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Acordos e restrições ambientais (disfarçadas) ao comércio internacional no âmbito do GATT

Acordos e restrições ambientais (disfarçadas) ao comércio internacional no âmbito do GATT

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RESUMO

O presente trabalho parte da premissa de que o livre comércio internacional é fator essencial para a manutenção da paz entre os países. Contudo, nas últimas décadas, as questões ambientais ganharam considerável relevância nas relações comerciais internacionais, sobretudo pela extraterritorialidade dos respectivos impactos ambientais. Nessa perspectiva, o texto busca abordar a relação entre comércio internacional e os acordos e restrições ambientais, notadamente no que se refere às barreiras de cunho econômico, porém disfarçadas por razões ambientais. Nesse cenário, ganham destaque as disposições previstas no art. XX do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT (atualmente como Organização Mundial de Comércio-OMC), mais especificamente no seu caput e nas alíneas "b" e "g". Reza o referido dispositivo que podem ser instituídas restrições ambientais ao comércio internacional, desde que tais restrições não se constituam em um meio de discriminação arbitrário ou injustificável entre os países onde as mesmas condições existem, ou ainda uma restrição disfarçada ao comércio internacional. O grande problema é que, no que diz respeito às questões ambientais, hodiernamente tem-se uma verdadeira "guerra de informações", o que prejudica significativamente a correta aplicação do caput do art. XX do GATT. Portanto, para devida aplicação da referida norma, no sentido de se poder identificar as restrições ambientais disfarçadas, faz-se necessário tratar as questões ambientais de forma transparente, pragmática, procurando, assim, não tratar o problema de forma ideológica.

Palavras – chave: Livre comércio internacional. Art. XX do GATT. Restrições ambientais disfarçadas.

ABSTRACT

The present work leaves from the premise of which the free international trade is an essential factor for the maintenance of the peace between the countries. Nevertheless, in the last decades, the environmental questions gained considerable relevance in the commercial international relations, especially for the extraterritoriality of the respective environmental impacts. In this perspective, the text looks to board the relation between international trade and the agreements and environmental restrictions, especially in what it refers to the barriers of economical hallmark, however when they were disguised by environmental reasons. In this scenery, they gain distinction the arrangements predicted in art. XX of the General Agreement on Tariffs and Trade – GATT (at present as World Trade Organization-WTO), more specifically in his caput and in the opening lines "b" and "g". The above-mentioned device prays that environmental restrictions can be set up to the international trade, since such restrictions are still not constitute a means of arbitrary or unjustifiable discrimination between countries where the same conditions prevail, or a disguised restriction on international trade. The great problem is that, what concerns the environmental questions, nowadays there has been a true "war of informations", which damages significantly the correct application of the caput of the art. XX of the GATT. So, for proper application of the above-mentioned device, in the sense to be able to identify the disguised environmental restrictions, it is made necessary to treat the environmental questions in a transparent and pragmatic form, trying not to treat the problem, so, in a ideological form.

Key-words: Free international trade. Art. XX of the GATT. Disguised environmental restrictions.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 Comércio internacional: guerras e crises econômicas. 2 Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, rodadas de negociação e a Organização Mundial de Comércio-OMC. 3 Restrições ambientais nos Tratados Internacionais e nos Blocos Econômicos. 4 O direito internacional econômico e o direito internacional ambiental. 5 O Art. XX, b) e g) do GATT e as restrições ambientais disfarçadas. 6 A guerra de informações e a ideologização do debate. Conclusão. Referências.


Introdução

No presente trabalho se procurará abordar aspectos relacionados aos acordos e restrições ambientais ao comércio internacional. Para tanto, primeiramente serão tecidas breves linhas sobre a importância do livre comércio internacional, mormente sua relação com as guerras entre países. Após, se comentará sobre o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, a Organização Mundial de Comércio-OMC e as respectivas rodadas de negociação. Aproveitando o ensejo, serão enumerados os principais acordos e encontros internacionais relativos a restrições ambientais ao comércio internacional, bem como a forma como tal relação é tratada nos principais blocos econômicos.

Apresentada esta visão panorâmica, serão analisados os conflitos entre o direito internacional econômico e o direito internacional ambiental. Nesse ponto, se verá como muitas vezes, restrições ambientais são na verdade medidas econômicas protecionistas disfarçadas de aspirações ambientais. Eis que se passará ao exame do art. XX do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio-GATT.

A dificuldade em se detectar tais disfarces se potencializa na medida em que o planeta, ao mesmo tempo em que assiste catástrofes ambientais, fica imerso em uma verdadeira guerra de informações sobre questões ambientais. Essa guerra de informações impulsiona a ideologização de debate, dificultando ainda mais a compatibilização sustentável entre livre comércio internacional e restrições ambientais.


1 Comércio internacional: guerras e crises econômicas

Com final da Primeira Grande Guerra (1914-1918), os Estados Unidos da América-EUA passam por um "boom" econômico, com o desenvolvimento e proliferação de empresas industriais e agrícolas. Grandes conglomerados de empresas com capital aberto se tornaram comuns, o que levou as Bolsas de Valores a terem um movimento fora do comum, sendo a especulação com ações o grande atrativo econômico naquele momento. Oferecia-se enriquecimento imediato e fácil a quem adquirisse ações, sendo estas oriundas de companhias de seguros, agrícolas, de minas, grandes supermercados, bancos, entre outros. Quase todas as classes sociais praticavam esse expediente financeiro, empregando nisso todas as suas economias.

Nesse diapasão os europeus vinham, gradativamente, recuperando sua economia e, lentamente, diminuindo as importações de produtos americanos, o que refletiu no problema de subconsumo americano. Essa diminuição no consumo de produtos americanos, paralelo à produção em excesso, gerou condições econômicas temerárias, mais especificamente, a ocorrência de superprodução em paralelo ao subconsumo. Como resultado, as mercadorias em excesso foram estocadas. Desta feita, as empresas tiveram que diminuir a produção, gerando a compressão dos lucros.

Gradativamente, as pessoas começam a se desinteressar pela posse de ações e tentam se livrar desses ativos financeiros. Com o aumento da oferta e a diminuição da procura, os preços destas ações começam a cair, levando pânico e caos aos seus portadores. Eis que em 24 de outubro de 1929, a Bolsa de Nova Iorque ultrapassa seu recorde, oferecendo milhares e milhares de ações para venda. Os valores despencam a quase zero e a bolsa quebra.

Na Europa, visando salvar suas economias internas, os países tomaram medidas protecionistas. Alguns deles, como Alemanha e Itália, tiveram que adotar regimes autoritários para viabilizar a implementação de medidas impopulares. Ou seja, ao longo de década de 30, os países passaram a intervir mais fortemente nas atividades econômicas, tal como comprova o próprio "New Deal" implantado nos EUA por Roosevelt, seu então Presidente.

Tais restrições comerciais implantadas por cada país para proteção de sua economia interna criou, obviamente, animosidades entre os países. A confusão provocada pela crise criou na Europa, por exemplo, o clima responsável pela eclosão da Segunda Guerra Mundial. Portanto, mostra-se um tanto quanto "inocente" a visão de que a 2ª Guerra Mundial foi motivada, primordialmente, pela luta contra os ideais nazistas e em favor da liberdade. Em termos gerais tratou-se, assim como todas as guerras que se tem notícia na História, de um conflito motivado por questões econômicas, ou seja, de países que, não concordando com as restrições comerciais impostas por outros, foram lutar por seu lucro literalmente na "marra". Obviamente a História é contada pelos vencedores, de modo que até hoje a cruz suástica é vista como um símbolo abominável, representante de uma das maiores atrocidades já ocorridas na História (Holocausto).

Ainda sobre a situação da econômica mundial, pós 1ª Grande Guerra, mostra-se oportuno, a título de informação, falar de John Maynard Keynes. Inconformado com o tratamento dispensado pelos vencedores à Alemanha na Conferência de Paz de Paris, em 1919, Keynes, então representante da delegação britânica, afastou-se da delegação antes que o Tratado de Versalhes fosse assinado, tendo, logo após, elaborado a obra "As conseqüências econômicas paz". Escrita como reação indignada à postura dos aliados, a obra fez análise dos desdobramentos futuros das questões relacionadas ao cumprimento das cláusulas do Tratado de Versalhes. O autor apresenta uma proposição de reestruturação da ordem econômica mundial centrada nos seguintes pontos: revisão do Tratado de Versalhes, principalmente das questões pertinentes às reparações de Guerra – mais, especificamente, o cancelamento das dívidas de guerra; reorganização do comércio internacional em conformidade com as sistemáticas do livre-comércio; e reforma monetário-financeira internacional para assegurar maior elasticidade da liquidez internacional e estabilizar as taxas de câmbio.

A referida obra se notabilizou por apontar, previamente, alguns problemas econômicos, tais como hiperinflações, enfrentados por Alemanha, Hungria, Áustria e Polônia na primeira parte da década de 1920. O texto de Keynes previu a destruição da base produtiva da Alemanha e as derivações sociais dela decorrentes, o que, segundo historiadores e economistas, teriam aberto caminho para ações políticas totalitárias de emergência, visando reerguer aquele país à condição de grande nação. Tais questões, que repercutiram no livre comércio internacional, teriam influenciando nas causas que posteriormente dariam ensejo ao conflito mundial seguinte (2ª Grande Guerra Mundial).

Como se pode evidenciar, existe uma profunda relação entre guerras, livre comércio e crises financeiras. No entanto, a 2ª Guerra Mundial, além de sua longa duração, mostrou ao mundo o quão destrutivo o homem pode ser, máxime as bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki. Nessa perspectiva, após a segunda grande guerra, era imprescindível reorganizar o sistema comercial mundial para evitar a ocorrência de novas guerras. Segundo Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo, em seu artigo "Protecionismo Ambiental" [01], "havia uma sensação de que o protecionismo da década de trinta teria sido também um dos responsáveis pela Guerra. Segundo esse raciocínio, com a intensificação do comércio – e, conseqüentemente da cooperação –, os Estados perderiam o interesse em promover guerras". Há quem diga que a guerra se apresenta como uma "necessidade" do próprio desenvolvimento capitalista. Contudo, trata-se uma discussão geopolítica que não se comporta nessas linhas, razão pela recomenda-se dela se esquivar.

Feitas estas considerações, pode-se apontar um importante paradigma, qual seja: na concepção materialista da humanidade, que não é inerente somente a esta época (vide guerras geradas por questões econômicas desde a antiguidade), a sustentação de um livre comércio internacional é essencial para a manutenção da paz. Portanto, é compreensível, embora não justificável, que em confrontos entre o livre comércio e restrições ambientais, esta última seja derrotada.

Desta feita, que se passe a analisar os principais tratados, encontros e acordos internacionais relativos às restrições ambientais ao comércio internacional.


2 Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, rodadas de negociação e a Organização Mundial de Comércio-OMC

Não se poderia falar em livre comércio internacional sem tecer comentários ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT (sigla de General Agreement on Tariffs and Trade). O GATT é um conjunto de regras e normas de comércio instituídas na primeira negociação multilateral de comércio, em 1947, e revistas ao longo de um total de sete rodadas multilaterais até 1994 (Rodada Uruguai), quando foi então englobado pela estrutura da Organização Mundial do Comércio-OMC (tradução de World Trade Organization-WTO). Tem como ideal o livre comércio e, para tanto, assume como parâmetro central de atuação a não-discriminação, através da observância das regras da nação-mais-favorecida e do tratamento nacional.

As 08 (oito) Rodadas de Negociação Multilateral Promovidas pelo GATT, concluídas, são: Genebra 1947; Annecy 1949; Torquay 1950-1951; Genebra 1955-1956; Rodada Dillon 1960-1961; Rodada Kennedy 1964-1967; Rodada Tóquio 1973-1979; e Rodada Uruguai 1986-1994.

As rodadas de negociação dos países pactuantes do GATT serviram para rever, avaliar, discutir e propor regras e normas gerais de comércio. As cinco primeiras foram breves e consistiram basicamente em concessões tarifárias na área industrial. A partir da Rodada Kennedy (1964-67), foram incorporados outros temas e questões nas negociações multilaterais.

Na Rodada Tóquio, o ambiente econômico mundial alterou-se. A crise do petróleo fez com que países desenvolvidos enfrentassem problemas de desemprego e inflação acelerada, o que resultou no crescimento das restrições comerciais. Ampliou-se a utilização das barreiras não-tarifárias, bem como o interesse em negociar um maior número de temas. Nesse sentido, uma maior complexidade na negociação refletiu-se, e ainda reflete, no tempo de duração da rodada e na diversificação dos temas negociados.

Já a Rodada Uruguai trouxe novidades no campo das negociações multilaterais. Novos fatores políticos e comerciais influenciaram os rumos da economia internacional, como o aumento da importância dos setores de serviços, tecnologia, investimentos e propriedade intelectual, a forte tendência à constituição de blocos comerciais, a preocupação crescente com a sanidade de alimentos e padrões técnicos de bens, o que passou a demandar uma regulamentação própria para cada um desses temas. Ressalte-se que em 1º de janeiro de 1995 foi oficialmente instituída a Organização Mundial do Comércio (OMC), organização internacional que abrangeu os diversos acordos derivados das negociações no âmbito do GATT.

Em novembro de 2001 foi realizada uma reunião ministerial em Doha, Catar, quando foi lançada a nona rodada de negociações multilaterais desde a criação do GATT, primeira no âmbito da OMC, que deveria se encerrar em 1º de janeiro de 2005. A 9ª Rodada, denominada Rodada de Doha, foi lançada para tentar ampliar o comércio global, mas sempre esbarrou em diferenças, especialmente entre ricos e pobres, a respeito de subsídios agrícolas e tarifas industriais, entre outras questões.

A novidade da Rodada Doha foi a melhor organização dos países agrícolas em desenvolvimento. Foi em 2003, no encontro da OMC em Cancún (México), que o Grupo dos 20 (do qual participam China, Índia, África do Sul e Brasil) enfrentou o "jogo duro" dos países ricos. Até então, Estados Unidos e União Européia conchavavam nos chamados salões verdes (green rooms) e se limitavam a exigir o voto submisso dos demais para o que haviam decidido.

Mesmo após o fracasso da reunião ministerial de julho de 2008, decorrente das divergências de China e Índia (países em desenvolvimento) com os países desenvolvidos (EUA, CE e outros), o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, continua buscando avanços nas discussões técnicas para convocar um novo encontro dos ministros para concluir as discussões industriais e agrícolas.

O GATT tem como principais artigos: Art. I - Princípio geral do tratamento de nação-mais-favorecida; Art. II - Consolidação de tarifas; Art. III - Princípio do tratamento nacional; Art. V - Liberdade de trânsito de bens; Art. VI - Antidumping e medidas compensatórias; Art. VII - Tratamento da valoração aduaneira de bens; Art. VIII - Taxas sobre o comércio baseadas no custo; Art. IX - Regras para rotulagem e uso de denominações de origem; Art. X - Obrigação de publicação de leis e regulamentações de comércio (inclusive as notificações na OMC); Art. XI - Eliminação geral de restrições quantitativas; Art. XII - Salvaguardas relacionadas ao balanço de pagamentos; Art. XIII - Administração não-discriminatória de restrições quantitativas; Art. XVI - Regras para uso de subsídios; Art. XVII - Estabelece que as empresas estatais de comércio sigam o princípio MFN; Art. XVIII - Proteção a indústrias nascentes e ao balanço de pagamentos para países em desenvolvimento; Art. XIX - Medidas de salvaguardas; Art. XX - Permite restrições comerciais para atender objetivos não-econômicos (saúde, segurança); Art. XXI - Permite restrições comerciais por razões de segurança nacional; Art. XXII - Requer consultas entre as partes envolvidas em disputas comerciais; Art. XXIII - Regras para solução de controvérsias (nullification or impairment); Art. XXIV - Condições para a formação de áreas de livre comércio e uniões aduaneiras; Art. XXVIII - Permite a renegociação de concessões tarifárias; Art. XXXIII - Permite o acesso de outros países ao GATT, incluindo o tratamento especial e diferenciado a países em desenvolvimento.

O art. XX, que trata das restrições comerciais para atender objetivos não-econômicos, no caso em tela, objetivos ambientais, será objeto de maiores comentários em momento oportuno.

A OMC, com sede em Genebra (Suíça), é uma instituição idealizada nas ruínas da 2ª Guerra e que de 1947 até 1995, levava a sigla GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), organismo criado com o objetivo de pôr ordem no caos do comércio mundial e, como evidenciado anteriormente, evitar a ocorrência de novas guerras. De 1986 a 1993, foi negociada a Rodada Uruguai (batizada assim porque começou em Punta del Este, Uruguai), que deu mais alguns passos na direção da liberação do comércio mundial e transformou o GATT em OMC.


3 Restrições ambientais nos Tratados Internacionais e nos Blocos Econômicos

Em razão da extraterritorialidade dos impactos ambientais, e por que não dizer, em função da sua repercussão cíclica, a gestão adequada e integrada dos recursos naturais demanda um ordenamento como um nível de alcance somente possível no âmbito dos tratados internacionais.

Ou seja, a cooperação internacional das questões ambientais se faz necessária em virtude da dimensão transfronteiriça e global das atividades degradadoras exercidas no campo das jurisdições nacionais, cujas seqüelas podem ir muito além do previsto ou do previsível. Assim leciona Édis Milaré:

Os Tratados são, em sua essência, um instrumento de cooperação internacional, pois possibilitam a utilização de seus princípios ao promover o desenvolvimento em plano internacional, a conservação ambiental e a melhoria das condições socioeconômicas e da qualidade de vida das populações, especialmente nos países menos desenvolvidos. [02]

Dentre os principais tratados ou encontros internacionais envolvendo questões ambientais, ganham destaque: Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano; a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional; a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar-UNCLOS; Convenção de Viena para Proteção de Camada de Ozônio; o Protocolo de Montreal sobre Substância que Esgotam a Camada de Ozônio; Convenção sobre Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos (convenção da Basiléia); Conferências das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento-CNUMAD (Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Agenda 21, Declaração de Princípios para o Desenvolvimento Sustentável das Florestas, Convenção sobre diversidade Biológica-CDB e Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima); o Protocolo de Kioto; e a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável.

É importante destacar que muitos desses tratados, decorrentes de pressões de movimentos ambientalistas, são encarados por alguns setores desenvolvimentistas como uma afronta à soberania dos estados, com o objetivo de interferir no desenvolvimento sócio-econômico de outros países. Segundo este ponto de vista, algumas restrições ambientais, consideradas desprovidas de fundamentação científica, na verdade seriam formas de inviabilizar o desenvolvimento e a emancipação sócio-econômica de países não desenvolvidos, uma espécie de "novo colonialismo". Tais posições serão objeto de maiores comentários em linhas adiante.

No que diz respeito aos blocos econômicos e sua relação com as restrições ambientais ao livre comercio, faz-se necessário tecer alguns comentários, a começar pela nossa casa, no caso, o Mercado Comum do Sul-MERCOSUL. Criado em 26/03/1991, em Assunção (Paraguai), por meio do denominado Tratado de Assunção, o MERCOSUL tem como integrantes Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tendo, ainda, Bolívia e Chile como associados. A Venezuela, por sua vez, desde 2006 depende de aprovação dos congressos nacionais para que sua entrada seja aprovada.

Pode-se extrair, pelo menos, seis diretrizes fundamentais do art. 1º do Tratado de Assunção: 1) livre circulação de bens; 2) estabelecimento de tarifa externa comum; 3) adoção de política comercial comum em relação a terceiros Estados; 4) coordenação de posições em foro econômicos-comerciais regionais e internacionais; 5) coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais visando a assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-Partes; 6) obrigação e harmonização das legislações nas áreas pertinentes. A primeira vista, o Tratado de Assunção não é um tratado ambiental. Contudo, nos considerandos sobre a metodologia do Tratado consta menção à "preservação do meio ambiente"

Entretanto, em 22/06/2001, em Assunção, os quatro Estados Partes assinaram o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente. Este acordo foi objeto de longa negociação, finalizado com 11 (onze) artigos, ficando dividido em "Preâmbulo", quatro capítulos ("I – Princípios"; "II-Objetivo"; "III – Cooperação em Matéria Ambiental"; "IV – Disposições Gerais") e um anexo ("Áreas Temáticas"). Houve reafirmação do engajamento dos Estados Partes em relação aos princípios da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, como também ficou aberta a possibilidade de ser instrumentalizada a aplicação dos princípios dessa Declaração que não tenham sido objeto de tratados internacionais.

O Acordo prevê os princípios fundamentais em seis alíneas do art. 3º: proteção do meio ambiente e aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis; incorporação do componente ambiental nas políticas setoriais e inclusão das considerações ambientais na tomada de decisões para fortalecimento da integração; promoção do desenvolvimento sustentável por meio de apoio recíproco entre os setores ambientais e econômicos; tratamento prioritário e integral às causas e fontes dos problemas ambientais; promoção da efetiva participação da sociedade civil no tratamento das questões ambientais e fomento à internalização dos custos ambientais por meio de uso de instrumento econômicos e regulatórios e gestão.

No que diz respeito à solução de controvérsias no âmbito do MERCOSUL, segue trecho da obra de Paulo Affonso Leme Machado:

As controvérsias que surjam entre os Estados-Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não-cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho de Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum-GMC e das Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL serão submetidas aos procedimentos estabelecidos no Protocolo de Olivos. [03]

Cumpre informar que o protocolo de Olivos foi concluído na Argentina, em Olivos, em 18.2.2002. O Congresso Nacional Brasileiro o aprovou pelo Decreto Legislativo n° 712, de 14.10.2003, entrando o Protocolo em vigor internacional e para o Brasil em 01/01/2004. Por meio do Decreto n° 4.982, de 09/02/2004, o Presidente da República promulgou o referido Protocolo.

Ainda sobre blocos econômicos, traz-se à baila a Comunidade Européia. O Tratado de Roma, instituidor do "Mercado Comum Europeu", somente colocou expressamente diretrizes ambientais na sua reformulação de 1986, pelo chamado "ato Único Europeu"; mas, mesmo assim, antes dessa reformulação já expedia diretrizes ambientais. Um dos principais questionamentos é quanto à possibilidade de um aplicar normas mais severas que as da Comunidade Européia. Se um Estado-Membro discrepar da norma geral, a norma em questão será submetida a exame a uma comissão com vistas a constatar se a referida é norma se apresenta com um meio de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada no comércio entre os países da CE.

Outro exemplo de bloco econômico é o NAFTA-Acordo Norte-Americano de Livre Comércio, celebrado entre EUA, Canadá e México. Esses mesmos países celebraram, em 13/09/1993 o Acordo Norte-Americano de Cooperação Ambiental-NAAEC, cuja finalidade básica seria tratar das repercussões ambientais decorrentes das relações comerciais do NAFTA. O NAAEC, por exemplo, viabiliza que qualquer pessoa possa submeter uma petição ao Secretariado, relatando a falta de uma das partes do Acordo quanto à implementação da legislação ambiental.


4 O direito internacional econômico e o direito internacional ambiental

A necessidade de garantir o livre comércio, ao mesmo tempo em que seja assegurado um meio ambiente ecologicamente equilibrado, inevitavelmente tem gerado um intrincado conflito entre o direito internacional econômico e o direito internacional ambiental. Se de um lado o livre comércio é essencial para garantir uma mínima atmosfera de paz entre os países, de outro, o planeta dá sinais da crise ambiental e de que algo deve ser feito para alterar as formas de produção ou pelo menos frear os níveis de consumo.

Assim como as demais formas de controle cogentes, existem mecanismos coercitivos previstos tanto no direito internacional econômico, quanto no direito internacional ambiental. No entanto, o rápido desenvolvimento, muitas vezes até desenfreado, de ambos os ramos do direito tem gerado constantes conflitos entre suas regras. Assim bem ilustra Marcelo Dias Varella, em seu artigo "O Acúmulo de Lógicas Distintas no Direito Internacional: Conflitos entre Comércio Internacional e Meio Ambiente", conforme trecho a seguir:

Os dois ramos que mais se destacam nesta evolução jurídica rápida são o direito internacional ambiental e o direito internacional econômico. Interessante notar que ambos ramos do direito internacional buscam o mesmo fim, o desenvolvimento sustentável. No entanto, as formas para se promover o desenvolvimento sustentável são muito distintas devido às diferentes lógicas que marcam cada um dos ramos jurídicos. Dizemos acúmulo de lógicas distintas pela evolução independente destes dois ramos, sem coordenação e muitas vezes de formas antagônicas. [04]

O direito internacional econômico é construído a partir de dois princípios básicos: o da nação mais favorecida e o do tratamento nacional. O primeiro implica que qualquer tratamento mais benéfico dado a um país deve ser extendido a todos os outros países. O segundo indica que a partir do momento em que um produto entrou no país ele deve ser tratado como qualquer outro produto nacional, sendo proibidas as discriminações negativas contra aquele produto.

Já o Direito Ambiental, ao contrário do Direito Econômico, caracteriza-se por regras de cunho social, desconsiderando, muitas vezes, a igualdade econômica dos atores. Esta lógica meio-ambiente-desenvolvimento, dando subsídio para o desenvolvimento sustentável, foi particularmente aprimorada com a série de Acordos, Tratados e Convenções-Quadro, enumeradas nas linhas anteriores deste trabalho.

Marcelo Dias Varella, ainda no artigo "O Acúmulo de Lógicas Distintas no Direito Internacional: Conflitos entre Comércio Internacional e Meio Ambiente", aponta os principais pontos de atrito entre os referidos ramos de direito internacional:

Os principais conflitos existentes entre o direito internacional econômico e o ambiental referem-se a tratados ambientais específicos contra a própria lógica de sustentação do direito econômico. A aplicação de medidas unilaterais, a extraterritorialidade da aplicação das medidas ou o fato de atingir Estados não membros de um tratado, a designação de certos produtos como não-comercializáveis, a proibição ou discriminação de certos métodos de produção, a diferenciação de certos produtos quimicamente equivalentes, a obrigação de cooperar e a determinação de qual o foro competente para a solução de controvérsias estão entre os pontos onde os conflitos são mais marcantes. [05]

Ocorre que o direito internacional ambiental não possui instrumentos de coerção que lhe façam competir com o direito internacional econômico. A Organização Mundial do Comércio-OMC é uma entidade mais presente e consolidada que as Convenções-Quadro de ordem ambiental, o que confere mais força ao direito internacional econômico, anulando, assim, as disposições em contrário. É dentro desse panorama que se apresenta oportuno tecer maiores detalhes sobre o art. XX do GATT, hoje OMC.


5 O Art. XX, b) e g) do GATT e as restrições ambientais disfarçadas

No epicentro desse conflito entre direito internacional econômico e direito internacional ambiental está o art. XX do GATT, mais especificamente em seu caput e nos incisos "b" e "g", a seguir transcritos:

Artigo XX – Exceções gerais. Sob reserva que estas medidas não sejam aplicadas de modo a constituírem um meio de discriminação arbitrário ou injustificável entre os países onde as mesmas condições existem, ou ainda uma restrição disfarçada ao comércio internacional, nenhum ponto do presente Acordo será interpretado para impedir a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante das medidas (…)

b) necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais ou à preservação dos vegetais (…)

g) relacionando-se a conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas são aplicadas conjuntamente com as restrições à produção ou ao consumo nacional;

Conforme evidenciado anteriormente, o GATT é um acordo entre países, composto por uma série de regras e mecanismos, cuja finalidade é garantir o livre comércio. No entanto, esse livre comércio deve ser conduzido de forma adequada e sustentável, tanto econômica, quanto ambientalmente. Sob esse prisma, o que o dispositivo acima prescreve é que os contratantes podem adotar medidas restritivas ao comércio de determinados produtos ou serviços, desde que estas restrições se justifiquem por (1) serem necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais ou à preservação dos vegetais, ou por (2) se relacionaram à conservação dos recursos naturais esgotáveis e, nesse último caso, desde que tais medidas sejam aplicadas conjuntamente com as restrições à produção ou ao consumo nacional. No entanto, o caput do artigo faz a ressalva de que tais restrições ao comércio não podem se constituir um meio de discriminação arbitrário ou injustificável entre os países onde as mesmas condições existem, ou ainda uma restrição disfarçada ao comércio internacional.

A imprecisão das expressões utilizadas deixa uma margem de manobra considerável aos intérpretes do Acordo Geral, a exemplo do Órgão de Solução de Controvérsias.

Na alínea "b", o Estado pode pedir o direito de provar que a medida não é necessária, devendo a outra parte provar em seguida a sua necessidade e oportunidade, mas apenas depois da primeira demonstração. Depois da apresentação de provas sobre a necessidade da medida, o Órgão de Solução de Controvérsias deve julgar quais são os argumentos e os dados científicos mais satisfatórios.

Já na alínea "g" ("relacionando-se a conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas são aplicadas conjuntamente com as restrições à produção ou ao consumo nacional";) o termo "relacionado" se trata de uma expressão genérica. Sua interpretação, no entanto, não deve ser tão ampla, mas limitada em função do objeto e dos objetivos do acordo geral. Segundo o Órgão de Apelações [06]: "Ao mesmo tempo, o artigo XX g) e a parte da frase ‘relacionando a conservação dos recursos naturais esgotáveis’ devem ser lidos no seu contexto e de modo a dar efeito aos objetos e objetivos do Acordo Geral". Ponto que gerou grande controvérsia foi quanto aos conceitos "renovável" e "esgotável". A dúvida era se tratavam-se de conceitos excludentes ou se era possível uma coisa ser, ao mesmo tempo, renovável (organismo vivo) e esgotável.

Em caso concreto, o Órgão de Apelações evocou a Agenda 21, a Convenção da Diversidade Biológica e outros documentos de direito internacional do meio ambiente para afirmar que os recursos biológicos são esgotáveis e que a expressão poderia ser utilizada no seu sentido ambiental. A posição do Órgão de Apelações merece citação:

Nós não estamos convencidos com estes argumentos. Se considerarmos seu texto, o artigo XX g) não se limita à conservação dos recursos naturais ‘minerais’ ou ‘não vivos’. O principal argumento das partes autoras se fundamenta na idéia que os recursos naturais ‘biológicos’ são ‘renováveis’ e não podem portanto ser recursos naturais ‘esgotáveis’. Nós não acreditamos que os recursos naturais ‘esgotáveis’ e ‘renováveis’ se excluem mutuamente. A biologia moderna nos ensina que as espécies vivas, ainda que elas sejam em princípios capazes de se reproduzirem e sejam portam ‘renováveis’, podem em certas circunstâncias se tornarem raras, se esgotar ou desaparecer, ainda que freqüentemente isso aconteça em decorrência das atividades humanas. Os recursos biológicos são assim tão ‘limitados’ quanto o petróleo, o minério de ferro e todos os outros recursos não biológicos. [07]

Ainda sobre a metodologia de interpretação da referida norma, é importante ressaltar que após verificar a conformidade da situação posta com as alíneas do artigo XX, é preciso verificar a adequação com seu caput. Após verificar a correspondência com alguma das situações previstas nas alíneas, passa-se a analisar a existência de algumas das ressalvas previstas no caput. A análise se fundamenta em examinar, então, se a restrição posta seria: a) uma "discriminação arbitrária" (entre os países onde as mesmas condições existem); ou b) uma "discriminação injustificável" (entre dois países onde as mesmas condições existem); ou c) uma "restrição disfarçada ao comércio internacional".

Cumpre apontar que após a verificação das justificativas ambientais, deve-se analisar de forma sistêmica sua compatibilidade com o acordo geral, considerando os princípios da "nação mais favorecida" e, sobretudo, o do "tratamento nacional".

A análise da ilegalidade da medida não está na hierarquização comércio – meio ambiente ou na recusa em considerar o meio ambiente como um bem juridicamente protegido. Ela se apóia, de fato, na ausência de iniciativas para permitir às indústrias do país em desenvolvimento para se adaptarem às novas regras ambientais. Esta ausência de negociações e da disponibilização de escolhas pelos Estados será considerada como uma restrição unilateral, com o objetivo de favorecer suas próprias indústrias utilizando o meio ambiente como desculpa. Sintetizando a metodologia de interpretação das normas do GATT, hodiernamente OMC, assim se manifestou Paulo Affonso Leme Machado, citando Shinya Murase:

O Direito Comercial do GATT não é um sistema jurídico fechado, completo ou autônomo, mas é parte do Direito Internacional. O mesmo pode ser dito do Direito internacional Ambiental – segundo o Prof. Shinya Murase. É preciso, portanto, fazer a interpretação da lei do GATT, atualmente OMC-Organização Mundial do Comércio, utilizando-se dos mesmos critérios empregados para outros textos de Direito Internacional. [08]

Dentre os casos mais emblemáticos de restrições ambientais ao comércio internacional, consideradas disfarçadas em julgados com base na sistemática art. XX do GATT, ganham destaque: Gasoline Rule (gasolina reformulada exigida pelos EUA); Pesca de Camarão e proteção das Tartarugas (Seção 609 do EUA exigindo determinado método de pesca). Embora a análise das expressões tenha sido aplicada em poucos casos concretos, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC muito contribuiu a consolidação para uma interpretação coerente sobre o tema.

Assim, podemos perceber que a Organização Mundial do Comércio não ignora a proteção ambiental. Pelo contrário, ela é um dos elementos principais dos seus acordos, e existem regras precisas para o tratamento de questões que envolvem matérias ambientais. As principais críticas, no entanto, se referem aos possíveis conflitos entre as normas ambientais e as normas econômicas.


6 A guerra de informações e a ideologização do debate

Mais do que um exercício de dialética, o que se constata atualmente é uma falta de sintonia quanto a informações sobre meio ambiente e ecológica, o que vem comprometendo, inclusive, a idoneidade das opiniões. Em matéria publicada pela Revista Veja [09], de autoria de Okky de Souza e Vanessa Vieira, intitulada "Uma visão cética do aquecimento global", foram apontadas divergências entre ambientalistas ortodoxos e céticos, tais como: responsabilidade humana no aquecimento global; se é possível amenizar o aquecimento e como isso deveria ser feito; em quanto tempo os efeitos do aquecimento começarão a ser sentidos; qual a severidade desses efeitos, entre outros.

Na mesma matéria, foram feitos confrontos entre opiniões do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas-IPCC e dos cientistas considerados céticos. Por exemplo, sobre a relação entre aumento de temperatura e surto de doenças em áreas tropicais, segundo o IPCC o aumento de temperatura causará epidemias de doenças tropicais, como a malária, em várias regiões onde já se erradicou o mosquito transmissor. Já de acordo com os "céticos", a ocorrência de surtos de doenças tropicais não está relacionada com a temperatura, mas fundamentalmente com a ausência de infra-estrutura e de controle sanitário, isso porque os países desenvolvidos, onde essas epidemias foram um problema grave, não as erradicaram porque as temperaturas locais caíram, mas porque se tornaram ricos e puderam investir em seu controle.

Na oportunidade, a aludida matéria apontou que as epidemias estavam mais relacionadas à falta de infra-estrutura do que ao aumento de temperatura, concordando, assim, com a posição dos "céticos". Entretanto, em outros pontos a mesma matéria indicou que o IPCC estava correto.

Posteriormente, a Revista Veja [10] publicou entrevista com o climatologista Patrick Michaels, concedida a Diogo Schelp. Segundo a matéria, o climatologista Patrick Michaels, da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, é o mais conhecido entre os chamados céticos do aquecimento global. A qualificação é paradoxal, pois ele colaborou com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e não contesta os princípios científicos que sustentam a advertência, feita pela conferência da ONU, sobre o aumento nas emissões de gases do efeito estufa. A diferença é que, ao contrário do IPCC, ele não vê nada de catastrófico nas mudanças climáticas.

Questionado sobre a necessidade de reduzir as emissões de dióxido de carbono e de outros gases do efeito estufa, o climatologista responde de forma polêmica: "É extremamente imprudente gastar dinheiro para tentar reduzir as emissões de gás carbônico. O custo para chegar a isso seria muito alto. Esse capital poderia ser mais bem investido em pesquisa e desenvolvimento de novas fontes de energia". E arremata: "É impossível reduzir drasticamente as emissões e ainda dispor de recursos para investir em novas fontes de energia. Não existe uma alternativa que seja ao mesmo tempo tecnológica e politicamente viável. O fracasso do Protocolo de Kioto é um exemplo dessa incapacidade". Ora, o que mais se propaga nos setores produtivos é a necessidade em se utilizar matrizes energéticas que não emitam ou que pelos menos reduzam a emissão de dióxido de carbono e de outros gases do efeito estufa.

Outras formas de mídia ilustram a divergência. Enquanto o ex-Vice Presidente americano Al Gore lançou o documentário "Uma Verdade Inconveniente" (tradução de An Inconvinient Truth), que aponta causas e conseqüências do aquecimento global. Ocorre que, paralelamente, o Canal 4 da TV Britânica, lançou o documentário, menos divulgado que o anterior, denominado "A Grande farsa do aquecimento global" (tradução de The Great Global Warming Swindle).

Some-se a isso, o surgimento de movimentos sociais extremistas. Se de um lado existem os catastróficos, e que encaram toda e qualquer forma de produção humana como maléfica, há aqueles que praticamente criminalizam o movimento ambientalista.

Segundo esta corrente, o movimento ambientalista não é um fenômeno sociológico espontâneo, decorrente de uma conscientização sobre as necessidades reais de compatibilização das atividades humanas com certos requisitos de respeito ao meio ambiente no qual elas se inserem. Na verdade, tratar-se-ia de um engendro ideológico e político, específica e habilmente planejado por poderosos grupos hegemônicos internacionalistas, com o propósito de conter a expansão dos benefícios da sociedade industrial-tecnológica a todos os povos e países do planeta, mantendo o processo de desenvolvimento sob o seu controle.

Em termos de literatura brasileira, talvez a mais polêmica obra nesse sentido tenha sido o livro "Máfia Verde: O ambientalismo a serviço do Governo Mundial", coordenado por Lorenzo Carrasco, verdadeiro manifesto contra toda e qualquer forma de ambientalismo. De acordos com a obra, o ambientalismo seria uma construção de "engenheiros sociais" a serviço de um Establishment [11] oligárquico, a qual serviria não para garantir à proteção ao meio ambiente, mas sim para instituir uma "governança mundial", violando a soberania e limitando o desenvolvimento dos países ainda não desenvolvidos. Segue enxerto da obra nesse sentido:

O que se esconde por trás de cada um dos itens da "agenda ambiental", de mãos dadas com as chamadas políticas dos "direitos humanos" e "direitos indígenas", não tem nada a ver com qualquer preocupação legítima com a proteção do meio ambiente ou de populações indígenas. Na verdade, trata-se da velha geopolítica britânica, redesenhada com estas novas roupagens pelos "engenheiros sociais" do Establishment oligárquico anglo-americano, como um arma política para demolir a instituição do Estado nacional soberano e suplantá-lo por um sistema oligárquico neofeudal, no qual uma minoria de indivíduos dotada de privilégios autoconcedidos "pastoreie" e explora uma imensa maioria da população, submersa na ignorância e na pobreza, como ocorria no período pré-renascentista. Ou seja, uma ordem mundial malthusiana, dominada por um "governo mundial" imperando sob um sistema de soberanias limitadas, instituído por pretextos diversos. [12]

O livro, citando várias entidades, formula uma teoria conspiratória internacional em que ONGs ambientalistas estariam, na verdade, a serviço de forças de controle sociais, no caso o Establishment oligárquico anglo-americano, e, portanto, atuando com propósitos diversos e inidôneos, em nada relacionados com a proteção ambiental ou mesmo com a qualidade de vida das populações.

A seqüência de nº 2 do referido livro, denominado "Máfia Verde 2: Ambientalismo. Novo Colonialismo", ataca não apenas o movimento ambientalista, mas também o indigenista, conforme trecho a seguir transcrito:

Tanto o ambientalismo como o indigenismo são ideologias anticivilizatórias, misantrópicas, anticientíficas e politicamente motivadas. Uma pretende conferir um direito próprio ao meio ambiente, elevando a sua "proteção" à condição de valor supremo para a organização da sociedade e da economia. A outra tenciona estabelecer uma inaceitável segregação física e moral das populações indígenas, considerando-as inaptas para a condição de progresso que tem caracterizado a humanidade em sua trajetória de centenas de milhares de anos, mantendo em reservas isoladas do restante da civilização – tratamento mais adequado a animais selvagens. [13]

Segundo esse pensamento, o ambientalismo e o indigenismo seriam um "Novo Colonialismo", na medida em que o desenvolvimento do País estaria sendo eficazmente obstacularizado por uma dupla submissão das políticas governamentais ao rentismo financeiro e ao nominalismo legal ambientalista-indigenista, que estariam penalizando pesadamente as atividades produtivas e sendo diretamente responsáveis pelos pífios índices de desenvolvimento.

Tais idéias são vistas pelos ambientalistas como uma visão que desrespeita as diversidades culturais, sendo consideradas um manifesto de extrema direita e ambientalmente inconseqüente. O ponto válido é que a abordagem levantada evidencia o quão ideológica se tornou a discussão com relação às questões ambientais. Se de um lado existem os adeptos da "proteção ambiental e total congelamento das atividades humanas", de outro temos os que advogam pela extrema ausência de consciência holística, com o falacioso discurso de que a crise ambiental, hoje palpável e a olhos vistos, não passa de um argumento político dos chamados engenheiros sociais a serviço de um Establishment oligárquico anglo-americano.

Se de um lado as ONGs ambientalistas seriam suspeitas, por serem financiadas por estruturas da oligarquia anglo-americana, de outro, os desenvolvimentistas, que questionam a existência de uma crise ambiental, também seriam suspeitos em razão de supostas ligações desses grupos com corporações e conglomerados que atuam na chamado "setor produtivo". A propagada assertiva de que "aqueles desejam salvar a Amazônia são os mesmos que destroem oceanos e atmosfera", serve para ilustrar o jogo de interesses existente por trás das restrições ambientais.

Em meio essa dicotomia, quem mais se prejudica é a sociedade, as pessoas comuns, a grande maioria. Aqueles que acordam todos os dias para trabalhar e tentar sustentar sua família, sobreviver à violência e financiar a máquina pública por meio de tributos. Esses são a força motriz não apenas do Brasil, mas de todo e qualquer país, e que no meio dessa discussão ideológica, são, talvez, os menos ouvidos e mais penalizados.

Em suma, a população, e aí incluídos também os "letrados", é tangida como gado, numa atmosfera de incertezas, sem saber no que ou em quem acreditar. Enquanto isso, cada um abraça sua bandeira, sua ideologia, sem saber a real finalidade por aquilo que está lutando.


Conclusão

No que diz respeito ao comércio internacional e as restrições ambientais, esse guerra de informações é ponto decisivo. Como justificar restrições ambientais disfarçadas? Se o estudo que justifica a restrição é objeto de discordâncias, qual a legitimidade dessa restrição?

Dos sub-ramos do direito internacional, o direito ambiental deveria ser o de mais fácil assimilação. Isso porque deveria se basear em propriedades físicas, químicas e biológicas, ou seja, em aspectos científicos, o que diminui o nível de relativização de um país para outro, sendo mais fácil sua aceitação. A economia, por exemplo, em tese, deveria ser um ramo de estudo bem mais relativizado que o direito ambiental. Os padrões de consumo, oferta e demanda de um país dependem de questões culturais, o que permite, em tese, uma grande relativização da visão econômica de cada país. O mesmo não deveria ocorrer em relação à questões ambientais.

No entanto, por tudo o que foi evidenciado ao longo dessas linhas, as questões ambientais encontram-se, muitas vezes, servindo de disfarce para outros interesses.

Tal "disfarce" mostra-se ainda mais difícil de se detectar na medida em que se aprofunda a ideologização das discussões. Some-se a isso a guerra de informações existentes no próprio mundo científico, o que gera um verdadeiro "mar de incertezas". As questões ambientais têm no mundo científico seu surgimento, estando lá também sua solução. Enquanto não houver uma coerência, minimamente razoável e aceitável, no mundo científico sobre questões ambientais, mais e mais pessoas continuaram se utilizando desse expediente para justificar pretensões diversas, seja para explorar, seja para estagnar.

Isso, obviamente, reflete na correta interpretação do art. XX do GATT e por conseqüência na adequada relação entre o comércio internacional e os acordos e restrições ambientais. Nesse prisma, para devida aplicação da referida norma, possibilitando, assim, identificar as restrições ambientais disfarçadas, mostra-se imperioso abordar as questões ambientais de forma transparente, pragmática, procurando, assim, não tratar o problema de forma ideológica.


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Notas

  1. MACEDO, Paulo Emílio Vauthier Borges de. Protecionismo Ambiental. In: III Congresso Brasileiro de Direito Internacional, 2005, Curitiba. Estudos de Direito Internacional: anais do III Congresso Brasileiro de Direito Internacional. Curitiba: Juruá, 2005. v. 5. p. 215-227.
  2. MILARÉ, Edis. Direito do Meio Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 913.
  3. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13. ed. São Paulo, 2005, p. 1.039
  4. VARELLA, Marcelo Dias. O Acúmulo de Lógicas Distintas no Direito Internacional: Conflitos entre Comércio Internacional e Meio Ambiente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_71/Artigos/artigo_Marcelodias.htm >. Acesso em: 28 nov. 2008.
  5. VARELLA, Marcelo Dias. O Acúmulo de Lógicas Distintas no Direito Internacional: Conflitos entre Comércio Internacional e Meio Ambiente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_71/Artigos/artigo_Marcelodias.htm >. Acesso em: 28 nov. 2008.
  6. WT/DS2/AB/R
  7. WT/DS58/AB/R, parágrafos 126 à 134
  8. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13. ed. São Paulo, 2005, p. 1.022.
  9. SOUSA, Okky de; VIEIRA, Vanessa. Uma visão cética do aquecimento global. Revista Veja, edição 2031, ano 40, nº 42, 24 out. 2007.
  10. MICHAELS, Patrick. O grande cético. Entrevista concedida a Diogo Schelp. Revista Veja, edição 2064, ano 41, nº 21, 11 jun. 2008.
  11. A tradução literal seria estabelecimento, instituição ou fundação, porém, aqui está no sentido de conjunto de forças de controle sociais.
  12. CARRASCO, Lorenzo. Máfia Verde: O ambientalismo a serviço do Governo Mundial. 10. ed. Rio de Janeiro: Capax Dei, 2006, p. 25.
  13. CARRASCO, Lorenzo. Máfia Verde 2: Ambientalismo. Novo Colonialismo. Rio de Janeiro: Capax Dei, 2005, p. 10.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO, Ruy Emmanuel Silva de. Acordos e restrições ambientais (disfarçadas) ao comércio internacional no âmbito do GATT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2229, 8 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13294. Acesso em: 25 abr. 2024.