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O papel das Constituições nos processos de criação e desenvolvimento dos ordenamentos jurídicos

O papel das Constituições nos processos de criação e desenvolvimento dos ordenamentos jurídicos

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Preliminarmente, antes de ingressarmos no cerne da questão, buscando estabelecer o real e efetivo papel de um arcabouço constitucional nos processos de criação e desenvolvimento das normas jurídicas, faremos uma sintética explanação acerca de alguns temas pontuais de direito constitucional, imprescindíveis, a nosso ver, à compreensão do tema ora em análise.

Todavia, adiantamos desde logo que, em linhas gerais, o processo de criação do ordenamento jurídico liga-se à idéia de Constituição como norma fundamental, atuando como fundamento de validade de outras normas inferiores. Lado outro, o processo de desenvolvimento há de ser compreendido na medida em que a Constituição orienta a interpretação e aplicação das outras normas jurídicas – normas infraconstitucionais.

Primeiramente, trataremos da importância ordem constitucional no processo de criação do ordenamento jurídico. Para isso, discorreremos a respeito da Constituição como fundamento de validade de outras normas, tema este com estreita ligação ao Princípio da Supremacia da Constituição.

Esta supremacia pode ser entendida sob o aspecto material e formal. A primeira refere-se ao conteúdo da Constituição, que estabelece os fundamentos do Estado; a segunda decorre da rigidez constitucional, que se relaciona ao processo de elaboração mais solene da Constituição, se comparado àquele processo referente às normas inferiores.

A partir dos ensinamentos de Kelsen, devemos compreender o sentido de norma superior e inferior. Superior será aquela norma a regular a produção de outras normas, e inferior será aquela produzida segundo os ditames da primeira. Assim, uma norma somente haveria de ser considerada válida se produzida conforme a maneira determinada por outra norma – norma superior –, que se apresentaria como seu fundamento de validade, sendo certo, ainda, que, em havendo conflito entre tais normas, prevalecerá a norma superior em face da inferior.

Vale destacar que o direito possui a particularidade de regular sua própria criação, sendo que uma norma pode determinar não só o processo pelo qual a outra é produzida, mas também o conteúdo da norma a produzir [01]. Por isso, vislumbramos normas superiores e inferiores dentro do mesmo ordenamento jurídico.

Assim, a Constituição – norma fundamental de um Estado de Direito – servirá como fundamento de validade das outras normas infraconstitucionais, que não poderão confrontar àquela norma superior, sob pena de invalidade. Trata-se, aqui, de confrontação material e formal, é bom que se diga.

Importante mencionarmos, como se não bastasse, outra questão pertinente ao nosso estudo, de modo a contextualizar o surgimento de uma Constituição. Com a promulgação de uma nova ordem constitucional, o Poder Constituinte Originário inova por completo no ordenamento jurídico e, a partir daí, esse novo arcabouço constitucional passará a se apresentar como norma fundamental do respectivo Estado. Lembremos: o Poder Constituinte Originário é inicial – não existe qualquer outro antes ou acima dele – e incondicionado – não está sujeito a nenhuma regra de forma ou conteúdo.

O Supremo Tribunal federal já deixou consignado, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que:

"... a Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto for respeitada - constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa realidade não seja desfigurada" [02].

No caso do ordenamento jurídico brasileiro, temos a Constituição da República de 1988 como lei fundamental e suprema do Estado, atuando como fundamento de validade das outras normas jurídicas. Logo, no ordenamento jurídico pátrio, serão válidas apenas aquelas normas que estiverem em conformidade com as normas constitucionais, seja em âmbito formal, seja em âmbito material.

A respeito da supremacia constitucional, nos ensina Dirley da Cunha Júnior, com a erudição que lhe é peculiar:

"Enfim, todas as normas jurídicas caracterizam-se por serem imperativas. Todavia, na hipótese particular das normas constitucionais, a imperatividade assume uma feição peculiar, qual seja, a da supremacia em face às demais normas do sistema jurídico. Assim, a Constituição, além de imperativa como toda norma jurídica, é particularmente suprema, ostentando posição de proeminência em relação às demais normas, que a ela deverão se conformar, seja quanto ao modo de elaboração (conformação formal), seja quanto à matéria de que tratam (concepção material)" [03]. (grifo nosso)

Passamos à análise da importância da ordem constitucional no processo de desenvolvimento do ordenamento jurídico. Para tanto, examinar-se-á a Constituição como regramento orientador da interpretação das normas infraconstitucionais, cujo fundamento de validade é extraído da própria Constituição, conforme alhures explicitado.

Nesse espeque, destacamos dois princípios que demonstram, à nosso pensar, a importância da Constituição no processo de interpretação das normas infraconstitucionais.

O Princípio da Interpretação conforme a Constituição, decorrente da supremacia das normas constitucionais e da unidade que deve permear todo o ordenamento jurídico, estabelece que, ao interpretarmos normas infraconstitucionais polissêmicas ou plurissignificativas (normas com vários significados possíveis), devemos optar pelo sentido que seja compatível com a Constituição. Logo, havendo dúvida quanto à correta interpretação de determinada norma polissêmica (mas jamais em se tratando de norma com sentido inequívoco), optar-se-á pelo entendimento compatível com o ordenamento constitucional.

O outro é o Princípio da Força Normativa da Constituição. Na verdade, trata-se de um postulado relativo à interpretação constitucional que estabelece que, na interpretação das normas constitucionais, dever-se-á conferir primazia àquelas soluções que confiram maior efetividade às normas.

Aspecto importante deste princípio diz respeito a seus reflexos no âmbito da interpretação das normas infraconstitucionais – matéria que nos interessa neste momento –, vez que o princípio da força normativa da Constituição não encerra nenhuma peculiaridade da interpretação constitucional, em que pese a sua importância nesse domínio hermenêutico, um terreno onde, sabidamente, qualquer decisão, ao mesmo tempo que resolve um problema constitucional em concreto, projeta-se sobre o restante do ordenamento e passa a orientar a sua interpretação. [04]

Urge noticiar, ademais, um processo que vem sendo reconhecido pela doutrina e que está a estabelecer uma nova leitura dos demais ramos do direito sob a ótica constitucional. Este processo, denominado por alguns como Constitucionalização do Direito, também corrobora a importância e a influência das normas constitucionais na aplicação e interpretação das outras normas pertencentes aos diversos ramos do Direito.

Face todo ao exposto, não nos restam dúvidas quanto à importância da Constituição, em princípio, no processo de criação do ordenamento jurídico, bem como, em momento posterior, na interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais deste mesmo ordenamento.

A relevância da Constituição no processo de criação do ordenamento jurídico, atuando como fundamento de validade das normas jurídicas infraconstitucionais, tem o condão de orientar a produção dessas normas, seja no tocante ao conteúdo (aspecto formal), seja no que se refere ao processo de elaboração (aspecto material).

No que tange ao processo de desenvolvimento do ordenamento jurídico, a interpretação a ser conferida às normas infraconstitucionais, necessariamente respaldada e em conformidade com os ditames constitucionais, tem o condão de propiciar o desenvolvimento regular e válido do ordenamento jurídico.


Bibliografia utilizada:

JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Jus Podivm, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concursos. Rio de Janeiro: Forense, 2007.


Notas

  1. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concursos, p. 26.
  2. ADI-MC n. 293, de relatoria do Ministro Celso de Mello.
  3. Júnior, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, p. 98.
  4. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 118.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Rafael D'Ávila Barros. O papel das Constituições nos processos de criação e desenvolvimento dos ordenamentos jurídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2153, 24 maio 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12880. Acesso em: 28 mar. 2024.