se trata, expedida em atenção à natureza do CNJ como órgão de controle administrativo e financeiro, e que sequer integra o processo legislativo, conforme se lê no Art. 59, inciso I a VII, da CF? Observo que essa questão não foi sequer aflorada na ADC-12, nem mesmo em "juízo mínimo de delibação". De lembrar, ainda, que, mesmo que se entenda que a Resolução mais não fez do que "debulhar o conteúdo da moralidade", prevista no Art.37, caput, mesmo assim desbordou, excedeu-se, na medida em que o fez para além do que está na Lei 8112/90, que "Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais" (Art.117, inciso VII). Não seria mesmo este o caso de o Congresso Nacional exercitar a competência que lhe é expressamente atribuída pelo Art. 49, inciso XI, da CF? Ou seja: "zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes."(sem o destaque em negrito).

Aqui, um esclarecimento antecipado parece impor-se. É que o STF assentou jurisprudência no sentido de que, no processo abstrato de controle de constitucionalidade, integrado inclusive pela ADC – que é ADI de sinal trocado, conforme entende o Min. GILMAR MENDES -, a causa de pedir é aberta. Todavia, a "cláusula aberta" não pode ser interpretada como uma bizarra e cerebrina construção jurisprudencial para exprimir que a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade foram examinadas sob todos os ângulos possíveis e imagináveis,, que isso seria contrário ao senso comum e a toda a razoabilidade, um autêntico desvario, alucinógeno devastador, a supor que seres humanos, nada obstantes notáveis, houvessem adquirido um dom que nenhum outro humano possui! Mas, ainda quando se queira entender assim, de modo a transformar a Corte no Olimpo e seus Ministros em Deuses – aliás, esses freqüentemente se arrependiam -, ainda assim todos os argumentos, possíveis e imagináveis, sem exceção, deveriam compor a fundamentação do que decidido, sob pena de nulidade da decisão (Art. 93, inciso IX, da CF)! E isso na suposição de que não houvesse qualquer argumento imprevisível! O que a "cláusula aberta" exprime, e só pode exprimir, nos limites da lógica do razoável, é que o STF não fica, no processo abstrato de controle de constitucionalidade, posto que lhe cabe a guarda da Constituição, adstrito à fundamentação escolhida pelo autor da ação. Somente! O mais é sofisma.

11. A escolha pelo terceiro grau, inclusive, encontra similar na Constituição? Não. Ao contrário, na única passagem em que trata de demarcação de parentesco, para o efeito de inibição ou exclusão de exercício de direito político, de natureza fundamental, em detrimento de certas pessoas, a Constituição é parcimoniosa e adota o limite do segundo grau (inclusive este). Trata-se do Art. 14, §7°, transcrito para a comodidade do leitor: "São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito, ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição."

Causa perplexidade, pois, e enseja dúvida séria sobre se houve ou não indevido desapego à lógica do razoável – devido processo legal em sentido substantivo (Art. 5°, inciso LIV, da CF) -, a que estão sujeitos todos os Poderes da República, inclusive e sobretudo o próprio STF, consoante pacificado na jurisprudência assentada na Corte. Por outro lado, como visto anteriormente (n° 7), o parentesco por afinidade não vai ao tanto que está na Súmula Vinculante. Chega a ser surpreendente que o STF tenha optado pela Resolução n° 7/2005, do CNJ – ato administrativo - ao invés de fazer a escolha pela CF e pelo CC! Logo a Corte que é a guardiã precípua da Constituição!!! Quem sabe (?) essa seria razão juridicamente idônea para pedir a alteração ou revisão da súmula, conforme admite o Art.2°, §2°, da CF.

Enfim, a lógica do razoável - diferentemente do que apregoam doutrinadores afeitos a tudo atribuir ao discurso da modernidade - já era difundida no Brasil por nomes da autoridade de FREDERICO MARQUES e ALÍPIO SILVEIRA, recolhendo inspiração em LUÍS RECASENS SICHES, notabilíssimo professor (Hermenêutica no Direito Brasileiro, 1° volume, 1968, Editora Revista dos Tribunais, pp.77/89). Por fim, se Resolução do CNJ tem força de inovar primariamente na ordem jurídica, e, nesse caso se equipara à lei formal, qual a razão de não constar do Art. 59, que define exaustivamente as espécies normativas de tal qualificação, certo que doutrinadores da maior suposição intelectual somente referem às Resoluções congressuais? (JOSÉ AFONSO DA SILVA, no seu Comentário Contextual à Constituição, Editora Malheiros, 5ª edição, 2008, p.438; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, no seu Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, 34ª edição, 2008, p.217; ALEXANDRE DE MORAES, no seu Direito Constitucional, Editora ATLAS, 20ª edição, 2006, p.652). Tenho para mim que, aqui, se exacerbou a interpretação gramatical, no ponto em que se atribuiu ênfase à ausência da expressão "na forma da lei", quando a Constituição trata das atribuições do CNJ, ao contrário do que fez ao tratar das competências dos outros dois Conselhos, o da Justiça Federal e o da Justiça do Trabalho, sobremodo se se levar na devida conta as numerosas imperfeições de técnica legislativa que povoam o texto da Constituição, como, p.ex., a expressão "emprego remunerado" (Art. 54, inciso I, alínea b); e ao excluir literalmente as autarquias das pessoas jurídicas de direito público (Art.54, inciso I, alínea a); ao separar membros de Poder e detentor de mandato eletivo (Art.37,inciso XI); ao assinar o prazo de quinze dias úteis para o exercício do veto (§1° do Art.66), e logo após referir a quinze dias (§3° do Art. 66). Como a Constituição é um sistema, em despeito das numerosas imperfeições de técnica legislativa, há de ser entendida de modo a que as partes que o integram sejam interpretadas no sentido de comporem um todo harmônico, lógico e unitário de sentido. Se é assim, então a competência atribuída ao CNJ para zelar pelo Art.37 da CF não pode ser distendida ao ponto de retirar do Executivo o que por direito constitucional lhe pertence. A usurpação é tão mais grave quanto se tem em vista a natureza administrativa do Conselho, que, estranhamente, por solução de conveniência, está na coluna do Poder Judiciário, enquanto a Justiça Desportiva, que é Justiça, está fora!

12. Qual o parente determinante do impedimento ou da incompatibilidade? Na súmula, 1) a autoridade que nomeia, na mesma pessoa jurídica, no âmbito da Administração Pública dos três Poderes e 2) servidor que exerce cargo em cargo em comissão ou função de direção, chefia e assessoramento, na mesma pessoa jurídica. Somente.

Importa sublinhar que não é mais como antes, em Resoluções do CNJ e do CNMP, que, alíás, nunca obrigaram senão nos respectivos âmbitos orgânicos. Com efeito, e na esfera do Judiciário, por exemplo, o parente determinante da proibição era (ou é ) o membro da magistratura, considerado o Tribunal de Justiça e o seu âmbito de jurisdição, ou do juiz vinculado. Leia-se a ementa da Resolução 07/2005, do CNJ, sem o destaque do itálico em negrito: "Disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências". A diferença é absolutamente nítida, manifesta, cristalina, ostensiva e da maior importância. Assim, antes era parente de magistrado; hoje, na Súmula, é da autoridade nomeante. Só. Ou então de servidor que ocupe cargo ou função daquela natureza.

Aqui, como sempre, é imperioso lembrar que qualquer critério, método ou processo hermenêutico, qualquer deles, encontra o seu limite nas possibilidades semânticas do texto, isso na esteira de ensinamentos de quem é considerado por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO como o príncipe da hermenêutica do Brasil: CARLOS MAXIMILIANO, para quem "não se deve fazer demasiada violência às palavras". Ainda recentemente, ao discutir o enunciado da Súmula Vinculante nº10, diante da proposta de que se usasse a palavra "norma" ao invés de "lei e ato normativo", o Min. Carlos Britto, no que foi acompanhado pelos Ministros presentes à sessão, ressalva feita aos Ministros CEZAR PELUSO, MENEZES DIREITO e RICARDO LEWANDOWSKI, e (talvez) o Ministro Marco Aurélio, insistiu em que se respeitasse a literalidade do Art. 97 da CF!!! Portanto, literalidade não está esconjurada!!! (DJe n°172/2008, p.33). Para não repetir a matéria, ver n° 23, abaixo.

Por derradeiro: a súmula reporta a servidor que exerça atribuições de direção, chefia e assessoramento. o que é especialmente relevante, posto que o próprio STF, na sessão em que aprovou a Súmula 13, fez a distinção rigorosamente técnica entre agente administrativo e agente político, assujeitando o primeiro e libertando o segundo. Ocorre que também o STF afirmou, em tom grave e solene, que magistrado é agente político e não servidor público. Assim, e ainda quando o magistrado exerça atribuições desse tipo (é sempre bom lembrar que há magistrados assessorando Desembargadores e Ministros judiciários, o que também acontece no Ministério Público, com promotores assessorando procuradores de justiça) não está incluído na literalidade da Súmula, diante da qualificação que lhe deu o Pretório Excelso): "[...] Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica [...]" (RE 228.977-2/SP, Rel. o Min. Néri da Silveira, em 5/3/2002, no DJU de 12/04/2002, disponível em inteiro teor no site do STF). Do mesmo tom, na perspectiva da diferença entre magistrado e servidor, a ADI 691-6/TO, Rel. o Min. ILMAR GALVÃO, NO DJU, de 19/06/1992; o RE 181715-1/SP, Rel. o Min. MARCO AURÉLIO, no DJU de 07/02/1997; e o HC 724465-5/SP, no DJU de 24/11/1995.

E a qualificação (RE 228.977-2/SP) foi atribuída com transcrição de doutrina de HELY LOPES MEIRELLES, que inclui nessa categoria também membros do Ministério Público. No mesmo sentido, e até com ampliações, para abranger procuradores e defensores públicos, JOSÉ AFONSO DA SILVA, ao discorrer sobre teto de remuneração ou subsídios (Comentário Contextual à Constituição, Editora Malheiros, 5ª edição, p.341). Enfim, novamente é do Min. Marco Aurélio: "O Direito conta com instrumentos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não cabendo a mesclagem, quando esta se faz a ponto de ensejar regime diverso, construção que não se afina com o arcabouço normativo" (ADI 3324/DF). Aqui, vale o brocardo: suportas a jurisprudência que fizeste"...

13. Qual, então, e atualmente, o âmbito da proibição? Na súmula, o âmbito espacial de irradiação dos seus efeitos é a "mesma pessoa jurídica". Assim, desconsiderou-se o órgão – tecnicamente considerado como centro despersonalizado de formação e expressão da vontade imputada à pessoa jurídica – para ater-se àquela. E isso significa: definido o parentesco com a identificação do agente determinante do impedimento, tudo fica acantonado à mesma pessoa jurídica, não se estendendo a outra, dela diversa. Sirvo-me de exemplo: o parente determinante do impedimento é do quadro do Executivo – Administração Direta do Estado de Sergipe; o seu parente, tal como limitado pela Súmula, não pode ser nomeado para qualquer órgão, seja este Secretaria ou não, do Estado de Sergipe – Administração Direta; todavia, nada impede que o seja para uma autarquia ou fundação de direito público da Administração Indireta, pois que estas são pessoas jurídicas que com o Estado não se confundem. Observo que o que se é de presumir em Ministros do STF é a precisão técnica da redação, pois são onze Ministros todos dotados de notável, e não só notório, saber jurídico (reporto ao excerto, no alto, e ao n°11, parte final).

14. E como fica a nomeação recíproca de parentes dentro do grau estabelecido? É expressamente proibida, sob nomenclatura de "designações recíprocas".

15. Então, quer dizer que a nomeação deles é proibida? Na linguagem da súmula, "viola" a Constituição. Releve-se a cacofonia...

16. A Súmula foi ditada com base em quais precedentes? Estão todos eles disponíveis? ADI 1521/MC; MS 23780; ADC-12/MC; e RE 579.951/RN. Um deles, não. Trata-se do RE 579.951/RN após cujo julgamento se deu a proposta da súmula.

17. A Súmula foi precedida de reiteradas decisões sobre a mesma matéria constitucional? A meu pensar, não. Explico. Anteriormente à ADC-12, o que havia era a ADI 1521/RS, da relatoria do Min. MARCO AURÉLIO. E nela, o que se decidiu foi pela constitucionalidade da proibição de nomeação de parentes até o segundo grau, avançando-se na questão de saber se o parente ocupante de cargo efetivo poderia ocupar cargo em comissão, o que era respondido afirmativamente pelo Min. CARLOS VELLOSO, que restou vencido. Essa questão não foi discutida em nenhuma outra oportunidade. Nada mais foi dito, nem perguntado! No MS 23780/MA, Rel. o Min. JOAQUIM BARBOSA, leva-se a proibição ao terceiro grau, tendo em vista caso específico envolvendo servidora de outra repartição colocada à disposição da Justiça do Trabalho. O RE 579951/RN ainda não está disponível. Na ADC-12, retorna-se ao parentesco de terceiro grau. Assim, os precedentes, em matéria de singular e vincada importância, não me parecem possam configurar reiteradas decisões, que esta locução não está confinada a decisão repetida, reafirmada, somente. Mas, sim, a decisões várias vezes renovadas, e decisões vinculantes, por si mesmas, de modo a sedimentar uma convicção para além e acima de toda dúvida razoável. Há ainda que considerar o quorum com que proferidas, se houve divergências e se foram expressivas, de modo a legitimar eventual nova apreciação. Veja-se que no seu voto, na ADC-12, o Min. Gilmar Mendes aflora a questão da relevância jurídica do tema, mas silencia quanto a reiteração das decisões (n° 1.2, do voto). Leia-se na petição da ADC-12 que a ADIn 3627, Rel. o Min. Cezar Peluso, não foi conhecida e a ADIn 3632 encontra-se pendente de apreciação, enquanto mandados de segurança tramitam aguardando julgamento pelo STF (n.12/13 da petição).

18. Faz alguma diferença que estejam disponíveis ou não, já que a súmula foi publicada no DJU? Sim, isso porque o STF vem admitindo que o efeito vinculante se estenda para além da parte dispositiva para alcançar os chamados fundamentos determinantes ou motivos determinantes da decisão, ao menos no tocante ao controle concentrado de constitucionalidade, que se instaura em abstrato. Contudo, levada em conta a técnica de decisão utilizada no âmbito da Corte, não raro é extremamente difícil saber o que é fundamento determinante da decisão e o que é obter dictum, que este último não vincula. Ademais, é comum que os Ministros concordem na conclusão mas discordem nas premissas, o que exige redobrada atenção nesse tema de averiguação de qual o fundamento que predominou. Calha aqui a configuração do Poder Executivo como constituído de uma parte de si eleita pelo voto popular – o Presidente da República – e a outra constituída pelos Ministros de Estado, que não passam pela pia batismal do voto, distinção essa feita pelo ministro CARLOS BRITTO, no n.22, nota de rodapé, na ADC-12, em que se discutiu a constitucionalidade da Resolução n.07/2005, do CNJ. Valeria como razão determinante ou simplesmente como obter dictum? Daí se segue que a disponibilidade do inteiro teor é de fundamental relevância para que se saiba da exata pertinência da Súmula com os casos que serviram de precedentes para a sua expedição.

19. Antes da edição da Súmula 13, o STF já havia julgado dois casos em processos subjetivos, com eficácia decisória vinculante somente para as partes. A partir daí seria razoável dizer que a questão da nomeação de parentes para atribuições de direção, chefia e assessoramento, tenha se tornado irrelevante, posto que já conhecidas e, assim, não haveria espaço possível, nem argumento plausível em contrário, tudo se resumindo a mera recalcitrância à decisão da Corte? Parece que não. Isso porque, a ser assim, não teria o STF, atribuído caráter de repercussão geral, transcendente do interesse das partes, nem relevância jurídica, ao argumento de que só por lei, ou até apenas pela via de emenda constitucional, se poderia dispor a respeito da matéria, e não por ato de hierarquia normativa inferior. Aliás, foram essas, exatamente, as questões postas no RE 79.951/RN, e tidas como relevantes, do qual foi relator o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI. Confira-se a ementa: "CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. NEPOTISMO, PRINCÍPIO DA MORALIDADE. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. Questão que transcende os interesses subjetivos das partes." (DJe n° 088, divulgação em 15/05/2008 e publicação em 16/05/2008, sem o destaque, no original). Lembro que, ao se argumentar com a necessidade de lei,, ou até de emenda constitucional, não se fez referência à reserva privativa em favor do Presidente da República, tal como abordado no n° 10, acima.

20. Assim na ADC 12 como nos demais casos, a súmula foi editada com base em interpretação feita direta e imediatamente do texto constitucional. Essa interpretação tem efeito retro-operante? Projeta-se para o passado? Essa é questão, a meu ver, dramática, diante do princípio da segurança jurídica, que o Min. Carlos Britto considera como "elemento conceitual do Estado Democrático de Direito" e que tem servido para a modulação de efeitos nas decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Todavia, não só esse princípio, como também o da dignidade da pessoa humana, que tem o direito de ser tratada pelo Estado com lhanheza, sinceridade e lealdade. Ora, ou o indivíduo não deve confiar em nada do que o Estado faça, em termos de juridicidade, exigindo-lhe a todo o momento e em qualquer circunstância que demonstre cumpridamente a conformidade de seus atos com o ordenamento jurídico, para só então aceitar-lhes os efeitos ou então – esta é a doutrina dominante - se há de reconhecer o benefício da presunção de validade deles, de todos os atos estatais, especialmente os que repercutam de modo favorável na esfera jurídica dele, indivíduo, e com base nos quais freqüentemente planeja a sua segurança e a da sua própria família, nunca sendo demasiado lembrar que a família tem direito constitucional à proteção especial do Estado (Art.226, caput). Enfim, se um acusado de crime, ainda que hediondo, tem direito à presunção da inocência – e o STF vem enfatizando a mais não poder esse direito, indo mesmo ao desafio de clamores públicos – quem não é acusado de crime algum com maior razão o terá. Por derradeiro, a questão da norma de interpretação não tem sido habitualmente estudada pelos doutos. Cito, por enquanto, aquele que é considerado como o maior constitucionalista do Império, o Marquês de São Vicente, PIMENTA BUENO (ADI nº 4048/DF, em trecho negritado do Min. Celso de Mello, já disponível em inteiro teor no site do STF, em 12/09/2008), ao versar o tema das leis puramente interpretativas:

"[...] Desde quando é esta interpretação obrigatória? Respeita só ao futuro ou refere-se também ao passado? [...] Em regra, a declaração da lei não obriga senão de sua promulgação em diante, e não desde o tempo da lei interpretada, exceto se por disposição excepcional e expressa for o contrário determinado. [...] Embora algumas opiniões objetem que a lei interpretativa é só uma declaração da lei já existente, que os erros não constituem direito, ao menos quando não estão consumados por transações ou sentenças, que não se dá por isso verdadeira retroatividade, embora acumulem outras objeções; é certo que tais razões não passam de especiosas, não têm outra força que não seja a do hábito ou prejuízo. A lei por ser declaratória não deixa de ser lei, não deixa de estabelecer uma regra, que pelo menos não foi entendida, que por isso vem a ser nova, pois que não existia antes de feita e conhecida, e assim o dar-lhe uma data contemporânea com a lei interpretada, não se funda na realidade, senão sobre um artifício de palavras, quando pelo contrário: apoted, utlex moment, piusquam feriat. Basta que daí resulte, e sem dúvida alguma resulta, o fato da retroação, para que ela seja radicalmente não só injusta, como perigosa; sempre que a retroatividade tiver lugar, a segurança desaparecerá [...]" (Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, p.137, Editora 34, sem o destaque no original).

Entre os modernos, VICENTE RÁO, por todos, depois de criticar a ficção da corrente segundo a qual a lei interpretativa nada mais faz do que declarar o sentido que já possuía a lei interpretanda e, pois, aplica-se às relações anteriores à sua vigência: "É óbvio que, sem sacrifício do princípio (consagrado pelo próprio direito natural como inerente à natureza do homem) do respeito à segurança as relações legitimamente constituídas, não é possível atribuir-se às leis interpretativas, em todos os casos, a força de alcançar e alterar direitos e aquelas relações" (O DIREITO E A VIDA DOS DIREITOS, volume I, Tomo III, Editora Resenha Universitária/SP/1977, p. 465).

Também não é um indiferente jurídico, nem ético, que o STF, ao decidir dois precedentes pontuais, não tenha, diante da relevância do tema, sequer editado súmula de sua jurisprudência predominante, como lhe permitia e ainda permite o Regimento Interno. Quem sabe o quanto isso contribuiu para uma generalizada certeza de que a matéria configurava reserva de lei e não de Resolução do CNJ ou do CNMP??? Afinal, uma súmula é sempre mais conhecida do que decisões avulsas, mormente em época em que não vinculavam senão as partes no processo, o que sem dúvida leva os demais a delas não se interessarem!!! Aliás, essa é também a doutrina do festejado JOSÉ AFONSO DA SILVA, ob. cit. p. 560: "Tais súmulas (as da jurisprudência predominante) constituem um repositório extremamente importante para se conhecer a orientação do tribunal a respeito de determinadas matérias [...]."

Quem sabe se o STF não expediu esse tipo de súmula, à época dos precedentes, foi porque não havia uma jurisprudência assentada, como exigia o seu RI, no Art. 102? Difícil será o STF fazer o mea culpa!

21. A Súmula enseja desdobramentos idôneos o suficiente para dúvidas razoavelmente sérias? Parece-me que sim. Aliás, o próprio Presidente do STF, Min. GILMAR MENDES, assim reconheceu, em entrevistas à imprensa, dizendo que a Corte se reservaria para o exame das reclamações, caso a caso. Aqui, e de acordo com conhecida parêmia, abonada por magistério doutrinário de reconhecido prestígio, a norma da súmula haverá de adaptar-se à fisionomia do caso concreto, pois é assim e somente assim que se faz justiça. Dessas dúvidas, cito logo um exemplo, até porque de nenhum modo cogitado em qualquer dos precedentes: parente que exerça cargo em comissão há mais de cinco anos pode ser desligado dele, diante da regra da decadência constante do Art. 76, Parágrafo 1°, da LC 33/96 com a redação que lhe deu a LC 127/2006 – Código de Organização e de Procedimento da Administração Pública – em reprodução de idêntica norma da Lei de Processo Administrativo Federal (Lei n° 9.784, Art. 54) expedida em obséquio ao Art. 37, §5º, da CF, primeira parte (A lei estabelecerá os prazos de prescrição para os ilícitos administrativos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento)? Observo que os desligamentos se darão por motivo único ilegalidade/inconstitucionalidade - e, pois, exclusivamente, de nulidade do ato de nomeação e não por qualquer outra razão de utilidade, conveniência, oportunidade, perda de confiança, etc. Todavia, sendo esse o caso – e é -, a decadência já se consumara!!! Por oportuno, transcrevo trecho da petição inicial na ADC -12, da autoria da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, subscrita pelo Professor de reconhecida nomeada, Luís Roberto Barroso, e acolhida pelo STF: "Não se deve ignorar o fato de que podem existir situações jurídicas consolidadas, a exigir exame específico [...]", constante do nº 56 do arrazoado (disponível no site do STF, em inteiro teor, sem o destaque, no original).

E o próprio Ministro CARLOS BRITTO, ao votar na ADC-12, chegou mesmo a escrever no item 44 do seu voto (sem o destaque) que "[...] o que nos incumbe, nesta sede de controle abstrato de normas, é tão-somente aferir a constitucionalidade da Resolução n° 07/05. Não esmiuçar cada qual das suas teóricas possibilidades de incidência, menos ainda os particularizados efeitos de sua aplicação em concreto. Empreitada, essa, a cargo do próprio CNJ e, em derradeira análise, deste Pretório Excelso [...]." Acrescento que, a considerar que na lei não se presumem palavras inúteis – e a Constituição é a de maior hierarquia – é sempre estimulante dar uma olhada no que diz o Art. 54, inciso I, alíneas a e b. Na primeira, a vedação endereçada a Deputados e Senadores é a de firmar ou manter contratos com as pessoas jurídicas que indica; e, a segunda, aceitar ou exercer cargo, emprego ou função, inclusive comissionados, nas mesmas entidades...Valeria o raciocínio de que o que a Súmula proíbe é a nomeação e não a permanência de quem nomeado já fora?...Demais disso, não é um indiferente jurídico que as resoluções 07/2005 e 10/2005, ambas do CNJ, ao disporem sobre vedações – embora não o pudessem fazer - tenham escolhido criteriosamente a palavra exercício como objeto da proibição e não a nomeação ou a designação. Assim em uma quanto na outra está grafado: "É vedado o exercício..." Isso, mesmo depois que o Ministro MARCO AURÉLIO, na ADI 11521/MC-RS, haver advertido que o embrião da Emenda n° 12/95 à Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, proibitiva do nepotismo apresentar o inconveniente de proibir apenas a nomeação "[. ..] abrindo-se assim a brecha para a confortável interpretação de que a eficácia da norma seria para o futuro, não alcançando aqueles que já estivesse prestando serviços e, portanto, não abrangendo o próprio exercício [...]."

Com efeito, a Emenda alterou a redação originária da proposta, que passou a ser "ocupar" não mais "nomear". Pois bem. Como não se é de presumir que o CNJ, presidido pelo Presidente do STF, desconheça julgados da própria Corte, especialmente na matéria que se propôs regular – indevidamente, embora -, então se pode concluir que a escolha pela palavra exercício foi intencional, deliberada e bem advertida. A partir daí, e usando do mesmo raciocínio, não parece demasia, abuso ou extravagância, assentar que a Súmula 13 disse exatamente o que nela se lê – nomeação e não exercício! Deveras, se era para dizer o mesmo que as Resoluções diziam – proibição de exercício -, então para que mudar para proibição de nomeação?

22. A proposta da Súmula 13 foi submetida previamente à Comissão de Jurisprudência do STF, prevista no Regimento Interno do STF? Não, e o Min. MARCO AURÉLIO tem insistido na necessidade de prévia submissão da proposta de súmula vinculante à Comissão de Jurisprudência, prevista no próprio RI, pois a finalidade do exame prévio – segundo o Ministro - reside em prevenir eventuais desacertos que bem podem resultar da redação do verbete no calor das discussões, durante sessão do Pleno (DJe n° 172/2008, pp.30;31;e32). Nem se argumente que o Pleno supriria a exigência da audição prévia da Comissão de Jurisprudência, pois o Pleno pode muito, mas não pode tudo. Não pode substituir órgãos criados pelo Regimento, de caráter normativo, com atribuições próprias e relativamente às quais o que vigora é o princípio da indisponibilidade das competências públicas, além do que em várias ocasiões nem todos os integrantes da Comissão estão presentes à sessão em que apresentada proposta de súmula. O afã do STF de acelerar a prestação jurisdicional, e de viabilizar-se como órgão de máxima jurisdição, não lhe dá o direito de atropelar nem a Constituição, nem a lei! A esse preço não vai o princípio da eficiência. "O passo seria demasiado largo", para usar de frase tão a gosto do Min. MARCO AURÉLIO.

Neste ponto, calha como luva encomendada lição do festejado CELSO ANTÔNIO BANBEIRA DE NELLO, no seu Curso de Direito Administrativo, 18ª edição, Malheiros, p.112: "De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer referências óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca da eficiência justificaria a postergação daquele que é o dever administrativo por excelência [...]." Nada obstante reportado à função administrativa, não há motivo, creio eu, para excluir a doutrina do autor de aplicação à função jurisdicional, posto que ambas são funções interferentes no fenômeno da realização do Direito, de sua execução, pois. Na mesma trilha, o Ministro CELSO DE MELLO, na RTJ 175/267: "É, portanto, na Constituição e nas leis – e não na busca pragmática de resultados, independentemente da adequação dos meios à disciplina imposta pela ordem jurídica – que se deverá promover a solução do justo equilíbrio entre as relações de tensão que emergem do estado de permanente conflito entre o princípio da autoridade e o valor da liberdade [...]". Antes, asseverara o Ministro, na p. 266: "Ainda que em seu próprio domínio institucional, nenhum órgão estatal pode, legitimamente, pretender-se superior ou supor-se fora do alcance da autoridade suprema da Constituição Federal e das leis da República" [...]"

Ainda há mais, e não é um desimportante jurídico: à insistência do Min. MARCO AURÉLIO se acha subjacente – ao meu pensar [ademais do que ele próprio assentou] - a regra do Art. 3°, §2°, da Lei 11.417/2006, a saber: "No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal". Ora, se a edição - para ficar só nesse caso - das súmulas não obedece a nenhum procedimento juridicamente regulado, a um devido processo regimental, previamente conhecido, prescrito pela própria Lei 11417/2006, então, como, quando e que circunstâncias haverá participação de terceiros??? Aliás, ao que parece, a própria edição da Súmula 13 não observou à Lei, nesta perspectiva!!! Sessões do STF transmitidas pela TV JUSTIÇA, além de documentadas no DJe, têm exibido que propostas de súmula vinculante têm sido feitas de surpresa na própria sessão e até com quorum reduzido!!!(DJe 172/2006, pp.30 a 32).

E mais: "Pode e Deve: em Direito nem sempre exprimem coisas diferentes". São do autor: "Em regra, para a autoridade, que tem a prerrogativa de ajuizar, por alvedrio próprio, da oportunidade e dos meios apropriados para exercer as suas atribuições, o poder se resolve em dever" (CARLOS MAXIMILIANO, no seu Hermenêutica e Aplicação do Direito, pp. 20/272). No antigo Tribunal Federal de Recursos: "O vocábulo "poder" significa "dever" quando se trata de atribuições de autoridades administrativas" (Ap.Civ. 1422, Relator o Min. ALFREDO BERNARDES, na RDA 28). Não vejo razão para que não seja assim também com as da autoridade jurisdicional!

Essa questão é crucial, porque seres humanos estarão sujeitos a ser atingidos nas suas esferas jurídicas sem qualquer oportunidade de se fazerem ouvir, o que não se tolera nem quando se trata de criminoso hediondo!!! Portanto, cabe uma pergunta: estaríamos aqui diante da doutrina dos "frutos da árvore envenenada", a contaminar tudo quanto se fez ou se fizer a partir da Súmula??? Não seria este o caso de pedir o cancelamento da Súmula para que outra se edite com o cumprimento da Lei? Enfim, o próprio Procurador-Geral da República teria dito a parlamentares que está preocupado com o procedimento adotado pelo Tribunal e estuda uma maneira de levar o STF a restringir a edição de súmulas vinculantes (JORNAL DA CIDADE, edição de 13/9/2006, CADERNO 1, p.A-4).

Em resumo: a Constituição atribui ao STF competência para expedir súmula vinculante, na forma estabelecida em lei (Art.103-A). A Lei já existe: Lei 11.417/2006. E estabelece que há um procedimento a ser observado, remetendo a sua disciplina para o Regimento Interno da Corte; porém – e isso é importante – desde logo admitindo a participação de terceiro interessado, nada obstante a critério – não ao arbítrio – do relator. Por ora, relevo a questão de saber se a Lei poderia qualificar o processo de edição de súmula como procedimento, para o fim de transferir para regimento matéria que lhe cumpria disciplinar. O artifício parece evidente.

Por último, em PEDRO LENZA está consignado: "Finalmente, cabe alertar que o procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante obedecerá, subsidiariamente, ao disposto no Regimento Interno do STF" (ob. cit., p.512, sem o destaque no original).

Enfim, ao admitir a presença de terceiro no procedimento de edição de súmula vinculante, sem dúvida a Lei tem em conta o sadio princípio de que no processo de formação e extroversão da vontade do Estado – e a súmula expressa vontade do Estado exteriorizada pela via jurisdicional – é prudente ouvir antes de fazer obedecer, com o que, em derradeira análise, o que se faz é realçar a cidadania ativa, princípio fundamental da República Federativa do Brasil (Art.1º, inciso II, da CF). Com isso, preserva-se o Estado de decisões unilaterais e de viés autoritário, mutiladas por visão solitária e às vezes distorcida ou equivocada. O argumento de que a audição ou audiência prévia de terceiro fica ao alvitre do relator não é exato, na medida em que terá de motivar a sua decisão, por exigência constitucional (Art.93, inciso IX). Quanto ao caráter irrecorrível da decisão, não me parece compatível com a natureza do STF, órgão colegiado regido pelo princípio da reserva do plenário e, nessa medida, parece inconstitucional. Explico melhor: o Poder Judiciário, no Brasil, e por expressa opção constitucional, é constituído de órgão colegiados e órgãos singulares ou monocráticos, relevada a imperfeição (mais uma) de ter juízes como órgãos e não como agentes, pessoas físicas (Art.92).

Pois bem. A partir daí, o jurisdicionado tanto comparece em juízo colegiado quanto monocrático, na qualidade de autor, réu, oponente, litisconsorte, assistente, amicus curiae, seja lá o que for. E o seu magistrado é aquele desde logo previsto na Constituição e nas leis. Não faz sentido, então, seja o órgão fracionário, seja íntegro, mas em ambas as hipóteses colegiado, plural, que se prive o jurisdicionado das vantagens expressas até no brocardo popular de que várias cabeças juntas pensam melhor que uma. Assim, em um órgão de natureza colegiada, como é o STF, não é possível ter como constitucional que se prive o jurisdicionado de levar a sua causa ao corpo inteiro, nem que seja por meio de recurso! Singelo que seja! Sim, porque o colégio judiciário é o seu juiz natural! Isso parece óbvio e ululante. Nem se argumente que o STF precisa viabilizar-se funcionalmente como exigência do princípio fundamental do acesso á jurisdição útil. Não só justiça tarda é justiça falha ou suma injustiça, mas o é também aquela que, a pretexto da eficiência, atropela, minimiza, aniquila, defrauda direito fundamental do indivíduo, certo que este tem direito inalienável a que sua pretensão seja apreciada pelo órgão judiciário, monocrático ou colegiado, definido previamente pela Constituição! Não é à-toa que nos colégios judiciários domina o princípio da reserva do plenário! Este é que deve dizer ou a primeira palavra, ou, então, a última, em grau de recurso das decisões de órgãos fracionários ou, quiçá, de órgãos singulares. Submeter-se o jurisdicionado a decisão definitiva de magistrado singular, que nada mais é do que parte de um todo, é o mesmo que dar com uma mão e tirar com a outra! Não se pode atribuir tal contrafação à Constituição! Decididamente, o STF não pode, em nenhuma circunstância, buscar a celeridade jurisdicional pelos meios que lhe aprouver. Não pode raciocinar em termos de que se o Congresso não o faz, faço-o eu! Em Política, diz-se que o feio é perder, com o que se legitimam todos os meios de que depende a vitória. Mas, em Direito, insiste a mais não poder o Min. MARCO AURÉLIO, os fins nunca legitimam os meios e sim estes àqueles. Não foi nada mais, nada menos, o que reiterou o STF no MS 27585-5, Rel. a Min. CÁRMEM LÚCIA, no MS 27.585-5/DF, no DJe 184/2008, p. 50, ao discorrer sobre os poderes processuais do relator e o princípio da colegialidade, citando precedente do Min. CELSO DE MELLO: "O reconhecimento dessa competência monocrática, deferida ao Relator da causa, não transgride o postulado da colegialidade, pois sempre caberá, para os órgãos colegiados do Supremo Tribunal Federal (Plenário e Turmas) recurso contra as decisões singulares que venham a ser proferidas por seus juízes"(sem o negrito).

Então, a decisão monocrática irrecorrível é daquelas "chapadamente" inconstitucional (Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) ou, "alucinadamente" inconstitucional (Min. CARLOS BRITTO).

23. Quem está legitimado para pedir a revisão, a alteração e o cancelamento de súmula vinculante? O Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o Defensor Público-Geral da União; Partido Político com representação no Congresso Nacional; Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador do Estado ou do Distrito Federal; os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. Os Municípios também, embora com a restrição de que o façam em caráter incidental em causa na qual sejam parte (Art. 3°, incisos I a XI, e §1°, da Lei 11.417/2006).

24. Como se deve interpretar a Súmula 13? Seguramente, a Súmula tem um fim a alcançar e este é o de guardar a Constituição contra desvios de conduta que possam por em situação de risco real a efetividade de princípios constitucionais, dentre os quais o STF escolheu os da moralidade, impessoalidade e eficiência (Art.37, caput, da CF). Todavia, em direito o fim não legitima qualquer meio. O Min. MARCO AURÉLIO repete sempre que os meios é que legitimam os fins. Assentada essa premissa, o que se tem é Súmula que, por interpretação, determina exclusão de grupo de pessoas da nomeação de um tipo de cargo e funções públicas, e isso da perspectiva de uma Constituição que a) proíbe preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação e b) garante a liberdade de qualquer trabalho, ofício ou profissão (Art. 3°, inciso XIII, da CF), nesse último caso observadas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Trata-se, a meu sentir, de regra de exclusão, pois. E regras assim só se aplicam aos casos expressamente nelas contidos, literalmente. Tomo por empréstimo a exclusão do crédito tributário ou a sua suspensão, ou a outorga de isenção - que o Código Tributário Nacional manda sejam interpretadas literalmente (Art.111).

A propósito de regra desse tipo, essa é a doutrina dos ESPÍNOLAS, o pai e o filho, e também, talvez sobretudo, de RUY BARBOSA, citados por ALÍPIO SILVEIRA, no seu HERMENÊUTICA DO DIREITO, RT - Editora Revista dos Tribunais, 1° volume, pp. 218/219; e p.6 do 2º volume); daí já se vê que a sua marca mais visível é a da sua inextensibilidade, pelo que há de ficar confinada aos casos que especifica (ALÍPIO SILVEIRA, ob. cit. p.211). No mesmo sentido, CARLOS MAXIMILIANO, na sua ainda hoje inexcedível HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO", Editora FORENSE, 9ªedição, p. 227, citando disposição da antiga Lei de Introdução ao Código Civil, e p.231, onde cuida nomeadamente de interpretação de norma restritiva de liberdade, inclusive a de trabalho).

Mais recentemente, bem mais, o Min. CARLOS BRITTO, ao votar na ADC-12, da sua relatoria, em trecho em que discorre acerca exatamente das regras gerais e das regras de exceção, perfilhou esse mesmíssimo entendimento, - o de que disposições excepcionais não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente -, citando precisamente CARLOS MAXIMILANO, conforme se lê no n.22 do seu voto, disponível em inteiro teor no sítio do STF. Ainda mais próximo de hoje, o STF acolheu por unanimidade do Pleno voto da Ministra CÁRMEM LÚCIA emprestando interpretação literal (ao lado da histórico-teleológica) ao Art. 95, Parágrafo único, inciso I, verbis: "Aos juízes é vedado: a) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério". É dizer: como o preceito não repetia a expressão pública, constante de Constituições anteriores, salvo a de 67/69 com a Emenda 07/1977, que suprimiu a referência expressa à natureza pública da função, então se teve como nenhum o espaço de liberdade de interpretação, pelo que não seria lítico ao intérprete ampliar onde a norma restringiu. Vale dizer: as possibilidades semânticas do texto prevaleceram, ainda uma vez (MS 25.938-8/DF, no DJe n° 172).

De mais a mais, e tendo em vista o princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes, largamente aplicado pelo STF, não se deve ir às raias do excesso e sim estancar o passo no estritamente necessário ao cumprimento do fim inspirador da norma. Parece-me, então, que o fim da Súmula há de ser alcançado pelo meio nela própria definido como idôneo, sem ampliações indevidas inspiradas no temor reverencial ou no malsão juízo de que se os meus parentes não podem os seus também não, não importando a situação em que estejam. E o meio é a proibição do nepotismo tal como demarcado no seu texto, que não se serviu de estrutura de linguagem imprecisa, vaga, fluida, indefinida e indeterminada. Tudo o mais tem cheiro e sabor de extravagância.

Reconheço, entretanto, que não deixa de ser curioso: um parente não pode nomear seu próprio parente, não importa a sua qualificação e retidão moral, mas pode nomear os de outros, inclusive seus amigos, filhos, parentes e aderentes, ainda quando desqualificados e de duvidosa moralidade!!! E os agentes políticos, justamente aqueles que têm a responsabilidade gravíssima de definir os rumos do governo, de decidir a qualidade de vida de um povo inteiro, bem, estes podem nomear parentes à vontade, porque os princípios do Art. 37 da CF se aplicam à Administração Pública, não ao Governo!!! E, assim, ao contrário do que afirmado na petição da ADC 12 (n°43), a Súmula é impotente, inapta mesmo, para coibir o tratamento favorecido por parte de agentes públicos, por conta de relações de "afeto pessoal". Seguramente, se na Súmula não há excesso, há certamente insuficiência, o que também contraria o princípio da proporcionalidade/razoabilidade nas suas três vertentes!

Com feito, custa entender a lógica do razoável que presidiu a distinção entre agente administrativo e agente político, para dar tratamento favorecido a esta último. A distinção é, sem dúvida, rigorosamente técnica. Contudo, o seu resultado é desastroso! Parece que a seu respeito intérpretes supremos da Constituição não seguiram os conselhos do "príncipe da Hermenêutica, no Brasil, CARLOS MAXIMILIANO, que exortava o operador jurídico a desconfiar de si mesmo e a atentar para as conseqüências da sua interpretação... Realmente, faz pouco tempo alguns Ministros ficaram vencidos na tentativa de relativização do princípio da presunção da não culpabilidade, relativamente àqueles que decidiram sair da vida privada para ingressar na vida pública, com o que deixariam de presentar-se enquanto indivíduos para representarem cidadãos na vida política. Feita essa escolha, o princípio da precaução atuaria a favor da sociedade. Para isso, a vida pregressa do candidato seria levada em conta como condição de elegibilidade, não como fator de inelegibilidade. Aí, a interpretação seria mais rigorosa, para evitar que candidatos com vida pregressa de qualidade duvidosa ou de má qualidade pudessem formar os mais elevados escalões eletivos da República. Veja-se que a vida pregressa é condição para a moralidade no exercício do mandato. E aí é que está a perplexidade. Se é deles que mais se deve exigir, especialmente no plano do comportamento da excelência ética, então como entender que, no caso da nomeação de parentes, viola a Constituição a nomeação daqueles que o sejam na qualidade de agentes somente administrativos e não também no caso de agentes políticos? Quem é mais importante na escala de poder? Aquele que exerce funções de Governo, que define as diretrizes e metas a serem buscadas administrativamente, ou aqueles que apenas se limitam a executar tais metas e diretrizes? Então, é honesto deixar de nomear mulher, filhos, sobrinhos, companheira, pai, mãe, avós, para cargos de pequena expressão, na Administração Pública, inclusive de menor repercussão financeira, não importando a boa qualificação que possam ostentar, mas é honesto fazê-lo para cargo de Ministro de Estado, Secretário de Estado ou de Município? Após a Súmula, Governador de certo Estado nomeou seu irmão para ser Secretário desse mesmo Estado e tudo foi considerado como bom, firme e valioso (MEDIDA CAUTEKAR NA RECLAMAÇÃO N.6650-9/PR, Rel. a Min. ELLEN GRACIE, no DJe 184/2008, pp.99/100). Todavia, se o houvesse nomeado para chefe do almoxarife do Palácio do Governo, bem, aí violaria a Constituição! Estranhos tempos, esses...

25. Se estiverem ressalvados da proibição os parentes que ocuparem cargo de provimento efetivo, qual a lógica razoável? Difícil, muito difícil saber qual. Com efeito, se estão disponíveis para exercer o cargo ou a função que tem, na confiança, a sua base de escolha, cinco ou seis servidores igualmente concursados e aptos a tal desempenho, de carreiras tecnicamente pertinentes às atribuições de direção, chefia e assessoramento, por que razão escolher exatamente o parente??? Por que não o sorteio??? Ora, o parente fez concurso, sim, porém, para cargo efetivo e não para o cargo em comissão! Como dizer, nessa circunstância, que a escolha entre iguais não se fez por laço de parentesco e de afeto pessoal??? Que não restam transgredidos os princípios da impessoalidade e o da moralidade??? A propósito, essa questão foi explicitamente enfrentada na ADI 1521/MC/RS e a resposta foi pela inclusão deles na proibição, expressiva maioria.

26. Qual a conseqüência de eventual descumprimento da Súmula? A reclamação para o próprio STF, com base no Art. 102, inciso I, alínea l, da CF. Somente. O mais é "discurso de conteúdo preocupantemente autoritário". Atente-se para que a reclamação é processo de índole subjetiva e não objetiva e, pois, não se lhe aplica a disciplina do sistema concentrado de controle de constitucionalidade, inclusive a eficácia erga omnes (AgR na Reclamação n°3030-0/SP, Rel, o Min. CARLOS BRITTO, no DJe 171, p.51). A respeito, ALEXANDRE DE MORAES:

"Além disso, é importante ressaltar que competirá a cada um dos magistrados, no analisar o caso concreto, a conclusão pela aplicação de determinada súmula ou não, ou mesmo a possibilidade de apontar novos pontos característicos que não se encontram analisados na Súmula, ou ainda, a necessidade de alteração da súmula em virtude da evolução do Direito, de maneira semelhante ao que ocorre no direito norte-americano [...] A EC nº45/2004, corretamente, não previu, por exagerado e inútil, nenhum mecanismo que possa responsabilizar disciplinarmente o juiz pela não-adoção das súmulas vinculantes. A proteção as validade das súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal será feita da mesma maneira como vem ocorrendo com os efeitos vinculantes nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, por meio de reclamações (CF, art.102, I, l, cc art. 103-A, §3º - conferir no Capítulo 12, item 10.9.1).

Neste ponto, uma observação: o excerto foi recolhido na 20ª edição, de 2006. Ainda não havia sido publicada a Lei 11.417/2006, que disciplinou a edição da súmula vinculante. Pois bem. A lei já existe e nela é exatamente isso o que se lê, inclusive quanto à possibilidade de revisão de súmula. Leia-se: "Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação" (Art. 7°).

Mais ainda: "Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinado que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso." (§2°). A única hipótese de responsabilização por descumprimento de súmula vinculante está no Art. 64-B da Lei federal 9784/99, com a redação que lhe deu a Lei 11.417/2006: "Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado de súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal". Quanto aos magistrados, avança o autor, "A lei não fixou nenhuma sanção aplicável aos magistrados, garantindo-se, como anotou o Ministro MARCO AURÉLIO, "a liberdade do magistrado de apreciar os elementos para definir se a conclusão do processo deve ser harmônica ou não com o verbete" (PEDRO LENZA, ob. cit.,p.513).

27. E se o descumprimento se der não por ato administrativo e sim por omissão ou inércia administrativa? Nesse caso, a Lei 11.417/2006 traz a resposta: "Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após o esgotamento das vias administrativas" (§1°, sem o destaque). E isso significa que o acesso ao Judiciário, seja por quem for, está interditado enquanto não se exaurir a via administrativa, tal como acontece com as ações relativas à disciplina e às competições desportivas, submetidas primeiramente ao crivo da Justiça Desportiva (Art.217, §§1° e 2°, da CF).

28. E no caso em que a Súmula seja aplicada em processo administrativo? Também a resposta está na Lei 11.414/2006. Alegada no recurso violação de enunciado de súmula vinculante (contrariedade, negativa de vigência ou indevida aplicação), o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso tudo na conformidade do Art. 63-A, introduzido na Lei 9784/99 pela Lei 11.417/2006. Note-se que o Artigo admite a inaplicabilidade da Súmula, desde que motivada.

29. Quem está legitimado para propor a reclamação? As partes interessadas e o Ministério Público, este pelo Procurador-Geral da República. Quanto ao conceito de parte interessada, foi ampliado jurisprudencialmente para abranger quem quer que seja prejudicado pela decisão contrária á súmula editada, seja de órgão do Judiciário, seja da Administração Pública de todos os níveis, ainda que não tenha participado do processo em que o acórdão foi prolatado, com o que o STF reajustou jurisprudência anterior, em sentido oposto (AgR na Reclamação 1.880-6/SP, Rel. o Min. MAURÍCIO CORRÊA, no DJ de 19/03/2004, citando precedentes). No caso específico da Súmula n° 13, como não há direito a ser nomeado para cargo em comissão, só o Procurador-Geral resta legitimado.

30.. A Resolução CNJ 7/2005 é de observância obrigatória para quem? Somente para o Judiciário, conforme expressamente consignado assim na ADC 12 quanto no RE 579951/RS. Portanto, as suas disposições, inclusive a enumeração dos casos, meramente exemplificativos que nela se contêm, não se aplicam em nenhuma circunstância, por sua própria autoridade, aos demais Poderes e órgãos constitucionais. Registro que a Resolução nº 7/2005 já não tem a mesma redação de antes. Agora, está assim redigida: "Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III, as nomeações e designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe esteja afeta e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, além da qualificação profissional do servidor, vedada, em qualquer caso, a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade"(redação dada pela Resolução n° 21, de 29 de agosto de 2006).

Neste ponto, uma ressalva importante: o único órgão do Poder Judiciário que está totalmente fora do controle do CNJ é exatamente o STF, isso a despeito de a Constituição prescrever que compete ao Conselho o controle da atuação administrativa, financeira e disciplinar do Poder Judiciário. Todavia, o STF excluiu-se desse controle. Como Supremo, controla a si mesmo, o que não parece afinado com a idéia republicana que conforma o Estado Democrático de Direito, no Brasil, e, em decorrência da qual, nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. Contudo, quem guarda a Constituição e diz o que ela diz é nada menos do que o STF! [ADI 3.367-1, Rel. o Min. CEZAR PELUSO, unânime, no DJU de 17/3/2006). Nessa medida, toda objeção parece fadada ao insucesso..., ressalvado o exercício de humildade pela Corte Suprema. Entretanto, não custa lembra a frase bem humorada de PIERO CALAMANDREI, ao dizer que os juízes têm o poder mágico de fazerem do quadrado redondo e ,do branco, negro, agora já não só pela coisa julgada, mas também pela súmula vinculante...

31. O que fazer com os casos na zona de incerteza, abrigados na Súmula? Parece-me de acordo com a lógica do razoável que se dê ao STF a oportunidade de resolvê-los, por provocação de quem legitimado, até porque "[...] O direito deve distinguir pessoas e situações distintas entre si, a fim de conferir tratamentos normativos diversos a pessoas e a situações que não sejam iguais [...]" = Excerto de voto do Min. EROS GRAU, na ADI 3324/DF. Aqui, parece oportuno o destaque feito na petição da ADC-12, no item n°56, pela própria Associação dos Magistrados Brasileiros, no sentido de que "[...] Não se pode ignorar o fato de que podem existir situações jurídicas consolidadas, a exigir exame específico [...]." Na dúvida, entre privar o comissionado de verba de natureza alimentar, que a Constituição beneficia inclusive com preferência na ordem cronológica de precatórios, aconselha a prudência que a autoridade competente para desprover o cargo suscite a questão perante o Judiciário, até porque nenhum prejuízo ocorrerá para o Erário, desde que a presunção é a de que o comissionado esteja trabalhando, pois, como bem frisado pelo Min. MARCO AURÉLIO, não se presume o incomum, o anormal, o teratológico, o excepcional, e sim o normal que é o trabalho efetivo, presumidamente acompanhado pelo controle interno administrativo. Aqui, o periculum in mora atua a favor do comissionado e não contra.

32. A literatura jurídica sobre súmula vinculante é abundante e de boa qualidade? Ainda não, com as exceções de sempre, é claro. Refiro-me à doutrina produzida após a EC 45/2004 e a Lei 11.417/2006. Cito como exemplos PAULO BONAVIDES, no seu Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 23ª edição – dela não cuida; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, no seu Curso de Direito Constitucional, 34ª edição, Saraiva – dedica-lhe meia página, 267/267; JOSÉ AFONSO DA SILVA, no seu Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 30ª edição, dedica-lhe as pp. 564 a 566; ALEXANDRE DE MORAES, no seu Direito Constitucional, 20ª edição, Atlas, reserva-lhe as pp. 532 a 539, e, assim mesmo, é de notar que a edição é anterior à Lei 11.417/2006. Enfim, PEDRO LENZA, no seu Direito Constitucional Esquematizado, 12ª edição, Saraiva, que me conste, o que mais minudentemente trata da questão.

33. Diante da Súmula n°13, como ficam a prescrição ou a decadência, que traduzem expressões concretizadoras do princípio da segurança jurídica, de abundante aplicação no STF? Esta questão já foi abordada anteriormente. Tenho para mim que não se tem como editar atos administrativos, ou decisões judiciais, com base na Súmula para desfazer nomeações ou designações com mais de cinco anos desde a data em que praticadas, isso por força do Art. 54 da Lei nº9784/99, no plano federal, segundo o qual "O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé."No Estado de Sergipe, idêntica norma também vigora, desde a Lei Complementar n° 127/2006, que deu nova redação ao Art. 76, Parágrafo 1°, da Lei Complementar n° 33/96 – Código de Organização e de Procedimento da Administração Pública do Estado de Sergipe. É esta a redação: "O direito da Administração de decretar a nulidade de seus atos, atuando de ofício ou provocadamente, decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé." Tais atos, pois, estão cobertos pela decadência, salvo, evidentemente, se ambas as leis tiverem decretada a sua inconstitucionalidade em controle incidental ou abstrato. No Estado de Sergipe, pois, a cláusula é da maior explicitude: de ofício ou provocadamente. E a Lei só deixa de obrigar quando tem a sua inconstitucionalidade judicialmente reconhecida! Veja-se: houve ilícito? Na visão da Súmula, sim. Contudo, já se acha coberto pelo manto da decadência, até em obséquio ao Art. 37, §5°, da CF: "A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as ações de ressarcimento."

Antecipo aqui, para prevenir objeções irrefletidas, que a única razão determinante do desligamento será a ilegalidade/inconstitucionalidade do ato de nomeação. Esse o único motivo determinante e mais nenhum outro, que sequer precisaria ser declarado. Entretanto, aqui, o ato de desligamento está vinculado a um exclusivo motivo. E a motivação, nesse caso, é requisito de validade do ato, seja ele discricionário ou não, especialmente quando afeta a esfera jurídica do seu destinatário de modo desfavorável para ele.

Dias atrás, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RMS 25.652/PB, a propósito de nomeações realizadas sem concurso público, que se impunha, apesar de reconhecer que o vício era de índole constitucional, levou em conta que tudo se passara há mais de vinte anos, com o que o tempo, que tudo sara, o havia convalidado, fundada a decisão nos princípios da razoabilidade e da segurança jurídica, com aplicação ao caso da Lei n° 9784/99 (Informativo STJ 368/2008), princípios esses de largo uso no STF.

34. Servidores alcançados pela Súmula ficam privados do devido processo legal, cuja natureza de direito fundamental é antecipada pela Constituição? Tenho para mim que não, em nenhuma circunstância. O Art. 5°, inciso LV, é de clareza solar. Onde houver litígio, seja o processo judiciário, seja administrativo, não importa, ou acusação em geral e não só a criminal, aí se impõem, sob pena de gravíssimo gesto de infidelidade constitucional, o contraditório e a ampla defesa. E, no caso versado, os nomeados por ato estatal, ornado de presunção de validade, são partes de um litígio traduzido nas duas tradicionais vertentes: alguém defendendo um direito que outro nega. Ademais, estão debaixo da acusação de ocuparem ilicitamente cargo ou função pública. É o suficiente, ao menos para mim. Se não bastasse ao convencimento, leia-se:

Tratando-se de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo, que enseje a audição daqueles que terão modificada a sua situação. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum à Administração e ao particular" (RE 199.733-8/MG, Rel. o Min. Marco Aurélio, no DJU de 30/04/99, sem o destaque em negrito).

E a Súmula nº 3: "Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato e concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão." [sem o destaque, no original].

35. Como se deu o tratamento da matéria em leis e atos normativos de inferior hierarquia? Aqui, a questão beira o caos. Realmente, e só para exemplificar, na Lei n.8112/90, consta: "Ao servidor é proibido manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, conjugue, companheiro ou parente, até o segundo grau civil." (Art. 117, inciso VIII). O limite do parentesco é o segundo grau e não o terceiro (inclusive), tanto na linha reta quanto na colateral, ademais de a proibição restringir-se ao serviço sob subordinação direta e imediata do parente determinante da incompatibilidade. Na Lei n. 9.241/96, art.10, está escrito, sem o destaque em negrito: "No âmbito da jurisdição de cada tribunal ou juízo é vedada a nomeação ou designação, para os cargos em comissão e para as funções comissionadas de que trata o art.9º, de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, salvo a de servidor ocupante de cargo de provimento efetivo das Carreiras Judiciárias, caso em que a vedação é restrita à nomeação para servir junto ao Magistrado determinante da incompatibilidade". Veja-se: agora, a incompatibilidade se dá com os membros do tribunal ou juizes a este vinculados e não apenas com a autoridade nomeante e não abrange o parentesco com servidor ocupante de cargos ou funções que exigem a confiança. Além do que, exclui da proibição o servidor efetivo, desde que ocupante de cargo da carreira judiciária do próprio tribunal. Já no Rio Grande do Sul, emenda à Constituição daquele Estado proibia a nomeação de parentes até o segundo grau e foi declarada constitucional. Na Resolução CNJ 7/2005, com a redação da Resolução n.21/2006, se lê: "Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem. ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, além da qualificação profissional do servidor, vedada em qualquer caso a nomeação ou designação para servir ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade". Mudou, novamente, para exigir requisitos outros, que não constavam anteriormente. De mais a mais, chega a ser redundante, ao falar em servidores efetivos e, ao mesmo tempo, concursados. Algum há que não o seja? Na Lei n° 11.416, de 15 de Dezembro de 2006, o Art.6° prescreve: "No âmbito da jurisdição de cada tribunal ou juízo é vedada a nomeação ou designação, para os cargos em comissão e funções comissionadas, de cônjuge, companheiro, parente ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros e juízes vinculados, salvo a de ocupante de cargo de provimento efetivo das Carreiras dos Quadros de Pessoal do Poder Judiciário, caso em que a vedação é restrita à nomeação ou designação para servir perante o magistrado determinante da incompatibilidade". Observo que houve época em que até o magistrado aposentado era determinante da incompatibilidade, nos cinco anos posteriores à aposentadoria (Lei 7872, de 08/11/89, Art. 18)! E, finalmente, a Súmula n.13, acima transcrita!!! Nesta, o parente determinante da incompatibilidade é a autoridade nomeante ou servidor naquelas condições indicadas.

36. Eventual iniciativa de questionar em juízo a Súmula, total ou parcialmente, ainda quando somente para excluir-se alguém do seu âmbito de incidência, configuraria ato de improbidade? Absolutamente!!! O direito de acesso à jurisdição, ou o direito ao processo, é daqueles de centralidade fundamental, expressamente consignado no Art.5°, inciso XXXV, da CF. Leia-se, a propósito: "[...] O legislador constituinte, ao enaltecer o postulado assegurador do ingresso em juízo, fez uma clara opção de natureza política, pois teve a percepção – fundamental sob todos os aspectos – de que, onde inexista a possibilidade do amparo judicial, haverá, sempre, a realidade opressiva e intolerável do arbítrio do Estado ou, até mesmo, dos excessos de particulares, quando transgridam, injustamente, os direitos de qualquer pessoa. É por essa razão que a norma constitucional garantidora do direito ao processo tem sido definida por eminentes autores como o parágrafo régio do Estado Democrático de Direito, pois, sem o reconhecimento dessa essencial prerrogativa de caráter político-jurídico, restarão descaracterizados os aspectos que tipificam as organizações estatais fundadas no princípio da liberdade." (Tutela Antecipada na Reclamação n° 6588-8/PR, Rel. o Min. CELSO DE MELLO, no DJe n° 181/2008, p.97).

36.Algo mais? Sim.

Primeiro: a Súmula, sob certa perspectiva, parece que confunde mais que esclarece. Com efeito, o seu enunciado vale para todos, sem exceção? Ou vale para a magistratura e o Ministério Público o que normatizado nas respectivas Resoluções, que não coincidem? E no caso do Rio Grande do Sul, em que o STF afiançou a constitucionalidade da proibição até o segundo grau, inclusive, e não ao terceiro (RE 579.951/RS)? Não vale mais, seja qual for a situação dos que foram nomeados com base no entendimento plenário da Corte? E quanto à Lei n.8112/90, continua o segundo grau? Uma coisa parece certa: as Resoluções do CNJ e do Ministério Público não obrigam senão ao Judiciário e ao Ministério Público, que as podem revogar e submeter-se somente à Súmula, tal como expedida.

Segundo: em qual dos precedentes se discutiu a questão do parentesco com servidor ocupante de cargo em comissão, ou função de confiança, de direção, chefia e assessoramento? Em nenhum deles esta questão sequer foi aflorada. Com efeito, na ADI1521-4/RS, Rel. o Min. MARCO AURÉLIO, o que estava em causa era o parentesco até o segundo grau de quem expressamente nomeado pela Emenda Constitucional n°12/95, dentre os quais constavam Diretores-Gerais, Presidentes ou titulares de cargos equivalentes, Vice-Presidente ou equivalentes, no âmbito da respectiva autarquia, fundação instituída ou mantida pelo Poder Público, empresa pública ou sociedade de economia mista. E, ainda assim, note-se bem, no âmbito da respectiva entidade! E não de qualquer outra, embora integrada na mesma Administração. Quanto aos parentes do Governador, estavam excluídos de nomeação para a Administração Direta do Poder Executivo, e não também da Indireta. Aliás, essa menor abrangência foi percebida pelo Ministro-Relator, que a ela expressamente se referiu em seu douto voto. Quanto aos parentes de Desembargadores e de Juízes de 2° grau, a proibição estava restrita ao âmbito do Judiciário. Já no MS 23.780/MA, tudo ficou reduzido ao caso concreto: servidora da Secretaria de Estado da Educação que, à época da sua nomeação para cargo comissionado do TRT da 16ª Região, era irmã de Magistrado que ocupava a Vice-Presidência do Tribunal, todavia, lá já se encontrava há muito tempo e não houvera qualquer impugnação. Na ADC-12/MC, relatada pelo ministro CARLOS BRITTO, extrai-se do seu voto o seguinte excerto, sem o destque em itálico e negrito: "Uma explicação adicional, todavia, parece-me cabível e ela se traduz no seguinte: o que nos incumbe, nesta sede de controle abstrato de constitucionalidade de normas, é tão-somente aferir a constitucionalidade da Resolução n° 07/05. Não esmiuçar cada qual das suas teóricas possibilidades de incidência, menos ainda os particularizados efeitos de sua aplicação em concreto. Empreitada, essa, a cargo do próprio CNJ e, em derradeira análise, deste Pretório Excelso."(fls.43). O acórdão do RE 579951/RN ainda hoje está pendente de publicação e não está disponível em inteiro teor no site do STF.O acórdão no RE. 579.951/RN anda não se acha disponível em inteiro teor, posto que pendente de publicação (em 28/09/2008).

Terceiro: inobstante já julgada a ADC-12, da qual não cabe ação rescisória, caberia mesmo essa ação tendo como objeto a declaração de constitucionalidade da Resolução CNJ 07/2005? Trata-se de questão delicada, porém, em respeitosíssima divergência, parece-me que não. Isso porque a ADC tem na alça de mira lei ou ato normativo federal. Recentemente, o STF reajustou tradicional jurisprudência para admitir o controle de constitucionalidade em abstrato de lei, seja em sentido formal, seja em sentido material, e, quanto às demais espécies normativas de menor hierarquia, desde que abstratas, genéricas e impessoais, reaproximando-se de autores como JOSÉ AFONSO DA SILVA, que assim já doutrinava no seu Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, 5ª edição). Pois bem. O que faz a Resolução 07/2005? Veda a prática de nepotismo, no âmbito do Judiciário nacional, conforme se lê no seu Art.1°. Trata-se, pois, de ordem proibitiva, abrangente de situações nomeadas nos diversos incisos, exemplificativamente. Mais expletivamente: ordem proibitiva para diversas situações, porém sempre ordem proibitiva. Ora, a vedação ou proibição é sempre, em qualquer circunstância, uma ordem, de modo que produz, por si só, o resultado pretendido; a sua repercussão na esfera jurídica do destinatário da proibição é direta e imediata, independe da prática de outro ato jurídico. E, a despeito de, muitas vezes, não se possa identificar pelo patronímico os seus destinatários, estes serão determinados ao se colocarem no âmbito da vedação. Isso, contudo, não a faz abstrata, mas apenas geral, o que é completamente diferente. A norma proibitiva é daquelas de efeito concreto, razão por que contra ela cabe mandado de segurança, com o afastamento da Súmula 266, do STF. Assim, e tendo em conta a nova jurisprudência, uma lei proibitiva, de efeito concreto, pois, será objeto idôneo para o controle concentrado de constitucionalidade, mas não os demais atos normativos não qualificados como leis!

Essa, aliás, a doutrina já formulada pelo eminente professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, na obra citada, pp. 540/541.

E, salvo má interpretação da minha parte, pela qual desde agora me penitencio, é exatamente a doutrina estampada na ementa do MS 25.938-8/DF, Rel. a Ministra CÁMEM LÚCIA, no DJe n° 172/2008, divulgado em 11/09/2008 e publicação em 12/09/2008, julgado pelo Pleno, em 24 de abril de 2008, por unanimidade.

Veja-se que, tanto na Resolução 07/005, quanto na Resolução 10/2005, esta última cuidando da proibição de exercício por Magistrados – novamente a palavra exercício – de funções na Justiça Desportiva e em Comissões Disciplinares, em ambas as Resoluções há vedação de exercício e em ambas há ordem de desligamento. No entanto, o STF não teve a última delas – a Resolução 10/2005 - como lei em tese, para o efeito de afastar o cabimento do mandado de segurança! Ora, o conteúdo delas é o mesmo: norma de vedação! Se na Resolução 10/2005 não havia lei em tese, como considerar que na Resolução 07/2005 havia?

Enfim, é do próprio STF:

"A noção de "ato normativo", para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pressupõe, além de sua autonomia jurídica, a constatação do seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade, elementos que lhe conferem aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou individuais , futuros" (STF, ADI/QO 587-MG, Rel. o Min. CELSO DE MELLO, no DJU de 8/5/1992, sem o negrito).

Quarto: a Súmula está apoiada em fundamentos que lhe são determinantes. Pois bem: a licitação é daquelas projeções concretizadoras dos mesmos princípios invocados como violados pela nomeação de parentes – a moralidade, a impessoalidade e a eficiência. No entanto, no catálogo das inexigibilidades está a contratação de profissional de notória especialização. Na ética do legislador – até hoje não declarada inconstitucional pelo STF – a notoriedade da especialização é razão suficiente para afastar a regra geral da licitação obrigatória, o que mostra que mesmo tais princípios não são absolutos e comportam afastamento, considerada a perspectiva do caso concreto. D’outra banda, o concurso público, também ele, obsequia aqueles princípios. Entretanto, juristas em quem se reconhece notável saber jurídico são nomeados sem que se submetam ao certame seletivo e competitivo, ainda quando se trate da magistratura mais importante do País – o STF -. Às vezes, basta o notório saber e não também o notável. Valeria o contra-argumento de que outros notáveis e notórios também existem e, pois, qual a razão da preterição deles? Pura discricionariedade, sem qualquer motivação do ato de escolha de uns e não de outros? Também quanto se trata de Desembargador, no quinto reservado aos advogados, não há concurso; e também no quinto reservado a membro do Ministério Público, valendo notar que este ainda fez concurso para essa formidável instituição, mas aquele, o advogado, não.

Quinto: no limite da ingenuidade, para usar de palavra amena, dir-se-ia que "viola" a Constituição a nomeação (se vivos fossem) dos parentes RUY BARBOSA, TOBIAS BARRETO, EDUARDO ESPÍNOLA, VITOR NUNES LEAL, CASTRO NUNES, OROZIMBO NONATO, CLÓVIS BEVILÁQUA, ANÍBAL FREIRE, PONTES DE MIRANDA, JOÃO BARBALHO, CARLOS MAXIMILANO, HELY LOPES MEIRELLES, GERALDO ATALIBA??? Ou, dentre os vivos, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, JOSÉ AFONSO DA SILVA, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, RAUL MACHADO HORTA, ALEXANDRE DE MORAES, MARIA SYLVIA ZANNELA DI PIETRO, e tantos outros seus pares de notável e notório saber jurídico??? Mas, como esses não dão como frutos em árvores, fico com aqueles que, mesmo não sendo estupendamente qualificados, possuam tudo quanto os diferenciam (para melhor) de outros, não-parentes. Serão preteridos em favor desses últimos pelo estigma exclusivo do parentesco? Essa, a lógica da razoabilidade/proporcionalidade? Talvez porque seriam eles, todos eles, os parentes, abrangidos pela insólita e irrefletida generalização de linguagem noticiada no Informativo STF 516, de 18 a 22/08/2008, a quando do julgamento do RE 579.951/RN? Linguagem esparramada e bombástica, a saber: "[...] haja vista a inapetência daqueles (os parentes) e seu completo despreparo para o exercício das funções que alegadamente exercem [...]." Quantos há que superam em qualidades os não-parentes, em experiência e titulação acadêmica? Nenhum? Assim como não se encontrou nenhum inocente em SODOMA E GOMORRA? Essa ácida linguagem não se aplica, todavia, aos parentes-agentes-políticos, que, sem dúvida, são todos eles da mais invejável qualificação e a sua escolha não afronta nem a moralidade, nem a impessoalidade, nem a eficiência. Um governo todo de parentes?, como perguntou o Min. RICARDO LEWANDOSWSKI, na sessão de julgamento da ADC-12, transmitida pela TV JUSTIÇA? Essa maneira de ler o texto normativo está de acordo com que "Deve o Direito ser interpretado inteligentemente, não de modo a que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis"? (CARLOS MAXIMILIANO, ob. cit., p.183).

Sexto: creio, com todas as vênias do mundo, que o STF perdeu uma excelente oportunidade de resolver de vez com tantos problemas criados pelos cargos em comissão, na medida em que poderia sumular o regime jurídico deles, com as notas da generalidade, abstração e impessoalidade!

Afinal, quantos ainda existem que acreditam no mito do STF como legislador (apenas) negativo???


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALEGRE, José Sérgio Monte. Súmula vinculante nº13 do STF. Decifra-me ou te devoro!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1938, 21 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11866. Acesso em: 20 abr. 2024.