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Meio ambiente ecologicamente equilibrado e moradia.

Conflito entre direitos fundamentais à luz de um caso concreto

Meio ambiente ecologicamente equilibrado e moradia. Conflito entre direitos fundamentais à luz de um caso concreto

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RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar os aspectos jurídicos (regulamentação, fiscalização, jurisdição) que envolvem a ocupação, para fins habitacionais, de áreas de preservação permanente, levando em conta os princípios constitucionais que, por um lado, remetem ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e, ao mesmo tempo, garantem o acesso da população à moradia e aos serviços e bens de consumo essenciais em geral e, especificamente, à energia elétrica, serviço público prestado por meio de concessões. Partindo, então, desta fundamentação básica, será analisado um conflito concreto envolvendo áreas de preservação permanente na cidade de Mostardas – RS, levando-se em consideração, ainda, a legislação infraconstitucional vigente sobre o assunto.

Palavras-chaves: Área de Preservação Permanente, cordão de dunas, direitos fundamentais, meio ambiente, serviços públicos.

ABSTRACT

This study aims to examine the legal aspects (regulation, inspection, jurisdiction) which involve the occupation for residential purposes of the permanent preservation areas, taking into account constitutional principles that refer to the right to ecologically balanced environment and, at the same time, ensure the population´´s access to housing and to services and essential consumer goods in general and, specifically, the electric power, public service through provided concessions. Assuming, then, this basic reasons, we review a conflict involving specific areas of permanent preservation in the city of Mostardas – RS, taking into account also the current statutes on the subject.

Keywords: Permanent Preservation Areas, dune cordon, environment, fundamental rights, public services.


O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) inaugura uma nova fase em relação à tutela do meio ambiente, impulsionada por diversos tratados internacionais, onde não só os indivíduos detêm o direito (e os deveres em relação) ao equilíbrio ecológico, mas toda a sociedade, inclusive na perspectiva de preservá-lo para as futuras gerações [01].

Neste sentido o eminente professor José Afonso da Silva aponta:

A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados. [02]

Essa evolução redesenha a tutela dos valores ambientais, antes orientada pelo instituto da posse e da propriedade (ligadas aos direitos individuais), agora albergada sob a forma de princípio que passa a ter juridicidade – os direitos difusos ou metaindividuais [03], ao mesmo tempo em que também se consolida o imperativo ético e político da erradicação da pobreza por meio do desenvolvimento nacional [04].

Tal paradoxo, ainda que aparente, acaba refletindo, em última instância, no judiciário, o qual, ao menos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), tem dirimido esse permanente estado de tensão entre um e outro direito constitucional na direção de alçar o direito ao meio ambiente à condição de instrumento de realização do bem comum, inerente à dignidade da pessoa humana:

A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica [...]. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. [...] A questão do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art. 225): [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. [05]

Por seu turno, esse "suporte legitimador" do princípio do desenvolvimento sustentável, referido pelo Ministro Celso de Mello no excerto do relatório transcrito acima, diz respeito aos acordos, tratados e convenções [06] aos quais o Brasil tem aderido ao longo do tempo - a Convenção sobre Diversidade Biológica (1992) [07], à Convenção Ramsar (1971) [08] e a Convenção de Washington (1940) [09], bem como os compromissos derivados da Declaração do Rio de Janeiro (1992) [10], entre outros.

Essa perspectiva, trazida pela ratificação de tratados internacionais, colocou o Brasil numa posição vanguardista em matéria de legislação ambiental, expressada pelo grande número de juristas e outros especialistas brasileiros preocupados em apontar caminhos que levem à preservação do meio ambiente [11].

Tal circunstância histórica não teria efeito prático acaso não existisse um instrumento jurídico capaz de garantir essa nova tutela jurídica integral, agora sujeita ao princípio da inafastabilidade da jurisdição [12], função que já era desempenhada pela Ação Civil Pública, instituída pela Lei n.º 7.347/85 [13].

Por essa razão não se pode olvidar o mérito da criação de uma consciência [14] de preservação ambiental [15] a qual, como toda quebra de paradigma, pode se tornar efetiva, mas o processo certamente será lento e gradual, a depender do engajamento contínuo de toda a sociedade. Há de se conceber, para este fim, que desenvolvimento sustentável significa considerar os problemas ambientais em um processo contínuo de planejamento, atendendo adequadamente às exigências tanto do desenvolvimento quanto do meio ambiente, inclusive em sua perspectiva social [16].


TUTELA DO MEIO AMBIENTE E JURISDIÇÃO

Em linhas gerais, pode-se dizer que a tutela do meio ambiente é encargo de toda a sociedade. Porém, cabe ao poder público, especificamente, em seus diversos níveis de atuação [17], exercer a tutela constitucional, administrativa, civil, penal [18] e processual do meio ambiente.

Um dos principais atores neste cenário é o CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), instituído pela Lei n.º 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, a qual, por sua vez, é regulamentada pelo Decreto n.º 99.274/90.

Cumpre esclarecer que as resoluções editadas pelo CONAMA [19], possuem caráter vinculativo, como bem observa Motauri Ciocchetti de Souza:

O interessante das resoluções editadas pelo Conama é a força vinculativa que delas decorre [...] É que a norma legal não cria padrões de controle ambiental nem estipula critérios para tanto: ao revés, limita-se a conferir ao Conama o poder de fixá-los, o que é feito por intermédio de resoluções. [...] Asssim sendo [...] integram a norma legal, passando a possuir a mesma força vinculativa desta. Ao editar padrões de qualidade ambiental, portanto, o Conama está, por intermédio de suas resoluções, integrando e preenchendo a lacuna existente no texto da lei. [20]

Ademais, tem-se a atuação do poder executivo (funções típicas de administração [21] ou até, atípicas, como é o caso das aludidas resoluções); do poder legislativo (a quem cabe legislar e fiscalizar as ações do poder executivo); e do poder judiciário (a quem incumbe o monopólio da jurisdição em nosso país).

Entretanto, o papel merecedor de maior destaque nesse contexto e que tem maior ligação como o objetivo deste trabalho é o desempenhado pelo Ministério Público (MP), instituição que tem se revelado mais célere no desempenho de suas competências, possivelmente em virtude de sua melhor estruturação [22].

Em nível nacional, a Lei Complementar n.º 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União - MPU), dentre outras disposições, organiza e estipula as atribuições e o estatuto do Ministério Público Federal - MPF, bem como estabelece os instrumentos judiciais [23] e extrajudiciais [24] de sua atuação, dentre os quais, comentaremos o mais utilizado e efetivo posto à sua disposição: a Ação Civil Pública, inserida constitucionalmente no rol das suas funções institucionais [25] e disciplinada pela Lei n.º 7.347/85 [26].

Com efeito, não haveria sentido em se conferir direitos no plano material, como o faz a CRFB/88, se o ordenamento jurídico não munisse os seus titulares com mecanismos efetivos ao seu exercício (direta ou indiretamente por meio de seus representantes ideológicos) [27].

Sobre a jurisdição em sede de ação civil pública, o artigo 2º da Lei 7.347/85 determina que estas "[...] serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa", tornando prevento o juízo, segundo o parágrafo único do mesmo artigo, "[...] para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto."

Sem embargo dessa competência absoluta, já que funcional, abonada pela maior proximidade física do juízo com o evento [28], a CRFB/88 abre uma exceção em seu artigo 109, segundo o qual compete aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União for interessada [29].

Assim, se o caso a ser abordado envolvesse ocupação irregular dentro do de um Parque Nacional, ou em seu entorno [30], a competência jurisdicional pertencerá à justiça federal, lembrando que os parques nacionais constituem unidades de conservação de proteção integral [31].


A AUTONOMIA MUNICIPAL EM MATÉRIA AMBIENTAL

Com o advento da CRFB/88 e em decorrência do próprio pacto federativo, os municípios receberam uma série de competências com as quais ainda estão aprendendo a lidar, orientadas pelo princípio do interesse local, em detrimento do interesse regional, ligado aos Estados, e do interesse nacional, ligado à União.

O município, assim, será o primeiro a exercer essa tutela, mesmo que paliativamente, pois "é no município que nascemos, crescemos, trabalhamos, nos relacionamos [...] É o município que passa a reunir efetivas condições de atender de modo imediato às necessidades locais [...] [32]".

Nesse sentido, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (CE/RS) dispõe em seu artigo 23 sobre a competência subsidiária do município em matéria de interesse local [33], prevendo, ainda, que cabe aos municípios o planejamento da política urbana em seus domínios [34].

Por conseguinte, é no município onde primeiro se organizará a participação comunitária na tutela do meio ambiente, já que é ali o nascedouro dos grupos sociais intermediários (associações de moradores, sindicatos, entre outros) legitimados a participar da formulação e execução de políticas ambientais (órgãos colegiados), a propor ação direita de inconstitucionalidade e o mandado de segurança coletivo [35], além de propor a ação civil pública, como já havíamos referido.

É também no município que a cidadania se organiza para extravasar a forma e emergir no mundo dos fatos (jurídicos) por meio do mandado de injunção [36] e da ação popular constitucional [37].


O CASO DE MOSTARDAS - RS

Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo, a "sadia qualidade de vida" mencionada no artigo 225 da CRFB/88, reporta-se a todos nós como destinatários de seu conteúdo, combinando elementos do artigo 1º e do 6º da CRFB/88 [38], no sentido de fixar um "piso vital mínimo" que traduza a dignidade da pessoa humana por meio da efetividade dos direitos sociais [39].

A partir dessa ideia acerca da amplitude alcançada pela preservação do meio ambiente, relacionada ao próprio direito à vida, podemos verificar os principais aspectos jurídicos envolvidos no caso que passaremos a abordar, tendo em vista as considerações até aqui apresentadas sobre o tema.

O município gaúcho de Mostardas abriga em seus limites territoriais uma Unidade de Conservação – o Parque Nacional da Lagoa do Peixe [40], além de várias áreas onde ocorre a presença de cordões de dunas [41], as quais são consideradas APP’s, consoante dispõe o artigo 2º da Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal) [42], bem como em razão de seu artigo 3º, eis que a Resolução n.º 303/02, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), regulamentando a referida Lei assim os definiu em seu artigo terceiro [43].

A mesma Resolução do CONAMA conceitua duna, em seu artigo 2º, inciso X, como "unidade geomorfológica de constituição predominante arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida pela ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou não, por vegetação".

Assim, diante da caracterização da região como APP, analisaremos a seguir as condições e consequências jurídicas derivadas da ocupação irregular que, ao longo do tempo e por omissão contínua do poder público, foi consolidada nessas áreas, inclusive com a participação da prefeitura local, criando loteamentos urbanos, mas também por meio da comercialização privada de terrenos, o que ocasionou, mais recentemente, diversas ações judiciais e administrativas as quais, dentre outros reflexos, repercutiram na prestação dos serviços públicos para estes locais [44].

Cabe salientar que algumas dessas habitações estão localizadas em terrenos de marinha [45], cujo domínio pertence à União [46], porém em ambos os casos há a presença de dunas caracterizadoras das APP’s.


DIREITO À MORADIA E DE ACESSO AOS SERVIÇOS PÚBLICOS

O termo moradia origina-se da palavra latina morari que significa demorar, ficar, contudo, o alcance que devemos dar ao espectro deste direito social fundamental vai além da faculdade de ocupar uma habitação com animus definitivo, exige-se também que essa habitação tenha dimensões razoáveis para acomodar a família e condições de infraestrutura que permita a mesma viver com dignidade [47].

Em nossa ordem jurídica, esse sentido mais abrangente surge quando o direito à moradia é inserido no contexto dos direitos sociais, a partir da EC n.º 26/00, que o introduziu ao artigo 6º da CRFB/88 [48]. Antes disso, havia apenas uma alusão no artigo 23, inciso IX, da CRFB/88, à competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento" [49].

Por conseguinte, uma das obrigações decorrentes do conceito de "condições habitacionais" é a prestação de serviços públicos, que, segundo o artigo 175 da CRFB/88, observando-se os "direitos dos usuários" e "a obrigação de manter serviço adequado", o que, segundo o parágrafo único e incisos do referido artigo, deverá ser disposto por lei [50].

Assim, essa é a circunstância estabelecida pelos fatos - o direito fundamental à moradia em face das determinações que o poder público fez à Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D), tanto no sentido de suspender o fornecimento de energia elétrica às unidades consumidoras nestas localidades de preservação, como para mantê-lo.

De sua parte, a Procuradoria da República no RS, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei [51] e à vista do Inquérito Civil Público n.º 1.29.000.0001039/2008, emitiu uma recomendação (OF/NUMAPAC/PR/RS n.º 4081/2008) à CEEE-D para que esta suspendesse o fornecimento de energia à população dos referidos locais, advertindo sobre o ajuizamento de uma Ação Civil Pública em caso de descumprimento.

Neste ínterim, diversas pessoas atingidas por tal procedimento ajuizaram inúmeras ações na vara adjunta do JEC, requerendo o restabelecimento da prestação de tal serviço, o que foi amplamente acatado pelo juiz local, inclusive com a estipulação de multa diária caso a empresa descumprisse o mandado [52].

Por sua vez, a Defensoria Pública do município de Mostardas, em vista de reclamações recebidas, requisitou informações a CEEE-D (Ofício n.º 03/2009, de 03/02/2009) sobre o indeferimento de pedidos de ligações naquelas áreas, a fim de instruir um procedimento para apuração de dano coletivo (PADAC) [53].

De outro lado, o IBAMA lavrou o auto de infração n.º 556631 [54], segundo o qual a empresa, por instalar rede elétrica em área de preservação permanente sem licença do órgão ambiental competente, estaria transgredindo o artigo 70, da Lei 9.605/98 [55] e o artigo 66, do Decreto 6.514/08 [56].

Assim, em vista de toda a movimentação do aparato estatal, ainda que desordenadamente, não se pode consolidar uma situação de desrespeito ao meio ambiente, sob pena de estar-se negligenciando valores constitucionais, o que, possivelmente, implicará efeitos materialmente irremendáveis.

Esta análise, então, conduz à adoção necessária de uma perspectiva lógica cingida por todos os valores constitucionais em jogo, procurando ao máximo respeitar a dignidade da pessoa humana [57] sem olvidar, no entanto, que este direito pressupõe um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Por fim, no que respeita as obrigações das empresas prestadoras de serviços públicos, há que se perquirir sobre a legalidade ou não da manutenção do serviço em razão da pendência de ação que discute a posse (o direito à moradia) em APP’s [58], o que não se confunde, por exemplo, com os casos de revisão de débito [59], onde o principal aspecto é o próprio serviço público.


CONCLUSÃO

De todo o exposto fica evidente a urgente necessidade de se mobilizar não só o poder público, como toda a sociedade civil para que as normas ambientais sejam respeitadas e o poder público se aproprie das informações produzidas no âmbito das instituições, a fim de que sejam implementadas iniciativas que minimizem o impacto da atividade antrópica no meio ambiente.

Da mesma forma, é notória a incipiência (ou até falta de vontade política) do poder público local em buscar informações que o auxiliem a incorporar em sua legislação (mormente os Planos Diretores e Leis Orgânicas) as diretrizes de estudo ambientais como, por exemplo, as que constam no Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) realizado pela FEPAM/RS [60].

Objetivamente, em vista das consultas realizadas na vasta jurisprudência do TJ/RS [61], vislumbramos duas possibilidades que nos parecem razoáveis para a composição do caso em tela.

Primeiro, as famílias podem ser realojadas em áreas regulares ou por meio de um programa habitacional [62] e, segundo, tanto o poder público como o poder privado poderiam elaborar um projeto de urbanização a fim obter a necessária licença ambiental para a área já ocupada. Neste caso, porém, há de se comprovar que a atuação para modificar as características da APP é a única maneira de se arranjar essa tensão entre valores constitucionais e, assim, também os serviços públicos estariam autorizados a funcionar normalmente em tais áreas [63].

O próprio STF, no julgamento da ADI que contestava a Medida Provisória n.º 2.166-67/01, a qual introduziu significativas alterações no artigo 4º do Código Florestal, atestou a constitucionalidade da utilização de APP’s, desde que respeitadas as normas ambientais e conforme o interesse público envolvido [64].

Portanto, cabe ao município de Mostardas exercer com efetividade suas competências constitucionais e buscar os instrumentos necessários à implementação de uma política habitacional que se coadune com os preceitos da legislação ambiental, inclusive com a colaboração dos demais entes da federação, bem como de outros órgãos e organizações afetos à matéria.

Secundariamente concluímos que, em ambos os casos, a prestação ou não dos serviços públicos, em que pese serem estes tidos como essenciais, é aspecto acessório, eis que a questão habitacional será a condicionante.

Por fim, registre-se, para reflexão, a evidente falta de sincronia entre os poderes constituídos, com diversos níveis de distorções, onerando os municípios, esvaziando a atuação dos Estados, concentrando demasiada força no executivo, cenário este agravado pela ausência de diálogo, como no caso abordado, tudo à revelia da participação popular e em violação ao Estado Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.

FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - RS. Site institucional. Disponível em: . Acesso em: 03 mai. 2009.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Site institucional. Disponível em: < http://www.ibama.gov.br>. Acesso em: 27 abr. 2009.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007.

________. Direito ambiental constitucional. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. 2 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.

SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie: temas de direito do consumidor, ambiental e da lei de improbidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2000.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Site institucional. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2009.

TRIBUNAL DE JSUTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Site institucional. Disponível em: . Acesso em: 03 mai. 2009.


Notas

  1. Conforme a CRFB/88 em seu artigo 225 "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
  2. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 69.
  3. A Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), em seu artigo 81, parágrafo único, inciso I, dispõe que direitos difusos são "os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato".
  4. Conforme a CRFB/88 em seu art. 3º "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".
  5. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 1º-9-05, DJ de 3-2-06. Disponível em:

    jus.br/portal/constituicao/artigoBD.asp?item=16>. Acesso em: 27 abr. 2009.

  6. Todas as convenções citadas fazem parte das considerações da Resolução n.º 303, de 20-03-2002, a qual dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente (APP’s); e da Resolução n.º 369, de 28-03-2006, a qual dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em APP’s, ambas editadas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
  7. Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 02/94.
  8. Promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 1.905/96.
  9. Promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 58.054/66.
  10. A Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como Rio 92 ou como "Cúpula da Terra". Nela, 179 países acordaram e assinaram a Agenda 21 Global, um programa de ação baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado "desenvolvimento sustentável" - um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Disponível em:

    p?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575&idMenu=9065>. Aceso em: 27 abr. 2009.

  11. Cf. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. 2 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 4-5.
  12. O artigo 5º, inciso XXXV, da CRFB dispõe que "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito".
  13. Segundo o artigo 29 da referida lei "São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".
  14. Neste sentido Hesse (1991, p. 05) diz que "A Constituição transforma-se em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem presente na consciência em geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional – não só a vontade do poder, mas também a vontade de constituição."
  15. Neste sentido, a Lei n.º 6.938/81, já propugnava, em seu artigo 4º, que "A Política Nacional do Meio Ambiente visará: [...] V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico".
  16. Cf. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: RT, 2001, p. 42.
  17. Notamos essa característica (da difusibilidade de interesses e responsabilidades), na composição do Conselho do CONAMA, que inclui um colegiado representativo de cinco setores, a saber: órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil.
  18. Sobre a responsabilidade penal, vale referir a observação feita por Luís Paulo Sirvinskas (2002, p. 68) de que "deve-se buscar a sanção penal sempre que a reparação civil ou a infração administrativa se tornar ineficaz."
  19. Cf. a Lei n.º 6.938/81, em seu artigo 8º "Compete ao CONAMA: [...] VII - estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos".
  20. SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie: temas de direito do consumidor, ambiental e da lei de improbidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 57-58.
  21. Cf. a Lei n.º 10.683/03, em seu artigo 27, inciso XV, constituiu área de competência do Ministério do Meio Ambiente as matérias sobre "I - política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos; II - política de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, e biodiversidade e florestas; III - proposição de estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e sociais para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais; IV - políticas para a integração do meio ambiente e produção; V - políticas e programas ambientais para a Amazônia Legal; e VI - zoneamento ecológico-econômico."
  22. A CRFB/88 consigna em seu artigo 127 que "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."
  23. Dentre os previstos no artigo 6º da referida lei, destacamos os seguintes "I - promover a ação direta de inconstitucionalidade e o respectivo pedido de medida cautelar; II - promover a ação direta de inconstitucionalidade por omissão; III - promover a argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição Federal; [...] VI - impetrar [...] mandado de segurança; VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) a proteção do [..] meio ambiente [...] b) (sic) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos".
  24. Cf. a Lei Complementar n.º 75/93, em seu artigo 6º "Compete ao Ministério Público da União: [...] XX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis".
  25. Cf. a CRFB/88, em seu artigo 129 "São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos", dentre outras.
  26. A referida lei disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, dentre outros. Em seu artigo 5º e incisos está previsto que são legitimados para propor a ação principal e a ação cautelar o MP, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, fundações ou sociedade de economia mista e as associações que, concomitantemente estejam constituídas há pelo menos um ano nos termos da lei civil e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente [...].
  27. Cf. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: RT, 2001, p. 499.
  28. Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2002, p. 66.
  29. Cf. a CRFB/88, artigo 109 "Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes [...]". Contudo, o § 3º deste artigo excepciona essa competência ao prever que "[...] sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal [...] a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual".
  30. A Lei n.º 9.605/98, prevê, em seu artigo 40, a ilicitude do ato que "Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274/90, independentemente de sua localização: Pena - reclusão, de um a cinco anos." O artigo 27 do referido Decreto, que regulamenta a Lei nº 6.902/81 e a Lei nº 6.938/81, as quais dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e APP’s e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que "[...] Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficará subordinada às normas editadas pelo Conama".
  31. Cf. a Lei n.º 9.985/00, em seu artigo 11 "O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico."
  32. Cf. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 82-83.
  33. Cf. a CE/RS, em seu artigo 13 "É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado: I - exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como [...] proteção ao meio-ambiente, [....] bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais; [...] V - promover a proteção ambiental, preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem a extinção da espécie ou submetam os animais a crueldade".
  34. Cf. o artigo 176 da CE/RS "Os Municípios definirão o planejamento e a ordenação de usos, atividades e funções de interesse local, visando a: I - melhorar a qualidade de vida nas cidades; II - promover a definição e a realização da função social da propriedade urbana; III - promover a ordenação territorial, integrando as diversas atividades e funções urbanas; IV - prevenir e corrigir as distorções do crescimento urbano; [...] VII - distribuir os benefícios e encargos do processo de desenvolvimento das cidades, inibindo a especulação imobiliária, os vazios urbanos e a excessiva concentração urbana; VIII - impedir as agressões ao meio ambiente, estimulando ações preventivas e corretivas; IX - promover a integração, racionalização e otimização da infra-estrutura urbana básica, priorizando os aglomerados de maior densidade populacional e as populações de menor renda [...].
  35. Cf. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: RT, 2001, p. 268-269.
  36. Cf. a CRFB/88, no incico LXXI do artigo 5º "conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania".
  37. Cf. a CRFB/88, no incico LXXIII do artigo 5º "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao [...] meio ambiente [...] ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".
  38. A CRFB/88 assinala em seu artigo 1º "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana"; e artigo 6º "São direitos sociais [...] a moradia [...] na forma desta Constituição".
  39. Cf. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 14-15.
  40. Criado pelo Decreto n.º 93.546/86. Disponível em:

    gal.php?seq_uc=66&seq_tp_documento=3&seq_finaliddoc=7>. Acesso em: 02 mai. 2009. Ver também: . Acesso em: 02 mai. 2009.

  41. Segundo informações obtidas no site da FEPAM, essa região (litoral médio) caracteriza-se, dentre outros aspectos, pela presença de lagoas com alta produção de detritos que são eventualmente exportados para o Oceano durante o inverno e a primavera, quando o nível d’água das lagoas encontra-se alto, rompendo em alguns locais a barreira arenosa que as separam do Oceano, formando os "sangradouros", que atraem as maiores concentrações de aves costeiras. Este subsistema corresponde a aproximadamente 1/4 do ecossistema total, predominando as dunas costeiras e ocorrendo no restante da área apenas quatro unidades naturais, constituídas pelas dunas obliteradas, banhados permanentes, banhados temporários e lagoas costeiras recentes. É nesse subsistema que se encontra o Parque Nacional da Lagoa do Peixe integrante da Rede Hemisférica de Reservas de Aves Praieiras e da Rede de Reserva da Biosfera [...]. Disponível em: . Acesso em: 03 mai. 2009.
  42. "Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: [...] f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues [...] Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: [...]b) a fixar as dunas; [...].
  43. Cf. o artigo 3º da Resolução CONAMA n.º 303/02, constitui APP a área situada "[...] IX - nas restingas: a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues; [...] XI - em duna; [...] XV - nas praias, em locais de nidificação e reprodução da fauna silvestre."
  44. Sobre este fato, consultamos a Apelação Cível n.º 70013648225 (Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, julgado em 30/11/2006), onde constam documentos comprobatórios do registro do Loteamento Praia do Farol localizado em Mostardas, (cópia da matrícula do imóvel registrada no Livro 02 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Mostardas). Tal ação civil pública foi ajuizada pelo MP em defesa do meio ambiente e dos adquirentes daqueles lotes. Tal controvérsia encontra-se, atualmente, tramitando no STJ, em sede do REsp. n.º 1065401. Essa apelação teve origem na ação civil pública n.º 111/1.05.0000023-2.
  45. O Decreto-lei n.º 9.760/46, que dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências, prevê, em seu artigo 2º, que "São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés".
  46. Segundo a CRFB/88, em seu artigo 20 "São bens da União: [...] IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas [...]VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos".
  47. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 314.
  48. Segundo a CRFB/88, em seu artigo 6º "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".
  49. A CRFB/88, elenca em seu artigo 23, uma série de competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dentre as quais destacamos "[...] III - proteger [...] as paisagens naturais notáveis [...] VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; [...] IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico".
  50. Essas garantias, em linhas gerais, deverão ser efetivadas pelas Agências Reguladoras e estarão sujeitas à tutela da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
  51. Cf. a Lei Complementar n.º 75/93, em seu artigo 5º, "São funções institucionais do Ministério Público da União: [...] III - a defesa dos seguintes bens e interesses: [...] d) o meio ambiente"; e em seu artigo 6º que "Compete ao Ministério Público da União: [...] VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: [...] b) a proteção do [...] meio ambiente [...]".
  52. Foram analisados os seguintes processos em trâmite na Vara Adjunta do JEC de Mostardas: 111/3.
  53. 08.0000403-3; 111/3.09.0000036-6; 111/3.09.0000061-7; 111/3.09.0000020-0; 111/3.09.0000021-8; 111/3.09.0000023-4; 111/3.09.0000008-0; 111/3.09.0000015-3; 111/3.09.0000011-0; 111/3.09.00000

    29-3; 111/3.09.0000004-8; 111/1.06.0000865-0. Em todos eles repetem-se os fatos (recusa da CEEE-D em efetuar o fornecimento de energia elétrica, afirmando que necessita de prévia autorização do IBAMA); os fundamentos (direito do consumidor a prestação desse serviço essencial, a afirmação de que a existência de simples recomendação do Ministério Público Federal não legitima o agir da empresa de energia, uma vez que se trata de ato sem caráter vinculativo ou normativo e de que a empresa concessionária de serviço público deve agir com base o princípio da legalidade, insculpido no art. 37, caput, da Carta Magna; o pedido liminar (que a empresa ré proceda, no prazo de 24 horas à religação do fornecimento de energia elétrica no endereço da parte autora); e o deferimento do pedido com cominação de multa diária no valor de R$ 300,00 para o caso de descumprimento da determinação.

  54. Cf. a Lei n.º 7.347/85, alterada pela Lei n.º 11.448/07, a Defensoria Pública é legitimada a propositura da Ação Civil Pública. Por sua vez a Resolução DPGE n.º 01/08, definiu, no âmbito da defensoria pública do RS, a forma de atuação de seus órgãos na condução do processo coletivo, prevendo, em seu artigo 2º que "O Defensor Público deverá zelar para a melhor instrução da ação civil pública ou da ação coletiva de consumo, podendo promover, se necessário e consoante as peculiaridades do caso concreto, a instauração, sob sua presidência, de procedimento para apuração de dano coletivo (PADAC) [...]".
  55. Sobre tais autos de infração, o TJ/RS, já decidiu que "[...] a FEPAM, como órgão técnico estadual responsável pela proteção ao meio ambiente, é legítimo para a proceder a devida fiscalização em âmbito local, conforme determina o art. 1º da Lei Estadual n.º 9.077/90. [...] toda a investigação se fundou em laudo de vistoria do IBAMA que, como já visto incompetente para tanto." (Agravo de Instrumento n.º 70019991215, 4ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Wellington Pacheco Barros, Julgado em 01/08/2007). Neste sentido também o Embargo de Declaração n.º 70021468186, Quarta Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Wellington Pacheco Barros, j. em 21-11-07.
  56. Cf. a Lei n.º 9.605/98, em seu artigo 70, infração administrativa ambiental é "[...] toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente".
  57. Cf. o Decreto n.º 6.514/08, em seu artigo66, consitui crime "Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes".
  58. Colacionamos entendimento do TJ/RS de que também os serviços públicos estão ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana: "A recusa da CORSAN em efetuar a ligação de água na residência da autora [...] não prospera [...] Ademais, trata-se de serviço público essencial para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana." (Apelação Cível Nº 70026565275, 21ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Francisco José Moesch, j. em 22-10-08)
  59. Devemos ter claro que existe a possibilidade de exploração da APP’s sob determinadas condições e em circunstâncias específicas. Neste sentido, entre outros requisitos, "A exploração de área de preservação permanente depende de apresentação de projeto. Sem a aprovação e obtenção de licença ambiental não é possível realizar qualquer atividade na área." (Apelação Cível n.º 70008430886, 3ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, j. em 23-12-04)
  60. Cf. decisão do TJ/RS: "Havendo ação em tramitação onde busca o autor a revisão do débito em relação ao serviço de fornecimento de energia elétrica realizado pela agravante, uma vez que constatadas irregularidades no medidor de consumo, inadmissível seja efetuada a suspensão do fornecimento de energia elétrica. Precedentes do TJRGS." (Agravo de Instrumento n.º 70011928322, 22ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, j. em 7-6-05)
  61. Segundo as Diretrizes Ambientais para o Desenvolvimento dos Municípios do Litoral Norte do Rio Grande do Sul "A preservação dos importantes ecossistemas da região só será possível se essa preocupação for incorporada ao cotidiano dos municípios através das prefeituras e suas comunidades e em suas leis municipais, em particular nos planos diretores". Disponível em: . Acesso em: 04 mai. 2009.
  62. Além dos citados, foram consultados os seguintes processos: Apelações Cíveis n.os 70018131482; 70019501188; 70011310661; 70025403551; Agravo de Instrumento n.º 70024580540.
  63. Jurisprudência do TJ/RS: a) "Demonstrada que as moradias estão situadas em zona de preservação permanente, devem ser realocadas as famílias." (Apelação Cível n.º 70029212792, 21ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. em 15-4-09); b) Agravo de instrumento - ação civil pública - loteamento irregular em área de preservação permanente - ocupação por adquirentes e/ou invasores - inércia do município quanto à fiscalização do empreendimento - responsabilidade do poder público municipal pela remoção das famílias invasoras para local dotado de estrutura mínima de serviços públicos até final solução da lide - precedentes destacando o poder-dever do município em fiscalizar e regularizar loteamento irregular. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento n.º 70013507249, 4ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, j. em 7-6-06); c) "Pedido de demolição de edificação construída na área de preservação permanente. Procede o pedido, devendo, no entanto, o Município alojar o réu e sua família." (Apelação Cível Nº 70016898595, 21ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. em 25-4-07); d) "A legislação estadual contempla a proteção de todas as dunas frontais ao Oceano Atlântico, somente permitindo o uso que garanta a sua conservação." (Apelação Cível n.º 70025842949, 21ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, j. em 10-9-08)
  64. O próprio Código Florestal, em seu artigo 4º, prevê que "A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto." E, no §1º, que "A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente [...]". Sobre a questão o TJ/RS já decidiu que "A eventual aprovação do município para as obras não tem o condão de suprir todas as exigências legais, podendo a administração, a qualquer momento, revisar seus próprios atos, conforme orientação sumular." (Apelação e Reexame Necessário n.º 70008964553, 4ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Vasco Della Giustina, j. em 28-12-05)
  65. Jurisprudência do STF: "Possibilidade de a Administração Pública, cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial [...]" (ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 1º-9-05, DJ de 3-2-06)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Leonardo Eberhardt. Meio ambiente ecologicamente equilibrado e moradia. Conflito entre direitos fundamentais à luz de um caso concreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2191, 1 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13077. Acesso em: 25 abr. 2024.