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Existe futuro para os partidos políticos?

Existe futuro para os partidos políticos?

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Sumário: 1.Introdução.2.A substituição dos partidos por outras corporações.2.1.O futuro dos partidos políticos. 2.2. Em busca da representatividade necessária.


1. Introdução

Desde a Grécia antiga os homens já se organizavam ao redor de grupos favoráveis ou desfavoráveis a determinadas personagens públicas. Essas uniões espontâneas, marcadas pelo interesse de um grupo e delegação de poderes por ele a alguém para representá-lo, podem ser consideradas os primeiros rascunhos do atual conceito de partido político. Eram na verdade facções que muito se distanciavam dos padrões atuais de partido.

Em Atenas, o Agora era a praça onde o povo se reunia para exercitar diretamente o poder político. Sem intermediários, os gregos se desincumbiam nesse local público, de deliberar sobre as questões legislativas, executivas e judiciárias.

Essa democracia direta, romanticamente lembrada por muitos como modelo da verdadeira soberania popular, não teria qualquer possibilidade de ser atualmente praticada. Nem mesmo um exercício cerebrino alucinado poderia conceber a reunião de todos os eleitores em um local para legislar, julgar ou administrar.

Contudo, o cidadão moderno, embora impossibilitado de agir diretamente frente ao Estado, não abandonou a ideia primitiva de reunir-se em agrupamentos para a defesa de seus interesses, e por isso, construiu o governo democrático de bases representativas. É, portanto, na realidade partidária que se encontra ou deveria encontrar, no momento atual, a consagração da manutenção da possibilidade da participação popular no exerício do poder em um Estado social. Entretanto, assim como as facções, que um dia serviram ao povo grego, já não fazem qualquer sentido para as atuais democraciais, existem hoje elementos e circunstâncias que levam ao questionamento sobre a sobrevivência dos partidos políticos.


2. A substituição dos partidos por outras corporações

Ao iniciar esse artigo é preciso deixar anotado que, dada a constatação de estar a humanidade procedendo a uma grande travessia, do local passando para o global1, se estará fazendo referência aqui a apenas um momento histórico, o atual. E esse momento é de fragilidade dos conceitos, complexidade e perplexidade. A mundialização ou globalização, ao mesmo tempo que exige cooperação incentiva o individual e leva ao extremo as ideias do liberalismo que o dissemina.

O economista peruano Francisco Sagasti, ex-diretor da planificação estratégia no Banco Mundial, em artigo sobre debates no século XXI2, menciona que em Cajamara, no norte do Peru, todos os anos, os produtores de batata oferecem de presente sementes que deram as melhores colheitas do ano. É um momento de grande satisfacão, em que os camponeses se sentem felizes por contribuírem com o sucesso dos seus vizinhos. No ano de 2005 a festa foi marcada pela presença de grandes sociedades internacionais que levaram sementes para patentearem os seus genes e depois as venderem com lucro.

Existe neste corriqueiro e ao mesmo tempo preocupante caso de pirataria genética internacional, da qual, inclusive, consta ser o Brasil a maior vítima3, um resumo das complexidades articuladas do mundo presente.

As relações individuais pacíficas assentadas em princípios éticos de uma pequena comunidade, como a de Cajamara no Peru, abrem atualmente caminho para outros tipos de ligações sociais, ameaçadoras, desestabilizantes, desafiadoras e envolventes.

A conceituada revista Isto É, edição de 25 de junho de 2008, traz entrevista com o Ministro da Justiça brasileiro, Tarso Genro, onde afirma existirem na Amazonia organizações não-governamentais estrangeiras que, com a roupagem de defensoras do meio ambiente, encobrem outros interesses, entre eles a biopirataria4.

O general Maynard Santa Rosa, secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa do Brasil, em maio de 2007, afirmou perante a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que muitas das organizações não-governamentais (ONGs) em atuação na Amazónia "têm interesses ocultos como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e de pessoas e até mesmo espionagem"5. Fez questão de frisar, no mesmo depoimento, "que as informações por ele prestadas têm caráter oficial e não são meras opiniões".

Consta ainda da mesma notícia sobre as declarações do general Santa Rosa, que dados dos serviços de inteligência dos órgãos de segurança (Forças Armadas, Abin e Polícia Federal) indicam que 100 mil ONGs operam na Amazonia.

Por sua vez, a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), que também é uma ONG, tem atualmente lançado em seu site6 os principais projetos das suas afiliadas, onde se constata que são campanhas relacionadas às grandes questões nacionais, tais como: as eleições municipais de 2008 (sob o mote de combate à corrupção eleitoral); a reforma tributária brasileira (com o argumento de uma reforma justa); a reforma política e participação popular (com a tese de uma reforma ampla, democrática e participativa); a reforma agrária (pela limitação ao direito de propriedade); a questão indígena (pela demarcação e regularização de Terras Indígenas, mesmo em faixas de fronteira); entres outras.

Considerando a relevância dos temas abordados por essas inúmeras ONGs estabelecidas no Brasil, inclusive estrangeiras, quase todos envolvendo assuntos afetos ao regime político e soberania do país, é possível cogitar de desvios nas reais finalidades e interesses dessas organizações.

Essa situação bastante curiosa, que não é só brasileira, tem levado outros sistemas políticos, até então aparentemente consolidados, a situações desconfortáveis e questionamentos profundos sobre o futuro de suas estruturas político partidárias. Existe um sentimento de ameaça e encurralamento provocado pelas organizações sociais não governamentais.

Na Alemanha, o jornal DW-Word De Deutsche Welle, de 04.09.2007, comenta que o fortalecimento das organizações não-governamentais, com o engajamento de jovens nessas corporações, por preferirem projetos específicos por um prazo limitado, colocam em xeque a representatividade do modelo partidário do país. E mais, coloca o mesmo periódico, muitos potenciais membros de partidos políticos podem mesmo deixar a política completamente de lado em favor de movimentos sociais. Nessa mesma matéria, Oskar Niedumayer, professor de ciência política da Universidade Livre de Berlim, avalia não estar prevista uma era dourada para o futuro próximo dos partidos políticos, que terão de fazer de tudo para manter constante o seu número de sócios.7

Fernando Massote, Doutor em Filosofia e professor da UFMG, embora acredite que as ONGS não substituirão os partidos políticos na Alemanha, observa que o registro da crise dos últimos é geral. Aponta que eles não mobilizam mais o élan participativo, de base, espontâneo, das pessoas e grupos. Este élan, segundo ainda o Prof. Massote, mesmo hoje muito diminuído, busca apoiar-se nas ONGs, cujos propósitos programáticos encarnam temas mais concretos. As pessoas são por elas envolvidas de forma mais afetiva, porque representam interesses mais imediatos e organizam, também, universos ideais mais homogêneos8.

Por sua vez, a Ong Transparency International (Tl), em 09 de dezembro de 2004, afirmou que os partidos políticos são as instituições mais corruptas do mundo, situando o Brasil entre os primeiros na lista dos países com os políticos mais desmoralizados, provocando comentários do tipo: "Partido é mau, Ong é que é legal..."9.

Deste modo, embora não seja novidade que há alguns anos se assista no Brasil a eclosão e a proliferação não só de organizações não-governamentais, como também de grandes seitas, chama a atenção e impressiona, tanto a intromissão delas nas grandes questões nacionais, como a diversidade e o poder de cooptação de filiados e adeptos que elas possuem.

Pesquisa realizada no ano de 2006 pela Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública do Senado Federal voltada a analisar o perfil do chamado terceiro setor na imprensa, concluiu que as ONGs possuem uma marca forte, com alta credibilidade, nítido perfil urbano e concentrada em trabalhos de cunho social. Aponta a mesma pesquisa, como fatores principais para a expansão dessas organizações tanto no campo como nas cidades, a crescente complexidade da sociedade nacional e a exacerbação de problemas e desigualdades que marcam o atual estágio do desenvolvimento brasileiro. Por fim, a última conclusão desse trabalho indica que, embora a presença das ONGs na esfera política seja um fenómeno relativamente recente, ele tende a crescer10.

E é com lastro nessa derradeira observação da equipe de pesquisadores do Senado, e na divulgação em 10 de junho de 2008, de outra pesquisa nacional, esta feita pela Associação dos Magistrados Brasileiros, indicando que os partidos políticos formam atualmente a instituição menos confiável do país, em que apenas 22% dizem nela creditar11, que esse breve escrito caminha no sentido de provocar algumas reflexões, a partir das seguintes indagações:

Os partidos políticos, como conhecemos hoje, entraram em irreversível colapso?

Estará a política brasileira destinada a ser exercida e comandada por corporações?

2.1 . O futuro dos partidos políticos

Embora os verdadeiros entendidos da matéria possam dar respostas mais consistente a essas interrogações, é possível adiantar que o fortalecimento da democracia passa pelo fortalecimento dos partidos políticos12. É que, sem partidos políticos sólidos e atuantes, a soberania popular se extingue no dia das eleições. É na fiscalização dos eleitos, que não tem como ser feita individualmente pêlos eleitores, que se sobressaem os partidos.

Como afirma o Prof. Augusto Aras, "os partidos políticos compõem uma instituição imprescindível ao funcionamento da democracia representativa. O Estado democrático não pode funcionar sem eles. A existência do próprio Estado está atrelada, contemporaneamente, à existência de partidos políticos na sociedade."13.

E diz mais o mesmo professor da UFBA, "se os partidos forem extintos desaparece o sistema representativo e, conseqüentemente, suprime-se a democracia, a menos que se consiga fantasiar uma democracia exclusivamente direta, algo impensável nos tempos atuais"14.

No entanto, partidos isolados, criados e mantidos sem a participação popular, que agem desrespeitando a critérios de fidelidade e disciplina, não têm como exercitar suas funções essenciais em uma democracia, e nem ao menos merecem a consideração e o status a eles reservado na estrutura estatal moderna.

Ainda que se reconheça a grande importância e apogeu histórico dos partidos políticos no século XX, na medida em que, mundo afora, cresceu a participação popular no exercício do poder, não se pode olvidar que, tanto no Brasil como em outras democracias, o prestígio da instituição partidária assimilou a decadência nas décadas finais desse mesmo século.

A corrupção partidária, ao mostrar suas diversas nuanças, acabou por criar uma generalizada desilusão nos eleitores, que passaram a procurar outras associações ou corporações para servir de ponte para as suas reivindicações sociais.

A confiança reservada aos partidos políticos brasileiros se deslocou velozmente para diversificadas instituições, inclusive com retorno à antiga fidúcia às mais diversas crenças. As igrejas pentecostais e neopetencostais, sendo entre as últimas, a Igreja Universal do Reino de Deus a com maior número de adeptos e representação política no Brasil, passaram a exercer um poder temporal paralelo ao poder espiritual, com forte influência não só no parlamento como no próprio executivo. Influência esta ancorada em altíssimo poder de barganha extraído do número enorme de eleitores que encontram nessas igrejas a legitimidade para representá-los socialmente.

Outros movimentos sociais, normalmente nascidos da reunião de pessoas com os mesmos problemas, e insatisfeitas com questões comuns, a exemplo do conhecido movimento "dos sem terra", também engrossa o número de corporações paralelas aos partidos políticos no Brasil. Assim, não é preciso examinar a questão com lupas, para constar que os partidos políticos sofrem sério problema de legitimidade, pois além de não estarem atendendo as expectativas do povo, conforme pesquisas anteriormente apontadas, ainda suportam uma disputa por parte de organizações, que além de possuírem forte poder de comunicação com seus filiados, dada a proximidade que mantém com eles, ainda trabalham com outras perspectivas que vão desde o atendimento a pequenas necessidades materiais até a consideração do afeto, e por vezes da própria espiritualidade.

2.2. Em busca da representatividade necessária

Como os partidos políticos agem ou deveriam agir em outras esferas de expectativa dos cidadãos, e não podem e nem devem suprir diretamente privações materiais ou espirituais da população, a superação da crise de representatividade pela qual eles passam talvez exija outros comportamentos, que alguns agora se indicam para reflexão, como é a proposta deste artigo:

a) Mudança de paradigmas, com atenção efetiva e constante aos seus adeptos.

b) Investigação permanente da vontade coletiva, dando respostas coerentes a ela.

c) Compromisso com a ética, superando ou ao menos minimizando a imagem de organização corrupta, passando para o patamar de instituição em que o povo possa confiar.

d) Eficaz regulamentação e cumprimento da fidelidade partidária, fornecendo a idéia de uma organização constante com que se possa contar mesmo depois de transcorridos os períodos eleitorais.

e) Conquista de independência e liberdade de atuação, da formacomo possuem as outras corporações mencionadas nesse texto.


Referências Bibliográficas

ARAS, Augusto. Fidelidade Partidária. A perda do Mandato Parlamentar. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2006, p.81.

BOFF, Leonardo. O despertar da águia: o diabólico e o simbólico na construção da realidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 113.

SAGASTI, Franscisco. Ciência, Tecnologia e Mundialização. Para onde vão os valores. Lisboa: Instituto Piaget, 2006, p. 169.

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Revista Isto É nº 2016, ano 31, 25 de junho de 2008, São Paulo: Editora Três, p. 6.


Notas

1. BOFF, Leonardo. O despertar da águia: o diabólico e o simbólico na construção da realidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 113.

2. SAGASTI, Franscisco. Ciência, Tecnologia e Mundialização. Para onde vão os valores. Lisboa: Instituto Piaget, 2006, p. 169.

3. htt p: //www .agenciaamazonia.com.br.

4. Revista Isto É nº 2016, ano 31, 25 de junho de 2008, São Paulo: Editora Três, p. 6.

5. http:/www.defesanet.com.br/zz/toa_ongs.htm.

6. http:/www.abong.org.br

7. http:/www.dw-world.de/dw/article/o (2144,2764250,oohtm/).

8. http:/www.massote.pro.br/?p=9.

9. http:/www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/12/297106.shtm.

10.http:/www.senado.gov.br/sf/senado/centralderelacionamento/sepop/pdf/Relatório%20final%ONGs%20na%20Midia.pd.

11. http:/www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa/barometro.pdf.

12. ARAS, Augusto.Fidelidade Partidária. A perda do Mandato Parlamentar. Rio de Janeiro: Lumen Juris.2006,p.81.

13. Idem, p. 69.

14. Ibidem, p. 69.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado no livro " Temas Atuais de Direito Eleitoral - Estudos em homenagem ao Ministro José Augusto Delgado", Org. Daniel Castro Gomes da Costa, São Paulo, Pillares, 2009.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLORENCE, Ruy Celso Barbosa. Existe futuro para os partidos políticos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1976, 28 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12018. Acesso em: 26 abr. 2024.