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Flexibilização das normas trabalhistas e sua constitucionalidade

Flexibilização das normas trabalhistas e sua constitucionalidade

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"O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, de novo debaixo do sol. Há alguma cousa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós".(BÍBLIA. Livro do Eclesiastes. 1, 9-10)

RESUMO

O mundo do trabalho sofre constantes mudanças e o direito do trabalho, por conseqüência, profundas alterações, diante da flexibilização e da desregulamentação dos direitos dos trabalhadores. Com isso a dignidade da pessoa (trabalhador) desaba e, sendo princípio elencado na ordem constitucional brasileira como baluarte de todo o nosso ordenamento jurídico (Constituição, art. 1º, III), visto que o primado do trabalho é a base da ordem social (art. 193), faz-se necessário, perante os princípios basilares do direito do trabalho e também dos princípios da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e da proibição do retrocesso social, refletir acerca da problemática. Este é um trabalho de caráter dialético, pois, ao analisar as garantias constitucionais, ressalta a prevalência de manter-se os direitos trabalhistas já conquistados.

Palavras-chave: desregulamentação, flexibilização, princípios.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO. 1.1 Antecedentes1.2 O direito do trabalho no Brasil. 2. PRINCÍPIOS. 2.1 Conceito. 2.2 Princípios do direito do trabalho. 2.2.1 Princípio protetor. 2.2.2 Princípio da irrenunciabilidade de direitos. 2.2.3 Princípio da continuidade do contrato. 2.2.4 Princípio da primazia da realidade. 2.2.5 Outros princípios. 2.3 Princípio da dignidade da pessoa humana. 2.4 Princípio da segurança jurídica. 2.5 Princípio da proibição do retrocesso social. 3. REFORMA TRABALHISTA. 3.1 Neoliberalismo e globalização. 3.2 Flexibilização e desregulamentação. 3.3 Constitucionalidade. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

O trabalho nasceu com a criação do mundo, pois, quando Deus "criou os céus e a terra", trabalhou e, portanto, mesmo que de uma forma rudimentar, nascia naquele momento o trabalho. Depois, vieram os primeiros trabalhadores, Abel e Caim, o primeiro como pastor de ovelhas; o segundo, como lavrador. (BÍBLIA. Gênesis. 4, 2).

Assim se sucedeu na Antigüidade, em tempos priscos, forma rudimentar de trabalho. Abel e Caim foram os precursores deste que é, hoje, pode-se dizer, um "luxo" para quem, à noite, adormece pelo cansaço de ter pastoreado as ovelhas e ter lavrado a sua eira nos grandes centros industriais do país, pois, assim como eles pastoreavam e lavravam (trabalhavam), o homem do século XXI da era cristã precisa, com o suor do seu rosto e com o trabalho de suas mãos, pastorear e lavrar nas indústrias do país para ganhar o seu pão e, assim, com dignidade, poder ser "cidadão de verdade", porque o trabalho traz dignidade à pessoa, que está inscrita como princípio fundamental na Constituição Federal de 1988.

Art. 1º A República federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Município e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana (o grifo é meu);

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Desde que o mundo é mundo, as relações trabalhistas sempre existiram. Noé, certamente, não construiu a Arca sozinho. No entanto, hoje, estão acentuadamente agudas, para não dizer nevrálgicas, as relações trabalhistas entre trabalhador e empregador, visto que, com o neoliberalismo freneticamente acelerado, o que fez minar o desemprego, para tristeza dos trabalhadores, empresas tomam o lugar do timoneiro (Estado) na jangada das relações trabalhistas. Fica, então, evidente uma espécie de escravidão "branca" – poder-se-ia dizer preta, pois de branca nada tem – eis que o trabalhador se submete ao estresse de a qualquer momento poder ser despedido e não ser recolocado no mercado de trabalho. E isso não é só, pois, no auge da sua experiência da vida, o trabalhador se vê como um "trapo" que somente serve para fazer pequenos trabalhos, ou seja, "bicos", esquecendo-se que por trás de cada um existe uma família, ou seja, mulher e filhos.

A flexibilização e a desregulamentação das normas trabalhistas, sem dúvida, acredito, trarão grandes conseqüências ao trabalhador. Se o Estado não o proteger com normas rígidas, que garantam a sua dignidade, o particular o fará? Ledo engano, pois a exploração do homem pelo homem vem desde tempos priscos, o que levou os Estados, em sua grande maioria, a insculpir nas suas constituições direitos que garantam um mínimo de dignidade às pessoas.

O baluarte da dignidade do trabalhador, igualando os desiguais na proporção das suas desigualdades, é a Constituição; no entanto, flexibilizando ou desregulamentando as relações trabalhistas, o trabalhador, em tese, deixará de ter a proteção do Estado (Constituição) para ter a sua própria proteção. Será, numa metáfora, como um pássaro voando no espaço em busca de uma árvore para pousar, mas que, já cansado, vê-se preso nas garras da águia, a qual, na espreita, o faz prisioneiro e o sufoca nas garras do emprego com baixa remuneração ou, até mesmo, do emprego do "bico".

O presente trabalho está dividido em três partes: na primeira, faz-se um breve histórico do direito do trabalho; na segunda, discorre-se sobre os princípios do direito do trabalho, dando ênfase aos princípios da dignidade da pessoa, da segurança jurídica e da proibição do retrocesso social, os quais vêm ao encontro do tema proposto; por último, cuida-se da reforma trabalhista – globalização, neoliberalismo, flexibilização, desregulamentação e a constitucionalidade de tal reforma –, confrontando os direitos individuais com os sociais perante o artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição brasileira de 1988.


1. HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO

Neste capítulo faz-se uma revisão acerca dos antecedentes do direito do trabalho, bem como da caminhada histórica desse ramo do direito no Brasil. Esse estudo permitirá que se visualize mais aprofundadamente em que contexto se insere a flexibilização das normas trabalhistas diante da legislação brasileira.

1.1 Antecedentes

A escravidão foi, para o homem, o ponto inicial do trabalho, pois nos combates (guerras)

[...] que travava contra seus semelhantes, pertencentes a outras tribos e grupos, terminada a refrega, acabava de matar os adversários que tinham ficado feridos, ou para devorá-los ou para se liberar dos incômodos que ainda podiam provocar.

Depois compenetrou-se de que, em vez de liquidar os prisioneiros, era mais útil escravizá-los para gozar do seu trabalho. (VIANNA, 2003, p. 117).

Com o passar do tempo, a liberdade já se impunha a esse aprisionamento, mas como não tinham condições nem qualificação, continuavam trabalhando para o mesmo senhor que os escravizara. Então, ele os escravizava ainda mais, pois "os livres" tinham de pagar o seu próprio sustento. Como os seus salários eram ínfimos, a escravidão continuava, pois o "liberto" não tinha outra alternativa a não ser prestar os seus serviços àquele que de forma mais rude impunha a sua vontade, pagando salários incompatíveis para uma existência digna de ser humano.

Vianna escreve:

Ganhando a liberdade, esses homens não tinham outro direito senão o de trabalhar nos seus ofícios habituais ou alugando-se a terceiros, mas com a vantagem de ganhar o salário para si próprios.

Àquele tempo, a escravidão era considerada coisa justa e necessária, tendo Aristóteles afirmado que, para conseguir cultura, era necessário ser rico e ocioso e isso não seria possível sem a escravidão. É curioso anotar que o grande estagirita, com um dom profético, soube prever que a "escravidão poderá desaparecer quando a lançadeira do tear se movimentar sozinha". (2003, p. 28).

Lapidarmente, Ripert esclarece: "A liberdade não basta para assegurar a igualdade, pois os mais fortes depressa se tornam opressores." (apud VIANNA, 2003, p. 33).

No Brasil, infelizmente, em pleno século XXI, grassa a escravidão, visto que "fazendeiros mantêm, em regiões longínquas, trabalhadores confinados em suas propriedades guardados por vigias armados". (VIANNA, 2003, p. 29).

Após os longos períodos da escravidão, passou o trabalhador para o regime da servidão, na época das sociedades feudais, no qual, na realidade, segundo Vianna (2003, p. 29), o trabalhador não dispunha da sua liberdade. Mais tarde, passou-se pelas corporações, onde apareceram os grupos de profissionais.

Interessante registro é o que aconteceu na Espanha, onde o rei e as cortes, segundo Vianna, tiveram forte intervenção no direito regulamentar das corporações. Relata o autor:

As Cortes de Valladolid (1351) fixaram a jornada de trabalho de sol a sol com períodos de descanso para alimentação e asseguraram a liberdade de qualquer pessoa ensinar ofício "a quem soubesse e quisesse aprendê-lo"; nas Cortes de Toro se declarava que ‘todos os ofícios são legítimos’, proibia-se o penhor dos instrumentos de trabalho e extinguia-se a prisão do trabalhador por motivo de dívida. (2003, p. 31).

Continuando, narra o mesmo autor que, "em 17 de junho (de 1791) a Lei Chapelier dava o golpe de morte nas corporações, como atentado aos direitos do homem e do cidadão". (VIANNA, 2003, p. 31). Na época, o Estado mantinha-se inerte a tudo isso, de modo que

a completa libertação do trabalhador teria de se fazer mais tarde como conseqüência da revolução industrial e da generalização do trabalho assalariado, numa nova luta, não mais contra o senhor da terra nem contra o mestre da corporação, e sim contra um poder muito maior, o patrão, o capitalista, amparado pelo Estado, na sua missão de mero fiscal da lei e aplicador da justiça. (VIANNA, 2003, p. 32).

A Revolução Industrial, uma revolução que não foi só industrial, mas foi também de relações entre patrões e empregados, acarretou a

[...] redução da mão-de-obra porque, mesmo com o aparecimento das grandes oficinas e fábricas, para obter determinado resultado na produção não era necessário tão grande número de operários [...] seus salários eram baixos porque, com o antigo sistema do artesanato, cada peça custava muito mais caro do que com a produção em série. (VIANNA, 2003, p. 32).

Oliveira Viana traz interessante comentário acerca da liberdade auferida pelo trabalhador da época:

Entregue à sua fraqueza, abandonado pelo Estado, que o largava a sua própria sorte, apenas lhe afirmando que era livre, o operário não passava de um simples meio de produção.

O trabalhador, na sua dignidade fundamental de pessoa humana, não interessava ou não preocupava os chefes industriais daquele período. Era a duração do trabalho levada além do máximo da resistência normais do indivíduo. Os salários, que não tinham, como hoje, a barreira dos mínimos vitais, baixavam até onde a concorrência do mercado de braços permitia que eles se aviltassem. Embolsando o trabalhador regularmente as prestações pelo seu trabalho, julgavam os patrões que, assim procedendo, estavam cumprindo integralmente os seus deveres para esse colaborador principal da sua fonte crescente. (apud VIANNA, 2003, p. 34).

O descrito por Viana vem a calhar em nossos dias como a luva na mão do cirurgião, eis que a situação do trabalhador contemporâneo é idêntica, com raríssimas exceções. Nesse sentido, colaciona-se um longo trecho do autor, citado por Segadas Vianna, pois nota-se que as coisas não mudaram, ou mudaram muito pouco. É, pois, um trecho que retrata a realidade atual:

[...] no seu supermundo, em monopólio absoluto, os ricos avocavam-se todos os favores e todas as benesses da civilização e da cultura: a opulência e as comodidades dos palácios, a fartura transbordante das ucharias, as galas e os encantos da sociabilidade e do mundismo, as honrarias e os ouropéis das magistraturas do Estado. Em suma: saúde, o repouso, a tranqüilidade, a paz, o triunfo, a segurança do futuro para si e para os seus.

No seu inframundo repulava a população européia: era toda uma ralé fatigada, sórdida, andrajosa, esgotada pelo trabalho e pela alimentação; inteiramente afastada da magistratura do Estado; vivendo em mansardas escuras, carecida dos recursos mais elementares de higiene individual e coletiva; oprimida pela deficiência dos salários; angustiada pela instabilidade do emprego; atormentada pela insegurança do futuro, próprio e da prole; estropiada pelos acidentes sem reparação; abatida pela miséria sem socorro; torturada na desesperança da invalidez e da velhice sem pão, sem abrigo, sem amparo. Só a caridade privada, o impulso generoso de algumas almas piedosas, sensíveis a essa miséria imensa, ousava atravessar as fronteiras deste inframundo, os círculos tenebrosos deste novo inferno, para levar, aqui e ali, espaçada e desordenadamente, o lenitivo das esmolas, quero dizer: o socorro aleatório de uma assistência insuficiente. Os capitães de indústria, ocupados com a acumulação e a contagem de seus milhões e o gozo dos benefícios de sua riqueza, não tinham uma consciência muito clara do que significava a existência deste inframundo da miséria, que fica do outro lado da miséria, que fica do outro lado da vida, longe de suas vistas aristocráticas, e cujos gritos de ódio, cujas apóstrofes indignadas, cujas reivindicações de justiça eles não estavam em condições de ouvir e, menos ainda, de entender e atender’. (apud VIANNA, 2003, p. 34-35).

O Estado, diante disso tudo, portava-se de forma inerte e deixava a população à mercê dos dissabores da vida e sob o poder do mais forte. Conforme relato de Viana:

Diante dessa situação, o Estado liberal portava-se como mero espectador, por que inspirado na fórmula laissez aller, laissez faire, que Gournay erigiu como lema característico do sistema, sua função seria apenas garantir a ordem social e política, com a força organizada, com os tribunais distribuindo justiça e dando aos particulares ampla liberdade de ação econômica.

Vivia-se com o Estado liberal a época do mais alto florescimento de uma ditadura – a do capitalismo -, que em nome da Igualdade e da Liberdade tornava-se o senhor supremo de toda a sociedade trabalhadora. (apud VIANNA, 2003, p. 35).

Com o passar do tempo, o sistema liberal entrou em decadência e começou uma incipiente nova ordem, qual seja: a igualdade jurídica e desigualdade econômica.

Joaquim Pimenta escreve sobre a ausência do Estado em nome da liberdade, autonomia e igualdade das partes, esta última uma ficção jurídica:

Em nome da liberdade, que não podia sofrer restrições sob o pretexto da autonomia contratual, abstinha-se, entretanto, o legislador de tomar medidas para garantir uma igualdade jurídica que desaparecia diante da desigualdade econômica. "O nível de capacidade legal de agir, de contratar, em que se defrontavam operário e patrão, ambos iguais porque ambos soberanos no seu direito cedia e se tornava ficção com a evidente inferioridade econômica do primeiro em face do segundo. Se a categoria de cidadão colocava os dois no mesmo plano de igualdade, não impedira essa igualdade, como alguém observou, que o cidadão-proletário, politicamente soberano no Estado, acabasse, economicamente, escravo na fábrica."

Na verdade, o Direito apenas garantia a riqueza patrimonial do homem, esquecido de que este, além dos bens materiais, tinha direitos morais que necessitavam ser protegidos, e que a própria dignidade humana estava rebaixada diante da opressão econômica. (apud VIANNA, 2003, p. 36).

Surgiu, então, um nova era social: a era do Estado intervencionista. O Estado como órgão de equilíbrio, a serviço da humanidade. Nascia, então, como lembra Segadas Vianna, o direito do trabalho. (VIANNA, 2003, p. 41).

Arnaldo Süssekind lembra que "o Direito do trabalho é um produto da reação verificada no século XIX contra a exploração dos assalariados por empresários." (2004, p. 7).

Numa certa ordem cronológica e finalizando tais antecedentes, destacam-se alguns países e datas em que fatos marcantes ocorreram ao longo do caminho da evolução do direito do trabalho. Lembra-se, no entanto, que tais datas e fatos são obra de Segadas Vianna, no seu Antecedentes Históricos. 1750 a 1800 – Inglaterra: inventos decisivos das máquinas industriais (1764-65), tear mecânico (1785-90), máquina a vapor (1790), petições dos trabalhadores pedindo a proibição do uso de máquinas e, como resultado, a lei de proteção das máquinas; 1800 a 1825 – Brasil: a Constituição de 1824 assegura a liberdade do trabalho e extingue as corporações de ofício; 1825 a 1850 – Suíça: fundação da primeira associação operária em Biel (1833), Marx e Engels unem-se no Congresso de Londres (1847), publicação do Manifesto Comunista (1848); 1850 a 1875 – França: reconhecimento do direito de greve (1864); 1875 a 1900 – Brasil: abolida a escravidão (1888), e na França: Proclamação, no Congresso Internacional de Trabalhadores, do dia de oito horas e de 1º de maio como Dia do Trabalho (1889); na Suíça: Congresso de Zurich, no qual se sugeriu a criação de um direito internacional do trabalho (1883); na Itália: divulgada a Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII (1891); 1900 a 1920 – Brasil: lei permitindo a organização sindical (1903), aprovada a Lei de Acidentes do trabalho (1919), greves em todos os cantos do país; no México: a Constituição de 1917 eleva as normas de proteção do trabalho ao nível de garantia constitucional; Tratado de Versailles, em 1919, cria a OIT; 1920 a 1980 – Brasil: instituição do seguro social para os ferroviários (1923), aprovação de Lei de Férias (1925), criação do Ministério do Trabalho (1930), aprovação de Lei Sindical (março de 1931), lei sobre Convenções Coletivas (agosto de 1932), criação das Juntas de Conciliação e Julgamento (novembro de 1934), criação do primeiro grande instituto de seguro social (1934), lei dando indenização por despedida injusta (1935), criação das Comissões de Salário Mínimo (1936), organização da Justiça do Trabalho (1939), instituição do salário mínimo (maio de 1940), aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho (maio de 1943), reconhecimento na Constituição do direito de greve (1946). (VIANNA, 2003, p. 42-48 - grifos nossos).

Com esse pequeno intróito, percebe-se que o trabalhador galgou direitos, no entanto hoje vive quase que em situação idêntica às do passado - "[...] oprimido pela deficiência dos salários; angustiado pela instabilidade do emprego; atormentado pela insegurança do futuro, próprio e da prole. [...]." (OLIVEIRA VIANA apud, VIANNA, 2003, p. 35).

1.2 O direito do trabalho no Brasil

Historicamente, o direito do trabalho no Brasil pode ser dividido em três partes: da independência à abolição da escravatura, de 1888 a 1930 e de 1930 até os dias atuais. (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2004, p. 27).

No tempo do Brasil–Império, os trabalhadores eram os escravos vindo do continente africano e trabalhavam na atividade agrícola. Ali reinava "essencialmente" o chicote, eis que, conforme escreve Segadas Vianna, tais trabalhadores

[...] nem ao menos se sentiam capazes de ser possuidores de qualquer direito; os casos registrados de rebelião, de fuga, de organização de confraria de pretos forros, tudo isso tinha como causa apenas o desejo de libertarem-se de alguns raros senhores violentos, mas nunca o anseio de igualdade jurídica, de obtenção de direitos e regalias, de que os escravos jamais tinham ouvido falar. Nem existiam indústrias desenvolvidas, e, salvo algumas, de instalações e métodos primitivos, de cerâmica e madeira, tudo se fazia com um artesanato ainda incapaz de se organizar. (VIANNA, 2003, p. 50).

A abolição da escravatura não foi realizada pela revolta dos negros escravos, mas, sim, debatida

[...] por uma elite intelectual, focalizando o seu aspecto desumano e a posição de inferioridade em que essa mancha colocava nosso País diante dos outros povos civilizados. [...] a abolição da escravatura não teve, salvo na economia dos senhores de escravos, uma repercussão nacional de caráter político ou social. Ato de generosidade de Princesa Isabel, resultou mais de seu coração humanitário e da ação de alguns oradores e escritores do que de uma pressão da opinião pública, que não chegou a se contaminar pela campanha abolicionista. (VIANNA, 2003, p. 50).

Conforme Segadas Vianna, o problema social da escravidão

[...] significava mais o reflexo de leituras sobre o mundo europeu do que a observação de fatos verificados no País. E, se eles aconteciam, suas proporções eram tão pequenas que não justificavam afirmar-se existir "problemas social". (2003, p. 50-51).

A escravidão somente foi reduzida com o desenvolvimento industrial visto que

[...] na sua fase inicial começava a se fazer sentir o desajustamento entre as condições normais de vida do trabalhador e aquelas a que ele deveria ter direito. Inexistia, entretanto, o espírito de classe, e ainda não se haviam formado as concentrações de populações operária; as reivindicações que se apresentavam, num e noutro ponto do país, eram atribuídas a agitações de anarquistas. (VIANNA, 2003, p. 51).

O que se pergunta após essas manifestações é o seguinte: qual foi a primeira legislação brasileira a "proteger" os trabalhadores? Responde-se afirmando que foi a Lei Áurea, pois, como leciona Maurício Godinho Delgado, "[...] apenas a contar da extinção da escravatura (1888) é que se pode iniciar uma pesquisa consistente sobre a formação e consolidação histórica do Direito do Trabalho no Brasil. [...]." (DELGADO, 2004a, p.105). Continua o autor:

Embora a Lei Áurea não tenha, obviamente, qualquer caráter justrabalhista, ela pode ser tomada, em certo sentido, como o marco inicial de referência da História do Direito do Trabalho brasileiro. É que ela cumpriu papel relevante na reunião dos pressupostos à configuração desse novo ramo jurídico especializado. De fato, constituiu diploma que tanto eliminou da ordem sociojurídica relação de produção incompatível com o ramo justrabalhista (a escravidão), como, em conseqüência, estimulou a incorporação pela prática social da fórmula então revolucionária de utilização da força de trabalho: a relação de emprego. (DELGADO, 2004a, p. 105-106).

Após esse período, iniciou-se uma nova fase, qual seja, um país que se tornava República Federativa do Brasil e que, impulsionado pela lei da abolição da escravatura, começava a produzir as primeiras leis de proteção do trabalhador. A respeito narra Vianna:

Em 1889, o Ministro da Agricultura, Demétrio Ribeiro, determinara, entretanto, a concessão de quinze dias de férias aos ferroviários da E. F. Central do Brasil, e em 1890, com o decreto n. 1.162, era garantida a liberdade de trabalho. Pouco depois, em 1891, com o Decreto n. 1.313, o Governo instituíra, para a Capital da República, a fiscalização permanente de todos os estabelecimentos fabris onde trabalhassem menores em número avultado, estabelecendo a duração do trabalho em sete horas prorrogáveis até nove para os menores e proibindo o trabalho noturno para menores de 15 anos. Essa medida legal não foi, porém, jamais executada. (2003, p. 52 - grifo nosso).

Transcorreram diversas constituições, mas foi somente com a Constituição Federal de 1988 que o trabalhador realmente garantiu uma gama de direitos jamais inscritos na história do país, os quais se encontram hoje arrolados no título II – "Dois Direitos e Garantias Fundamentais" – Capítulo II – "Dos Direitos Sociais", in verbis: "Artigo 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (BRASIL, 1988 - grifo nosso). O referido artigo relaciona, então, nada mais nada menos do que trinta e quatro incisos e um parágrafo único onde estão inscritos os principais direitos dos trabalhadores, os quais, como os Dez Mandamentos (BÍBLIA, Livro do Êxodo, 20, 2-17), inscreveram-se para serem eternizados.


2. PRINCÍPIOS

O estudo feito neste capítulo abrange os diferentes aspectos acerca dos princípios constitucionais, especificamente os do direito do trabalho, da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e da proibição do retrocesso social.

2.1 Conceito

Antes de adentrar nos princípios que norteiam o direito do trabalho, mister se faz uma pequena conceituação do que seja princípio.

A palavra "princípio" flui do início da humanidade – "No princípio, criou Deus os céus e a terra." Ora, é o início, o começo, o baluarte, a viga-mestra de tudo que existe. Quando se fala em princípio jurídico, isso significa a base de onde partem os pilares que formarão o todo – a construção. Se se desmontar a base, o que sobrará ? Ruínas como quando passa um tsunami.

Vezio Crisafulli, citado por Almeida, conceitua princípio nos seguintes termos:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém (apud, ALMEIDA, 2004, p. 454).

Para Lima, princípio, "a despeito de ser uma noção bastante clara, não podemos deixar de lado que é um termo multifacetário, equívoco e polissêmico". (2005, p. 2). Esclarece Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma [rectius, regra]. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais. [...]

Dessume-se, por conseguinte, que, na atual classificação, de cunho pós-positivista, norma é o gênero do qual são espécies as regras e os princípios (e os valores, para os que aceitam essa tese), que se diferenciam lógica e qualitativamente. Não pode, pois, o estudioso do direito equiparar a norma jurídica às regras. Estas são apenas uma das faces das normas. O jurista, ao analisá-las, deve aferir-lhes a espécie (princípios ou regras) e a hierarquia (norma constitucional, legal ou mesmo infralegal) para bem entender seu posicionamento no ordenamento jurídico. (apud, LIMA, 2005, p.3-5).

Lima ainda destaca:

Ainda hoje, há juristas que não compreendem a verdadeira força normativa dos princípios. Assim, por exemplo, há quem entenda que a violação a um princípio não justifica a concessão de um mandado de segurança, porquanto, no caso, não haveria um ‘direito’ líquido e certo a ser protegido. Trata-se porém, de uma visão distorcida e desatualizada que, na verdade, retira grande parte da eficácia protetiva do mandado de segurança, vez que, na maioria dos casos, a violação a direito líquido e certo ocorre por transgressão a princípios. (LIMA, George, 2005, p. 7 – grifo nosso).

A densificação de um princípio não significa simplesmente dizer "isto é um princípio e ponto". É trabalho hercúleo e de grande dimensão e complexidade. Como explica Lima,

é uma tarefa complexa, que se inicia com a leitura isolada do texto que enuncia o princípio, passando, em uma segunda fase, por uma análise sistemática do texto constitucional, e, a partir daí, buscando os contornos capazes de preencher o significado do princípio. Esses ‘contornos’, portanto, podem ser encontrados tanto no próprio texto constitucional, quanto na lei, na doutrina, na jurisprudência etc. Ou seja, a densificação do princípio é qualquer atividade capaz de fornecer subsídios hábeis a compreensão do significado da norma. (LIMA, 2005, p. 8 - grifo nosso).

Os princípios, estejam ou não inscritos nas constituições, códigos ou leis, gozam de vida própria, como esclarece o autor:

Com efeito, os princípios jurídicos podem estar expressamente enunciados em normas explicitas ou podem ser descobertos no ordenamento jurídico, sendo que, neste último caso, eles continuam possuindo força normativa. Ou seja, não é por não ser expresso que o princípio deixará de ser norma jurídica. Reconhece-se, destarte, normatividade não só aos princípios que são, expressa e explicitamente, contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também aos que, defluentes de seu sistema, são anunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito.

[...]

Apesar disso, o mais prudente é que os princípios sejam, na medida do possível, expressos, a fim de que se prestigiem a segurança jurídica e a harmonia sistemática do direito, evitando-se, dessa forma, que os mais apegados aos formalismos de outrora neguem a existência de determinado princípio, tal como ocorre ainda hoje com o princípio da proporcionalidade, ou então que haja um ‘abuso principiológico’ por parte dos operadores do direito, levando o interprete a ‘encontrar’ um princípio que não esteja ‘descoberto’ no texto constitucional, ‘mas em instância valorativa fundada em subjetivismos, em posturas axiológicas, ideológicas, ou outras formas de subjetividade interpretativa, que frustrem a tendencial objetividade exigível na atividade de extração dos princípios da ordem constitucional positiva’, fazendo com que de forma arbitrária, sejam introduzidas normas exóticas, que poderão destruir a ordenação jurídica. (LIMA, 2005, p. 10 - grifo nosso).

É interessante notar que a Constituição Federal brasileira menciona que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotado" (parágrafo 2º, do artigo 5º). É esse um campo aberto, então, diga-se, para que outros princípios façam parte do ordenamento jurídico, mesmo não estando positivados, o que vem ao encontro do aqui exposto, ou seja, da não-necessidade da positivação dos princípios.

O mestre português José Joaquim Gomes Canotilho faz a seguinte distinção entre regras e princípios:

a-) Grau de Abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.

b-) Grau de determinalidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa.

c-) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado do Direito).

d-) ‘Proximidade’ da idéia de direito: os princípios são ‘standarts’ juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ‘justiça’ (Dworkin) ou na ‘idéia de direito’ (Larentz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.

[...]

Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida [...] a convivência dos princípios é conflitual [...] a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinómicas excluem-se [...] as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. [...] as regras contêm ‘fixações normativas’ definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são corretas devem ser alteradas). (2003, p. 1160-1162).

Canotilho mostra também que não há critérios suficientes para distinguir princípios e normas. Portanto, a distinção entre os dois tipos de preceitos é meramente gradual, "não havendo critérios suficientemente seguros para uma determinação rigorosa." (2003, p. 1171-1172).

Há uma diferença tênue entre princípios e regras, eis que ambos fazem parte do gênero norma, no entanto os princípios têm um grau mais avançado de otimização. As regras determinam que se faça ou se deixe de fazer alguma coisa, isto é, descrevem o caso concreto e estão na inércia, latentes, esperando que o referido caso se realize para, então, incidir.

2.2 Princípios do direito do trabalho

Qualquer ciência tem seus princípios e, baseada neles, estrutura-se de forma que tudo o que venha posteriormente seja realizado em consonância com as emanações ditadas por aqueles, uma vez que existem para dar harmonia a todo o sistema jurídico. Assim, sendo o direito do trabalho uma ciência que trata das relações humanas, faz parte desse sistema.

Neste trabalho, abordam-se alguns princípios que se julgam os mais importantes, dando ênfase aos que vêm ao encontro do estudo proposto.

2.2.1 Princípio protetor

Segundo Américo Plá Rodriguez, "[...] o princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador." (RODRIGUEZ, 2002, p. 83). Alfredo J. Ruprecht, por sua vez, menciona que este princípio "[...] tem por objeto criar uma norma mais favorável ao trabalhador, procurando assim compensar as desigualdades econômicas e sua fraqueza diante do empregador." (RUPRECHT, 1995, p. 9).

Francisco Meton Marques de Lima trata desde princípio como "princípio tutelar", o qual "[...] Como um manto protetor contra a intempérie da desigualdade social, este princípio deve orientar o aplicador da norma trabalhista em todos os momentos processuais, inspirando-o tanto na apreciação material do Direito como na apreciação instrumental. [...]." (LIMA, 1997, p. 29).

Maurício Godinho Delgado colaciona que o princípio cria "[...] uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro – visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. [...]." (DELGADO, 2004b, p. 82).

2.2.2 Princípio da irrenunciabilidade de direitos

Por tal princípio tem-se a "[...] impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio. A renúncia equivale a um ato voluntário pelo qual uma pessoa se desliga de um direito reconhecido a seu favor e o abandona [...]." (RODRIGUEZ, 2002, p. 142).

Segundo Ruprecht "[...] é o remédio jurídico que o trabalhador, em determinadas situações e casos, pode utilizar para anular uma renúncia que tenha feito de certos benefícios ou direitos. Nem todos os direitos são irrenunciáveis, tanto em sua existência como em sua extensão. [...]." (1995, p. 32).

"[...] Em síntese, este princípio consiste em que o trabalhador não pode renunciar aos direitos a ele assegurados pela legislação do trabalho. Compreende no conceito irrenunciabilidade também a intransigibilidade. [...]" (LIMA, 1997, p. 88). No entanto, quanto à irrenunciabilidade de direitos, Lima esclarece que há exceções.

Delgado trata deste princípio como princípio da indisponibilidade de direitos trabalhistas, que envolve a renuncia, transação, composição, conciliação, indisponibilidade absoluta e relativa, Menciona também os requisitos para a renúncia e a transação. (2004b, p. 88-95).

2.2.3 Princípio da continuidade do contrato

Para Rodrigues, "[...] este princípio expressa a tendência atual do Direito do Trabalho de atribuir à relação de emprego a mais ampla duração, sob todos os aspectos. [...] já que, obviamente, continuar trabalhando é mais benéfico do que ficar desempregado.[...]" (2002, p. 244-245). Complementa Ruprecht, "[...] A tendência atual do Direito do Trabalho é a continuidade da relação laboral, evitando que, por qualquer circunstância ou fato, se produza a ruptura do vínculo que é, precisamente, o que esse princípio põe em prática. [...]" (1995, p. 56).

Analisando o princípio em estudo afirma Lima:

consiste em estabelecer presunção juris tantum da continuidade da vinculação de emprego. À sua sombra presume-se que o empregado não pediu demissão nem abandonou o emprego. Ao empregador cumpre provar esses fatos de forma a não suscitar qualquer dúvida. Nestes casos, analisa-se a causa do pedido de demissão ou do abandono e se não houve vício de consentimento. [...] O princípio da continuidade fundamenta-se na necessidade que o trabalhador tem de um emprego que lhe assegure o sustento próprio e da família. Outro fundamento, de ordem moral, é o direito que toda pessoa tem ao trabalho. Logicamente, todos necessitam de uma ocupação, para o bem do corpo e da alma, porque o ócio é o pai de todos os vícios. [...]. (1997, p. 100-101 – grifo do autor).

2.2.4 Princípio da primazia da realidade

Esse princípio implica a "[...] primazia dos fatos sobre as formas, as formalidades ou as aparências. Isso significa que em matéria de trabalho importa o que ocorre na prática, mais do que aquilo que as partes hajam pactuado de forma mais ou menos solene, ou expresso, ou aquilo que conste em documentos, formulários e instrumentos de controle.[...]" (RODRIGUEZ, 2002, p. 351-352). "[...] Esse princípio consiste na primazia da realidade sobre os fatos consignados, por escrito, no contrato. [...]." (RUPRECHT, 1995, p. 80).

Lima destaca que tal princípio "[...] consiste em que, no caso de discrepância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos. [...]". (1997, p. 134).

O princípio em comento, também é destacado por Delgado, segundo o qual "[...] o princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista. [...]" (2004b, p. 102).

2.2.5 Outros princípios

Ainda há outros princípios a considerar, como princípio da razoabilidade, princípio da boa-fé, princípio da alienidade dos riscos, princípio da igualdade, princípio da não-discriminação (RODRIGUEZ, 2002, p. 20-21). Evidencia-se, portanto, que o aplicador do direito do trabalho deverá conduzir-se pela seara de tais princípios, sob pena de o núcleo das suas decisões conter o vício intransponível da nulidade.

Na seqüência, faz-se o estudo de três princípios que vêm ao encontro do estudo proposto, quais sejam, princípio da dignidade da pessoa, princípio da segurança jurídica e princípio da proibição do retrocesso social.

2.3 Princípio da dignidade da pessoa

O princípio da dignidade da pessoa vem enunciado na Constituição Federal de 1988 no Título I – "Dos Princípios Fundamentais", art. 1º inc. III. Ingo Wolgang Sarlet faz referência a tal princípio.

[...] o princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente enunciado pelo art. 1º, inc. III, da nossa CF, além de constituir o valor unificador de todos os direitos fundamentais, que, na verdade, são uma concretização daquele princípio, também cumpre função legitimadora do reconhecimento de direitos fundamentais implícitos, decorrentes ou previstos em tratados internacionais, revelando, de tal sorte, sua íntima relação com o art. 5º, parágrafo 2º, da nossa Lei Fundamental. Cuida-se de posições exemplificativamente referidas e que expressam o pensamento de boa parte da melhor doutrina, de modo especial no que tange à íntima vinculação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. (2004a, p. 107).

É interessante notar, primeiramente, que quando se fala em pessoa, obviamente, fala-se de pessoa humana. É prolixidade a palavra "humana", eis que não existe pessoa que não seja humana.

[...] a proteção da dignidade do homem pressupõe a efetiva atuação do Estado e da comunidade. Nesse sentido, no campo da hermenêutica jurídica trabalhista, é necessário que o intérprete busque no ordenamento jurídico mecanismos que lhe permitam solucionar conflitos entre o capital e o trabalho, de modo a preservar a dignidade do homem trabalhador.

De fato, diante do caso concreto, cumpre ao intérprete e ao aplicador do direito dar máxima eficácia aos princípios constitucionais, preservando a dignidade do homem, colocando o capital e trabalho a serviço do mesmo (e não o contrário), aproximando o direito da realidade da vida. Para atingir esse intento, a noção de sistema jurídico e o manejo da interpretação sistemática são imprescindíveis.

[...]

Dessa forma, nas tensões entre o trabalho e a livre iniciativa, é a dignidade da pessoa humana que deve prevalecer, uma vez que a dignidade do homem constitui núcleo central, inviolável, do sistema jurídico, assumindo, segundo os ditames da interpretação sistemática, o ápice da hierarquia de valores. Mais do que isso, o princípio da dignidade da pessoa humana possui um caráter de meta princípio, na medida em que informa a iteração, a interpretação e a aplicação dos demais princípios que convivem no sistema jurídico.

Não obstante as profundas mudanças no mundo do trabalho, ditadas pela globalização da economia, pela flexibilização dos princípios trabalhistas e pela desregulamentação das relações entre o capital e o trabalho, a dignidade da pessoa humana há de ser respeitada e protegida, cabendo ao Estado e a sociedade encontrar formas de assegurá-la e de promovê-la. (GOLDSCHMIDT, 2003, p. 134-137).

Rizzato Nunes, destacando o seu caráter absoluto, sustenta que o princípio da dignidade da pessoa "[...] é o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais. [...]" (2002, p. 45).

Sarlet destaca ainda que o princípio da dignidade da pessoa encerra todos os direitos fundamentais, os quais encontram nele sua vertente: "[...] há que apontar, no mínimo, [...] no sentido de que todos os direitos fundamentais encontram sua vertente no princípio da dignidade da pessoa humana [...]." (2004a, p. 107-108). Menciona ainda o autor que a Constituição de 1988 foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais.

A Constituição de 1988 foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais, situado – em homenagem ao especial significado e função destes – na parte inaugural do texto, logo após o preâmbulo e antes dos direitos fundamentais. Mediante tal expediente, o Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive dos direitos fundamentais, que também integram aquilo que se pode denominar de núcleo essencial da Constituição material. Igualmente, sem precedentes em nossa evolução constitucional foi o reconhecimento, no âmbito do direito positivo, do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CF), que não foi objeto de previsão no direito anterior. Mesmo fora do âmbito dos princípios fundamentais, o valor da dignidade da pessoa humana foi objeto de previsão por parte do Constituinte, seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput), seja quando, no âmbito da ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, parágrafo 6º), além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 227, caput). Assim, ao menos neste final de século, o princípio da dignidade da pessoa humana mereceu a devida atenção na esfera do nosso direito constitucional. (SARLET, 2004a, p. 108-109).

Prosseguindo, Sarlet reconhece que o Estado existe em função da pessoa humana, não o contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua. Assim,

com o reconhecimento expresso, no título dos princípios fundamentais, da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso estado Democrático (e Social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o constituinte de 1987/88, além de ter tomada uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu expressamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constituí finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.

Sem entrarmos, ainda, no significado (ou nos significados), que se pode atribuir ao princípio da dignidade da pessoa humana, cumpre ressaltar, de início, que a idéia do valor da pessoa humana encontra suas raízes já no pensamento clássico e na ideologia cristã. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a conseqüência de que o ser humano é dotado de um valor próprio e de que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento (2004a, p. 110-111).

A idéia de dignidade humana vem de há muito tempo, quando já era reconhecida mesmo que de forma rudimentar. Relata Sarlet:

Para a afirmação da idéia de dignidade humana, foi especialmente preciosa a contribuição do espanhol Francisco de Vitória, quando, no século XVI e no início da expansão colonial espanhola, sustentou, relativamente ao processo de aniquilação, exploração e escravização dos índios e baseado no pensamento estóico (especialmente Cícero e Ovídio) e cristão, que estes, em função do direito natural e de sua natureza humana – e não pelo fato de serem cristãos, católicos ou protestantes – eram em princípio livres e iguais, devendo ser respeitados como sujeitos de direitos, proprietários e na condição de signatários dos contratos firmados com a coroa. (2004a, p. 112).

A dificuldade de se estabelecer um conceito de dignidade também é exposta por Sarlet, assim como a concepção do homem-objeto, o qual constitui a antítese da noção de dignidade da pessoa, visto que sem essa não há que se falar na construção dos demais princípios elencados no artigo 1º da Constituição brasileira de 1988, quais sejam: a soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Todos pereceriam por falta do elo principal entre si, o que é feito pelo princípio da dignidade da pessoa. Ainda no magistério de Sarlet:

[...] não há como negar que uma definição clara do que seja efetivamente esta dignidade não parece ser possível, uma vez que se cuida de conceito e contornos vagos e imprecisos. Mesmo assim não restam dúvidas de que a dignidade é algo real, já que não se verifica maior dificuldade em identificar as situações em que é espezinhada e agredida. (SARLET, 2004a, p. 113).

[...] verifica-se que reduzir a uma fórmula abstrata e genérica aquilo que constitui o conteúdo da dignidade da pessoa humana, em outras palavras, seu âmbito de proteção, não parece ser possível, a não ser mediante a devida análise do caso concreto. Como ponto de partida, vale citar a fórmula desenvolvida na Alemanha por G. Dürig, para quem a dignidade da pessoa humana poderia ser considerada atingida sempre que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa, em outras palavras, na descaracterização da pessoa humana como sujeito de direitos. (2004a, p. 117).

[...]

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde a intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerências indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças. A concepção do homem-objeto, como visto, constitui justamente a antítese da noção da dignidade da pessoa humana. [...] (2004a, p. 118).

Enoque Ribeiro dos Santos, professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, leciona que "[...] segundo as cláusulas pétreas da Constituição brasileira, é juridicamente sustentável estabelecer que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. [...]" (SANTOS, 2005, p. 1). Lembra também que

[...] não basta a liberdade formalmente reconhecida, pois a dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito, reclama condições mínimas de existência, existência digna conforme os ditames da justiça social como fim da ordem econômica. É de lembrar que constitui um desrespeito a dignidade da pessoa humana um sistema de profundas desigualdades, uma ordem econômica em que inumeráveis homens e mulheres são torturados pela fome, inúmeras crianças vivem na inanição, a ponto de milhares delas morrerem em tenra idade. Não é concebível uma vida com dignidade entre a fome, miséria e a incultura, pois a liberdade humana com freqüência se debilita quando o homem cai na extrema necessidade. (SANTOS, 2005, p. 6 - grifo nosso).

O mesmo autor interroga: "Como podemos, afinal, definir, conceituarmos dignidade da pessoa humana?" Manifesta-se no sentido de que, no plano concreto, a dignidade da pessoa atingiu seu apogeu quando da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Veja-se em seu relato:

A dignidade da pessoa humana pode ser concebida como uma conquista da razão ética e jurídica da humanidade, atribuída a todas as pessoas, como fruto da reação de todos os povos contra as atrocidades cometidas pelo homem contra o próprio homem, que marcaram a experiência do homem na Terra. As experiências bestiais do passado, que culminaram em verdadeiros atentados à pessoa humana, geraram a consciência de que se devia proteger, preservar, a dignidade da pessoa humana, a qualquer custo. É somente entendendo as violações praticadas contra a dignidade humana que podemos tentar defini-la. (SANTOS, 2005, p. 6).

[...]

Embora tenhamos algumas declarações de direitos humanos na França, nos Estados Unidos da América do Norte, devemos conceber que, no plano concreto, a declaração que veio promover a dignidade da pessoa humana foi a Declaração Universal dos direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, data em que foi aprovada, de forma unânime, por 48 Estados, com 8 abstenções. A declaração consolida a afirmação de uma ética universal, ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados. No preâmbulo encontramos uma eloqüente afirmação: ‘o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. [...] Seus 30 artigos têm como meta dois pontos essenciais que se complementam mutuamente: incrustar o respeito da dignidade da pessoa humana na consciência da comunidade universal, e evitar o ressurgimento da idéia e da prática da descartabilidade do homem, da mulher e da criança. (SANTOS, 2005, p. 11-12).

Questão complexa e controvertida é saber se o Poder Legislativo poderá deliberar em proposta de emenda à Constituição brasileira fixando limites à dignidade da pessoa, visto que, pelo artigo 60, parágrafo 4º, somente a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais são objeto de cláusula pétrea. "[...] Questão complexa e que inevitavelmente assume crucial importância diz com a possibilidade de se fixarem limitações a dignidade da pessoa humana. [...]." (SARLET, 2004a, p. 121).

Neste estudo trata-se do tema com maior profundidade no capítulo reservado à reforma trabalhista, subtítulo 3.3, onde se discorre acerca da constitucionalidade da flexibilização e da desregulamentação das normas trabalhistas.

2.4 Princípio da segurança jurídica

Em que Estado se vive? Poder-se-ia dizer que se vive no estado do Rio Grande do Sul. Contudo, o questionamento feito é com "E" maiúsculo, razão pela qual a resposta só pode ser que se vive num Estado democrático de direito, pois a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se num Estado democrático de direito.

Nesta parte do presente estudo, tenta-se desvendar o que seja segurança jurídica. Ingo Wolfgang Sarlet afirma que segurança jurídica constitui certa estabilidade das relações jurídicas, um valor fundamental de todo e qualquer Estado que detenha a pretensão de merecer o título de "Estado de direito". (SARLET, 2004b, p. 9).

A ordem jurídica não pode retroceder. E ponto final. Quanto tempo se levou para consolidar um Estado democrático de direito? Muito, para não divagar no tempo. Sarlet menciona que um Estado de direito é sempre, em princípio, um Estado da segurança jurídica, eis que um "governo das leis" é sempre a expressão da vontade política de um grupo, o que poderá resultar em despotismo e em toda a sorte de iniqüidades. (SARLET, 2004b, p.13).

A segurança jurídica é da própria essência de um Estado democrático de direito, fazendo parte do sistema constitucional:

É justamente em face da instabilidade institucional, social e econômica vivenciada (e não estamos aqui em face de um fenômeno exclusivamente nacional), que inevitavelmente tem resultado numa maratona reformista, igualmente acompanhada por elevados níveis de instabilidade, verifica-se que o reconhecimento, a eficácia e a efetividade do direito à segurança cada vez mais assume papel de destaque na constelação dos princípios e direitos fundamentais. Que, além disso, a segurança jurídica não pode ser encarada por um prisma demasiadamente formal e não quer, também, significar a absoluta previsibilidade dos atos do poder Público e a impossibilidade de sua alteração. (SARLET, 2004b, p. 16-17).

Quando o indivíduo confia no sistema jurídico vigente, tal confiança merece proteção do Estado, o qual poderá fazer os ajustes necessários - reformar tal sistema -, mas sempre garantindo aos cidadãos segurança jurídica. Esta nada mais é do que a confiança depositada por aqueles no Estado, que detêm o poder conferido pelo povo de regulamentar suas relações. Tal regulamentação, entretanto, que não pode extrapolar os princípios vigentes, como bem explica Sarlet:

[...] assume relevo a argumentação de que tanto maior deverá ser a garantia da segurança jurídica individual, quanto mais merecedora de proteção for a confiança depositada pelo individuo no sistema vigente, proteção esta vinculada também ao fator tempo. Em outras palavras, valendo-nos do exemplo da alteração das regras para aposentadoria e pensões, quanto mais alguém estiver contribuindo num determinado regime de aposentadoria, maior deverá ser sua segurança jurídica, já que mais merecedora de proteção a sua confiança, o que, por sua vez, deverá ser observado no âmbito das regras de transição a serem estabelecidas pelo legislador [...] fundamental proceder os ajustes necessários sempre que comprovadamente se fizerem indispensáveis, uma vez que a possibilidade de mudanças constitucionalmente legítimas e que correspondam às necessidades da sociedade como um todo (mas também para a pessoa individualmente considerada) carrega em si um componente de segurança que não pode ser desconsiderado. (2004b, p. 46-48).

O princípio da segurança jurídica, segundo Almiro do Couto e Silva, é o princípio norteador da lealdade e lisura, pelo qual as partes envolvidas devem proceder corretamente com o que se comprometeram e com a palavra empenhada que, em última análise, chama-se "boa-fé", que dá conteúdo ao referido princípio. O Estado deve assegurar estabilidade nas relações jurídicas, conduta essa que dará respeitabilidade ao Estado democrático de direito. (SILVA, 2004, p. 9).

Continuando, Silva alude que, quando o Estado atenta contra o aspecto subjetivo, que concerne à proteção à confiança depositada pelas pessoas nele, este princípio impõe limitações ao Estado na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais. O mesmo ocorre quando atribui conseqüências patrimoniais por essas alterações (atos do poder público), porque os beneficiários administrados e a sociedade em geral sempre crêem que, quando tais atos partem de autoridades legalmente constituídas, supõe-se que sejam atos legítimos. (SILVA, 2004, p. 9-10).

Sobre o tema Silva ilustra com um belo exemplo narrado por Ulpiano:

[...] o grande jurista clássico narra o caso do escravo Barbarius Philipus que foi nomeado pretor em Roma. Indaga Ulpiano: que diremos do escravo que, conquanto ocultando essa condição, exerceu a dignidade pretória ? O que editou, o que decretou, terá sido talvez nulo ? Ou será válido por utilidade daqueles que demandaram perante ele, em virtude de lei ou outro direito ? E responde pela afirmativa. (SILVA, 2004, p. 11 - grifo nosso).

Merece destaque ainda que a realidade hoje não é outra, pois a humanidade mudou muito pouco. O poder público pratica, freqüentemente, atos de extrema ilegalidade e o povo confia em tais atos. Assim, depois, vendo-se na premência de ser responsabilizado pelos órgãos fiscalizadores – Poder Legislativo e Tribunais de Contas tenta a toda a sorte surrupiar a confiança depositada pelos administrados, "cassando" situações que já se convalesceram pela confiança daqueles que acreditaram no poder público, o que gera desconfiança e insegurança ao Estado de direito.

O Poder Público é como o pai que, por seus exemplos, educa os filhos, os quais crescem acreditando e confiando naquele. Acreditam e confiam que esse pai jamais os trairá.

Não é outra a solução que tem sido dado, até hoje, para os atos praticados por ‘funcionário de fato’. Tais atos considerados válidos, em razão – costuma-se dizer – da ‘aparência de legitimidade’ de que se revestem, apesar da incompetência absoluta de quem os exarou. Na verdade, o que o direito protege não é a ‘aparência de legitimidade’ daqueles atos, mas a confiança gerada nas pessoas em virtude ou por força da presunção de legalidade e da ‘aparência de legitimidade’ que têm os atos do Poder Público. (SILVA, 2004, p. 11 - grifo nosso).

Uma das primeiras decisões em que o princípio da segurança jurídica – proteção à confiança – foi hasteado e começou a se firmar foi quando o Superior Tribunal Administrativo de Berlim, de 14 de novembro de 1956, logo seguido por acórdão do Tribunal Administrativo Federal (BverwGE), de 15 de outubro de 1957, julgou o caso a seguir transcrito. A partir de então, gerou-se uma corrente contínua de manifestações jurisprudenciais no mesmo sentido. (SILVA, 2004, p. 14).

Na primeira dessas decisões tratava-se da anulação de vantagem prometida a viúva de funcionário, caso se transferisse de Berlim Oriental para Berlim Ocidental, o que ela fez. Percebeu a vantagem durante um ano, ao cabo do qual o benefício lhe foi retirado, ao argumento de que era ilegal, por vício de competência, como efetivamente ocorria. O Tribunal, entretanto, comparando o princípio da legalidade com o da proteção à confiança, entendeu que este incidia com mais força ou mais peso no caso, afastando a plicação do outro. (SILVA, 2004, p. 14 - grifo nosso).

Na atualidade, segundo Silva, "[...] os temas dominantes relacionados com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, no direito comparado e no direito brasileiro, podem ser condensados nos seguintes pontos principais: [...]." (2004, p. 15).

a) a manutenção no mundo jurídico de atos administrativos inválidos por ilegais ou inconstitucionais (p. ex. licenças, autorizações, subvenções, atos pertinentes a servidores públicos, tais como vencimentos e proventos, ou de seus dependentes, p. ex. pensões, etc.) b) a responsabilidade do Estado pelas promessas firmes feitas por seus agentes, notadamente em atos relacionados com o planejamento econômico; c) a responsabilidade pré-negocial do Estado; d) o dever do Estado de estabelecer regras transitórias em razão de bruscas mudanças introduzidas no regime jurídico (p. ex. da ordem econômica, do exercício de profissões, dos servidores públicos. (SILVA, 2004, p. 15).

Em três acórdãos da lavra no ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, pioneiros na Suprema Corte brasileira, percebe-se que o princípio da segurança jurídica, depois de longo tempo ter ficado latente no ordenamento jurídico pátrio, volta hoje com a intensidade de ser proclamado pela mais alta Corte de Justiça do país. Em ambos, o referido ministro invoca que, "[...] em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor impar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material. [...]" (Mandados de Seguranças nº PET 2900/RS, MS 24628/MG e MS 22357/DF).

O referido ministro concedeu a segurança com base em tal princípio e mencionou além desse, os que tratam de proteger a boa fé e a confiança das pessoas.

No MS-24628/MG, esclarece o senhor ministro que "[...] o princípio da possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de anulamento, em homenagem à boa fé e a segurança jurídica. [...]"

Décio Antônio Erpen, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, traz importante contribuição ao tema: "[...] sabe-se que são dois os valores do Direito: a Justiça e a Segurança Jurídica. Enquanto a jurisdição tem por escopo promover justiça no caso concreto, a segurança jurídica objetiva dar estabilidade coletiva, isso porque um direito inseguro é um direito eminentemente injusto. [...]." (ERPEN, 2005, p. 1).

Paulo Eduardo de Figueiredo Chacon, pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, citando Paulo Bonavides, destaca o pensamento do mestre:

a democracia moderna oferece problemas capitais, ligados às contradições internas do elemento político sobre que se apóia (as massas) e à hipótese de um desvirtuamento do poder, por parte dos governantes, pelo fato de possuírem estes o controle da função social e ficarem sujeitos à tentação, daí decorrente, de o utilizarem a favor próprio (caminho da corrupção e da plutocracia) ou no interesse do avassalamento do indivíduo (estrada do totalitarismo). (apud, CHACON, 2005, p. 3).

O autor menciona também que a lei é fonte de segurança jurídica, no entanto sofre as influências externas visto que os representantes do povo, quando da sua elaboração, muitas vezes têm interesses opostos aos ideais que se comprometeram a defender. Nesse momento, surge a importância da interpretação pelo aplicador do direito. (CHACON, 2005, p. 9). Continua Chacon:

A lei é fonte de segurança jurídica e ao ser elaborada pelos representantes eleitos do povo que possuem influências externas aos ideais que prometeram defender, sofre determinadas distorções.

Nesse momento, entra a importância do aplicar do direito, que deverá afastar os possíveis desvirtuamentos legislativos, utilizando o melhor método hermenêutico na subsunção da norma ao caso para a busca da verdadeira justiça. [...]. (2005, p. 9).

Constata-se que em nenhum momento a Constituição Federal brasileira aludiu expressamente à segurança jurídica. No entanto, o Estado democrático de direito só se mantém e se manterá enquanto tal princípio sobreviver, visto que, juntamente com outros, é o baluarte dos cidadãos, os quais têm o direito subjetivo de verem e terem suas relações perenes no tempo, sem surpresas, sem interferências nos direitos já garantidos e nas relações jurídicas já realizadas ou direitos já adquiridos.

2.5 Princípio da proibição do retrocesso social

Encontram-se positivados constitucionalmente (CF/88) no Brasil o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, além dos demais direitos fundamentais.

O ponto nevrálgico, a saber, é até que ponto pode o legislador infraconstitucional reformar, flexibilizar ou desregulamentar direitos já garantidos constitucionalmente. Disserta, a respeito, Sarlet:

A respeito do conteúdo dos limites materiais à reforma constitucional e do alcance da sua proteção, especialmente demonstrando que também esta proteção não poderá ser absoluta, já que o nosso Constituinte vedou apenas uma abolição efetiva ou tendencial, que, em princípio, não impede ajustes e até mesmo algum tipo de flexibilização desde que respeitado o núcleo essencial do princípio e/ou direito protegido. (2004b, nota de rodapé nº 28, p. 22).

Necessário se faz, neste ponto, transcrever novamente lição de Sarlet:

Não se poderá, contudo, confundir o problema da concretização legislativa dos direitos fundamentais sociais – em que pesem suas inequívocas similitudes e seus aspectos comuns – com o da manutenção dos níveis gerais de proteção social alcançados no âmbito do Estado Social, já que esta problemática abrange toda e qualquer forma de redução das conquistas sociais, mesmo quando realizadas única e exclusivamente no plano da legislação infraconstitucional densificadora do princípio da Justiça e do Estado Social que, paralelamente com o princípio do Estado de Direito e com o princípio democrático, encontrou ampla e expressa guarida na nossa Constituição. Neste contexto, poder-se-ia indagar a respeito da possibilidade de desmontar-se, parcial ou totalmente (e mesmo com efeitos prospectivos), o sistema de seguridade social (incluindo os parcos benefícios no âmbito da assistência social e os serviços e prestações assegurados no já fragilizado e insuficiente sistema Único de Saúde), o acesso ao ensino público e gratuito, a flexibilização dos direitos e garantias dos trabalhadores, entre tantas outras hipóteses que aqui poderiam ser referidas a título ilustrativo e que bem demonstram o quanto tal problemática nos é próxima e está constantemente na ordem do dia. (SARLET, 2004b, p. 23 - grifo nosso).

Sarlet, comentando posição de José Joaquim Gomes Canotilho, manifesta-se no sentido de que, após a sua concretização,

[...] os direitos fundamentais sociais assumem, simultaneamente, a condição de direitos subjetivos a determinadas prestações estatais e de uma garantia institucional, de tal sorte que não se encontram mais na (plena) esfera de disponibilidade do legislador, no sentido de que os direitos adquiridos não mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de flagrante infração do princípio da proteção da confiança (por sua vez, diretamente deduzido do princípio do Estado de Direito), que, de sua parte, implica a inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocamente venham a ameaçar o padrão de prestações já alcançado. (CANOTILHO apud, SARLET, 2004b, p. 28).

Argumentam alguns contra o princípio da proibição do retrocesso social, no sentido de que engessaria o legislador, o qual tem de ter "liberdade" para intervir e "voltar atrás no que diz respeito com as próprias decisões". Sarlet cita José Miguel Vaz ao comentar tal situação:

Contra o reconhecimento, em princípio, de uma proibição de retrocesso no que se refere às conquistas sociais, costuma esgrimir-se especialmente o argumento de que esta esbarra no fato de que o conteúdo do objeto dos direitos fundamentais sociais não se encontra, de regra, definido ao nível da Constituição, sendo, além disso, indeter-minável sem a intervenção do legislador, de tal sorte que este deverá dispor de uma quase absoluta liberdade de conformação nesta seara, que, por sua vez, engloba a autonomia para voltar atrás no que diz com as próprias decisões. Liberdade esta que, no entanto, se encontra limitada pelo princípio da proteção da confiança e pela necessidade de justificação das medidas reducionistas. (VAZ apud, SARLET, 2004b, p. 32). [...]

Com efeito, em se admitindo uma ausência de vinculação mínima do legislador (assim como dos órgãos estatais em geral) ao núcleo essencial já concretizado na esfera dos direitos sociais e das imposições constitucionais em matéria de justiça social, estar-se-ia chancelando uma fraude à Constituição, pois o legislador – que ao legislar em matéria de proteção social apenas está a cumprir um mandamento do Constituinte – poderia pura e simplesmente desfazer o que fez no estrito cumprimento da Constituição. Valendo-nos aqui da lição de JORGE MIRANDA (que, todavia, admite uma proibição apenas relativa de retrocesso), o legisla-dor não pode simplesmente eliminar normas (legais) concretizadoras de direitos sociais, porque isto equivaleria a subtrair às normas constitucionais a sua eficácia jurídica, já que o cumprimento de um comando constitucional acaba por converter-se em uma proibição de destruir a situação instaurada pelo legislador. (SARLET, 2004b, p. 33-34).

Luís Roberto Barroso traz abundante esclarecimento acerca da incorporação no patrimônio jurídico de determinados de direitos: "Por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido" (apud, SARLET, 2004b, p. 34).

O princípio em comento emana ordens ao legislador no sentido de não retroceder em relação a direitos já incorporados ao ordenamento jurídico e que trazem benefícios sociais à sociedade. Esclarece Sarlet:

[...] as normas constitucionais que reconhecem direitos sociais de caráter positivo implicam uma proibição de retrocesso, já que, ‘uma vez dada satisfação ao direito, este transforma-se, nessa medida, em direito negativo, ou direito de defesa, isto é, num direito a que o Estado se abstenha de atentar contra ele’ [...] verifica-se que, no âmbito do direito constitucional brasileiro, o princípio da proibição de retrocesso, como já sinalizado, decorre implicitamente do sistema constitucional, designadamente dos seguintes princípios e argumentos de matriz jurídico-constitucional: a-) o Princípio do Estado democrático e social de Direito [...]; b-) O princípio da dignidade da pessoa humana [...]; c-) No princípio da máxima eficácia e efetividade de direitos fundamentais contido no artigo 5º, parágrafo 1º, que abrange também a maximização da proteção dos direitos fundamentais.[...]; d) As manifestações específicas e expressamente previstas na Constituição, no que diz respeito à proteção contra medidas de cunho retroativo (na qual se enquadra a proteção dos direitos adquiridos, a coisa julgada e do ato jurídico perfeito) [...]; e-) O princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito (além da sua íntima conexão com a própria segurança jurídica) [...]; f-) os órgãos estatais[...] encontram-se vinculados[...] a uma certa auto-vinculação em relação aos atos anteriores[...]; g-) Negar reconhecimento ao princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgão legislativos, assim como o Poder Público de modo geral, a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados ao direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do constituinte. (2004b, p. 35-36).

Constata-se que o legislador não pode frustar ou elidir direitos sociais do sistema jurídico sem uma compensação a altura. Portanto, a reforma ou alteração de tais direitos tem de ocorrer nos estritos limites constitucionais, como explicita Sarlet:

Com efeito, como bem lembra Luis Roberto Barroso, mediante o reconhecimento de uma proibição de retrocesso está a se impedir a frustração da efetividade constitucional, já que, na hipótese de o legislador revogar o ato que deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito, estaria acarretando um retorno a situação de omissão (inconstitucional, como poderíamos acrescentar) anterior. Precisamente, neste contexto, insere-se a argumentação deduzida pelos votos condutores (especialmente do então Conselheiro VITAL MOREIRA) do referido leading case do Tribunal Constitucional de Portugal, versando sobre o serviço Nacional de Saúde, sustentando que ‘as tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não obrigam apenas a cria-los, obrigam também a não aboli-los uma vez criados’, aduzindo que ‘após ter emanado uma lei requerida pela Constituição para realizar um direito fundamental, é interdito ao legislador revogar esta lei, repondo o estado de coisas anterior. A instituição, serviço ou instituto jurídico por ela criados passam a ter a sua existência constitucionalmente garantida. Uma nova lei pode vir a alterá-los ou reformá-los nos limites constitucionalmente admitidos (grifo nosso); mas não pode vir a extingui-los ou revoga-los’ (2004b, p. 36-37).

Isso tudo demonstra razão para se sustentar vedação quanto a retrocesso em matéria de direitos sociais. Contudo, como tudo tem limites e o equilíbrio é fundamental, eis que os extremos são por demais perigosos, Sarlet, usando da razoabilidade, sentencia que

[...] o reconhecimento de um princípio da proibição de retrocesso não poderia [...] resultar numa vedação absoluta de qualquer medida que tenha por objeto a promoção de ajustes, eventualmente até mesmo de alguma redução ou flexibilização em matéria de segurança social, em que realmente estiverem presentes os pressupostos para tanto. (SARLET, 2004b, p. 40 - grifo nosso).

Com referência à anulação, revogação ou aniquilação de direitos já garantidos, o princípio da proibição de retrocesso social impede que a Constituição seja "rasgada" por uma maioria parlamentar espúria e arranjada de última hora. Os direitos dos cidadãos, constitucionalmente garantidos não são passíveis de aniquilamento, mesmo que essa turba de próceres queira extirpá-los, tudo porque se vive num Estado democrático de direito, onde a proibição do retrocesso social é imanente a tal regime. Explica Canotilho:

A "proibição de retrocesso social" nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. [...] A violação do núcleo essencial efetivado justificará a sansão de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada ‘justiça social’. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou que pretenda alargar despropocionadamente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma [...] A liberdade de conformação do legislador nas leis sociais nunca pode afirmar-se sem reservas, pois está sempre sujeita ao princípio da igualdade, princípio da proibição de discriminações sociais e de políticas anti-sociais. As eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas [...] deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial. [...] a liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm com limite o núcleo essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana (CANOTILHO, 2003, p. 339-340).

Para que o princípio da proibição do retrocesso social não venha a ser violado, inquestionavelmente, e em primeira mão, o legislador sempre terá de se interrogar: direitos que já estão garantidos não podem ser retirados do trabalhador sem a devida compensação.


3. REFORMA TRABALHISTA

A análise dos fenômenos do neoliberalismo e da globalização é tema deste capítulo com objetivo de se entender o porquê da crescente defesa da flexibilização das normas trabalhistas.

3.1 Neoliberalismo e globalização

José Martins Catharino na sua obra Neoliberalismo e seqüela, trata do tema dispondo-o em quatro partes, quais sejam: privatização, desregulamentação, flexibilização e terceirização. (CATHARINO, 1997). Quando trata do liberalismo, o autor mostra que "liberalista" não é o mesmo que "liberal". Ensina que o "[...] adepto do liberalismo é acima de tudo um individualista. Tanto que liberalismo e individualismo têm sinomínia quase perfeita". Segue esclarecendo que o liberal é permeável, poroso, tolerante, generoso, dadivoso, até pródigo, "mão aberta", ao passo que o liberalista, por ser individualista, pode até ser "unha de fome", "ter cobra no bolso". (1997, p. 8).

Segundo Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, a ordem do neoliberalismo é o declínio da intervenção estatal nas regras do mercado. Menciona o autor:

Com o declínio do welfare state, o intervencionismo estatal vem perdendo força, avançando, então, as políticas neoliberais. Muda o referencial, quem tem que dar as cartas no jogo da economia é o mercado. Neste quadro, importa diminuir o tamanho do Estado, a ordem é privatizar. (PIMENTA, 2004, p.215-216).

Para que o capital estrangeiro adentre nas fronteiras nacionais do Estado neoliberal, este faz do possível ao impossível: "[...] Há redução de impostos para o capital externo, admite-se a precarização do emprego, o avanço da terceirização e a flexibilização das leis trabalhistas [...]." (PIMENTA, 2004, p. 216).

O neoliberalismo penetrou profundamente no Direito do Trabalho, intensificando princípios que reclamavam a emergência da cidadania moderna, ao lado da figura de um trabalhador vendedor de mão-de-obra, estruturalmente cidadão, e retirando-lhe sua condição essencial fixada no princípio da proteção, bem como seu caráter político. [...] assim, uma empresa moderna, hoje, instala-se nos estados que lhe garantam a anulação das conquistas sociais, do poder dos sindicatos e das associações civis, que insistem em defender melhorias salariais, condições de trabalho e o meio ambiente. [...] surge a discussão acerca da flexibilização das relações de trabalho (SILVA, 2002, p. 17-18).

É interessante a colocação que traz Gonçalves quando cita Ethan B. Kapstein: "Justamente no momento em que os trabalhadores mais necessitam do Estado-Nação como amortecedor, para absorver os choques da economia mundial, ele os está abandonando."(KAPSTEIN apud, PIMENTA, 2004, p. 216).

O neoliberalismo "[...] é, sem dúvida, a tentativa de alterar a lógica protetiva do Direito do Trabalho para uma lógica flexível. [...]" (PIMENTA, 2004, p. 216). Segundo Vieira,

a visão dominante entre os neoliberais é de que a recessão representa uma curva cíclica e temporária, e que o mecanismo de livre mercado assegurará a recuperação econômica. A pobreza, a fome, as guerras civis são negligenciadas como algo próprio dessas sociedades em transição, um estágio evolutivo doloroso rumo à democracia e ao livre mercado. Nenhuma conexão é feita entre o colapso das economias nacionais e o subjacente processo de reestruturação global. (2001, p. 89).

Com efeito, o Estado neoliberal distancia-se do cidadão e o faz refém do capitalismo selvagem, que, na busca incessante do lucro, transforma o trabalhador num objeto ou, mais precisamente, numa res (coisa).

A globalização é, por seu turno, na lição de Giddens, "a intensificação de relações sociais em escala mundial que ligam localidades distantes de tal maneira, que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa." (GIDDENS apud, VIEIRA, 2001, p. 73). Segundo Liszt Vieira,

O ponto de partida da globalização é o processo de internacionalização da economia, ininterrupta desde a Segunda Guerra Mundial. Por internacionalização da economia mundial entende-se um crescimento do comércio e do investimento internacional mais rápido do que o da produção conjunta dos países, ampliando as bases internacionais do capitalismo (incorporação de mais áreas e nações) e unindo progressivamente o conjunto do mundo num circuito único de reprodução das condições humanas de existência. (2001, p. 76-77).

Vieira destaca ainda que "[...] quem comanda a economia global é cada vez mais o mercado financeiro: em última análise, são grandes corporações, e não os governos, que decidem sobre câmbio, taxa de juros, rendimento da poupança, dos investimentos, preços de comodities etc. [...]." (2001, p. 81). Sustenta, também, que uma das dimensões da globalização é a exclusão social e a transformação dos trabalhadores em população descartável (2001, p. 90). Salienta que, simultaneamente à acumulação de capitais e ao poder de coerção assentado no domínio das informações, do saber e das novas tecnologias, com a globalização ocorre

[...] uma transferência espacial de investimentos para o Terceiro Mundo (mão-de-obra mais barata), 20% da população mundial sobrevivem com uma renda diária de menos de 1 dólar. O salário por hora de um operário chinês pode valer US$ 0,03, enquanto que na Alemanha é de US$ 12,32. Índia, Indonésia, Malásia, Vietnã, México e Rússia tem salários (por hora) inferiores a US$ 1. (VIEIRA, 2001, p. 90-91).

Fazendo um comparativo com o descrito por Vieira, trazem-se à baila manifestações do ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso e do ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto. Para Fernando Henrique Cardoso

a globalização está multiplicando a riqueza e desencadeando forças produtivas numa escala sem precedentes. Tornou universais valores como a democracia e a liberdade. Envolve diversos processos simultâneos: a difusão internacional da notícia, redes como a internet, o tratamento internacional de temas como o meio ambiente e direitos humanos e a integração econômica e global. (CARDOSO apud, PIMENTA, 2004, p. 214).

Para Antônio Delfim Neto,

a globalização é a revolução do fim do século. Com ela a conjuntura social e política das nações passa a ser desimportante na definição de investimentos. O indivíduo torna-se uma peça na engrenagem da corporação. Os países precisam se ajustar para permanecer competitivos numa economia global – e ai não podem ter mais impostos, mais encargos, ou mais inflação que outros. (apud, PIMENTA, 2004, p. 214-215).

Percebe-se que neoliberalismo e globalização andam imbricados. No entanto, o que se tem visto é que trabalhadores estão sendo descartados do mercado de trabalho e que o Estado neoliberal e globalizado tenta, de toda a forma, mais ainda, flexibilizar ou desregulamentar as relações laborais mantidas em seus ordenamentos jurídicos, adentrando, assim, neste mundo onde o futuro encontra-se em lugar incerto e não sabido.

3.2 Flexibilização e desregulamentação

Primeiramente, conceitua-se "flexibilização" visto que, por tratar-se de neologismo, ainda não é de domínio público tal conceito. No entanto, sabe-se que ser flexível é ser maleável e, no fundo, é isso que "flexibilização" traz como núcleo essencial. Etimologicamente, segundo Antônio Álvares da Silva,

o verbo português "flexibilizar" provém do latino "flecto, flectis, flectere, flexi, flectum", que significa curvar, dobrar, fletir. Depois, por complementação semântica, possui vários sentidos conexos ou paralelos, tais como fazer voltar, dirigir o rumo, tornear, mover, comover, mudar, modificar.

Flectere arcus – disender o arco. Flectere gemina acies – voltar os dois olhos. Flecti cursos ou iter – ter o curso mudado, desviar, afastar, etc.

A palavra tem, portanto, dois sentidos. Um, o etimológico, que é o básico: dobrar. O outro, figurado, mudar de curso, de posição, etc. De fato, toda vez que flexibiliza, inclusive no Direito, muda-se de situação. (SILVA, 2002, p. 52).

Sérgio Pinto Martins explica que, para estudar determinado tema, deve-se, primeiro, fazer uma "[...] análise da sua denominação, que poderá ajudar a compreender aquilo que se pretende estudar. [...]." (2002, p. 21). E continua o autor:

A denominação flexibilização parece mais adequada. Flexibilidade é qualidade de flexível; elasticidade, destreza, agilidade, flexão, flexura; faculdade de ser manejado; maleabilidade; aptidão para variadas coisas ou aplicações; é o que pode dobrar ou curvar; é o contrário de rigidez. Flexível vem do latim flexibile. Na prática, os estudiosos acabaram preferindo o termo flexibilização.

A palavra flexibilização é um neologismo, não encontrado nos dicionários. É originária do espanhol flexibilización.

[...]

O certo não seria falar em flexibilização do Direito do Trabalho, mas em flexibilização das condições de trabalho, pois estas que serão flexibilizadas.

[...]

Prefiro dizer que a flexibilização das condições de trabalho é o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação ente capital e o trabalho. (MARTINS, 2002, p. 21-25).

Traz-se ainda definição formulada por Oscar Ermida Uriarte, a qual é muito ampla, como o próprio autor esclarece:

Em termos muitos gerais e no âmbito do Direito do Trabalho, a flexibilidade pode ser definida como eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade – real ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competividade da empresa. (URIARTE, 2004, p. 217-252).

Ives Gandra da Silva Martins Filho assinala:

A flexibilização representa a atenuação da rigidez protetiva do Direito do Trabalho, com a adoção de condições trabalhistas menos favoráveis do que as previstas em lei, mediante negociação coletiva, em que a perda de vantagens econômicas poderá ser compensada pela instituição de outros benefícios de cunho social, que não onerarão excessivamente a empresa, nos períodos de crise econômica (efeito da globalização) ou de transformação na realidade produtiva (efeito do avanço tecnológico). (MARTINS FILHO, 1999, p. 589).

José Martins Catharino, de forma didática e esclarecedora, conceitua "flexibilização" de modo a não deixar dúvidas:

Flexibilidade é o mesmo que ductibilidade e maleabilidade, que pressupõem elasticidade. [...] Flexibilizar é fazer do rígido flexível, ou o que já o é mais ainda. [...] Em amplo sentido, a "flexibilização" é maneira de adaptação de normas jurídicas para atender alterações verificadas na economia. Em sentido estrito, ... de normas jurídicas trabalhistas para atender às alterações na economia, refletidas nas relações entre trabalho e capital. [...] Flexibilizar não é desregular. É regular de modo diferente do que se acha regulado. [...] Variável, também, o grau de ‘flexibilização’, do mínimo ou máximo, podendo, por conseqüência, ser de pouca relevância, de alguma, ou até chegar perto de ruptura ou fratura de norma existente. Dando-se isto, ocorrerá "desregulação", com ou sem regulação substitutiva. (CATHARINO, 1997, p. 49-51 – grifo nosso).

Numa análise preliminar, constata-se que a "flexibilização" normativa é assunto que tem posto estudiosos a discorrer sobre o tema.

Flexibilizar significa tornar flexível, entendendo-se, como tal, aquilo que se pode dobra ou curvar. Flexibilização é pois, o contrário de rigidez, e visa, portanto, tornar o Direito do Trabalho maleável, capacitando-o a se modelar, segundo a realidade do contexto social e das relações trabalhistas da atualidade. A flexibilização tem por escopo, exatamente, propiciar o rápido ajustamento do complexo normativo laboral às mudanças decorrentes das flutuações econômicas, evoluções tecnológicas ou quaisquer outras alterações que requeiram imediata adequação da norma jurídica. [...] a teoria da flexibilização das condições de trabalho, suas causas, conseqüências, tendências e limitações são um campo aberto à análise reflexiva sob diferentes abrangências, especialmente aquela que contempla o ponto de vista jurídico, de vez que suscita antagônicos posicionamentos, sendo muitos radicais quando entendem flexibilização como desregulamentação das leis trabalhistas – distinção mister a ser colocada. (SILVA, Silvano, 2002, p. 17-19).

Priscila Campana, tratando de desregulamentação e flexibilização, menciona – e com razão – a distinção que se faz acerca de tais institutos, visto que o que se quer, seja com flexibilização, seja com ou desregulamentação, é a retirada do Estado das relações laborais. Segundo a autora,

muitos autores fazem a distinção entre o conceito de flexibilização e o conceito de desregulamentação, traçando critérios para a sua comparação e elaborando classificações.

Contudo, como a finalidade a ser alcançada aqui é a de trazer o cunho ideológico e político das flexibilizações, as diferenças terminológicas são de menor importância, já que tanto o que seria a flexibilidade quanto o que seria a desregulamentação servem ao mesmo plano neoliberal, fazendo parte, como um todo, do processo de supressão das conquistas obtidas no Estado social. [...]

Infelizmente, o que muitos autores acabam fazendo quando elaboram as diferenciações entre desregulamentação e flexibilização é apenas mascarar o fator ideológico desse processo de ‘retirada dos direitos sociais’, sem questionamentos políticos e filosóficos. [...]

A flexibilização é simples reformatio in pejus, [...].

Em outras palavras, a flexibilização significa a renúncia, pelos trabalhadores, de muitos de seus direitos conquistados e positivados. (CAMPANA, 2000, p. 136).

Pois bem, o Estado, vencida a barreira da privatização, volta-se agora contra o trabalhador para "desregulamentar", o que, nas palavras de José Martins Catharino, é "desregulação" em sentido estrito e quer dizer, de acordo com o pensamento liberal,

[...] reduzir ao máximo as regras ditadas pelo Estado e aumentar a privatização normativa. [...] A desregulação, a grosso modo, pode ser processada com a diminuição das regras ditadas pelo Estado, ou pela redução de sua intensidade e extensão. [...] Em síntese, redução das normas heterônomas e aumento das autônomas. (CATHARINO, 1997, p. 42-43).

O mestre Catharino diz que a desregulação é o consectário da privatização, na qual "[...] Público privatizável é o que resulta da ação do Estado. Assim entendido, privatizar implica reduzir a participação do Estado na economia. [...]." (CATHARINO, 1997, p. 32-41). Também Otávio Brito Lopes comenta a diferenciação entre flexibilização e desregulamentação esclarecendo que não se confundem:

A flexibilização das condições de trabalho resulta redução de direitos trabalhistas, mediante negociação coletiva, com o objetivo de diminuir custos e possibilitar ao empregador transpor períodos de crise nos quais a continuidade da atividade empresarial e a manutenção de postos de trabalho são os bens maiores a defender. Não se pode, portanto, confundir a flexibilização das condições de trabalho com a desregulamentação do Direito do Trabalho, como fazem alguns autores, pois esta simplesmente ‘retira a proteção do Estado, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego.’ (LOPES, 2000, p. 716-717).

Igualmente Arnaldo Süssekind contribui com a distinção entre flexibilização e desregulamentação e com veemência registra:

[...] a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. (SÜSSEKIND, 2003, p. 52).

Antônio Silva diferencia flexibilização da desregulamentação fazendo uma distinção esclarecedora sobre o tema. Colaciona que,

se a flexibilização assumir um nível intenso, até retirar do Direito do Trabalho suas características principais, estaremos diante do fenômeno da desregulação (110), que é mais do que flexibilização. Deixará ele de ser uma disciplina jurídica autônoma. Perderá seu lugar na ciência do Direito. O Direito Individual do trabalho, que tem base contratual, retornará ao direito comum das obrigações. Será, como os demais, um contrato de direito privado, como qualquer outro, tendo como objeto o trabalho humano, que então se transformará efetivamente numa mercancia como outra qualquer. [...]

(110) A distinção entre os dois nomes é útil, porque designa fenômenos diferentes. A flexibilização é fenômeno mais genérico, que se aproxima da adaptação. Pode até implicar alguma perda de normas, não é este seu objetivo principal. Já a desregulação é a supressão de normas, sem que nenhuma compensação seja posta em lugar. Retira-se o direito trabalhista sem qualquer compensação. Por isso é que se diz que ela leva, se praticada com intensidade, à extinção do Direito do Trabalho. [...] (SILVA, 2002, p. 108).

Sérgio Pinto Martins também faz referência à distinção existente entre flexibilização e desregulamentação, esclarecendo que não se pode confundi-las:

Não se confunde flexibilização com desregulamentação. Desregulamentação significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulação, o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulação, a lei simplesmente deixa de existir. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. A flexibilização é feita com a participação do sindicato. Em certos casos, porém, é permitida a negociação coletiva para modificar alguns direitos, como reduzir salários, reduzir e compensar jornada de trabalho, como ocorre nas crises econômicas. [...]

Distingue-se a flexibilização da precarização do trabalho. Nesta, há o trabalho incerto, instável e indefinido, a regulamentação insuficiente do trabalho. Na flexibilização deve haver a manutenção de um nível mínimo de legislação, com garantias básicas ao trabalhador e o restante seria estabelecido mediante negociação coletiva. (MARTINS, 2002. p. 26-27).

Martins menciona ainda que "[...] é mister a conciliação entre o econômico, que é a produção, e social, que é a própria sobrevivência do trabalhador e de sua família, necessitando haver maior flexibilização das condições de trabalho para manter o próprio trabalho.[...]" (2002, p. 19).

Na flexibilização, as próprias partes criam as normas que as vão reger – contrato de trabalho –, as quais, segundo José Martins Catharino, "podem ser da mesma fonte, ou por norma de outra fonte". Continua o autor:

Mais apropriada é flexibilizar norma heterônoma por autônoma. "Flexibilização" máxima ocorre quando a) é derrogada a norma considerada rígida; b) a norma, tida como rígida, é transformada de imperativa em imperfeita ou supletiva da vontade dos interessados. Embora diversa a técnica, os efeitos são semelhantes.

Ambos os meios são, por certo, os mais "neoliberalistas", e trazem no seu bojo o perigo de posterior "flexibilização" parcial, ou unilateral, com vantagem dos empregadores, e, por conseqüência, desvantagem para os empregados. Involução, recuo e retrocesso, que representa perigo anti-humanista. Volta ao perigo trágico em que dominou soberana a igualdade meramente formal, fonte de tremenda desigualdade real e social.

Para isso não acontecer, ou para que aconteça em menor grau, para o preenchimento do vazio deixado pela norma derrogada, ou para evitar os efeitos de perda de sua imperatividade, o caminho certo é o da negociação coletiva sindical, único capaz de levar à "flexibilização" completa, ou bilateral, reciprocamente vantajosa.

[...]

Na hipótese de "flexibilização" de norma heterônoma por outra da mesma fonte, algumas técnicas podem ser assinaladas, dentre elas: a) abrir ou aumentar as exceções a determinada regra; b) reduzir o casuísmo taxativo e esgotante, ou adotar a enumeração simplesmente exemplificativa. (CATHARINO, 1997, p. 55 – grifo do autor).

Verifica-se, quanto à "flexibilização", que a tendência é ser feita de modo unilateral, como pondera Catharino: "[...] A tendência lógica, condizente com o pensamento liberalista econômico, é a de que seja feita ‘flexibilização’ unilateral, favorecendo a empresa, o que significa dar predominância às leis econômicas vigentes. [...]." (1997, p. 52).

É "falacioso", no entender do ministro José Luciano de Castilho Pereira, dizer que a flexibilização das normas trabalhistas irá aumentar o número de empregos de qualidade. Pode até aumentar, porém o trabalhador pagará com o preço da escravidão, eis que, "[...] nessa linha, reformar a legislação trabalhista é afastar o Estado das relações laborais. [...]" (2004, p.18).

Veja-se o que está acontecendo nos Estados Unidos, que o mundo todo tem como o "todo-poderoso", pensando que lá reina o pleno emprego e que o Estado não interfere nas relações laborais. Ledo engano. Novamente traz-se à baila fragmento do artigo do ministro José Luciano:

Pois bem, como se sabe, a campanha presidencial americana tem na política externa a tentativa de tornar racional a insanidade da guerra do Iraque; mas, quanto à política interna, o grande debate se prende ao desemprego e à precarização do trabalho.

Em artigo publicado no Le Monde do dia 17 de setembro último, sob o título Ma politique economique, o candidato democrata John Kerry escreveu o seguinte:

‘Ao longo do ano passado, os salários reais ficaram baixos, e o mesmo número de empregos criados, nos últimos doze meses, constitui a pior performance em mais de cinqüenta anos (...). De fato, um milhão e setecentos mil empregos criados no último ano é inferior aos piores anos do mandato do Presidente Clinton e abaixo do número que seria necessário para colocar os que estão desempregados e aqueles que chegam ao mercado de trabalho. ’

Verifica-se, pois, que é falacioso o argumento de que a flexibilização da legislação trabalhista brasileira – em um modelo americano – significará, necessariamente, aumento de emprego de qualidade. (PEREIRA, 2004, p.18).

Continua-se diuturnamente, a ser bombardeado com petardos de que o desemprego no Brasil é conseqüência da legislação trabalhista protetora (PEREIRA, 2004, p. 17), quando, na realidade, sabe-se que não é a proteção dispensada ao trabalhador a causa do desemprego, mas, sim, uma política econômica que onera os empresários com juros altos e que embute nos salários dos trabalhadores impostos e contribuições sociais, conduzindo a que um posto de trabalho custe ao empregador o dobro do salário pago ao trabalhador.

José Pastore traz dados que, mesmo longínquos (1993), vêm ilustrar o aqui exposto, eis que a atual realidade mostra que tal situação, se mudou, foi pouco e, pode-se afirmar, se houve tal mudança, foi no sentido de elevação dos índices, com raras exceções. Vejam-se:

Os resultados para 1993 são apresentados na Tabela 5.2. Eles registram o peso dos encargos trabalhistas sobre o valor da folha de salários, em porcentagem. Esses resultados significam que, para cada 100 unidades pagas a título de remuneração, as empresas brasileiras pagam 91,9% de encargos sociais – a mais alta carga na comparação efetuada. Em outras palavras, cada trabalhador custa para a empresa, o dobro de seu salário.

[...]

No Brasil, para cada folha de salários que custe 100 unidades monetárias, as empresas gastam quase 92 unidades adicionais com encargos sociais (Tabela 5.2). Ao se incluir o 13º, isso chega a 102%. Dos países estudados, apenas a França chega perto do Brasil. A Itália gasta 51%; a Bélgica, 45%; e a Dinamarca aproximadamente 12%. [...]. (PASTORE, 1994, p.141).

Conforme menciona Uriarte, "[...] misturando a razão com os números, é o caso de lembrar que os dois objetivos básicos da desregulamentação são baratear o custo do trabalho para melhorar a competitividade da empresa e aumentar o emprego ou diminuir a desocupação. [...]". (URIARTE, 2004, p. 246-247). Destaca ainda que o custo da mão-de-obra (trabalhador) gira em torno de um décimo do custo total da produção, o que vem ao encontro da pesquisa formulada por Pastore mencionada, onde fica claro que é falácia, utilizando o termo empregado pelo ministro Pereira (2004, p. 18), que a causa do desemprego no Brasil é a excessiva proteção da legislação trabalhista ao hipossuficiente – o trabalhador.

Acontece, porém, que em geral, os direitos trabalhistas ou o grau de proteção do trabalhador afetam muito pouco o custo total da produção e menos ainda o preço de venda de um produto. Na indústria manufatureira, o custo do trabalho é ínfimo como percentual do custo total de produção e menor ainda como percentual de preço de venda. Pareceria que, em média, em nossos países, o custo do trabalho tenderia a situar-se em volta de 10% do custo da produção. Por que então empenhar-se em responsabilizar esse fator pela pouca ou alta competividade? Não seria mais razoável buscar soluções nos outros 90%? Se os custos do trabalho fossem mediamente importantes, como explicar que os países, nos quais a participação do salário na renda nacional é de 60%, 70% ou 80%, sejam mais competitivos que os nossos, nos quais a participação do salário na renda nacional é sempre inferior a 30%? Por que, numa época de tanta manipulação estatística, econométrica, numérica, é tão difícil encontrar medições do percentual do salário no custo total da produção e no preço de venda do produto?

Em relação ao suposto efeito positivo da desregulação/flexibilização sobre o emprego, as simples cifras são eloqüentes. (URIARTE, 2004, p. 217-252).

Arnaldo Süssekind, no entanto, defende ponto de vista um tanto diferenciado dos dados estatísticos apresentados por Pastore:

Embora alguns tributos não correlacionados com o emprego incidam desarrazoadamente sobre salários, entendemos que a respectiva folha de pagamentos não é onerada com 102%, como geralmente se afirma. É que a tabela amplamente divulgada computa injustificadamente:

a) o custo do repouso semanal, dos feriados e das férias anuais, representados por parcelas já inseridas no salário mensal sobre o qual incidem os 35,8% dos encargos sociais;

b) as despesas decorrentes de despedidas arbitrárias ou sem justa causa, as quais, quando não praticadas, não possibilitam a devolução do seu valor aos consumidores;

c) o custo aleatório do salário-enfermidade, como se todos os empregados adoecessem anualmente por períodos que justificassem a contratação de substitutos, sendo que o licenciamento superior a quinze dias corre por conta do INSS. (SÜSSEKIND, 2003, p. 50).

Dinaura Godinho Pimentel Gomes, Doutora em Direito pela Universidade Degli Studi di Roma – La Sapienza, pós-doutoranda em Direito junto à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e juíza do Trabalho da 9ª Região, em seu balizado artigo "O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a flexibilização da legislação trabalhista", também traz números a respeito do custo de um empregado:

Sabe-se que um empregado, nos Estados Unidos, que ganha US$ 1.000,00, custa à empresa US$ 1.100,00, ou seja, 10% a mais em custos indiretos. No Brasil, o mesmo salário custa à empresa quase o dobro, ou seja, mais de 90% de acréscimo sobre a folha de pagamento mensal, sem retorno adequado de benefícios ao trabalhador. (GOMES, 2003, p. 127).

Os dados estatísticos colacionados falam por si sós e mostram que o problema não reside na flexibilização ou na desregulamentação das normas trabalhistas, mas, sim, naquilo que os números mostram.

O direito do trabalho é um ramo da ciência jurídica que está estreitamente vinculado com a dignidade do trabalhador; assim, flexibilizá-lo ou desregulamentá-lo significa transformá-lo (o trabalhador) "em qualquer coisa", em mercadoria desvalorizada e descartável. "[...] É público e notório que a precarização do emprego formal, o desemprego e a informalidade têm enfraquecido o poder de quem procura seu emprego, aceitando qualquer coisa para mantê-lo. [...]" (PEREIRA, 2004, p.20 - grifo nosso). Isso é trágico, pois está se fazendo ruir o Estado democrático de direito, o qual tem sua base, dentre outros, no princípio da dignidade da pessoa humana, que é seu fundamento.

O trabalho traz dignidade às pessoas e não pode ser transformado em mercadoria, coisificado, visto que é um direito da humanidade ter um trabalho, e mais, um trabalho descente e com remuneração digna. No entanto, para os economistas, segundo José Martins Catharino, "[...] o fundamental é o resultado do trabalho e não quem produz, pois o primeiro tem valor econômico, sendo insumo da produção. É considerado como se fosse coisa, e o salário, seu custo, como outro qualquer. [...]". (1997, p. 25).

Carlos Alberto Cunha também manifesta-se sobre o tema:

O Direito do Trabalho emerge como primeiro direito da pós-modernidade, como fruto da composição político-jurídica entre classes dominantes, o Estado e os trabalhadores. Junta-se ao direito do consumidor e do meio ambiente como direitos emancipatórios em face do mercado.

[...]

Freqüentemente coloca-se o ordenamento legislativo trabalhista como impeditivo do desenvolvimento econômico. Grave equívoco histórico, no mínimo. O direito do trabalho surgiu exatamente para proteger o trabalhador, já que pela simples regra do mercado o trabalho se converte em mera mercadoria. [...] O direito do Trabalho, ao valorizar o trabalhador e o trabalho, valoriza a sociedade como um todo. (CUNHA, 2004, p. 16-17)

Na Constituição Federal as únicas possibilidades de flexibilização são encontradas no artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV, e somente em situações de estado de defesa ou estado de sítio tais princípios podem ser modificados para pior.

I – O art. 7º a Constituição Federal, em sua parte final, dispõe que as novas leis trabalhistas devem contribuir para a melhoria da condição social do empregado. Todos os direitos trabalhistas estabelecidos no texto constitucional são garantias mínimas e deve-se buscar ao máximo a melhoria de condição de vida do trabalhador. O postulado normativo da norma mais favorável ao obreiro está implícito neste artigo. Na interpretação de conflitantes normas de direito do trabalho, os juristas (latu sensu) devem aplicar aquela que mais favorecer ao empregado (salvo as exceções previstas nos artigos 7º, VI, XIII e XIV da Carta Magna). Fazendo uma interpretação teleológica, podemos dizer também que a Constituição, no seu art. 7º, proíbe que as condições mais vantajosas e conquistadas pelo empregado sejam modificadas para pior. Esse princípio só deve ser ponderado nos casos de estado de defesa e estado de sítio, isto é, somente nas hipóteses previstas nos artigos 136, caput, e 137 da CF/88. Desse modo, em momentos de normalidades constitucionais, qualquer emenda constitucional ou qualquer lei que não gere uma melhoria social para o trabalhador é inconstitucional. Se avançarmos um pouco, sem trair o nosso pensamento, qualquer norma que fira um princípio constitucional trabalhista é inconstitucional, a mercê de não conferir aos direitos sociais trabalhistas, mesmo que considerados fundamentais, a rigidez dispensada aos direitos e garantias individuais, insuscetíveis de emenda à Constituição. Os doutrinadores Edilton Meireles e J. J. Gomes Canotilho chamam o princípio verificado neste item 1 de princípio do não retrocesso social e princípio da proibição do retrocesso social, respectivamente. Preferimos adotar a nomenclatura de princípio de proteção ao trabalhador, já sedimentada pelo mestre Américo Plá Rodrigues, só que elevado a nível constitucional. (princípio constitucional de proteção ao trabalhador) (ALMEIDA, 2004, p. 463-464).

Arnaldo Süssekind corrobora as palavras de Edvaldo Nilo de Almeida esclarecendo que as normas constitucionais trabalhistas só podem ser flexibilizadas em três hipóteses:

A Constituição brasileira de 5 de outubro de 1988 possibilitou a flexibilização de algumas de suas normas: redutibilidade salarial, compensação de horários e trabalho noturnos de revezamento (art. 7º, VI, XIII e XIV); mas sempre sob a tutela sindical. (SÜSSEKIND, 2003, p. 56).

Otávio Brito Lopes, comentando a flexibilização, esclarece que a Constituição permitiu tal desiderato, no entanto esclarece que,

como regra geral, as condições mínimas de trabalho previstas na CF são inderrogáveis pela vontade das partes, mesmo na esfera da autonomia privada coletiva. A Constituição abriu uma exceção ao permitir a flexibilização das condições de trabalho no art. 7º, incisos VI [...], XIII [...] e XIV [...], pode se afirmar, como regra geral, que a flexibilização decorre da negociação coletiva e se exterioriza (ganha contornos jurídicos ou se instrumentaliza) em acordos ou convenção coletiva de trabalho (LOPES, 2000, p. 716-717).

Carlos Alberto Cunha, valendo-se de uma metáfora que bem demonstra o teor da flexibilização, argumenta:

Sob color de flexibilização, tendo à frente o slogan da prevalência do negociado sobre o legislado, o Estado brasileiro imprime o intervencionismo branco, ilusório, semântico, que encobre a desregulamentação completa da legislação social tutelar, [...].

As leis protetivas do trabalho são raios de explendor que provêm do cume da perâmide legislativa, onde está o centro-mor de força e de irradiação regente. Do bem encadeado e sistêmico centro gerador de normatividade, chispam fagulhas que se energizam em processo contínuo e harmônico, sob a forma de condutores que se ligam, numa espiral-ricochete, iluminando todo o ordenamento jurídico. Estão unidos, assim, o binômio dignidade-trabalho e a este os direitos sociais. (CUNHA, 2004, p. 322).

Quando Cunha destaca que "as leis protetivas do trabalho são raios de esplendor que provêm do cume da pirâmide legislativa, onde está o centro-mor de força e de irradiação regente", tem-se de admitir que está falando da Constituição, eis que logo a seguir destaca:

Não pode ser relegado ao oblívio que as hipóteses de flexibilização constitucional foram delimitadas numerus clausus, permitindo-se, através de negociação coletiva a redução de salários e de jornada de trabalho, compensação de horários e ampliação da jornada nos casos de turnos ininterruptos de revezamento, consoante art. 7º, incisos IX, XIII e XIV da CF/88. ‘Expandir essas três hipóteses constitucionais, mediante precária norma resultante de convenção coletiva, seria legislar de forma inadmissível e contra legem, dispondo do indisponível e renunciando ao irrenunciável.’ (CUNHA, 2004, p. 324).

Acerca da flexibilização permitida pela Constituição, Priscila Campana faz voz uníssona com os demais doutrinadores trazidos à baila nesta parte do trabalho monográfico, lembra:

Como a crise do Estado social é acompanhada pela tendência à flexibilização no Direito do Trabalho, não é de hoje que existem as flexibilizações legalmente instituídas, [...].

[...] o ordenamento jurídico constitucional traz alguns dispositivos com clara inspiração flexibilizadora: o art. 7º, VI [...], XIII e XIV, (CAMPANA, 2000, p. 137).

Finalizando seu artigo, Campana menciona:

[...] em países que desregulamentaram o mercado de trabalho, como a Argentina e Espanha, as taxas de desemprego estão atualmente entre as mais elevadas – respectivamente, 29% e 24% [...].

Nessas circunstâncias, o que os teóricos da flexibilização objetivam é a volta a um Estado de dois séculos atrás: descomprometido com os conflitos sociais provenientes das relações de trabalho, e que são solucionados em base puramente autocompositiva.

Esse Processo desregulamentador, parte do projeto neoliberal, não traz benefícios para os trabalhadores, ao contrário, significa a volta à exploração de mão-de-obra que ocorria no século passado, um retrocesso diante de tantas conquistas e lutas pelos direitos fundamentais do homem e sua positivação.

A flexibilização dos direitos sociais, assim, é mais um mecanismo capitalista de manutenção do sistema de exploração e auferição de lucros às empresas e conglomerados econômicos. Flexibiliza-separa a manutenção da mais valia, para o controle da taxa de lucro. Quanto menos "encargos sociais" tiver o capitalista, quanto menos gastar com o trabalhador, melhor gerencia seus interesses na busca por acumulação de capital. (CAMPANA, 2000, p. 137-139).

Dinaura Godinho Pimentel Gomes também se posiciona no sentido de que

convém esclarecer, a respeito, que a flexibilização está prevista inclusive na CF brasileira – art. 7º, VI, XIII e XIV. Entretanto, é permitida apenas para possibilitar a alteração de direitos dos trabalhadores que não sejam básicos nem irrenunciáveis, mediante compensação, ou ainda, em situações especiais, e sempre com a assistência sindical. É aplicada, portanto, no sentido de favorecer a adaptação das condições de trabalho – já regulamentadas por lei ou norma coletiva mais favorável – à dinâmica da realidade empresarial, ensejando a diversificação das mesmas, com observância dos direitos essenciais que não podem ser eliminados, em sintonia com os princípios que informam a proteção ao empregado.

[...]

Inadmissível, todavia, é a desregulamentação, que consiste na redução dos direitos trabalhistas, acarretando a própria destruição do Direito do Trabalho. (GOMES, 2003, p. 122-123).

Francisco Meton Marques de Lima lapidarmente fornece um brilhante comentário acerca do que a flexibilização das normas trabalhistas poderá causar aos trabalhadores, visto que o povo ainda não atingiu um certo nível de consciência de que todo o cidadão tem de ter uma vida digna e decente. É retumbante seu comentário:

Justifica-se a flexibilização nos países ricos, onde a consciência nacional já garante, independentemente de comando normativo, vida decente a todo cidadão.

Mas não no Terceiro Mundo, onde ainda enfrentamos o problema do cangacismo, agora urbano e bem equipado, nas versões de guerrilhas, comandos de morros e das bocas-de-fumo, como resposta, em grande parte, à iniqüidade social. E no Brasil vivemos quase uma guerra civil ente o povo e o poder, entre a delinqüência profissional e os delinqüentes oficiais – chacinas, massacres, seqüestros. A questão da terra ainda tem trato colonial.

O "Jeca Tatu" ainda clama por um prato de comida e não tem onde morar.

Necessário se faz modernizar as relações de trabalho, repensar a organização sindical, mas ainda não é tempo de expungir o protecionismo da lei obreira, pois a nossa sociedade não criou mecanismos para manter o equilíbrio da contabilidade social. Março de 1994. Meton Marques. (LIMA, 1997, p. 10-11).

Dentre as várias obras e revistas pesquisadas, constatou-se que somente Ives Gandra da Silva Martins Filho tem posicionamento favorável à flexibilização. Destaca o ministro do Tribunal Superior do Trabalho:

[...] admitindo-se a flexibilização dos dois pilares básicos do direito do trabalho, que são o salário e a jornada de trabalho, todos os demais, ainda, que não previstos expressamente, são suscetíveis de flexibilização, na medida em que constituem vantagens de natureza salarial ou garantias de descanso periódico ou circunstancial. (MARTINS FILHO, 1999, p. 589).

Em conclusão, Martins Filho vislumbra que o panorama para o terceiro milênio no tocante aos direitos sociais, à sua implementação e defesa, e visando à plena empregabilidade num mundo movido pelo avanço tecnológico, o qual diminui os postos de trabalho, a tendência será a "[...] formação de um arcabouço jurídico trabalhista mais simples (caracterizado pela desregulamentação e flexibilização). [...]" (1999, p. 591).

O direito do trabalho – ousa-se dizer - será o direito predominante do século XXI, pois cada vez mais firma-se como direito de toda a humanidade e que traz no seu bojo, latentemente, o espírito do humanismo, da eqüidade, da razoabilizadade, da proporcionalidade e da igualdade, essa "[...] cujus termos consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. [...]" (ARISTÓTELES apud, MELLO, 2003, p. 10) ou, em outras palavras, na proporção de suas desigualdades. igualando os desiguais na proporçporcionalidademente o esp Contudo "proclamar a livre competição entre pessoas e setores tão desiguais, é o mesmo que permitir a luta entre lobos e ovelhas’, que nunca termina empatada." (IRIARTE apud, CATHARINO, 1997, p. 20).

Quando se diz que os direitos sociais garantidos constitucionalmente estão causando grande desavença entre empregadores e trabalhadores, faz-se necessário transcrever uma fábula envolvendo o leão, a raposa e as galinhas, contada por José Martins Catharino:

A raposa estava causando grandes estragos em um grupo de galinhas, devorando algumas, pintos e ovos. Elas enviaram uma comissão ao leão pedindo urgentes providências. O leão mandou intimar a raposa para comparecer a local perto do galinheiro para uma reunião com as galinhas. O leão, após todas ouvir, fez uma preleção sobre ser melhor haver negociação para solucionar a desavença, concluindo que, para isso, iria abrir a porta do galinheiro para as galinhas entrarem com a raposa e negociarem lá dentro. (CATHARINO, 1997, p. 20).

O que aconteceu com as galinhas no galinheiro? Elementar: foram todas devoradas. Isso poderá acontecer com os trabalhadores caso os direitos sociais, minimamente garantidos na Constituição Federal de 1988 sejam chamados para negociar diretamente com o patrão. Isso não se pode nem imaginar. O leão (Estado) tem a obrigação legal de proteger o trabalhador; caso contrário, serão libertos, mas servos dos donos dos galinheiros.

Como é que o trabalhador – a parte mais fraca da relação – vai negociar com quem detém o poder de contratá-lo e precisa de trabalhar para o sustento da sua família ? Isso é mais ou menos como diz um ditado gaúcho: "Um gaúcho apertado faz qualquer tipo de negócio". Este trabalhador aceitará qualquer proposta, na medida em que no seu lar esteja havendo "choro", choro de seus filhos que pedem pão ao pai. Então, sem um mínimo de garantia do Estado, ele se submete a ganhar um salário aviltante, que mal consegue estancar aquele "choro", que não lhe sai da cabeça enquanto labuta. É a completa perda da dignidade da pessoa.

É ora de fazer do direito do trabalho um direito cada vez mais forte e próximo do trabalhador, pois, quando este se sentir atormentado pela perda de seus direitos, os quais foram constitucionalmente garantidos e estão sendo dobrados como o arco na mão do arqueiro – flexibilizados –, haverá de haver neste Estado democrático de direito juizes com pujança constitucional e que não se flexibilizam/dobram, diante aos desmandos dos governantes. Assim, os direitos garantidos aos trabalhadores poderão ser realmente efetivos e voltados a proteger a sua dignidade, pois, nas palavras de Pereira, "a paz é obra da Justiça" (2004, p.24) e, " [...] se o direito do trabalho busca a dignidade humana, deve, permanentemente, ser um instrumento da justiça, que, para ser cumprida, vincula-se à eqüidade, que é virtude, a qual, como juízes, deveremos cumprir, diuturnamente". (PEREIRA, 2004, p. 26).

No caso brasileiro, o Estado, por ora, não pode afastar-se de regular com normas rígidas o direito do trabalho, pois, mesmo já estando constitucionalmente garantido direitos aos trabalhadores, ainda se constata que trabalhadores estão exercendo atividades em regime de escravidão no Brasil. Será um retrocesso para a sociedade. Mais, se o trabalhador já sofre com todos os direitos que tem garantidos, imagine-se sem. Volta-se a frisar: será escravo do capital.

3.3 Constitucionalidade

Diante da celeuma que causou, traz-se à análise o projeto de lei nº. 5.483/2001, oriundo do Poder Executivo federal e enviado pelo presidente da República em outubro de 2001 ao Congresso Nacional, em regime de urgência constitucional (art. 64, parágrafo 1º, da CF/88) (LOPES, 2002) o qual, nesta parte da presente monografia, servirá de paradigma para discussão acerca da constitucionalidade de quaisquer alterações a serem realizadas no artigo 7º da Constituição Federal. Veja-se o teor do referido projeto, o qual, alterando o artigo 618 da CLT, assim estava redigido: "Art. 618. As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho." (LOPES, 2002).

Conforme destacado por Lopes, "[...] após tumultuada tramitação na Câmara dos deputados, caracterizada por acaloradas discussões e episódios insólitos que ocuparam os noticiários de todo o País, o projeto do Executivo foi aprovado, mas não como proposto. [...]" (LOPES, 2002). Assim, com as alterações perfectibilizas na referida casa (Câmara dos Deputados) fora enviado ao Senado da República com a redação abaixo transcrita, o qual, lá, obteve o nº 134, de 2001. (LOPES, 2002):

Art. 1º Na ausência de convenção ou acordo coletivo firmado por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho.

§ 1º. A convenção ou acordo coletivo, respeitados os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, não podem contrariar lei complementar, as leis nº. 6.321, de 14 de abril de 1976, e nº. 7.418, de 16 de dezembro de 1995, a legislação tributária, a previdenciária e relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, bem como as normas de segurança e saúde do trabalho.

§ 2º. Os sindicatos poderão solicitar o apoio e o acompanhamento da central sindical, da confederação ou federação a que estiverem filiados quando da negociação de convenção ou acordo coletivo previsto no presente artigo.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação e tem vigência de dois anos. (SILVA, Antônio, 2002. p. 86).

Brito Lopes destaca que "[...] a proposta do governo privilegia a produção de normas trabalhistas pela via da negociação coletiva em detrimento da produção legislativa estatal, como é a nossa tradição. Fica no ar a pergunta: [...] A proposta é constitucional? [...]." (LOPES, 2002).

Emília Simeão Albino Sako comenta acerca da "supremacia da Constituição e a matéria constitucional" (2003, p. 1323), esclarecendo que

a constituição [...] tem prevalência sobre as demais fontes do direito porque representa a vontade do povo sobre a vontade de seus representantes. Assim, as modificações imprimidas na constituição somente são legítimas quando no processo legislativo o poder constituinte derivado respeita o princípio de soberania popular. (2003, p. 1323).

Sako esclarece também que a Constituição brasileira é do tipo rígida e que, pelo

[...] sistema de direito adotado no Brasil, uma norma Constitucional é inconstitucional quando: a) não são observados os procedimentos formais para sua elaboração; b) quando colide com um princípio fundamental da Nação (arts. 1º a 4º); c) quando é incompatível com um direito ou garantia fundamental do indivíduo (arts. 5º a 7º).

[...]

É possível, portanto, norma constitucional inconstitucional e, um exemplo dessa natureza no ordenamento jurídico brasileiro é o parágrafo 1º do art. 217 da Constituição, que colide frontalmente com o direito individual explicitado no inciso XXXV do art. 5º da própria constituição, que representa cláusula pétrea. (SAKO, 2003, p. 1324).

Destaca ainda que "[...] a interpretação constitucional se faz por meio do trinômio: democracia, princípios constitucionais e hermenêutica jurídica. [...]", significando o quanto é fundamental a observância dos princípios para que se tenham decisões coerentes e adequadas. (SAKO, 2003, p. 1326-1327). Ponto contraditório, segundo a autora, é saber se "[...] os direitos sociais também estariam revestidos da garantia de imodificabilidade por meio de emendas, se o art. 7º também é cláusula pétrea. [...]" (SAKO, 2003, p. 1328). Colaciona, então, julgados do STF a respeito do tema:

O Supremo Tribunal Federal reiteradamente vem entendendo que o art. 7º da Constituição, que disciplina os direitos sociais do indivíduo, não é passível de modificação, porque é cláusula pétrea. Em sede de ação direta de inconstitucionalidade (ADIn nº939-07/DF), ao interpretar o art. 7º da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal referiu-se aos direitos sociais como cláusulas pétreas. Conforme consta na decisão, os direitos sociais guardam relação de continência com os direitos individuais previstos no art. 60, parágrafo 4º da Constituição, e conseqüentemente, são imutáveis.

Em outra decisão (ADI nº. 1.946-99/DF, [...] unânime, ao analisar o teto máximo para os valores dos benefícios do regime geral da Previdência Social instituído pela Emenda Constitucional nº20/98, o Supremo tribunal Federal deixou claro que ‘não se aplica a licença-maternidade a que se refere o art. 7º, XVIII, da CF, respondendo a Previdência Social pela integralidade do pagamento da referida licença (...) tendo em vista que não será objeto de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais (CF, art. 60, parágrafo 4º)’ [...]

[...]

O Ministro Sepúlveda Pertence (julgamento da ADIn nº. 1.665-1/DF, [...] no mesmo sentido, esclareceu que "os direitos sociais dos trabalhadores, enunciados no art. 7º da Constituição, se compreendem entre os direitos e garantias constitucionais incluídas no âmbito do art. 5º parágrafo 2º, de modo a reconhecer alçada constitucional às convenções internacionais anteriormente codificadas no Brasil" [...]. (SAKO, 2003, p. 1328).

Em sua conclusão, Sako acentua que "[...] os direitos sociais do art. 7º da Constituição não podem ser objeto de emenda constitucional [...]" e que

a conjugação desses elementos autoriza a conclusão de que o art. 7º representa cláusula pétrea, contempla direitos individuais indisponíveis, inserindo-se entre as matérias que não podem objeto de deliberação por meio de emenda constitucional, diante da vedação expressa do parágrafo 4º do art. 60 da Constituição Federal. (SAKO, 2003, p. 1329).

Ainda para Sako, "[...] embora a nova regra criada pela Emenda Constitucional nº. 28 esteja situada na Constituição, o que a torna formalmente constitucional, ela é, em substância, materialmente inconstitucional, a qual há que se negar efeitos de vigência, eficácia e aplicação. [...]." (2003, p. 1329).

Arnaldo Süssekind colaciona também a "Moção de Repúdio ao Projeto nº. 5.483," proclamada em encontro de magistrados e procuradores do trabalho da 10ª Região (Brasília). (LOPES, 2002),

Além da patente inconstitucionalidade da matéria versada no Projeto, revelada pela pretensão de ampliar as hipóteses de flexibilização autorizadas expressamente pelo art. 7º da Constituição Federal de 1988, a referida proposta, se aprovada, consagrará retirada de direitos e conquistas históricas dos trabalhadores, sob o ilusório argumento de que haverá a igualdade nas negociações coletivas [...]. (LOPES, 2002).

José Alberto Couto Maciel assinala que o projeto de lei nº. 5.483 "[...] atenta de forma frontal. [...] porque o artigo 7º integra o Título II da Constituição, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, cujas normas não podem ser alteradas nem mesmo por Emenda Constitucional (artigo 60, IV, cláusulas pétreas). (LOPES, 2002).

Jarbas Lima, quando então deputado federal (PPB/RS), "[...] apresentou voto em separado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, manifestando-se contrário ao projeto de flexibilização das regras trabalhistas. Para ele, proposição apresenta inconstitucionalidade material. [...]" (LOPES, 2002).

Destaca o parlamentar nos fundamentos de seu voto, em síntese:

O projeto se reveste de intransponível inconstitucionalidade material, quando afronta o princípio fundamental contido no art. 7º da CF que recepcionou a CLT sem ressalvas. Além do mais, a CF, no art. 7º, limitou a negociação sindical apenas ao disposto nos incisos VI, XIII e XIV. Expandir essas três hipóteses constitucionais, mediante precária norma resultante de convenção coletiva, seria legislar de forma inadmissível e contra legem, dispondo do indisponível e renunciando ao irrenunciável.

O projeto pretende priorizar e fazer prevalecer norma inferior (dissídio coletivo) sobre lei hierarquicamente superior. Assim, estar-se-ia institucionalizando a anarquia legislativa ao permitir legislar contra legem, o que manifesta a injuridicidade da proposição:

VOTO

Por tais razões, o meu voto é pela inconstitucionalidade material, ainda que satisfatória técnica legislativa e, no mérito, ante a injuridicidade, pela iminência de injustiça social, pela rejeição do PL nº. 5.483/2001. (LOPES, 2002).

Yone Frediani, juíza federal do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, mestre em garantias fundamentais, corrobora as palavras mencionadas no voto do então parlamentar Jarbas Lima:

A impossibilidade de negociação nessas matérias decorre não só do fato de se revestirem de princípios de ordem pública, bem assim dos princípios constitucionais gerais e dos específicos ao Direito do Trabalho, lembrando-se também que quando da reforma constitucional a previsão de prevalência do negociado sobre o legislado alcançou, tão somente, salários e jornada, não sendo possível através de lei ordinária a alteração das garantias fundamentais atribuídas ao trabalhador, sob pena de grave inconstitucionalidade em face da ofensa aos princípios que informam o sistema constitucional vigente. (FREDIANI, 2003, p. 90).

Süssekind também se manifesta no sentido de que os direitos relacionados no artigo 7º da Constituição são cláusulas pétreas:

Na verdade, ao impedir que as emendas à Carta Magna possam ‘abolir os direitos e garantias individuais’ (art. 60, § 4º, IV), é evidente que essa proibição alcança os direitos relacionados no art. 7º [...].

Cumpre ponderar, neste caso, que se os direitos e garantias individuais de índoles social-trabalhista, afirmados na Lex Fundamentaes, não podem ser abolidos por emenda constitucional, certo é que não será defeso ao Congresso Nacional alterar a redação das respectivas normas, desde que não modifiquem a sua essência de forma a tornar inviável o exercício dos direitos subjetivos ou a preservação das garantias constitucionais estatuídos no dispositivo emendado. (grifo nosso) [...]

A precitada proposição será, a nosso ver, nitidamente inconstitucional. Se nem por emenda constitucional poderão ser abolidos direitos relacionados no art. 7º da Carta Magna, elevados à categoria de cláusulas pétreas, como se admitir que possam fazê-lo convenções ou acordos coletivos ou que esses instrumentos normativos possam modificá-los em sua essência? Cremos que, no âmbito da ciência jurídica, devemos ainda observar a hierarquia das fontes do Direito, tal como a lei da gravidade no mundo da física. (SÜSSEKIND, 2001, p. 16-17).

Xisto Tiago de Medeiros Neto, procurador regional do Trabalho, mestre e especialista em Direito, professor de Direito Constitucional e Processual, analisa o artigo 7º da Constituição e assim se manifesta:

Considerando, entretanto, a terminologia adotada pelo legislador constituinte de 1988 ao fixar como cláusula pétrea ‘os direitos e garantias individuais’ (art. 60, § 4º, inciso IV), impõe-se analisar, à vista de uma hermenêutica constitucional adequada, se estariam os direitos sociais excluídos do elenco das limitações materiais. (MEDEIROS NETO, 2005, p. 2).

Medeiros Neto conclui, então, no sentido de que

[...] os direitos sociais, em toda sua extensão, abrangendo, inclusive, os direitos dos trabalhadores (art. 7º da Constituição Federal), constituem cláusula pétrea constitucional, não podendo ser atingidos pelo poder reformador derivado, no sentido da sua alteração prejudicial ou extinção, [...]. (2005, p. 5).

Frediani, posiciona-se no sentido de que os direitos sociais estão a salvo de serem modificados ou alterados na sua "essência", assim se manifesta:

Uma última consideração há que ser ainda mencionada, a de que o legislador, ao inserir os direitos sociais dentro do título dos direitos e garantias fundamentais, guindou-os à categoria de cláusulas pétreas segundo a regra contida no art. 60, § 4ª, IV, da Lei Maior, circunstância que acarreta a impossibilidade de serem modificados por quaisquer atos legislativos que tenham por finalidade a alteração ou modificação de sua essência, tornando inviável ou impossível a preservação das mesmas garantias.

Diante deste quadro pode-se asseverar que nem mesmo através de Emenda Constitucional será possível a alteração dos direitos sociais atribuídos ao trabalhador, na medida em que o poder constituinte outorgado ao legislador encontra-se limitado às condições previstas nas cláusulas pétreas. (FREDIANI, 2003, p. 89).

Nei Comis Garcia, em artigo intitulado "O problema da proteção dos direitos sociais frente às emendas constitucionais", destaca que a proteção dos direitos sociais por cláusula pétrea

[...] desperta acirrada polêmica, pois o dispositivo constitucional que trata da proteção contra a corrosão dos direitos e garantias através do processo legislativo (artigo 60, § 4º) somente faz referência aos direitos e garantias individuais, sendo omisso quanto aos de cunho social.

Diante disso, doutrinadores defendem que os direitos sociais não estariam protegidos pelas denominadas cláusulas pétreas, pois, se essa fosse a intenção do poder originário, por óbvio que deveria constar no texto constitucional protetivo também a expressão direitos sociais. (GARCIA, 2003, p. 388).

Após discorrer longamente no seu texto, Garcia entende que "[...] os direitos sociais encontram proteção nas disposições do artigo 60, § 4º, da CF. [...]" No entanto, alerta que "[...] tal proteção não é absoluta, assim como não é absoluta a proteção dos direitos e garantias individuais. [...]," ( 2003, p. 391). E continua:

Nesse contexto, a dificuldade está em relativizar o entendimento das cláusulas pétreas, notadamente as de cunho social, diante das pressões políticas e, principalmente econômicas, sem, contudo, alterar o cerne da Constituição. (GARCIA, 2003, p. 391).

Garcia, no entanto, aduz que os direitos fundamentais até podem ser flexibilizados, desde que o núcleo essencial de tais direitos não sejam atingidos, ou seja, usando o princípio da proporcionalidade, o bom senso e equilíbrio. (2003, p. 397-398).

Admitida a reforma sem a proteção do núcleo essencial da constituição seria admitir o absolutismo da maioria legislativa, que adotaria mecanismos para proteção de interesses circunstanciais de determinado governo.

[...]

Nesse contexto, se não for mantido o núcleo essencial de proteção dos direitos sociais, as desigualdades já existentes se aprofundarão, e parcelas significativas da sociedade serão tratadas como números estatísticos, sendo desrespeitados, inclusive, os direitos individuais, num processo rápido de ‘coisificação’ do ser humano. (GARCIA, 2003, p. 398).

Em sua conclusão, Garcia deixa entender que o equilíbrio é ponto fundamental para tais reformas e que o princípio da proporcionalidade deve se fazer presente num ponderamento de forças.

Dizer que os direitos sociais estão ao abrigo de reformas tendentes a aboli-los não significa a defesa da imutabilidade da Constituição frente aos fatos sociais e demandas econômicas. Assim como não devem ser interpretadas literalmente as disposições do art. 60, § 4º, IV, da CF, que nos levaria a afastar a proteção dos direitos sociais contra reformas, não é menos verdade que o entendimento do significado das cláusulas pétreas também merece ser relativizado, sob pena de inviabilizar o país, seja do ponto de vista econômico, seja pelos conflitos de classes, que também existem em países em estágio bem mais avançado, cujas economias estão consolidadas – vide os protestos realizados em Davos e em Seattle, verdadeiras praças de guerras

[...]

Cabe a nós, fugindo de uma interpretação histórica, tornar moderna a Constituição que aí está, através da interpretação sistemática e da flexibilização de normas tidas como dogmas intocáveis. (GARCIA, 2003, p. 404-405).

Rodrigo de Lacerda Carelli, procurador do Trabalho da 1ª Região, usando as palavras de Alexy, menciona que este autor destaca a ponderação entre os direitos fundamentais sociais e os ditos "liberais", eis que

[...] quer dizer Alexy que pela ponderação, [...] poderão ser na realidade harmonizados de forma útil e possível os direitos fundamentais sociais e os ditos liberais. Possibilita, com isso ‘um meio-termo entre vinculação e flexibilidade’ (palavra extremamente perigosa em tempos neoliberais, pois é pelos liberais tida simplesmente como eliminação dos direitos sociais). (ALEXY apud, CARELLI, 2003, p. 255).

Sílvio Wanderley do Nascimento Lima, em artigo publicado na Revista de Previdência Social, citando um texto de Ingo Sarlet acerca da salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental, assim se manifesta:

No âmbito da doutrina pátria, revelando uma nítida (mas não de todo imune a reservas) tendência de adesão à doutrina alemã, já há quem sustente que uma emenda constitucional apenas tende a abolir um bem protegido pelas ‘clausulas pétreas’ na hipótese de ser atingido o núcleo essencial do princípio em questão, não ficando obstaculizada a sua regulamentação, alteração ou mesmo a sua restrição (desde que não afetado o núcleo essencial). O núcleo do bem Constitucional protegido é, de acordo com este ponto de vista, constituído pela essência do princípio ou direito, não por seus elementos circunstanciais, cuidando-se, nesse sentido, daqueles elementos que não podem ser suprimidos sem acarretar alteração substancial no seu conteúdo e estrutural. Neste contexto, afirmou-se acertadamente que a constatação de uma efetiva agressão ao núcleo essencial do princípio protegido depende de uma ponderação tópica, mediante a qual se deverá verificar se a alteração constitucional afeta apenas aspectos ou posições marginais da norma, ou se, pelo contrário, investe contra o próprio núcleo do princípio em questão. (SARLET apud, LIMA, Sílvio, 2004, p. 720-721).

Para contrapor o pensamento dos autores aqui colacionados, constata-se que Ives Gandra da Silva Martins Filho, além de ser adepto da flexibilização e da desregulamentação, também tem posicionamento no sentido de que os direitos sociais não compõem o rol das cláusulas pétreas. Conjuga que "[...] admitindo a constituição o princípio da flexibilização para os Direitos Sociais, reconhece que não constituem cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º), sendo passíveis de alteração e redução por Emenda Constitucional. [...]" (MARTINS FILHO, 1999, p. 589).

O que se constata é que, sob o pálio de estar-se protegendo o núcleo essencial de tais normas constitucionais, estas poderão, conforme assinalado por Gilmar Mendes, estar sendo topicamente destruídas, deflagrando um processo de erosão da própria Constituição. (MENDES, 1994, p. 251). Tal posicionamento, de não ser abolido o núcleo essencial da norma constitucional, foi objeto da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade nº. 2.024-2, Distrito Federal, proferida em 27-10-1999, na qual foi relator o ministro Sepúlveda Pertence, que, a princípio e em síntese, acolheu a tese da relatividade do artigo 60 da Constituição Federal, não podendo tal dispositivo, segundo ele, ser interpretado como sendo intangível. Veja-se, in verbis:

[...] de resto as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. (BRASIL-STF, 2000, p. 1).

O constitucionalista José Afonso da Silva corrobora a tese da proteção do núcleo essencial da norma ao discorrer que

a controvérsia sobre o tema mais se aguça, quanto a saber quais os limites materiais do poder de reforma constitucional. Trata-se de responder a seguinte questão: o poder de reforma pode atingir qualquer dispositivo da Constituição, ou há certos dispositivos que não podem ser objeto de emenda ou revisão ?

[...]

As constituições brasileiras republicanas sempre contiveram um núcleo imodificável, preservando a Federação e a República. (SILVA, José, 2004, p. 66 – grifo do autor).

O eminente constitucionalista Paulo Bonavides manifesta-se também acerca da inconstitucionalidade material:

A inconstitucionalidade material é o satélite da ilegitimidade.

Os direitos fundamentais são a bússola das Constituições. A pior das inconstitucionalidades não deriva, porém, da inconstitucionalidade formal, mas da inconstitucionalidade material, deveras contumaz nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, onde as estruturas constitucionais, habitualmente instáveis e movediças, são vulneráveis aos reflexos que os fatores econômicos, políticos e financeiros sobre elas projetam

[...]

Cabe, por conseguinte, reiterar: quem governa com grandes omissões constitucionais de natureza material menospreza os direitos fundamentais e os interpreta a favor dos fortes contra os fracos. (BONAVIDES, 2004, p. 600-6001).

Bonavides entende ainda que a proteção elencada no artigo 60 da Constituição Federal contempla os direitos sociais e que uma interpretação que contemple unicamente os direitos individuais será de índole da tradição liberal. (2004, p. 640-641). Mais adiante, escreve:

Tanto a lei ordinária como a emenda à Constituição que afetarem, abolirem ou suprimirem a essência protetora dos direitos sociais, jacente na índole, espírito e natureza de nosso ordenamento maior, padecem irremissivelmente da eiva de inconstitucionalidade, e como inconstitucionais devem ser declaradas por juízes e tribunais, que só assim farão, qual lhes incumbe, a guarda bem-sucedida e eficaz da constituição.

[...]

[...] só uma hermenêutica constitucional dos direitos fundamentais em harmonia com os postulados do Estado Social e democrático de direito [...] fazem irrecusavelmente inconstitucional toda inteligência restritiva da locução jurídica ‘direitos e garantias individuais’ (ar. 60 § 4º, IV), a qual não pode, assim, servir de argumento nem de esteio à exclusão dos direitos sociais [...]. (BONAVIDES, 2004, p. 644-645). (o grifo é meu).

Alexandre de Moraes, constitucionalista de escol, segue os passos de Paulo Bonavides pois entende que

[...] alguns direitos sociais, enquanto direitos fundamentais, são cláusulas pétreas, na medida em que refletem os direitos e garantias individuais do trabalhador, uma vez que, nossa constituição determinou a imutabilidade aos direitos e garantias individuais, estejam ou não no rol exemplificativo do art. 5º. (CF, art. 60 § 4º, IV), pois os direitos sociais caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, que configura um dos fundamentos de nosso Estado Democrático, conforme preleciona o art. 1º, IV. (MORAES, 2003, p. 333).

Carelli, novamente citando o pensamento de Alexy acerca do conteúdo dos direitos fundamentais, menciona que,

[...] no entender do eminente filósofo do direito, somente seria fundamental aquela necessidade ou carência que garanta ao ser humano, [...] um mínimo, sendo este mínimo que o faz viver justamente como ser humano digno, que é o mais básico que se pode aceitar para a vida do homem. (ALEXY apud, CARELLI, 2003, p. 253).

Carelli salienta também que os direitos sociais estão sob proteção do artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição, "[...] pois ali não se preservam os direitos fundamentais, mas sim os direitos e garantias individuais, nos quais estão insertos todos os direitos sociais constitucionais. [...]." ( 2003, p. 254-255).

A essência protetora dos direitos sociais não pode ser abolida. Neste ponto interroga-se: qual jurista dirá, com segurança, que o núcleo de tal norma não foi atingido? Que núcleo essencial é esse? O direito é a arte da argumentação e aí se entra num embate difícil de terminar. Por exemplo, suponha-se que a parte final do artigo 7º da Constituição Federal seja abolida retirando-se a seguinte parte do dispositivo: "[...] além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]." A princípio, manteve-se o núcleo essencial do artigo, acredita-se, qual seja: "[...] são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, [...]:" Será tal norma, então, constitucional?

Arremata-se, por fim, com o artigo nº. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e com uma longa frase de Russomano: Artigo 16 – "Toda sociedade em que não estiver assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição" (BEDIN, 2002, p.193).

Quando alguém pegar com suas mãos o texto das leis trabalhistas de um país, saiba que ali estão séculos de sofrimentos calados ou de revoltas e que aquelas paginas, nas entrelinhas da composição em linotipo, foram escritas a sangue e fogo, porque, até hoje, infelizmente, nenhuma classe dominante abriu mão de seus privilégios apenas por ideais de fraternidade ou por espírito de amor aos homens. (RUSSOMANO apud, GOMES, 2003, p.121).

Veja-se, no entanto, que é temerário deixar essa relatividade do núcleo essencial da norma nas mãos do legislador ou do juiz. Certamente, se isso acontecer, brevemente a Constituição pátria tombará e, juntamente com ela, os trabalhadores.


CONCLUSÃO

Desde os tempos de Abel e Caim até os dias atuais, o trabalho e o trabalhador passaram por profundas mudanças e transformações, mas nunca ficaram tão distantes um do outro. Depois da longa escravidão a que o homem foi submetido por outro homem, vieram tempos de total liberalismo, em que o Estado simplesmente vigiava as relações entre tais homens.

Após longo período escravagista e de total liberalismo, o homem percebeu que é um ser humano digno de proteção e respeito e que precisava fazer valer esses direitos, que, se diga, já nasceram com ele. Incipientemente, iniciou-se, então, a era dos princípios, com sua posterior positivação em diversas Declarações de Direitos Humanos e na seqüência, tais princípios começaram a constitucionalizar-se, isto é, passaram a fazer parte dos textos constitucionais de diversas nações.

Na Constituição do Brasil encontram-se tais princípios declarados nos artigos primeiro ao sétimo, dentre outros. Diz-se declarados porque preexistem à natureza humana; logo, o que o constituinte fez foi somente um ato de positivação do direito natural.

Adianta-se o tempo e começa-se um novo tempo, o tempo do liberalismo renovado, isto é, um liberalismo que se convencionou chamar de "neoliberalismo", o qual é fruto da globalização, que não impõe fronteiras ao seu território. Esse novo liberalismo renasce com tal vigor, que tenta a todo o momento, extirpar conquistas auferidas ao longo de décadas e/ou séculos pelo homem. Não obstante a existência da declaração de tais princípios, esse neoliberalismo e essa globalização – mundialização – das relações humanas fizeram, e estão fazendo, com que a dignidade da pessoa declarada em vários diplomas de abrangência global – pois também ela globalizou-se – esteja ruindo e o homem, transformando-se em res (coisa).

Essa transformação da dignidade humana em "coisa" – o que é inadmissível – percebe-se claramente quanto ao trabalho produzido pelo homem. Esse trabalho que o dignifica e que é um direito natural transformou-se em mera mercadoria, a qual despreza o combustível de quem a produz, o suor do rosto dos trabalhadores. Aqueles direitos fundamentais declarados a tais trabalhadores – artigo sétimo da Constituição – já são vistos pelos neoliberais como empecilho ao desenvolvimento econômico, que por isso passam a combatê-los, tentando flexibilizá-los ou desregulamentá-los. Nesse diapasão, esquecem-se de que esses direitos foram protegidos contra tais investidas, isto é, petrificados pelo artigo 60, parágrafo 4º, IV, da Constituição Federal de 1988, pois, ao longo do presente estudo, constatou-se que, pelos princípios da dignidade da pessoa, segurança jurídica e proibição do retrocesso social, é inviável qualquer mudança tendente a alterá-los in pejus, ou a aboli-los do ordenamento jurídico, a não ser que se sufrague uma nova Constituição.

A Constituição brasileira fixou os limites materiais até onde os direitos trabalhistas podem ser flexibilizados. Conforme constatado, a maioria dos doutrinadores e a jurisprudência entendem que os direitos dos trabalhadores inseridos no rol do artigo sétimo da Constituição constituem cláusulas pétreas e que a sua flexibilização não pode ir além das hipóteses contidas nos incisos VI, XIII e XIV e a desregulamentação in pejus não pode nem ser cogitada.

Muito embora a doutrina e a jurisprudência se manifestem quase que unanimemente acerca da impossibilidade de alterar in pejus ou de abolir tais direitos contidos no artigo sétimo, a maioria ensina que a essência de tais direitos é que não pode ser abolida ou modificada. Deixo uma interrogação: o que é essência? Desse questionamento extraem-se, com certeza, inúmeras respostas, das quais uma responde que a essência dos direitos fundamentais é uma fronteira que não se pode ultrapassar. É o limite dos limites. Mas o que é o limite dos limites ? É o abismo, responde-se, e volta-se a frisar que o direito é a arte da argumentação, e aí se entra num embate difícil de terminar.

A preocupação é a que, com o argumento de o núcleo essencial da norma não ser atingido, a flexibilização e a desregulamentação das normas trabalhistas descambem para um despotismo constitucional sem fim e que os direitos e garantias fundamentais – aí incluídos os direitos sociais – comecem topicamente, conforme doutrina Gilmar Mendes, a ser destruídos, deflagrando um processo de erosão da própria Constituição. Em outras palavras: é como se começasse a escavar, aos poucos, a base – os princípios – de um muro – Constituição. Então, chegará um momento em que esse muro ruirá e, despedaçando-se e já destruído, soterrará a todos. Será, pois, o fim.

Escudando-se nos fundamentos do voto proferido pelo então deputado federal Jarbas Lima (LOPES, 2002) tem-se que a Constituição limitou a flexibilização das normas trabalhistas ao disposto no artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV, e a desregulamentação in pejus está vedada pelo nosso ordenamento jurídico, em face dos princípios fundamentais inscritos no artigo primeiro, destacando-se , no presente estudo, o princípio da dignidade da pessoa, além dos princípios da proibição do retrocesso social e da segurança jurídica, baluartes de todo o arcabouço jurídico e protetores dos direitos fundamentais. Qualquer norma, então, que vier de encontro aos direitos contidos no artigo sétimo da nossa Constituição, mesmo que o núcleo essencial não seja atingido, conterá o vício instransponível da inconstitucionalidade.


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SANTOS, Paulo Cezar Jacoby dos. Flexibilização das normas trabalhistas e sua constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2022, 13 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12200. Acesso em: 19 abr. 2024.