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Ética e desenvolvimento

Ética e desenvolvimento

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RESUMO

Este artigo tem como objetivo apontar a necessidade de se ligar o processo de desenvolvimento a um comportamento ético dos governantes nas práticas que possibilitem o aprimoramento das liberdades e das potencialidades humanas. Entendendo essa mudança de conduta como o ideal de desenvolvimento para o século XXI, o autor procura demonstrar que o desenvolvimento não é apenas mero crescimento econômico, ou aumento das exportações em detrimento das importações, constituindo-se, na verdade, em aprimoramento da sociedade, das instituições políticas e dos seus mecanismos de realização da democracia. Nesse sentido, após definir o ideal de sustentabilidade necessário neste novo milênio, recorda o autor os 40 anos da Encíclica papal Populorum Progressio e a sua importância na disseminação dos ideais de desenvolvimento. Por último, o direito ao desenvolvimento é apresentado como um direito humano de terceira dimensão, sendo, portanto, uma necessidade indeclinável para a liberdade e auto-determinação dos povos.

SUMARY

This article stress the necessity to connect the process of development to an ethic behavior of the governments, especially in the practices that allow the improvement of human liberties and potentialities. Understanding this change of conduct as the ideal of development for the 21th century, the author tries to demonstrate that development is not just economic growth, or to increase exportations instead of importations, but the improvement of society, its political institutions and its democratic mechanisms. In this way, after defining the ideal of sustainable development for this century, the author reminds us of the 40th anniversary of the enciclic Populorum Progressio and its importance in spreading the ideals of development worldwide. At last, the right to development is presented as a human right of third generation, a indeclinable necessity for the liberty and self-determination.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO PARA O SÉCULO XXI; 2.1 Palavras Iniciais; 2.2 Repensando o desenvolvimento; 2.3 Desenvolvimento Sustentável; 3. A ÉTICA COMO PARÂMETRO PARA O DESENVOLVIMENTO: 40 ANOS DA CARTA ENCÍCLICA POPULORUM PROGRESSIO; 3.1 Ética, Desenvolvimento e Democracia; 3.2 Cronologia do desenvolvimento no século XX; 3.3 Quarenta Anos da Carta Encíclica Populorum Progressio; 4. DESENVOLVIMENTO COMO UM DIREITO HUMANO DE 3ª DIMENSÃO; 4.1 A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento; 4.2 A Constituição Federal de 1988 e o Comnpromisso com o Desenvolvimento; 4.3 Um Ambicioso Compromisso Internacional: As Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs); 5. CONCLUSÃO

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento; Ética; democracia; liberdade; sustentabilidade

KEY-WORDS: Development; ethics; democracy; freedom; sustainability


1. INTRODUÇÃO

Desenvolvimento aliado à ética, eis a receita de sucesso para o século XXI. A afirmação é taxativa e, talvez, tenha um "quê" de obviedade, no entanto é pouco provável que se possa lançar dúvida sobre a validade e necessidade de sua proposição. Muito se tem discutido sobre desenvolvimento - a expressão já ascendeu à condição de verdadeiro "mantra" do novo milênio, permeando o debate político contemporâneo de forma quase generalizada – e a respeito de um modelo adequado de desenvolvimento para este século. Entretanto, ainda não se colocou de forma suficientemente clara, a importância da indissociablidade entre um modelo de desenvolvimento e a ética. Ou melhor, ainda não foi possível difundir essa percepção de complementaridade que deve haver entre o processo de desenvolvimento e padrões morais mínimos nas esferas governamentais e interindividuais.

A associação inabalável entre o processo de desenvolvimento e atuação ética dos governantes e dos indivíduos é uma demanda que procura, por exemplo, exigir coerência entre a ação dos governos e de suas propostas de governo. Talvez, isso aparentemente não constitua nenhuma novidade, porém se levarmos em consideração as ações e procedimentos tomados, sobretudo, no século passado, veremos quão distante nos encontramos da realidade de associação entre a ética e o desenvolvimento que pode ser observada na noção de desenvolvimento sustentável.

Este trabalho tem o objetivo de apontar a necessidade de se ligar o processo de desenvolvimento a um comportamento ético dos governantes nas práticas que possibilitem o aprimoramento das liberdades e das potencialidades humanas, entendendo-se este fenômeno, como o ideal de desenvolvimento para o século XXI. O desenvolvimento não é apenas mero crescimento econômico, ou aumento das exportações em detrimento das importações. Trata-se de processo que perpassa as melhorias e avanços econômicos, mas vai bem além deles. Constitui-se em um aprimoramento da sociedade, das instituições políticas e dos seus mecanismos de realização da democracia.

Com isso se quer dizer que o desenvolvimento deve ser visto como um processo mais amplo e complexo que exige um ambiente favorável, no qual as liberdades individuais e coletivas sejam respeitadas, os direitos humanos sejam mais que meras aspirações, o Estado Democrático de Direito tenha, de fato, a acepção que deve ter e a Constituição como norma suprema tenha efetividade e não apenas um documento meramente simbólico1. É tarefa hercúlea num país de contrastes como o Brasil, porém plenamente realizável, havendo iniciativa e vontade política e, naturalmente, o envolvimento da sociedade civil, manifestando-se ativamente, quebrando a conduta de passividade ante questões de interesse público, mediante o engajamento e a participação no processo político do país.

A primeira vista, a idéia de que um país somente pode lograr alcançar o desenvolvimento num ambiente democrático – com ficou de certa forma implícito acima - pode ser colocada em xeque pelos exemplos da China, com seu crescimento acima de 11% no ano de 20072, impulsionado pelo desempenho de suas exportações e intensificação do consumo interno e pelo exemplo do Milagre Econômico brasileiro vivenciado durante o regime da ditadura militar no Brasil. Uma análise mais cuidadosa dos fatos, porém, nos leva a perceber que o desenvolvimento essencialmente econômico (geralmente aquele de regimes autoritários) que descura de outros aspectos, tais como a preservação do meio ambiente e respeito aos direitos humanos não constitui exatamente aquele mais desejável para este século.

Neste artigo, a estrutura adotada para abordar a temática do desenvolvimento é bastante simples. No primeiro momento, ter-se-á, inicialmente, um panorama do desenvolvimento no século passado, traçando-se, simultaneamente, uma proposta de desenvolvimento para o século XXI. Para tanto, levar-se-á em consideração, sobretudo, as demandas globais (meio-ambiente, direitos humanos, participação política efetiva etc.) e os interesses nacionais em face das mudanças de concepções e paradigmas no processo de desenvolvimento. Serão abordados o conceito de desenvolvimento e os câmbios sofridos ao longo dos anos por este, e como isso possibilitou o surgimento de novos caminhos para a sua consecução, tanto pelos chamados países desenvolvidos, como por aqueles ditos em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

Em um segundo momento, será traçada a ligação que deve (ou deveria) haver entre desenvolvimento e a ética. Essa ligação é essencial, especialmente, nas relações entre governantes e governados; entre governantes e as propostas de governo; entre governantes, governados, membros dos diversos poderes e os dispositivos previstos no documento político maior do estado: a Constituição. Somente havendo um efetivo comprometimento moral entre os atores acima mencionados é que será possível conduzir a sociedade (e não somente a sociedade brasileira) a um desenvolvimento sustentável e amalgamado por procedimentos éticos. Por fim, não menos importante, será importante examinar o conteúdo da Encíclica Papal Populorum Progressio que chega ao seu 40° aniversário tão atual, quanto no momento de sua edição e que permite um fechamento da idéia que relaciona o direito ao desenvolvimento a ética.

Por fim, discutir-se-á o direito ao desenvolvimento no seu sentido mais amplo, como um direito humano, inalienável e a ser gozado de forma plena e integral por todos. Para tanto, examinar-se-à documentos como a Constituição Federal de 1988 e seus artigos mais relevantes referentes ao desenvolvimento e, naturalmente, a Declaração dobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986 das Nações Unidas.

O desenvolvimento deve ser visto como uma nova via para alcançar a paz, essencial para o equilíbrio entre as nações e a manutenção de uma ordem internacional realmente desejável para as próximas gerações. Desenvolver-se é um processo que deve ser garantido a todas as nações e a todos os indivíduos. Com bem aponta Jeffrey Sachs3, o primeiro passo é sempre o mais difícil, galgar o primeiro degrau do desenvolvimento, após superado este passo, os demais se tornam mais fáceis, obviamente, se conduzidos com cautela, sabedoria e ética. Além disso, e de grande importância para lograr-se o desenvolvimento é a solidariedade que deve envolver todos nesse processo de aprimoramento humano. Não é a toa que certas expressões ganham importância nessa atualização do conceito de desenvolvimento: solidariedade, cooperação, paz.

Afinal, a idéia da construção de uma sociedade interligada não só por relações comerciais e de cunho econômico em geral deve ser perseguida por todos. Dessa forma, será possível promover medidas efetivas que garantam os direitos humanos, as liberdades básicas dos indivíduos e conseqüentemente o desenvolvimento desejado para este novo século, fundamentado no respeito mútuo entre as nações e no agir pautado pela ética, tanto pelos indivíduos quanto por parte dos dirigentes das nações.


2.UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTOPARA O SÉCULO XXI

Alguns anos já se passaram desde o término do "longo século XX"4, expressão cunhada pelo historiador inglês Erik Hobsbawm ao definir o século passado e o seu legado moralmente duvidoso, e aproximamo-nos cada vez mais do encerramento da primeira década do século XXI. Não é necessário mencionar que este século despontou sob o signo do belicismo e da intolerância, espraiados de forma endêmica na comunidade internacional. Os Estados Unidos foram atacados dentro se seu próprio território e feridos de morte atacaram um inimigo imaginado, sonhado conforme seus interesses econômicos e geopolíticos.

Nesse ínterim, ademais de tais questões de ordem militar, a sociedade despertou para os problemas ambientais, alarmada pelos efeitos catastróficos das mudanças climáticas que se apresentaram não mais como uma ameaça apenas às gerações vindouras, mas como um perigo real e imediato à humanidade. Como carro-chefe nas discussões empreendidas em reuniões de chefes de estado, cúpulas e fóruns internacionais está o conceito de desenvolvimento. É sobre ele, essencialmente, que versará o presente estudo.

2.2 Repensando o Desenvolvimento

O desenvolvimento é um conceito fundamental nas sociedades modernas. Apesar disso, o sentido do termo é pouco explicitado, ainda mais se levada em consideração a freqüência com que tal expressão é utilizada no dia-a-dia. A Professora de Cambridge, Joan Robinson, ciente do problema compara o desenvolvimento ao elefante: difícil de definir, mas muito fácil de reconhecer. Os países que gozam de índices altos de desenvolvimento possuem um leque amplo de possibilidades, maiores opções se comparados àqueles excluídos dessa parcela. O desenvolvimento deve, portanto, corresponder a um aumento das possibilidades de escolha das pessoas, mas, sobretudo, a melhores condições de vida para que as potencialidades humanas possam ser desenvolvidas na sua plenitude. Como veremos mais à frente, é aí que entra a idéia do economista indiano Amartya Sen, agraciado com Prêmio Nobel em Ciências Econômicas em 1998, de que o desenvolvimento deve ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam5.

A expressão "desenvolvimento", talvez, esteja substituindo algumas formas anacrônicas de discursos sociais do século passado ao enfrentar o desafio de deixar de ser uma mera utopia para converter-se em realidade. Essa passagem do plano ideal para o plano prático não diz respeito somente àqueles países ditos de "terceiro mundo" e que buscam ascender a patamares superiores na escala econômica e social. Está, também, relacionada aos países de "primeiro mundo", ou de maneira mais acertada, desenvolvidos. Os primeiros buscam galgar os degraus do desenvolvimento, enquanto os segundos buscam um novo modelo, condizente com as mudanças na ordem internacional, tendo em face a sustentabilidade. Em ambos os casos, no de ausência total ou parcial de desenvolvimento, e no caso de desenvolvimento pleno, há de se buscar a sustentabilidade no processo. Essa idéia poderia ser resumida, nas palavras do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, no seu discurso na abertura do Debate-Geral da 62ª Assembléia Geral das Nações Unidas:

Não nos iludamos: se o modelo de desenvolvimento global não for repensado, crescem os riscos de uma catástrofe ambiental e humana sem precedentes. É preciso reverter essa lógica aparentemente realista e sofisticada, mas na verdade anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço. Há preços que a humanidade não pode pagar, sob pena de destruir as fontes materiais e espirituais da existência coletiva, sob pena de destruir-se a si mesma. A perenidade da vida não pode estar à mercê da cobiça irrefletida. O mundo, porém, não modificará a sua relação irresponsável com a natureza sem modificar a natureza das relações entre o desenvolvimento e a justiça social.6

As palavras do Presidente reafirmam a premência de mudanças estruturais no modo de vida dos seres humanos, independente de pertencerem a países desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. O câmbio no modelo de desenvolvimento além de ser uma questão da mais profunda importância para a sobrevivência da espécie humana, perpassa questões de ordem moral que há muito vinham sendo ignoradas, tais como: as relações entre ricos e pobres (Norte-Sul); a ética nas relações de poder, tanto dentro das fronteiras dos Estados, como externamente, nas suas realções internacionais; as violações dos direitos humanos e naturalmente práticas econômicas predatórias, preocupadas apenas com a obtenção de lucros desmesurados, ainda que às expensas da miséria alheia.

O desenvolvimento humano deve se dar de forma integral, isto é, deve ser um desenvolvimento solidário, que tenha como objetivo alcançar a fraternidade dos povos e das nações, independentemente do quão ideal e utópico, se assim preferir dizer, seja esse objetivo dessa irmandade de povos. Nesse ponto a discussão sobre a eventual irracionalidade de tal argumento perde razão frente aos problemas que afligem a comunidade internacional e os seres humanos de forma geral. Discutir a origem transcendental (metafísica) de tais argumentos é função de juristas, muitas vezes, competentes, mas cuja visão encontra-se irremediavelmente condicionada por uma lógica positivista que os afasta das situações comezinhas de sofrimento e privações da população.

Note-se que este ideário humanista não se trata de uma proposta religiosa de desenvolvimento, teria, na verdade, correlação com o ideal representado pelas Nações Unidas ou de uma República Mundial, na lição de Otfried Höffe7. O que se quer evidenciar é a necessidade de encontrar um modelo de desenvolvimento para o século XXI que seja viável economicamente, que permita o desenvolvimento das potencialidades dos seres humanos num ambiente de relativa equivalência de condições, sustentável do ponto de vista ambiental e que, de certa forma, seja uma alternativa àquele seguido no século XX. Este modelo de desenvolvimento sustentável deve estar inextricavelmente associado a ética que deve pautar todas as relações humanas e institucionais.

2.3 Desenvolvimento Sustentável

Falar de desenvolvimento sustentável é procurar estabelecer uma relação entre o meio ambiente e o processo de desenvolvimento. É compreender antes de tudo, as causas e efeitos das relações de produção, mediante a incorporação da natureza circundante ao progresso tecnológico e científico. Mais do que um "slogan" político, o desenvolvimento sustentável é uma proposta de alteração do estilo de vida dos seres humanos, uma alternativa ao modelo do século passado que permita uma coexistência menos agressiva entre progressos técnicos e meio ambiente.

Logo após aafirmação do direito ao desenvolvimento como um direito humano, mediante a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas de 1986, em março de 1987 a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento passou a analisar a relação entre o meio ambiente e o processo de desenvolvimento. A partir daí surgiu o conceito "desenvolvimento sustentável" que seria aquele, conforme a definição contida no Relatório Nosso Futuro Comum ou Brundtland, que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de satisfazer a suas próprias necessidades. Conforme Silvia Menicucci de Oliveira, o desenvolvimento sustentável seria um conceito complexo:

Nessa perspectiva, há que se destacar que desenvolvimento sustentável está relacionado a inúmeras questões de cunho internacional, ressaltando-se as seguintes: necessidade de uma atmosfera internacional de paz, segurança e cooperação, livre da presença e ameaça de guerras; desequilíbrio das condições econômicas mundiais; a pobreza considerada presente na raiz da degradação ambiental; consideração dos imapctos ambientais na elaboração de políticas e práticas de desenvolvimento; participação das partes envolvidas na tomada de decisão; disseminação da informação, educação e treinamento; e flexibilidade das estratégias para acomodar novos desafios e novas tecnologias.8

As demandas econômicas e sociais dos anos 70, conforme se verá mais adiante, levaram a busca de uma nova ordem econômica. Esta necessidade global de um novo modelo, contudo não recebeu o apoio dos países desenvolvidos, uma vez que afetava seus interesses econômicos imediatos. A década de 80 seria mais favorável que a anaterior, porém somente na década seguinte, com a ECO 92, realizada no Rio de janeiro e a Declaração do rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento e a Agenda 21 é que o tema ganhou notoriedade.

A Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento estabeleceu um compromisso entre Estados, órgãos da sociedade civil e indivíduos preocupados com as questões referentes ao meio ambiente e os seres humanos. Ganham destaque os princípios a serem seguidos, tais como o das responsabilidadse comuns, mas diferenciadas. Este implica que os Estados devem agir com solidariedade para conservar, proteger e restabelecer a saúde e a integridade do ecossistema terreno, porém, observando-se que cada um contribui de maneira distinta para a degradação do meio ambiente global. Países como a China e os Estados Unidos, sustentam seu crescimento econômico a custos ambientais altíssimos, enquanto outros países, menos industrializados agridem menos o meio ambiente.

Outros princípios também decorrentes da Declaração são o da precaução, o princípio da avaliação do impacto ambiental e o de que quem contamina deve suportar os custos de contaminação. Ademais destes existem outros que dispõe no sentido de definir de forma clara e justa as reponsabilidades decorrentes da maior ou menor intensidade do impacto ocasionado no meio ambiente, decorrente das ações dos Estados.

Para auxiliar no controle efetivo e na responsabilização dos Estados, a tecnologia também funciona como uma ótima aliada. Os meios de fiscalização se tornaram mais eficientes e precisos. De fato, o maior problema é no momento de estabelecer sanções e punições para aqueles que descumprem as diretrizes delineadas por tais declarações internacionais. Os Estados Unidos, por exemplo, recusam-se a assinar o Protocolo de Kioto e continuam a ampliar os arsenais nucleares numa corrida imperialista que mesmo no caso desta grande potência hegemônica já dá sinais evidentes de esgotamento. A própria opinião pública já não apoia na maioria as decisões tomadas pelo seu presidente.

O desenvolvimento sustentável, portanto, é desenvolvimento que procura aliar procedimentos morais aos avanços técnicos. Seus objetivos envolvem questões de importância para a continuidade da espécie humana, tais como: o controle dos níveis de emissão de gases de efeitos poluentes na atmosfera que provocam não somente a poluição altamente tóxica das grandes cidades, mas os efeitos perniciosos do efeito estufa e do aqueciumento global. Estes desencadeiam respostas insólitas da natureza tais como o degelo dos pólos, o aumento do nível dos oceanos e o desaparecimento de cidades e povoados inteiros situados nas costas. Além disso, outro grave problema é o esgotamento dos recursos naturais, dentre eles as reservas de água doce.

Nesse cenário ganham voz ativa na liderança desta verdadeira cruzada ambiental os países do Sul. O Brasil, por exemplo, apresenta-se como um importante ator nas questões ambientais, sobretudo por razões tecnologicas e geográficas. Primeiramente, detém tecnologia que possibilitour com que o país se tornasse uma liderança no setor dos biocombustíveis. A Floresta Amazônica e grande parte das reservas água doce do planeta estão situados no país, fatores que lhe concedem cada vez mais importãncia internacional.


3.A ÉTICA COMO PARÂMETRO PARA O DESENVOLVIMENTO: 40 ANOS DA CARTA ENCÍCLICA POPULORUM PROGRESSIO

A conduta ética pressupõe um agente consciente, é dizer, que saiba distinguir a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibido, reprovável e não reprovável, virtude e vício. Deter a capacidade de realizar essa diferenciação é deter o que se designa "consciência moral" que permite aos seres humanos adequar, ao menos de maneira hipotética, suas ações e sentimentos de acordo com os valores socialmente aceitáveis dentro de um grupo. Nesse sentido, consciência e responsabilidade são condições indissociáveis de uma vida ética e características essenciais da figura de um governante apto a exercer o comando de uma nação com responsabilidade e compromisso.

O cenário ideal para as relações fundadas na ética e que, de fato, possibilitarão a realização do processo de desenvolvimento na melhor acepção da palavra é sem sombra de dúvida o ambiente democrático. Adentra-se aqui à complexa e delicada questão sobre a necessidade ou não de que se tenha uma democracia para que se tenha desenvolvimento. É uma polêmica que engendra debates acalorados e muitas vezes sem respostas definitivas.

No início do pós-guerra, costumava-se alegar que os países em desenvolvimento não poderiam nutrir expectativas quanto a manutenção das dispendiosas instituições democráticas. Passados os anos, a visão que, de certa forma, prevalece hoje é de que a democracia ajuda o desenvolvimento econômico e por isso deve ser impulsionada nos países em desenvolvimento. Há quem diga também que a democracia é mais um resultado do que propriamente um precondição ao desenvolvimento.

Uma precondição ou um resultado, o fato é que a democracia oferece as peças fundamentais para o desenvolvimento das liberdades individuais e consequentemente das potencialidades de homens e mulheres. Assim, tomaremos como situação desejável aquela representada pelo Estado Democrático de Direito, não obstante seus inúmeros defeitos e incompletudes. Essa posição é plenamente justificável, se considerarmos que o Brasil nas suas relações internacionais defende tal posicionamento. Nas palavras de Marco Antônio Diniz Brandão, "O Brasil acredita que o reconhecimento da interrelação entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos tem como decorrência lógica a necessidade da cooperação internacional9"

O caminho em direção ao desenvolvimento consiste essencialmente nas escolhas a serem realizadas pelos governantes de cada Estado. Nesse sentido, é necessária uma correspondência efetiva entre aquilo que se encontra escrito nas bases do Estado Democrático, isto é, na Carta Maior, e a realidade circundante. Não se pode propor aquilo que não se pode fazer. Os compromissos assumidos e dispostos, especialmente na Constituição, não deveriam ser tomados como meros ideais ou aspirações fatalmente inalcançáveis, mas como propostas de ação efetiva, compromisso moral firmado entre governantes e governados.

Oded Grajew, um dos idealizadores do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social propõe uma série de pontos a nortearem o desenvolvimento sustentável, dentre eles: a ética, a democracia participativa, a educação para a cidadania, o interesse público e a mobilização social. Para ele, "Mais do que mil palavras, é necessário viabilizar processos que, por sua exemplaridade possam recuperar os valores do desenvolvimento sustentável, da ética e da democracia"10.

É nesse sentido a responsabilidade de cada agente público deve ser delimitada. Os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) aliados a sociedade civil devem atuar interdependentemente no sentido de alcançar o sucesso efetivo das metas previstas nos seus documentos e cartas de direitos. Deve haver, assim, um compromisso prévio assumido pelos governantes e mecanismos efetivos para a sociedade para demandar o cumprimento dos mesmos. Os meios de comunicação, dentre eles a Internet, poderão desempenhar papel importante nesse processo de aprimoramento e estreitamento das relações entre governantes e governados e permitir acompanhamento e fiscalização por parte da sociedade civil das ações governamentais.

O desenvolvimento somente é possível se há liberdade. Assim, é de se observar que as democracias, conquanto maculadas por inúmeros defeitos, ainda se apresentam como os ambientes mais propícios a realização do ideal de desenvovlimento e uma análise histórica da cronologia do desenvolvimento aponta igualmente nesse sentido.

3.2 Cronologia do Desenvolvimento no Século XX

Usualmente, pode-se determinar quatro etapas do desenvolvimento: a) aquela marcada pelo modelo que vai até o final dos anos 60; b) os novos objetivos pontuados a partir da década de 70; c) a crise desenvolvimentista de 80; d) a mudança introduzida nos anos 90.

Observando, inicialmente, a primeira etapa, marcada pelo ideal de desenvolvimento econômico dos anos 60, será possível compreender a importância da modernização e da industrialização no período, marcada pela presença do capital. As mudanças sociais eram vinculadas ao crescimento econômico.

Já na década de 70, novos objetivos são delimitados, dentre eles: o atendimento das necessidades fundamentais, a "autoconfiança" e a fundação de uma nova ordem mundial. Nesse contexto, as instituições internacionais desepenham papel fundamental. Esse período tem suas fraquezas expostas a partir da crise do petróleo, em que a ameaça da falta do "ouro negro" e os preços alíssimos que esse alcança no mercado, provocam desassosego nas economias do mundo.

Nos anos 80, a crise alcança seu apogeu, o modelo desenvolvimentista é colocado em xeque, os países em desenvolvimento contraem dívidas gigantescas provocando um série de desequilíbrios no cenário mundial. Os anos 90 surgem colocando novos caminhos a disposição dos Estados. A implementação de medidas que buscam estabelecer mudanças não apenas de ordem econômica, mas, também, sociais.

3.3 Quarenta Anos da Carta Encíclica Populorum Progressio

Para determinar ligação inquebrantável entre desenvolvimento e ética, traça-se, por fim, um paralelo entre a construção de um modelo de desenvolvimento pautado pela ética e os valores delineados na Carta Encíclica Populorum Progressio. Não obstante, tratar-se de documento de cunho religioso, encerra, ademais, o pensamento humanista da doutrina cristã e destaca-se pela clarividência de seus idealizadores ao elaborarem um documento destinado a perdurar, em virtude de sua atualidade e compromisso com a causa do desenvolvimento.

A Carta Encíclica Populorum Progressio comemora seu 40° aniversário este ano e goza de atualidade execepcional, porque é símbolo de uma abordagem humanista e coerente de um dos apectos mais relevantes para a comunidade internacional neste novo século e neste novo milênio: a problemática do desenvolvimento. Parte de uma tentativa de lançar a mensagem do evangelho sobre o desenvolvimento, lançando nova luz sobre os debates incipientes a época de seu surgimento.

A Encíclica surgiu em momento histórico e político extremamente complexo. Tinha por cenário envolvente a Guerra do Vietnã e as movimentações civis de protesto e incoformismo frente aos horrores promovios pelas duas potências militares da época – Estados Unidos e União Soviética – que conduziam suas batalhas em solo estrangeiro provocando uma onda de insegurança internacional.

Enfoca logo em sua primeira parte a visão cristã do desenvolvimento, concedendo destaque a questão dos bens e da industrialização. Encerra a concepção de Jacques Maritain, de que é necessário promover o humanismo. Sucede outras encíclicas como a Rerum Novarum, Quadragésimo Anno, Mater et Magistra e Pacem in Terris. Essas se lidas em conjunto são complementares a idéia da busca do advento e progresso da humanidade no seu sentido integral. Surgiram em contexto de um mundo destruído pelos grandes conflitos mundiais e na busca de construir uma consciência voltada aos valores do cristianismo.

A idéia de desenvolvimento integral do homem é tratada na primeira parte da Encíclica. São enumeradas as aspirações humanas, dentre elas aquela que talvez figure entre os maiores deafios da humanidade e que passou recentemente a categoria de um compromisso universal incorporado nas denomidads metad de desenvolvimento do milênio: a eliminação da miséria. Não obstante, esa aparecer em primeiro lugar dentre as aspirações, outras são relacionadas, dentre eals: a saúde, a necessidade do emprego estável, o fim da opressão e de situações que ofendam a dignidade humana, maior instrução.

O documento chama atenção especial sobre as diferenças entre os países que foram vítimas do colonialismo e que enfrentam dificuldades maiores na tentativa de eliminar a miséria e alcançar o desenvolvimento. Afinal, neles questões de ordem interna encontram-se mais evidentes, como a diferença entre ricos e pobres.

Um aspecto interessante tratado pela encíclica, encontra-se definido sob a sugestiva designação de choque de civilizações. Nada tem a ver, porém, com a nomenclatura, preconceituosa e maniqueísta, do internacionalista Samuel Huntington ao definir o suposto "choque" (clash) entre Ocidente e Oriente. O choque de civilizações que aqui se faz menção é aquele referente as disparidades existentes entre "civilizações" tradicionais e as novidades trazidas pelo processo de industrialização. Este, por sua vez, sendo responsável por melhorias consideráveis nas condições de vida de grande parcela da população mundial, mas por outro lado, ameaçando obliterar modos de vida menos complexos e com eles tradições. Seria isso, nesse sentido, desenvolver-se?

A visão cristã do desenvolvimento, em certos aspectos, é uma visão de desenvolvimento plenamente adequada aquela que se deseja para o século XXI. Para ela o desenvolvimento é muito mais que o mero desenvolvimento econômico. Deve o desenvolvimento abranger todos os homens e o homem todo, em um sentido de plenitude e integralidade. Este crescimento é pessoal, uma vez que cada indivíduo tem direito ao aprimoramento de suas capacidades, porém deve se dar no âmbito comunitário, uma vez que vive em sociedade.

A melhor forma de compreender o desenvolvimento desejável para o século XXI é a de que este é o novo nome da paz. Combater a miséria e as diversas formas de injustiça é comprometer-se com a causa do desenvolvimento. Assim, será possível não só pôr fim as iniquidades, mas promover o bem-estar, o progresso humano e espiritual, isto é, o bem comum.

Para tanto, o primeiro passo é deixar o isolamento e adotar postura atuante, tronar-se protagonista de uma causa maior. A colaboração internacional é representativa desse ideal que conduz a formação de uma autoridade munidal eficaz, fundamentada, sobretudo, na esperança de se construir um mundo melhor e mais igualitário.


4.DESENVOLVIMENTO COMO UM DIREITO HUMANO DE 3ª DIMENSÃO

Daqueles direitos considerados como "de solidariedade", isto é, de terceira dimensão, o direito ao desenvolvimento foi o primeiro que passou a ser considerado como pertencente a tal categoria. No plano formal e jurídico, o direito ao desenvolvimento é garantido desde 1972. Em 1977 as Nações Unidas faziam menção a esse direito, sobretudo quando abordavam temáticas de cooperação internacional. Ainda no âmbito da ONU, o direito ao desenvovlimento foi mencionado em documentos de grande projeção internacional: Declaração sobre Raça e os Preconceitos Raciais, de 1978 e na Resolução 36/133 que passou a considerá-lo como um direito inalienável.

Porém, foi somente em 1986 que surgiu um documento específico a tratar essencialmente do direito ao desenvolvimento, a Carta sobre Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas. Logo em seu artigo 1° que dispõe:

Artigo 1°

1.O direito ao desenvovlimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar de um desenvovlimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.

2.O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos à autodeterminação que inclui, sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável à soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais.11

Neste artigo, encontra-se ainda reforçada a idéia do desenvolvimento como um processo que envolve não apenas um Estado, mas um conjunto de Estados que mantém relações de reciprocidade no que diz respeito ao comércio, a economia, a cultura, a política etc. Isto é, uma verdadeira "comunidade de nações" que atuam de forma interdependente com o objetivo de alcançar o aprimoramento econômico, social, político etc. É a idéia do direito ao desenvolvimento na sua integralidade, realizável mediante a atuação, o "protagonismo" dos Estados e dos indivíduos. Essa idéia é corroborada e de presente de forma explícita no texto do artigo 2° da Declaração, quando há menção a pessoa humana como sujeito central do desenvolvimento.

O desenvolvimento como um direito humano é inalienável. Nenhum ser humano pode abrir mão dessa prerrogativa de humanidade, não obstante encontrar-se em situação, por vezes, em que seja questionável a validade da idéia de inviolabilidade que está amplamente relacionada a idéia de autonomia e de auto-determinação. Conforme irá nos indicar o texto da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas de 1986, há claro destaque para a idéia de cooperação.

O artigo 3° do Documento aponta uma vez mais a idéia de que as nações devem agir irmanadas, mantendo "relações amistosas" de cooperação. Por meio dessa atuação interdependente é que será possível a eliminação dos obstáculos ao desenvolvimento. Com isso se quer, quiçá, de forma singela, que através de compromissos multilaterais é possível a elaboração de mecanismos que permitam uma maior distributividade das riquezas e a inauguração de uma nova ordem econômica, marcada por evidente ideal de solidariedade.

A palavra chave do artigo 3° da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento é, talvez, uma daquelas que se repete no texto deste várias vezes: "cooperação". Ela encerra a idéia que remete a concepção de desenvolvimento como processo pelo qual diversos Estados interagem de forma a obter conjuntamente os benefícios proporcionados pelas relações econômicas, sociais e culturais mantidas entre si. Isto é, a interdependência benéfica e a reciprocidade permitindo a auto-sustentabilidade daqueles que se encontram envolvidos na cooperação.

Nesse sentido, "cooperação" se opõe a idéia de "competição". Em certo sentido, encerra a concepção humanista de que não há desenvolvimento integral do homem, se não houver desenvolvimento solidário. Os recursos e mecanismos aptos ao desenvolvimento devem estar disponíveis de forma que possam estar ao alcance de todos; possibilitando a constituição do ideal de "uma verdadeira comunidade de nações". Reforçando a idéia de cooperação encontram-se ademais dispostas de maneira significativa as expressões "igualdade soberana", "interdependência" e "interesse mútuo".

Face aos acontecimentos vergonhosos de violação aos direitos humanos, o artigo 5° dispõe sobre medidas efetivas a serem tomadas pelos países para evitar situações como a do apartheid na África do Sul e todas aquelas decorrentes de racismo e discriminação racial, colonialismo, ocupação e dominação estrangeira e outras.

O artigo 6° da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento retoma o conceito fundamental de "cooperação", no sentido de permitir uma ação conjunta dos indivíduos e dos países para a observância dos direitos humanos, liberdades fundamentais, independentemente de distinções referentes à raça, ao sexo, a língua ou religião. Afirma-se uma vez mais a inalienabilidade e a indivisibilidades de tais direitos – o direito ao desenvolvimento também como direito humano é inalienável e indivisível – e a premência na implementação de medidas de proteção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A idéia de que é necessário retirar empecilhos que obstam o desenvolvimento é expressa na terceira parte deste artigo, sobretudo aqueles que garantem o exercício de uma cidadania plena por partes dos indivíduos, isto é, direitos civis e políticos.

De forma mais abrangente o artigo 7° da Declaração trata de direitos humanos em voga nos últimos anos e que se mostram extremamente necessários à consecução dos fins propugnados pela idéia e a nova concepção de desenvolvimento que se tratou ao longo deste trabalho: o fortalecimento da paz e da segurança internacional. Para atender tais fins, antes de tudo, deve-se lograr uma efetiva eliminação dos arsenais bélicos dos países e diminuir a proliferação das armas de destruição em massa que os países insistem em desenvolver sob o argumento de manter o equilíbrio nas relações internacionais.

Nesse sentido as Nações Unidas tem desempenhado papel de grande relevância, não obstante as dificuldades enfrentadas nos diálogos internacionais e a despeito das inúmeras críticas de que é alvo. O Brasil, por exemplo, proibiu a utilização da energia nuclear para fins que não sejam exclusivamente pacíficos e assumiu uma série de compromissos internacionais a dispor nessa mesma linha de pensamento.

A Constituição Brasileira de 1988 contém em seu artigo 21, inciso XXIII disposição que limita a exploração de serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e concede monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados. Em seguida, ainda mais especificamente em suas alíneas define princípios e condições para a exploração de atividade nuclear no país, a saber: que toda a atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins exclusivamente pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; que se dará sob regime de permissão, isto é, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais (conforme a redação dada pela Emenda Constitucional n° 49 de 2006) entre outras disposições.

Representativo da nova visão do direito ao desenvolvimento é a redação do artigo 8° da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento que destaca a importância de se assegurar dentre outros direitos, aqueles referentes à igualdade de oportunidade no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição eqüitativa de renda. Faz menção ainda a necessidade de conferir as mulheres papel ativo no processo de desenvolvimento. Essa por sua vez é uma das Metas do desenvolvimento do Milênio que trata expressamente da redução das desigualdades de gênero e do empoderamento das mulheres. Naturalmente, todos esses direitos e garantias só serão passíveis de existir, uma vez sejam promovidas reformas econômicas e sociais que tenham objetivo de eliminar as injustiças sociais.

No artigo 9° há a afirmação que traça uma relação de coerência entre todos os artigos previstos na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento:

Artigo 9°

1.Todos os aspectos dos direito ao desenvolvimento estabelecidos na presente Declaração são indivisíveis e interdependentes, e cada um deles deve ser considerado no contexto do todo.

2.Nada na presente Declaração deverá ser tido como sendo contrário aos propósitos e princípios das Nações Unidas, ou como implicando que qualquer Estado, grupo ou pessoa tenha o direito de se engajar em qualquer atividade ou de desempenhar qualquer ato voltado à violação dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos.12

Com isso se quer dizer que os direitos previstos nesta Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento são direitos humanos e, portanto, são indivisíveis e interdependentes. Devem ser levados em consideração na sua totalidade, ou seja, são mutuamente complementares e não excluem outros decorrentes de outros textos. Além disso, guardam coerência com os demais direitos previstos em outros documentos internacionais de direitos humanos das Nações Unidas, especialmente aqueles relacionados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre direitos Humanos.

Por fim, o artigo 10 contém previsão sobre a necessidade de se tomar medidas assecuratórias ao pleno exercício e fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento. Nesse sentido, remete a necessidade da formulação, adoção e implementação de plíticas, medidas legislativas e outras, em nível nacional e internacional.

4.2 A Constituição Federal de 1988 e o Comnpromisso com o Desenvolvimento

No plano do direito interno, a Constituição Federal de 1988 trata do direito ao desenvolvimento sobretudo na parte relativa a ordem econômica. Há, porém, previsão logo no artigo 1° referente aos fundamentos da República: soberania, cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. São estes afinais requisitos básicos para o desenvolvimento, pois permitem o exercício das potencialidades humans em sua plenitude.

De maneira mais específica, o artigo 3° da Constituição em seu inciso II, determina que detre os objetivos da República Federativa do Brasil está aquele de garantir o desenvolvimento nacional. Apesar de este mencionar a expressão "desenvolvimento", os demais incisos reforçam o ideal propugnado na Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas ao disporem sobre outros objetivos, quais sejam: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdes sociais e regionais.

4.3 Um Ambicioso Compromisso Internacional: As Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs)

Representativo do compromisso do Estado Brasileiros com temas da agenda global, tais como o desenvolvimento, a proteção dos direitos humanos e a paz é o artigo 4° da Constituição que define as diretrizes do país nas relações internacionais O Brasil está comprometido com temas como a independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, a autodeterminação dos povos, a anão-intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e a concessão de ailo político.

É importante lembrar ainda o artigo 170 da Carta Magna que aborda os princípios gerais da ordem econômica brasileira. Ele ressalta que a ordem econômica está baseada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa que tem como objetivo assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Tal escopo, para ser alcançado, depende do respeito aos princípios: da soberania nacional, da propriedade privada, da função da propiredade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio-ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, da busca pelo pleno emprego e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

O desenvolvimento é um direito humano e como tal deve ser garantido a todos aqueles que ainda não lograram alcançar os padrões considerados razoáveis para uma vida digna. Nesse sentido, as Nações Unidas iniciaram plano audacioso que envolve todos os países signatários da Carta da ONU, com o objetivo de atingir as denominadas Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs): erradicar a pobreza extrema e a fome, alcançar a educação primária universal, promover a igualdade de gêneros e o empoderamento das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater HIV/AIDS, malária e outras doenças, assegurar o desenvolvimento sustentável e desenvolver parceria global para o desenvolvimento. Como se vê, trata-se de objetivo ambicioso, porém realizável, se houver, de fato, compromisso da parte dos países envolvidos:

Já existe um conjunto corajoso de compromissos que estão a meio caminho do alvo: as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs), os oito objetivos com que todos os 191 Estados-membros da ONU concordaram em 2002, ao assinar a declaração do Milênio das Nações Unidas. Essas metas são alvos importantes para cortar a pobreza pela metade até 2015, tomando por base dados de 1990. Elas são audaciosas, mas factíveis, mesmo que dezenas de países ainda não estejam nos trilhos para alcançá-las. 13

Essas metas que visam possibilitar o desenvolvimento são, antes de tudo, compromissos firmados para a implementação de direitos humanos. Afinal, desenvolver-se é direito do homem e como tal encontra-se reconhecido nos diversos documentos legais de direito interno e internacional.


5.CONCLUSÃO

Amartya Sen em "Desenvolvimento como Liberdade" conclui sua obra com a observação central de que o desenvolvimento é, de fato, um importante compromisso com as possibilidades de liberdade. O que ele quis dizer, e isto ficou bastante evidente ao longo das aproximadamente trezentas páginas de seu livro, é que o desenvolvimento é um processo muito mais amplo do que se supunha, envolvendo em primeira instância a ampliação das liberdades individuais e adoção de medidas efetivas a permitir os indivíduos alcancarem a plenitude de suas potencialidas humanas, mediante condições de igualdade dos pontos de partida.

O desenvolvimento na acepção acima exposta, pressupõe padrões éticos entranhados nos indivíduos que vão servir de parâmetros nas diversas relações sociais, inclusive, naquelas de maior interesse para a pesquisa em questão, entre governantes e governados. Somente a partir de decisões individuais e adoção de posturas comprometidas com ideias de moral e de correção é que será possível alcançar o desenvolvimento desejável para este século XXI.

A melhor forma de se obter o sucesso almejado deste verdadeiro projeto humano – desenvolvimento sustentável – é determinar regras bastante claras para ambas as partes envolvidas. Não se tolerará desvios dos padrões éticos estabelecidos para o exercício das funções públicas, especialmente aquelas de cunho político e de projeção sobre toda a sociedade. Condutas, tais como aquelas observadas no Parlamento Brasileiro neste ano, deverão ser combatidas com punições severas e que comprovem a todos os cidadãos a seriedade dos órgãos e instituições governamentais. A corrupção que macula a sociedade deve ser vista como uma anomalia nas relações sociais e não mais como um novo escândalo nacional.

É preciso por fim a idéia do país da "piada pronta", em que políticos utilizam-se da máquina estatal para benefício próprio, de seus familiares e apaniguados políticos. A transparência é a arma principal e a atuação eficiente dos órgãos de fiscalização do governo e da sociedade civil devem desempenhar papel fundamental na transformação da imagem do país. O Brasil atravessa uma fase política complexa. Não obstante os inúmeros escândalos que vieram a tona nos últimos anos, seus indicadores econômicos e sociais nunca estiveram tão bons. A taxa de desemprego decaiu consideravelmente, a descoberta de bacias petrolíferas catapultaram o país a condição de futuro líder no setor energético, ademais de sua já conhecida liderança no setor de combustíveis alternatiovs que caracterizam a matriz energética brasileira como uma das mais limpas do mundo.

Trata-se, enfim, de um país de inúmeros contrastes, simultaneamente abençoado e amaldiçoado, que vive o impasse de adentrar o século XXI como um país forte e desenvolvido que deve enfrentar os problemas da pobreza e da corrupção como, de fato, um país desenvolvido, e não mais como uma vítima de seu passado colonial e periférico, explorado e de instituições mais ou menos sérias. Desenvolver-se respeitando padrões éticos e morais. Eis o dilema brasileiro.


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Notas

1 Marcelo Neves em sua obra A Constitucionalização Simbólica aborda este que é um dos mais graves problemas do sistema jurídico brasileiro e um grande desafio para o modelo Estado Democrático de Direito no Brasil, isto é, a não concretização das normas constitucionais. Por isso, Neves, propugna não pela elaboração de novas leis, mas pela concretização daquelas existentes. Tentar transformar a realidade social alterando a legislação é parte de um discurso político falho e assaz criticável.

2 Banco Central da China prevê crescimento superior a 11% em 2007. Folha de São Paulo, São Paulo, 9 nov. 2007. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u344167.shtml>. Acesso em 10 dez. 2007.

3 SACHS, Jeffrey. O fim da pobreza: como acabar com a pobreza nos próximos 20 anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 50-51.

4 HOBSBAWM. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. 2ª ed., Companhia das Letras: São Paulo, 1995.

5 SEN, Amartya. Development as Freedom. 1ª ed. New York: Anchor Books, 1999.

6 Discurso do Presidente da República Federativa do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, na abertura do Debate-Geral da 62ª Assembléia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. Disponível em http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discursos_autoridade3.asp?ID_AUTORIDADE=35. Acesso em: 17 out. 2007.

7 HÖFFE, Otfried. A Democracia no Mundo de Hoje. 1ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 267-389.

8 ALMEIDA, Guilherme Assis de; PERRONE-MOISÉS, Cláudia. Direito Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: Atlas, 2002, p. 98.

9 BRANDÃO, Marco Antônio Diniz. Política externa de Direitos Humanos. Disponível em:<http:// www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/temas_agenda/direitos_humanos/politica.asp>. Acesso em: 25 nov. 2007.

10 GRAJEW, Oded. Desenvolvimento Sustentável. Lê Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, set. 2007, p. 28.

11 Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento de 1986 das Nações Unidas.

12 Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento de 1986 das Nações Unidas.

13 SACHS, Oliver. Op. cit., 51.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Antônio Silveira. Ética e desenvolvimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2096, 28 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12539. Acesso em: 26 abr. 2024.