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A atuação do Ministério Público nos tribunais sob a nova ótica constitucional

A atuação do Ministério Público nos tribunais sob a nova ótica constitucional

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No dia 19.3.2009, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) proferiu a seguinte decisão:

"A emissão de parecer pela Procuradoria de Justiça não ofende o princípio do contraditório e da ampla defesa, porquanto sobre estar atuando o ‘parquet’ na qualidade de ‘custus legis’, função prevista e referendada pelos artigos 257, II e 610, ambos do CPP, o órgão julgador não fica vinculado a seu parecer, de caráter meramente opinativo (art. 368, RITJ-GO)" (HC nº 200900509745, Rel. Dr. Márcio de Castro Molinari).

Ocorre que a decisão do TJGO não acompanhou a nova ótica constitucional firmada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), que, no dia 20.2.2008 (HC nº 87.926-8/SP - DJe nº 74, de 25.4.2008), anulou o julgamento de um recurso, em razão de o Ministério Público (MP) haver proferido sustentação oral após a defesa. Tal decisão assentou que, sendo o MP órgão uno e indivisível (art. 127, § 1º, CF), não se poderia conceber que operasse tão-só como custos legis (fiscal da lei) no curso do processo no qual, em fase diversa, já tenha funcionado, mediante outro membro, como encarregado da acusação, sob pena de violentar a própria sintaxe acusatória do processo penal.

Segundo deixou registrado o Ministro-Relator Cezar Peluzo no seu voto (HC nº 87.926-8/SP):

"Entendo difícil, senão ilógico, cindir a atuação do Ministério Público no campo recursal, em processo-crime: não há excogitar que, em primeira instância, seu representante atue apenas como parte formal e, em grau de recurso – que, frise-se, constitui mera fase do mesmo processo -, se dispa dessa função para entrar a agir como simples fiscal da lei."

Referido Ministro ainda destacou que

"o parecer (ou qualquer nome que se dê à manifestação escrita ou oral do Parquet), mesmo despido de roupagem acusatória, pode ser determinante do resultado desfavorável do julgamento em relação ao acusado, o que legitima este, por conseguinte, a merecer a oportunidade de exercitar o contraditório".

Quanto ao prejuízo causado à defesa face à atuação do Parquet, sem que oportunizado manifestação posterior da defesa, prosseguiu o Ministro-Relator em seu voto: "o prejuízo da defesa, em casos semelhantes, é sempre certo".

Também na Sessão de julgamento, o Ministro Ricardo Lewandowski ressaltou:

"Em primeiro lugar, não é possível cindir o Ministério Público, que é uno, como nós sabemos (...). Não é possível, nos recursos, dividir o parquet em dois. De um lado, considerá-lo como dominus litis, e, de outro, como custos legis. Em segundo lugar, verifico que o princípio do contraditório é absolutamente fundamental. E sem o contraditório não há que falar-se em devido processo legal, principalmente no que toca o seu aspecto substantivo, que é matizado exatamente pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Em terceiro lugar (...), o prejuízo é efetivo, porque a intervenção da defesa a posteriori, ou seja, a intervenção da defesa em primeiro lugar e depois rebatendo o Ministério Público, claro que fica configurado aí o prejuízo."

O Ministro Carlos Britto, por sua vez, bradou: "a defesa tem de falar por último, senão não é defesa".

Ainda na referida Sessão Plenária, o Ministro Gilmar Mendes ponderou que:

"Nós temos exatamente a manifestação do direito do contraditório e a ampla defesa nessa última versão, direito de ver os seus argumentos considerados de forma adequada, na ordem adequada, tendo em vista, inclusive, a igualdade de armas que supõem o contraditório e a ampla defesa".

Para o Ministro Marco Aurélio,

"em processo penal, é norma básica, sob o ângulo da fala, o pronunciamento da defesa após o da acusação (...). A razão de ser (...) mostra-se única: a possibilidade de a defesa refutar o que veiculado pelo Estado acusador (...)."

Em artigo recentemente publicado e disponibilizado no site do MP-GO (www.mp.go.gov.br), o Procurador da República Paulo Queiroz escreveu sobre a intervenção do Ministério Público no segundo grau, e concluiu:

"parece insustentável a intervenção do Ministério Público em segundo grau nas ações penais apenas como ‘custos legis’, posição inclusive que não raro ofende o contraditório e a amplitude da defesa".

Da mesma forma, o Procurador de Justiça-GO Edison Miguel da Silva Júnior, vislumbrou ser

"necessário adequar a atuação do procurador de justiça na ação penal pública com a nova orientação jurisprudencial; vale dizer, com o novo perfil do procurador de justiça criminal – que deixou de ser tão-somente ‘fiscal da lei’ para ser parte acusadora, tanto quanto o promotor de justiça" (www.mp.go.gov.br).

A discussão chegou, inclusive, a ser travada no próprio MP-GO, que através do Centro de Apoio Operacional Criminal – CAO, realizou no dia 25.8.2008 reunião ordinária, e concluiu que:

"O Ministério Público é uno e indivisível e (...), diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (habeas corpus 87926-8/SP), não mais existe distinção funcional entre promotores e procuradores de justiça na ação penal pública" (Cf. Enunciado 8 - www.mp.go.gov.br).

Dessa nova ótica constitucional, portanto, é possível extrair o entendimento de que a manifestação do MP, mesmo na qualidade de custos legis (fiscal da lei), mediante parecer, nos Tribunais, sem a posterior e igualitária atuação da defesa, acarreta nulidade no julgamento.

Noutras palavras, em face da recente decisão do STF, se o MP emitir parecer no processo, em sentido contrário aos interesses do acusado, cumprirá ao Desembargador-Relator a abertura de igual prazo à defesa, intimando-a na forma da lei, para que possa, se assim o desejar, manifestar-se sobre o conteúdo do parecer ministerial.

Não obstante seja o posicionamento ora sustentado contrário à praxe dos Tribunais, estes deverão ser provocados a assumirem essa nova postura garantidora da isonomia processual, do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, caput, LIV e LV, CF).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Roberto Serra da Silva. A atuação do Ministério Público nos tribunais sob a nova ótica constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2109, 10 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12583. Acesso em: 19 abr. 2024.