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A entrega da declaração e a revisão do ato de lançamento tributário

A entrega da declaração e a revisão do ato de lançamento tributário

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Indaga-se: se não houver pagamento do que o contribuinte declarou ao Fisco, qual o termo de início do prazo decadencial para se constituir o crédito tributário?

É cediço que o recurso não é a única forma de se impugnar e/ou de se buscar a revisão de um ato administrativo. E, o simples fato de não haver previsão legal para interposição de recurso contra determinada decisão não significa que não possa haver manifestação da autoridade sobre o ato administrativo e sua revisão.

Em homenagem aos princípios que regem o processo administrativo, em especial, o da legalidade e o da verdade material que orienta e autoriza a Administração Pública a aceitar e buscar as provas que entender necessárias, em havendo fatos novos ou circunstâncias que venham a demonstrar, a posteriori, a existência de vícios que tornem ilegal o ato administrativo, deve a Administração, dentro de determinado prazo legal, rever os seus atos, a pedido ou de ofício.

Dispõe o CTN, no seu art. 145:

Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:

I - impugnação do sujeito passivo;

II - recurso de ofício;

III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149. (grifos não do original)

Por esse excerto legal, efetuado o ato de lançamento tributário, a Fazenda Pública pode, mesmo não havendo o contencioso administrativo fiscal (CTN, art. 145, I e II), por iniciativa dela própria, revisá-lo de ofício, com fundamento no inciso III do art. 145, do CTN, observada a ressalva disposta no parágrafo único do art. 149, do mesmo diploma legal, que assim dispõe: "a revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública".

O artigo 149 do CTN [01] descreve todas as hipóteses em que a Fazenda Pública pode efetuar e rever de ofício o lançamento tributário. E ainda, independentemente da modalidade de lançamento a que o tributo esteja sujeito, de ofício, por declaração ou por homologação, a regra quanto à contagem do prazo decadencial para se efetuar o lançamento de ofício é, tão-somente, a descrita no art. 173 do CTN, que assim dispõe:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. (grifamos)

Estabelece ainda o CTN, no que se refere ao lançamento por homologação:

Art.150. (...)

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. (grifamos)

Há quem defenda que o dispositivo constante do § 4º, do art. 150, do CTN, é uma regra especial, e por isso deve prevalecer à regra geral contida no art. 173, I do CTN. [02] Nesse sentido então, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, o prazo decadencial para o lançamento de ofício de eventuais diferenças detectadas seria de cinco anos a contar do fato gerador, nos termos do mencionado § 4º do art. 150 do CTN.

E ainda, nessa linha de interpretação, seus defensores procuram condicionar a aplicação dos dispositivos constantes do art. 173, I e do art. 150, § 4º, do CTN, à existência ou não de pagamento, com a seguinte assertiva: "se não houver pagamento, não se pode falar em lançamento por homologação, e assim seria atraída a norma do art. 173, do CTN".

Com a devida vênia, não podemos concordar com essas afirmativas, porquanto, cada um dos dispositivos legais citados tem sua aplicação específica, sem haver prevalência de um ou de outro. Senão vejamos:

(I) o prazo disposto no § 4º do art. 150 do CTN refere-se ao direito de o Fisco homologar expressamente os procedimentos de lançamento realizados pelo sujeito passivo, [03] que poderá ser extinto pela homologação tácita, e não ao direito de constituir de ofício o crédito tributário, sujeito à regra do prazo decadencial prevista no art. 173, I, do CTN;

(II) não é a existência de pagamento antecipado que irá atrair ou não a regra de prazo extintivo, e sim a existência de declaração efetuada pelo contribuinte e/ou de omissões ou inexatidões na escrita fiscal.

No intuito de melhor esclarecer essas colocações, levantamos o seguinte exemplo:

(1) se um contribuinte de ICMS efetua o pagamento de apenas $60,00 dos $100,00 que declarou ao Fisco, [04] tem-se:

(a) quanto ao que foi declarado e pago ($60,00), há a extinção do crédito tributário pelo pagamento (CTN, art. 156, I);

(b) quanto ao que foi declarado e não pago ($40,00), como não houve o pagamento do imposto declarado, não há se falar em extinção do crédito tributário;

(c) quando do recebimento da declaração opera-se a homologação, momento em que o lançamento é realizado, constituindo-se definitivamente o crédito tributário, o que pode ensejar, de imediato, a inscrição em dívida ativa do que não foi pago ($40,00);

(d) a partir da entrega da declaração aceita pelo Fisco, então, tem-se o início do prazo de prescrição para a cobrança dos $40,00, nos termos do art. 174 do CTN.

Ressalte-se que a parcela declarada e não paga ($40,00) corresponde a um não-pagamento antecipado, e mesmo assim estamos a tratar de lançamento por homologação, não fazendo sentido a assertiva acima colocada de que: "se não houver pagamento, não podemos falar em lançamento por homologação."

O mesmo podemos afirmar quanto à hipótese do não-pagamento integral do que se declarou.

(2) se a caso o Fisco vier a realizar auditoria nos livros fiscais do mesmo contribuinte de ICMS, e detectar diferenças, por inexatidões ou omissões na sua escrita fiscal, está autorizada a Fazenda Pública a efetuar o lançamento de ofício, que obedece ao prazo extintivo previsto no art. 173, I, do CTN, por expressa determinação legal disposta no art. 149, V, do CTN, [05] e não ao prazo do § 4º do art. 150.

Dessa forma, se a Administração Fazendária comprovar omissão ou inexatidão por parte da pessoa legalmente obrigada no exercício da atividade de lançamento por homologação, conforme estabelece o inciso V do art. 149, do CTN, não haverá a sua homologação, e nesses casos, havendo a necessidade de se efetuar o lançamento de eventuais diferenças, o lançamento por homologação será substituído pelo lançamento de ofício, que está sujeito à contagem do prazo decadencial, disposto no art. 173, I, do CTN.

Destarte, a aplicação da regra de prazo extintivo será definida não pela existência de pagamento antecipado do tributo e sim pela entrega da declaração efetuada pelo contribuinte e pela comprovação de omissões ou inexatidões na escrita fiscal, pois o valor que:

(i) for pago e declarado, será extinto pelo pagamento, nos termos do art. 156, I do CTN;

(ii) não for pago mas declarado, poderá ser de imediato inscrito em dívida ativa, iniciando-se o prazo de prescrição, nos termos do art. 174 do CTN; e

(iii) não for declarado, por comprovação de omissão ou inexatidão, deverá ser constituído o crédito tributário pelo lançamento de ofício, nos termos do art. 149, V, do CTN, obedecendo ao prazo de decadência, disposto no art. 173, I do CTN. [06]


Referências bibliográficas

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2 ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

CARVALHO, Paulo de Barros. Extinção da obrigação tributária, nos casos de lançamento por homologação. In: Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba 1. Direito tributário, org. de Celso A. B. de Mello. São Paulo: Malheiros, 1997.

HABLE, José. A extinção do Crédito Tributário por Decurso de Prazo. 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

XAVIER, A. Do lançamento – teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2 ed., São Paulo: Forense, 1998.


Notas

BRASIL. CTN. "Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: (...)"

(2) BRASIL. STJ. EREsp 279473/SP. Min. Teori Albino Zavascki. 1ª seção. Data de julgamento: 22/09/2004. DJ 11/10/2004, p. 218. "1. O prazo decadencial para efetuar o lançamento do tributo é, em regra, o do art. 173, I, do CTN (...) 2. Todavia, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação (...) há regra específica. Relativamente a eles, ocorrendo o pagamento antecipado por parte do contribuinte, o prazo decadencial para o lançamento de eventuais diferenças é de cinco anos a contar do fato gerador, conforme estabelece o § 4º do art. 150 do CTN. (...)". (grifamos) Disponível em: http://www.stj.jus.br Acesso em: 02 jun. 2009, entre outros.

(3) BORGES, J. S. M. Obra citada, p. 400. Souto M. Borges afirma que "a decadência refere-se apenas e especificamente à homologação expressa, ou seja, à faculdade de expressamente homologar". No mesmo sentido, CARVALHO, P. B. Obra citada, p. 230; XAVIER. A. Obra citada, p. 89, e AMARO, L. S. Obra citada, pp. 407-408, entre outros.

(4) Importante frisar que, nos termos da legislação tributária, o pagamento, em regra, é efetuado antes da entrega da declaração.

(5) BRASIL. CTN. Art. 149. (...) "V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;" (grifamos). Observação: o "artigo seguinte" se refere ao lançamento por homologação.

(6) HABLE, J. Obra citada, pp. 83-86.


Autor

  • José Hable

    Auditor Fiscal da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. Conselheiro e Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF). Mestre em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Tributário, com o título de especialista docente em Direito Tributário, pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF e Instituto de Cooperação e Assistência Técnica – ICAT (2000). Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB (1999). Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Católica de Administração e Economia - FAE (1990). Graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná UFPR (1990). Professor de Direito Tributário. Autor de livros.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HABLE, José. A entrega da declaração e a revisão do ato de lançamento tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2236, 15 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13334. Acesso em: 27 abr. 2024.