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Questões criminais controvertidas na Lei nº 9.099/95

Questões criminais controvertidas na Lei nº 9.099/95

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Passados quase doze anos da entrada em vigor da Lei nº 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais Criminais, muitos de seus artigos ainda levantam polêmica na doutrina e na jurisprudência.

I) Introdução

Passados quase doze anos da entrada em vigor da Lei nº 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais Criminais [01], muitos de seus artigos ainda levantam polêmica na doutrina e na jurisprudência.

O objetivo deste breve estudo é, sem a pretensão de esgotar o vasto tema, elencar as principais divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto a aplicação de determinados artigos da parte criminal da Lei nº 9.099/95, expressando nosso posicionamento a respeito.


II) O art.60, parágrafo único (com redação determinada pela Lei nº 11.313/06) da Lei nº 9.099/95 é inconstitucional?

Diz o novo art.60: "O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência".

E o parágrafo único: "Na reunião de processos, perante o juízo comum ou tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição civil dos danos civis".(Ambos com a redação determinada pela Lei 11.313/06)

Em síntese, a norma determinou que, em havendo conexão ou continência entre infrações (crimes/contravenções) de menor potencial ofensivo e crimes comuns, devem os processos ser reunidos e o julgamento ser efetivado pelo juízo comum ou do júri, se for o caso, conforme norma do art.78 do Código de Processo Penal.

A opção legislativa foi contra a tendência doutrinária então predominante que pregava a separação dos processos [02], onde o Juizado Especial Criminal julgaria a infração de menor potencial ofensivo e o Juízo Comum julgaria as demais infrações (médio ou grande potencial ofensivo ou hediondo).

Aqui, fazemos um pequeno parêntese: a polêmica instaurada com a edição da Lei nº 10.259/2001 em relação ao conceito de infração de menor potencial ofensivo chegou ao fim com a modificação do art.61 da Lei nº 9.099/95 promovida pela Lei nº 11.313/06. Agora é definitivo: infrações de menor potencial ofensivo são aqueles com pena máxima não superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Fechado o parêntese, o novo artigo 60, em seu parágrafo único, além de estabelecer a regra de reunião dos processos, determina que, reunidos os processos, o juízo comum ou o tribunal do júri aplique a composição civil dos danos e/ou a transação penal ao crime de menor potencial ofensivo. Ou seja, a reunião dos processos não impede a aplicação destes dois institutos despenalizadores.

Assim, por exemplo, tendo o agente praticado o crime de porte ilegal de arma de fogo e o de lesão corporal leve, sendo os crimes conexos, haverá reunião dos processos e o julgamento da lesão corporal leve será efetivado pelo juízo comum e não pelo juizado especial criminal. No julgamento no juízo comum, o juiz aplicará, se cabível, a composição civil dos danos e/ou a transação penal em relação ao crime de lesão corporal leve enquanto o crime de porte ilegal de arma de fogo terá o trâmite normal.

Em suma, retirou-se a competência dos juizados criminais e permitiu-se ao juízo comum e ao Tribunal do Júri a aplicação da composição civil dos danos e da transação penal em casos de conexão/continência entre infrações de menor potencial ofensivo e crimes comuns (médio/grande potencial ofensivo e hediondos).

E aqui reside a polêmica: poderia lei infraconstitucional retirar a competência constitucionalmente prevista dos juizados especiais criminais para julgar infrações de menor potencial ofensivo (art.98, I, da Constituição Federal)?

Para parte da doutrina, não. A alteração promovida pela Lei nº. 11.313/06 no art.61, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95 é inconstitucional.

Adepto da tese da inconstitucionalidade, Rômulo de Andrade Moreira [03], entende que a competência dos Juizados Especiais Criminais é de índole constitucional, sendo ratione materiae e, como tal, de caráter absoluto. Assim, afirma:

"se a própria Constituição estabeleceu a competência dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, é induvidoso, ainda que estejamos à frente de uma conexão ou continência, não ser possível o simultaneus processus com a aplicação da regra contida no art.78 do Código de Processo Penal [...] Destarte, subtraindo a competência dos Juizados Especiais Criminais, a referida lei [nº 11.313/06] incidiu em flagrante inconstitucionalidade, pois a competência determinada expressamente pela Constituição Federal não poderia ter sido reduzida por lei infraconstitucional (inconstitucionalidade formal)".

Comungando da mesma opinião, Guilherme de Souza Nucci [04] leciona:

"Inconstitucionalidade do dispositivo: se uma infração de menor potencial ofensivo ocorrer em cenário de conexão ou continência com outro delito qualquer, em face da sua competência constitucionalmente fixada (art.98, I, CF), deve ser encaminhada ao JECRIM. Permanecerá no juízo original, seja ele qual for, a outra infração penal. Deve haver separação dos processos. É o que ocorre, por exemplo, no caso de infração militar conexa com infração comum. Não pode a lei ordinária alterar o disposto na Constituição Federal. Parece-nos inaplicável o disposto no parágrafo único do art.60".

Por outro lado, antes mesmo da modificação introduzida pela Lei nº 11.313/06, doutrinadores como Damásio Evangelista de Jesus [05] já afirmavam que, havendo conexão ou continência entre uma infração de menor potencial ofensivo e outro delito qualquer, prevaleceria a competência do Juízo Comum, ao qual caberia o julgamento das duas infrações penais.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (anterior a citada modificação) era neste último sentido, ou seja, em casos de conexão ou continência a infração de menor potencial ofensivo seria julgada juntamente com o outro delito em uma Vara Criminal Comum [06].

Entendemos que não há qualquer inconstitucionalidade na atual redação do art.60, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95.

O art.98, I, da Constituição Federal determinou a criação dos Juizados Especiais Criminais, mas deixou a cargo da legislação infraconstitucional o a definição dos limites da competência quanto aos delitos de menor potencial ofensivo.

Destarte, a própria Lei nº 9.099/95 prevê hipóteses em que, mesmo sendo uma infração de menor potencial ofensivo a competência para o julgamento será do Juízo Comum, tais como: complexidade do fato (art.77,§1º), quando o autor do fato não é encontrado para ser citado (art.66, parágrafo único), na hipótese de crime militar (art.90-A).

Recentemente, a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), excluiu, em seu art.41, a incidência da Lei nº 9.099/95 em casos de violência doméstica, afastando, assim, a competência dos Juizados Especiais Criminais [07].

O art. 98, I, da Constituição Federal não estabelece, entendemos, uma garantia constitucional do foro dos juizados (aspecto meramente processual), mas sim a garantia em relação ao conteúdo de direito penal material da Lei nº 9.099/95 que permite transação penal, composição civil etc. [08]

Sob este prisma, note-se que o deslocamento do julgamento da infração de menor potencial ofensivo para o Juízo comum em nada prejudica o autor do fato, pois além de continuar tendo direito a composição civil e transação, se for o caso, tem maior amplitude de exercer o direito de defesa, em face do procedimento comum previsto no CPP.

Dessa forma, pensamos ser constitucional a modificação operada pela Lei nº 11.313/06.


III) A presença do membro do Ministério Público é obrigatória na audiência preliminar prevista no art.72 da Lei nº 9.099/95?

Duvida levantada é se o membro do Ministério Público deve estar presente na audiência preliminar de tentativa de composição civil.

O artigo 72 é claro ao mencionar a presença do Ministério Público na audiência, pois a audiência preliminar compõe-se de três fases distintas: a) composição civil dos danos; b) transação penal e c) oferecimento da denúncia.

Pergunta-se, então, sendo o crime de ação penal condicionada a representação, não havendo êxito na composição civil, oferecida representação oral, como poderia haver a proposta de transação penal se o membro do Ministério Público estivesse ausente?

Não nos parece correta a lição doutrinária que entende ser obrigatória a presença do Ministério Público em audiência preliminar para composição civil dos danos somente em casos em que a vítima fosse incapaz [09].

Entendemos que, mesmo quando a audiência preliminar para composição civil dos danos for conduzida por conciliador, necessária a presença do membro do Ministério Público, que atuando como fiscal da lei, fiscalizará a atuação do conciliador nos esclarecimentos dados as partes envolvidas, pugnando ao juiz de direito a correção de eventuais falhas.

Importante deixar consignado que existindo composição civil em crimes de ação penal pública condicionada ou em crimes de ação penal privada, o acordo homologado pelo magistrado na audiência preliminar acarreta a renúncia ao direito de queixa ou de representação e, em caso de representação já oferecida, a retratação da mesma, ocasionando a extinção da punibilidade do autor do fato.

Já a composição civil em crimes de ação penal pública incondicionada não impede a transação penal e nem mesmo o oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público.

Entretanto, feita a composição civil reparando-se integralmente o dano sofrido pela vítima, deve o Ministério Público atentar para a possível incidência do art.16 do Código Penal (arrependimento posterior), atenuando-se pena imposta na transação penal ou mesmo em eventual condenação [10].


IV) Transação Penal: controvérsias

Questão que ainda suscita controvérsias é a possibilidade de haver transação penal em crimes de ação penal privada.

Diversos autores não admitem transação penal em crimes de ação penal privada [11] sob o argumento de que: a vítima não tem interesse na aplicação de uma pena ao autor do fato, mas tão somente na reparação do dano; que ao tratar de transação penal a lei fala apenas em Ministério Público; que há, na legislação penal, outros meios da vítima não acionar criminalmente o autor do fato em juízo, bastando escoar o prazo para o oferecimento da queixa etc.

Já a ampla maioria dos doutrinadores admite a transação penal em crimes de ação penal privada [12]

Aqui, estamos com a maioria, pois entendemos ser plenamente possível transação penal em crimes de ação penal privada e para isso basta a aplicação por analogia o artigo 76 da Lei nº 9.099/95.

Atualmente a vítima não tem apenas o interesse econômico – reparação de danos – mas também há o interesse pela efetiva punição penal.

Não nos parecer lógico que se deixe à vítima apenas dois caminhos: fazer a composição civil dos danos ou oferecer queixa. Utilizar-se de argumentos válidos para os procedimentos criminais previstos no Código de Processo Penal e nos institutos nele previstos sobre a ação penal privada (renuncia, perempção etc.) para impedir a transação penal não parecer ser correto, pois a transação penal é instituto novo no direto brasileiro, tendo aparecido somente em 1995, muitos anos depois do CPP.

A transação em ação penal privada é mais benéfica para o autor do fato que evita de se ver processado e talvez condenado, bem como para a vítima que não interessada nos percalços do processo penal e não tendo êxito na composição dos danos, mas interessada em uma espécie de punição ao seu agressor, pode optar por oferecer transação penal.

Por outro lado, não admitir transação penal em ação penal privada afronta o princípio da igualdade, isto porque autores de crimes de menor potencial ofensivo seriam tratados de forma desigual somente pelo fato do crime ser de ação pública ou privada.

Para compreende melhor a ofensa ao princípio da igualdade, eis um singelo exemplo: crime de injúria, nos casos de ação penal pública, caberia transação (quando o crime é mais grave, cometido contra autoridade); e quando cometido contra particular, onde a ação penal é privada e o crime menos grave, não poderia.

Outro exemplo: crime de desacato, cuja pena é de até dois anos, admite transação. Já o dano, cuja pena é de um ano, não poderia haver transação. Ou seja, o autor de um crime mais grave (no caso o desacato) pode receber uma medida despenalizadora, já o autor de um crime menos grave (dano), não. Além da desigualdade, foge à lógica!

Assim, apesar de não estar escrito na lei a possibilidade de transação penal em crimes de ação penal privada, nada impede a sua aplicação por meio da analogia, já que é norma prevalentemente penal e mais benéfica.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiteradas vezes admitindo transação penal em crimes de iniciativa privada. Vejamos:

"A Lei n. 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada" (5.ª T., no HC n. 13.337/RJ, rel. Min. Felix Fischer, j. em 15.5.2001, DJ de 13.8.2001, p. 181).

"A Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou o entendimento no sentido de que, preenchidos os requisitos autorizadores, a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos crimes sujeitos a ritos especiais, inclusive aqueles apurados mediante ação penal exclusivamente privada. Ressalte-se que tal aplicação se estende, até mesmo, aos institutos da transação penal e da suspensão do processo"(5.ª T., HC n. 34.085/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. em 8.6.2004, DJ de 2.8.2004, p. 457).

"A Lei dos Juizados Especiais incide nos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais exclusivamente privadas". (HC n. 33.929/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 19.8.2004, DJ de 20.9.2004, p. 312).

b) quem pode fazer a proposta de transação penal?

Dúvida não há que a titularidade para propor a transação penal nos crimes de ação penal pública incondicionada ou condicionada é do Ministério Público, conforme dispõe o art.76 da Lei nº 9.099/95.

Entretanto, já vimos que é possível a transação em crime de ação penal privada. Mas, nesse caso, quem poderia propor a transação, o ofendido ou o Ministério Público?

A maioria dos doutrinadores entende que a titularidade para oferecer a proposta de transação penal nos casos de crimes de ação penal privada é do ofendido, restando ao Ministério Público apenas opinar sobre a proposta [13], pois é o ofendido o titular da ação penal.

Outros, acreditam que o Ministério Público pode propor a transação penal mesmo nos casos de crimes de ação penal privada, pois o Estado é quem detém o monopólio de aplicação de pena e a transação nada mais é do que proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, não rejeitando a hipótese do próprio ofendido ofertar a transação [14].

Em nossa opinião, tanto o Ministério Público quanto o ofendido podem propor a transação penal nos crimes de ação penal privada.

Isto porque acreditamos que a norma do art.76 da Lei nº 9.099/95 traduz um "poder-dever" da parte acusadora. Ou seja, desde que preenchidos os requisitos do art.76,§2º, da Lei nº 9.099/95, deve haver proposta de transação penal. Não há uma discricionariedade absoluta, mas sim regrada. Deve-se agir se preenchidos os requisitos legais.

Assim, o ofendido deverá propor a transação penal em ação penal privada caso os requisitos legais estejam preenchidos.

Caso o ofendido, de modo injustificado, se recuse a propor a transação, o Ministério Público deve propor a transação penal, já que é o Órgão responsável pela fiscalização da correta aplicação da lei.

Se não admitirmos o art.76 da Lei nº 9.099/95 como um "poder-dever" da parte acusadora, mas sim como mera faculdade, deixaríamos ao bel-prazer da parte acusadora oferecer ou não a transação penal mesmo nos casos de todos os requisitos legais estarem preenchidos, o que, com certeza, causaria odiosa discriminação e ofensa ao princípio da isonomia.

Por outro lado, não permitir que o Ministério Público proponha a transação penal nos casos de ação penal privada, deixando tal possibilidade somente para o ofendido, é deveras temerário. Vejamos:

Se o ofendido, de forma injustificada, não ofertar a transação penal, ainda que preenchidos os requisitos legais, e não se admitir que o Ministério Público possa fazê-lo, o que aconteceria?

O autor do fato seria processado, sem direito a uma medida despenalizadora. Isto porque a doutrina e a jurisprudência são claras em inadmitir que o magistrado faça a proposta de transação penal [15].

Note-se que, quando a ação penal é pública (condicionada ou incondicionada), estando preenchidos os requisitos legais, se o Ministério Público, injustificadamente, não oferecer a proposta de transação penal, o magistrado pode invocar o art.28 do Código de Processo Penal e remeter o caso ao Procurador-Geral de Justiça (no caso de MP Estadual), que decidirá sobre o oferecimento ou não da transação [16].

Ou seja, nos crimes de ação penal pública (em regra mais graves), há possibilidade de se questionar a decisão de não-oferecimento da transação enquanto que no crime de ação privada (em regra, menos graves) não, o que traduz ilogicidade da doutrina que é contra o Ministério Público em ofertar transação penal nos crimes de ação penal privada.

Há uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), admitindo que a proposta de transação penal nos crimes de ação penal privada seja feita pelo Ministério Público, desde que não haja oposição do ofendido (o que para nós é equivocado, pois entendemos que tanto havendo oposição injustificada quanto omissão é possível a proposta pelo MP). Vejamos a decisão:

"Juizados Especiais Criminais. Competência. Crime de difamação. Ação penal de iniciativa privada. Proposta de transação. Ministério Público. Possibilidade. A teor do disposto nos artigos 519 usque 523 do Código de Processo Penal, o crime de difamação, do art.139 do Código Penal, para o qual não está previsto procedimento especial, submete-se à competência dos Juizados Especiais Criminais. Na ação penal de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo juiz, é definitiva e irretratável. Recurso improvido". (6.ª T., no RHC n. 8.123/AP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 16.4.1999, DJ de 21.6.1999, p. 202).

Dessa forma, entendemos que nos crimes de ação privada, existindo os requisitos legais, inicialmente, deve o ofendido fazer a proposta de transação penal, caso não o faça de maneira injustificada, deve o Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, apresentar a proposta de transação penal para manter coerência ao novo sistema consensual e despenalizador inaugurado com a Lei nº 9.099/95.

Por fim, necessário observar que caso o ofendido apresente a proposta de transação penal deve-se oportunizar ao Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, se manifestar sobre a mesma, podendo, inclusive recorrer da decisão homologatória da transação penal feita pelo ofendido se entender não preenchidos os requisitos legais ou se a pena não privativa de liberdade for contrária à lei, por exemplo.

c) qual o momento para fazer a proposta de transação penal?

De acordo com as normas dos art.72, 76 e 77 da Lei nº 9.099/95, a proposta de transação deve ser feita na audiência preliminar, ou seja, antes do oferecimento da peça acusatória, seja ela denúncia ou queixa.

De opinião diversa são os juristas NESTOR TÁVORA e ROSMAR RODRIGUES ALENCAR [17] para quem somente depois de oferecida a queixa-crime – e antes de seu recebimento - é que poderia o Ministério Público apresentar proposta de transação penal, caso o ofendido não a tenha feito. Segundo os autores, isso evitaria que ao autor de um crime de ação penal privada seja oferecida transação penal antes de se certificar do efetivo desejo da vítima de ajuizar a ação penal privada.

Em que pese a douta opinião acima mencionada, temos que a transação deve ser proposta antes do oferecimento da peça acusatória para atender aos princípios informadores da Lei nº 9.099/95, quais sejam, celeridade e informalidade.

Não parecer ter sentido ter-se que ofertar queixa-crime (peça formal) para em seguida propor uma medida despenalizadora (transação) que impedirá o início de processo-crime.

Entendemos que a preocupação dos autores é válida somente para os casos em que o ofendido não comparece a audiência preliminar, pois aí não se saberia qual a sua intenção: conciliação, arquivamento, transação ou oferecimento de queixa. Sendo prudente, neste caso, deixar transcorrer o prazo decadencial ou aguardar a manifestação do ofendido.

Mas, em audiência onde presentes estão o autor do fato e o ofendido, devidamente acompanhados de advogados, não parece correta a referida preocupação dos citados juristas, já que na audiência preliminar a questão seria discutida e o ofendido poderia se pronunciar sobre o seu desejo de acionar ou não o autor do fato.

Assim, entendemos que a transação deve ser ofertada, seja pelo ofendido seja pelo Ministério Público, depois da tentativa de conciliação e antes do oferecimento da peça acusatória.

Importante ressaltar que não há impedimento de que, mesmo após ofertada a peça acusatória, haja proposta de transação penal caso não tenha havido possibilidade de realização da audiência preliminar. Ou seja, como não o momento próprio para a transação não ocorreu, na primeira oportunidade ela pode ser feita.

d) o ofendido pode interferir na proposta de transação penal?

No caso de ação penal pública (condicionada ou incondicionada), "o acordo sobre a aplicação imediata da pena não privativa de liberdade não poderá sofrer qualquer oposição por parte da vítima [18]".

Quanto aos crimes de ação penal privada, negando-se injustificadamente o ofendido a apresentar a proposta de transação e passando para o Ministério Público a atribuição de fazê-lo, entendemos que não poderá mais o ofendido interferir na proposta de transação apresentada pelo Órgão Ministerial, pois agora a atribuição passou a ser exclusiva do Ministério Público.

Assim, o ofendido não pode interferir na proposta de transação feita pelo Ministério Público, o que implica dizer também que o ofendido não tem legitimidade para recorrer da decisão homologatória de transação penal realizada pelo Órgão Ministerial.

O extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (TACRSP) decidiu:

"Nos casos da Lei nº 9.099/95, não tem recurso o ofendido contra a decisão homologatória da transação penal (art.76), visto lhe falecer a pertinência subjetiva da ação, isto é, o interesse de agir. O MP e o autor do fato são os que, unicamente, nesse ponto, têm voz no capítulo". (RJDTACRIM 41/403). [19]

e) descumprimento da transação penal: qual consequência?

Aceita a proposta de transação penal feita pelo Ministério Público ou pelo ofendido se o autor do fato cumprir, há extinção de punibilidade. Mas, o que ocorre se o autor do fato não cumprir o acordado na transação?

Parte da doutrina [20] entende que uma vez homologada a transação penal, caso o autor do fato não cumpra o acordo, nada há a fazer, a não ser executar o que for possível.

O juiz GUILHERME DE SOUZA NUCCI representa muito bem a doutrina majoritária. Eis sua lição:

"Não cumprimento do acordo: conforme a atual redação da Lei 9.099/95 nada há a fazer, a não ser executar o que for possível. Estabelecendo-se pena de multa, uma vez que não seja paga, cabe ao Ministério Público, no âmbito do JECRIM, promover a execução, nos termos do art.164 e seguintes da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), sem qualquer possibilidade de conversão em prisão, já que foi alterada a redação do art.51 do Código Penal, de onde emanava essa possibilidade. Se o autor do fato não tiver bens, nenhuma punição sofrerá. É inviável, igualmente, a conversão de multa em pena restriva de direitos, se tal medida não tiver ficado expressamente acordada no termo de transação. Por outro lado, o não cumprimento de qualquer das penas restritivas de direitos é ainda pior. Não há nada a fazer. A transação homologada pelo juiz fez cessar, por acordo, o trâmite do procedimento, ainda na fase preliminar. A decisão é terminativa e meramente declaratória. Transitando em julgado, não há como ser revista, para qualquer outra alternativa, como, por exemplo, permitir o oferecimento da denúncia ou queixa e prosseguimento do processo. Pior, ainda, seria encaminhar-se a solução para conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, pois esta seria uma punição severa aplicada sem o devido processo legal...Por ora, não há nada a fazer. Resta aguardar a prescrição da penalidade imposta e não cumprida" [21].

Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

"A sentença homologatória de transação penal tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, impedindo oferecimento de denúncia contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado" (5ª T, HC 11111-SP, DJU 18.12.2000)

"A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal" (5ª T, Resp 172.951/SP, rel.Min. José Arnaldo da Fonseca, j.em 27.4.1999, DJU de 31.5.1999, p.169).

"Possuindo natureza condenatória – visto que impõe uma sanção, ainda que não-privativa de liberdade – a decisão homologatória da transação faz coisa julgada material, não sendo, pois, passível de ser desconstituída em face do descumprimento do acordo, porquanto a sua eficácia não se condiciona ao cumprimento da multa ou da pena restritiva de direitos" ( REsp nº 172.951/SP, Rel.Min. José Arnaldo Fonseca).

Ou seja, para parte da doutrina e para o STJ, uma vez homologada a transação, se o autor do fato não cumprir não poderá ser instaurada da ação penal para apurar o crime que havia sido objeto da transação, restando ao Ministério Público executar o que for possível, mas sem instaurar ação penal.

A outra parte da doutrina entende que não cumprida a transação penal, pode o Ministério Público ou o ofendido instaurar a competente ação penal.

Dessa opinião é o promotor de justiça FERNANDO CAPEZ:

"Descumprimento da proposta: em caso de descumprimento da pena restritiva de direitos imposta em virtude da transação penal, não cabe falar em conversão em pena privativa de liberdade, já que, se assim ocorresse, haveria ofensa ao princípio de que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal (CF, art.5º, LIV). No lugar da conversão, deve o juiz determinar a abertura de vista ao up para oferecimento da denúncia e instauração do processo-crime [22]".

Também é representante dessa corrente o jurista MARINO PAZZAGLINI FILHO para quem:

"Diversamente, se não houver o cumprimento da sanção por parte do autor da infração de menor potencial ofensivo, esse deixou de cumprir unilateralmente o acordo realizado com o Ministério Público, que poderá prosseguir na persecução penal, oferecendo denúncia" [23].

Esse entendimento é o adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Vejamos:

"Transação. Juizados Especiais. Pena restritiva de direitos. Conversão. Pena privativa do exercício da liberdade. Descabimento. A transformação automática da pena restritiva de direitos decorrente de transação em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se a oportunidade ao MP de vir requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia (2ª T, HC 79.572/GO, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 22.02.02).

"Habeas Corpus. Lei dos Juizados Especiais. Transação Penal. Descumprimento: denúncia. Suspensão condicional do processo. Revogação. Autorização legal. 1. Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes). 2. A revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes). Ordem denegada" (2ª T, HC 88.785-6/SP, rel. Min. Eros Grau, j.13.06.2006).

"A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória". (HC nº 84976/SP. Rel. Min. Carlos Britto).

Para tentar fugir da controvérsia, há entendimento de que feita a proposta pelo Ministério Público (ou ofendido) e aceita a transação pelo autor do fato, o magistrado deveria reduzir a termo a proposta e a aceitação, mas condicionar a homologação ao cumprimento, ou seja, somente depois do cumprimento integral da transação é que o juiz homologaria a transação penal. Caso não cumprida, poderia ser instaurada ação penal, pois não haveria sentença homologatória.

O Superior Tribunal de Justiça tem admitido essa última tese para aceitar a instauração de ação penal quando a homologação judicial não se efetivou, por estar condicionada ao efetivo cumprimento do avençado no acordo entre o up (ofendido) e o autor do fato (5ª T, RHC 11.350-SP, rel. Gilson Dipp, DJU 27.08.2001; RHC 11.398-SP, rel. José Arnaldo da Fonseca, DJU 12.11.2001).

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal rejeitou essa tese. Vejamos:

"Habeas Corpus – Juizado Especial – Transação Penal – Exigência do ato impugnado de que a homologação ocorra somente após o cumprimento da condição pactuada: constrangimento ilegal – Direito à homologação antes do adimplemento das condições acertadas – Possibilidade de instauração de inquérito ou de propositura da ação penal – I. Consubstancia constrangimento ilegal a exigência de que a homologação da transação penal ocorra somente depois do adimplemento das condições pactuadas pelas partes. II. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a transação penal deve ser homologada antes do cumprimento das condições objeto do acordo, ficando ressalvado, no entanto, o retorno ao status quo ante em caso de inadimplemento, dando-se oportunidade ao Ministério Público de requerer a instauração de inquérito ou a propositura de ação penal. Ordem concedida". (HC 88616 – RJ – 2ª T. – Rel. Min. Eros Grau – DJU 27.10.2006 – p. 64).

Na esteira do STF, entendemos que não cumprida a transação penal pelo autor do fato, os autos devem retornar ao Ministério Público para que o mesmo ofereça denúncia (ou ao querado para o oferecimento da queixa), pois o acordo não foi cumprido, logo não pode produzir qualquer efeito, nem mesmo o de impedir a persecução criminal. Admitir que isso não é possível é tornar a possibilidade da impunidade reinar, já que bastaria qualquer autor de crime de menor potencial ofensivo aceitar e não cumprir a transação para que ficasse impune.

Outrossim, para evitar-se discussões jurídicas, apesar do STF admitir a possibilidade de abertura de ação penal em caso de descumprimento da transação – com o que concordamos –, acreditamos que o melhor é sempre que se for reduzir a termo a proposta e a aceitação da transação penal consignar como última cláusula os seguintes termos: "o não cumprimento do presente acordo implicará na sua ineficácia", como medida mais adequada à garantia de uma transação penal perfeita e acabada nos processos regulados pela Lei nº 9.099/95.


V) Qual o momento para o oferecimento da representação criminal (ou queixa-crime) nos crimes de menor potencial ofensivo?

A Lei nº 9.099/95 foi editada com o objetivo de dar mais celeridade ao processo penal referente aos crimes de menor potencial ofensivo.

Pelo disposto no art.69 da referida lei, logo que a autoridade policial tomasse conhecimento da prática de um crime de menor potencial ofensivo, lavraria o termo circunstanciado de ocorrência (TCO) e imediatamente encaminharia o TCO ao Juizado Criminal juntamente com o autor do fato e a vítima para a realização da audiência preliminar prevista no art.72 da Lei nº 9.099/95.

Nesta audiência, não havendo composição civil e tratando-se de crime de ação penal pública condicionada a representação ou de crime de ação penal privada, dar-se-ia oportunidade para a vítima exercer seu direito de representação ou queixa.

Mas, a vítima não estaria obrigada a ofertar representação ou queixa-crime na audiência preliminar, podendo deixar para fazê-lo dentro do prazo legal, conforme dispõe o parágrafo único do art.75 da lei dos juizados especiais.

O prazo legal que a lei dos juizados criminais se refere para o oferecimento da representação ou da queixa é o prazo de 06 (seis) meses contado do dia em que a vítima vier a saber quem é o autor do delito, conforme previsto no art.38 do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.92 da Lei nº 9.099/95.

Assim, pela sistemática da lei, como logo que cometido o delito vítima e autor do fato seriam encaminhados ao juizado para a audiência preliminar e como a vítima já saberia quem é o autor do crime, seu prazo para representar ou ofertar queixa começaria daquele momento, por isso, o parágrafo único do art.75 da Lei nº 9.099/95, diz que o não oferecimento da representação ou queixa naquele momento (audiência preliminar) não implica decadência do direito, pois o prazo passou a correr daquele dia (dia do crime e, pela lei, dia em que vítima e autor foram encaminhados ao juizado).

Se a lei fosse seguida, problema nenhum suscitaria quanto a ocasião de oferecimento da representação ou da queixa.

Acontece que essa parte do procedimento da Lei nº 9.099/95 (art.69) não é cumprida por ser totalmente utópica, já que desconsidera que em muitas cidades há apenas um delegado de polícia (quando há), apenas uma Vara Judicial, uma quantidade de audiências da Justiça Comum previamente marcada etc.

Aparentemente, a intenção do legislador da Lei nº 9.099/95 foi que cada Comarca tivesse no mínimo um juizado criminal com seu respectivo juiz para que o procedimento acima fosse seguida, fato que não ocorre. E mesmo nas Comarcas com juizados criminais isso é impossível, devido a quantidade de casos que tramitam e chegam todos os dias.

Logo, o encaminhamento imediato – como diz a lei – da vítima e do autor do fato ao juizado especial criminal não ocorre. E a audiência preliminar acontece, muitas vezes, muito tempo depois da data do crime de menor potencial ofensivo.

Aí resta a dúvida: o prazo para a representação ou queixa-crime começa a contar do dia em que a vítima sabe quem é o autor do delito, em regra, no dia do crime, ou somente a partir da data da realização da audiência preliminar?

Para melhor formular a pergunta, vejamos a seguinte situação:

A pratica crime de ameaça contra B no dia 02/07/2009. No mesmo dia o delegado lavra o TCO, mas devido a quantidade de serviço não encaminha o TCO ao fórum local e avisa para o autor do fato (A) e para a vítima (B) que serão intimados pela Justiça a comparecer posteriormente para a audiência preliminar.

Passado algum tempo o TCO é encaminhado ao fórum e no dia 04/02/2010 é iniciada a audiência preliminar entre A e B, ou seja, após sete meses da ocorrência do fato [24].

O crime é de ação penal pública condicionada, não foi obtida composição civil, não há representação nos autos. O que deve o magistrado fazer: abrir prazo de 06 (seis) meses para que a vítima represente ou declarar extinta a punibilidade por pela decadência?

Apenas olhando o art.75 e seu parágrafo único, parece que a Lei nº 9.099/95 opta pela concessão de prazo de 06 (seis) meses para que B represente. Nessa hipótese, a vítima (B) teria um prazo para representar de 01 (um) ano: seis meses até a audiência quando já sabia quem era o autor do delito e seis meses depois da audiência preliminar.

Não nos parece ser a melhor solução. O citado art.75,parágrafo único, deve ser interpretado de acordo com a realidade jurisdicional atual e de forma sistemática com a legislação processual penal em vigor.

O art.38 do CPP é claro ao afirmar que o prazo de 06 (seis) meses para representar ou ofertar queixa-crime é contado a partir do dia em que a vítima vier a saber a identidade do autor do crime. Essa é a regra geral, aplicável aos crimes de menor potencial ofensivo por força do art.92 da Lei nº 9.099/95 que não tem disposição em contrário.

A norma do art.75,parágrafo único, da Lei nº 9.099/95 tem aplicação quando o autor do fato e a vítima são imediatamente encaminhadas ao juizado especial criminal, pois esse dia coincide com o dia em que a vítima soube quem é o autor do delito, passando a partir daí a contar seu prazo de seis meses, na forma do art.38 do CPP.

Quando não for o caso de encaminhar vítima e autor do fato imediatamente ao juizado especial, deve o delegado de polícia tomar por termo a representação da vítima e informar, no caso de ação penal privada, o prazo para que o ofendido ingresse com a queixa-crime em juízo.

Isso é a atitude prudente, pois o próprio CPP é claro em dizer que o inquérito policial, nos casos de crimes de ação penal condicionada e de ação penal privada, só pode ser instaurado mediante representação ou requerimento do ofendido (art.5º,§§4º e 5º). Ora, se crimes mais graves – já que apurados mediante inquérito policial – o delegado de polícia só age quando provocado por representação (ação pública condicionada) ou requerimento (ação penal privada) porque não admitir a mesma conduta em crimes que a própria lei considera de menor potencial ofensivo e que, em regra, recebem uma medida despenalizadora? [25]

Note-se que prejuízo algum existirá. Se houver representação na delegacia de polícia, por ocasião da audiência preliminar, basta que o magistrado pergunte a vítima se quer se retratar ou não da representação (que é irretratável só após o oferecimento da denúncia - art.25 do CPP). Se oferecida a queixa antes da audiência preliminar, por ocasião desta, basta que o magistrado só a receba após a tentativa de composição civil ou da proposta de transação penal.

Adotando esse procedimento impede-se que os crimes fiquem impunes, pois evita-se que ocorra decadência do direito de queixa ou representação.

Se fosse aplicado a fórmula acima no exemplo que demos, ou seja, se o delegado tivesse colhido a representação da vítima (B) quando a mesma compareceu a delegacia no dia 02/07/2009, no dia da audiência preliminar (04/02/2010), se a vítima não se retratasse e não houvesse composição civil, poderia o Ministério Público propor a transação penal ou oferecer denúncia contra o autor do fato (A), não deixando a prática delituosa em pune.

É claro que para isso os delegados de polícia devem orientar as vítimas sobre os prazos para representar e oferecer queixa-crime, explicando o que ocorre caso não ajam no prazo legal, devendo inclusive consignar tais esclarecimentos no termo circunstanciado de ocorrência e o Ministério Público, no exercício do controle externo da atividade policial, deve fiscalizar a atuação das autoridades policiais, inclusive fazendo recomendações nesse sentido.

Assim, parece-nos que a resposta para a controvérsia proposta é que a representação ou a queixa-crime devem ser ofertadas no prazo de 06 (seis) meses a contar da data em que a vítima souber quem é o autor do crime, independentemente de quando vier a ser realizada a audiência preliminar.


VI) Quem pode lavrar o termo circunstanciado de ocorrência? O Ministério Público pode fazê-lo?

O art.69 da Lei nº 9.099/95 é expresso ao afirmar que "a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao juizado".

Dúvida surge em saber quem é a "autoridade policial" referida no texto legal: se somente os delegados de polícia ou a qualquer órgão de segurança pública (ex. Polícia Militar).

A doutrina se divide.

O procurador de justiça ROMULO ANDRADE MOREIRA é da opinião de que "a lei em estudo utilizou-se da expressão ''autoridade policial'' que, a nosso ver, restringe-se aos Delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal [26]".

Da mesma opinião é o juiz GUILHERME DE SOUZA NUCCI para quem: "autoridade policial: na realidade, é apenas o delegado de polícia, estadual ou federal. Policiais civis ou militares constituem agentes da autoridade policial. Portanto, o correto é que o termo circunstanciado seja lavrado unicamente pelo delegado [27]".

No sentido contrário, dentre outros [28], trazemos a lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER:

"Qualquer autoridade policial poderá ter conhecimento do fato que poderia configurar, em tese, infração penal. Não somente as polícias federal e civil, que têm a função institucional de polícia judiciária da União e dos Estados (art.144,§1º,inc. IV, e §4º), mas também a polícia militar.

O legislador não quis – nem poderia – privar as polícias federal e civil das funções de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Mas essa atribuição. .. não impede que qualquer outra autoridade policial, ao ter conhecimento do fato, tome as providências indicadas no dispositivo... [29]".

Aparentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou esta última posição:

"Nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art.69 da Lei 9.099/95 é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar, em face da deficiência dos quadros da Polícia Civil" (HC 7199-PR, rel. Min. Vicente Leal, DJU 28.09.1998, p.115).

Em nosso sentir, termo circunstanciado de ocorrência (TCO) só pode ser lavrado por delegado de polícia estadual ou federal, assim como o inquérito policial.

Termo circunstanciado de ocorrência é uma investigação simplificada com objetivo de coligir elementos que atestem autoria e materialidade delitiva, ainda que de forma sintetizada. Poderíamos dizer que é uma "mini-investigação".

Apesar de entendermos que o termo circunstanciado de ocorrência só poder ser lavrado por delegado de polícia, não quer dizer que a polícia militar ou mesmo a secretaria do juizado criminal [30], não possam elaborar documento que contenha elementos que atestem autoria e materialidade delitiva, ou seja, não podem usar um documento com o nome de TCO, mas podem elaborar documento que contenham os requisitos do TCO, pois a investigação criminal não é atribuição exclusiva das polícias civil e federal [31].

O mesmo se aplica ao Ministério Público. O Órgão Ministerial não pode lavrar TCO, que é atribuição da autoridade policial, mas pode perfeitamente instaurar procedimento investigatório criminal e colher elementos de autoria e materialidade de crimes de menor potencial ofensivo e remetê-los ao juizado para que seja designado audiência preliminar.

E mais. Mesmo sem procedimento investigatório criminal, por vezes o Ministério Público recebe documentos com provas suficientes de autoria e materialidade de crimes de menor potencial ofensivo – como nos crimes ambientais em que o IBAMA remete autos de infração e demais documentos – e somente com isso pode oficiar ao magistrado pedindo a designação de audiência preliminar.

Claro que possibilitando a polícia militar, p.ex., a realizar essa investigação simplificada, como se um TCO fosse, poderíamos encontrar algumas dificuldades, já que a PM não teria como verificar os antecedentes criminais do autor do fato (o MP teria mais facilidade em conseguir a informação). Mas, as dificuldades não superam os benefícios, já que em muitos municípios não há delegados de polícia de carreira e se somente estes pudessem fazer esse tipo de investigação simplificada muitos crimes não seriam apurados.

Assim, entendemos que TCO só pode ser lavrado por delegado de polícia. Mas, os demais órgãos de segurança pública, bem como a própria secretaria do juizado e o Ministério Público podem realizar investigação simplificada própria (com nome diverso de TCO) com objetivo de colher elementos comprobatórios de autoria e materialidade de crimes de menor potencialidade lesiva e encaminhar a documentação ao juizado criminal privilegiando a celeridade visada pela lei.


VII) Pode haver diligências no termo circunstanciado de ocorrência?

Como dito antes, o termo circunstanciado de ocorrência é uma investigação simplificada com objetivo de coligir elementos que atestem autoria e materialidade delitiva, ainda que de forma sintetizada.

Sendo uma investigação, ainda que simplificada, entendemos que deve o TCO conter alguns elementos imprescindíveis para que o Ministério Público (ou ofendido) possa verificar se é o caso de arquivamento, de transação penal ou de oferecimento de denúncia ou mesmo se o caso é da competência dos juizados criminais.

Assim, cremos que o TCO (ou outra investigação com o mesmo objetivo) deve conter no mínimo: qualificação completa do autor do fato, da vítima e das testemunhas, sobretudo com seus endereços; menção expressa de hora, local e dia do fato; resumo das declarações do autor do fato, da vítima e das testemunhas; folha de antecedentes policiais do autor do fato; se for o caso, o exame de corpo de delito da vítima; a representação da vítima; breve relato da autoridade sobre o fato; tipo penal da infração praticada.

Caso não haja, no mínimo, estas informações, entendemos ser perfeitamente possível o Ministério Público requisitar a devolução do TCO a delegacia de polícia para que a autoridade policial realize diligências no sentido de esclarecer dúvidas sobre a autoria e a materialidade do crime de menor potencial ofensivo e mesmo para localizar testemunhas.

Tal providência é necessária pelo fato de que, seja para a transação penal, seja para o oferecimento da peça acusatória, há de haver nos autos indícios mínimos de autoria e prova da materialidade, sob pena não existir justa causa para a transação penal ou para a propositura da ação penal.

Não se pode propor transação penal se nos autos não há elementos indicativos de autoria e materialidade, já que a transação penal nada mais é do que a imposição de uma pena não privativa de liberdade sem uma sentença condenatória. Muito menos se pode propor uma ação penal sem um lastro probatório mínimo.

E é a investigação simplificado nos crimes de menor potencial ofensivo que dará o lastro probatório mínimo necessário à transação ou a ação penal.

Caso a investigação simplificada não contenha esses elementos, deve ser determinado ao delegado de polícia que complemente o TCO.

Evidentemente que, quando a investigação de um crime de menor potencial ofensivo tornar-se complexa, a autoridade policial deve instaurar inquérito policial. Mas isso só se houver complexidade na investigação. Caso contrário, nada impede diligências simples no TCO, tais como oitiva simplificada de testemunhas mencionadas pelos envolvidos, juntado de exame de corpo de delito; investigação sobre endereço dos envolvidos; complemento sobre o dia, hora e local do fato etc.

As diligências requisitadas em TCO pelo Ministério Público nada mais são do que necessidade de verificação da existência de um fato penalmente relevante e da sua autoria e materialidade, ou seja, deve-se averiguar se há justa causa para a persecução criminal seja através da transação seja do oferecimento de acusação formal.

Por isso, deve o TCO ser bem instruído pela autoridade policial. E se não for, é dever do Ministério Público requisitar diligências complementares ao TCO para poder avaliar se o caso é de fato de competência do juizado, se é penalmente relevante, se tem indícios de autoria e prova de materialidade para poder propor com segurança a transação penal ou ofertar acusação formal.

Nesse sentido, vejamos as colocações do jurista CEZAR ROBERTO BITENCOURT:

"A lei n. 9.099/95 não eliminou a atividade da polícia judiciária: apenas a circunscreveu, em limites mais estreitos, quantitativa e qualitativamente. Ao substituir o tradicional inquérito policial pelo ''progressivo'' termo circunstanciado, não dispensou aquele autoridade da obrigação funcional de ser diligente e eficiente na coleta e confecção dos elementos indiciários, que devem substituir a propositura de uma futura ação penal. Ao contrário, ao simplificar o procedimento investigatório policial, passou a exigir mais qualidade na elaboração do substitutivo do inquérito policial [...] A autoridade policial tem de ter consciência de que o referido termo deverá reunir dados suficientes para possibilitar ao titular da ação penal postular a aplicação da lei penal, isto é, tem de configurar a existência de justa causa para a proposta de aplicação de penas alternativas à prisão, que, em outros termos, não deixa de ser o início e, quando aceita, o fim da ação penal. Com isso queremos dizer que a ação penal – ao contrário do sistema antigo – não mais se inicia somente com o oferecimento da denúncia ou queixa, mas também com a proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público" [32].

Logo, caso o TCO não esteja bem instruído, pode o Ministério Público requisitar diligências complementares a investigação simplificada.

E se o magistrado indeferir o pedido de diligências do Ministério Público de complemento do TCO ao argumentos de que é um procedimento simplificado e não comporta diligências, o que fazer?

O indeferimento do magistrado seria afronta ao sistema acusatório adotado na legislação brasileira, onde o Ministério Público é o titular da ação penal pública, sendo deste Órgão a decisão sobre a imprescindibilidade da diligência para sua convicção e não do magistrado.

Logo, decisão desta natureza (que indefere diligência do MP) poderia ser impugnada via correição parcial que seria julgada pela Turma Recursal dos Juizados, conforme tem se posicionado a jurisprudência:

"Correição Parcial. Indeferido pelo juízo a quo pedido de diligência feito pelo órgão do Ministério Público em razão da Carta Magna de 1988 ter conferido o poder requisitório ao Parquet, em seu art.129, inc.VIII. O Ministério Público pode requerer as diligências diretamente aos órgãos administrativos ou via judicial. A finalidade do processo é a busca da verdade real e, na busca dessa verdade, estão interessados tanto o Ministério Público quanto o juiz. O indeferimento do pedido de diligências vem cercear a acusação e tumultuar o processo. Recurso provido" (TJRS – COR 70002744282 – 2ª C.Crim. - rel. Des. Walter Jobim Neto – j. 11.10.2001)

"Correição Parcial. Indeferimento de diligência postulada pelo Ministério Público. Prejuízo a busca da verdade real. Tumulto processual caracterizado. Correição provida, Unânime"(TJRS – COR 70000702357 – C.Crim.Esp. - relª. Desª. Maria da Graça Carvalho Mottin – j. 25.01.2001).

"Correição Parcial. Infração de menor potencial ofensivo. Competência. Turma Recursal. Ampla competência da Turma Recursal para apreciar os recursos, regulares ou anômalos, contra decisões do Juizado Especial Criminal" (TJRS – COR 70001995596 – 5ª C.Crim. - rel. Des. Luis Gonzaga de Silva Moura – j. 13.12.2000).


VIII) Suspensão Condicional do Processo: controvérsias

Muitas discussões sobre a aplicação da suspensão condicional do processo, também chamada de "sursis processual" pela doutrina, são parecidas com as controvérsias em relação a transação penal apesar de serem institutos diversos. Entretanto, é importante conhecer a posição doutrinária e jurisprudência especificamente em relação ao "sursis processual" mesmo sob pena de parecer repetitivo.

a) cabe suspensão condicional do processo em ação penal privada?

Da mesma forma que na transação penal, a doutrina e a jurisprudência ainda se divide sobre a possibilidade de se aplicar a suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal privada.

RÔMULO ANDRADE é contra a aplicação do sursis processual em crimes de ação penal privada. Diz o autor:

"Não nos parece possível a suspensão condicional do processo quando se tratar de ação penal de iniciativa privada, pois para esses casos já é possível dispor da ação penal com o perdão e a perempção, além de que o caput do art.89 se refere apenas ao Ministério Público [33]".

Da mesma opinião é FERNANDO CAPEZ que leciona:

"Não cabe suspensão condicional do processo em ação penal exclusivamente privada, pois nessa já vigora o princípio da disponibilidade, existindo outros mecanismos de disposição do processo (perempção e perdão do ofendido) [34]"

Do lado daqueles que admitem o sursis processual em crimes de ação penal privada encontramos a lição do magistrado GUILHERME DE SOUZA NUCCI que ensina:

"Suspensão condicional do processo em ação privada: parece-nos que é viável. A analogia in bonam partem novamente deve ser invocada. Se o querelante propuser, aceitando-a o réu, nenhum prejuízo a este ocorrerá. Ao contrário, somente pode beneficiar-se" [35].

Também EUGÊNIO PACELLI opina favoravelmente a possibilidade de aplicação do sursis processual nas ações penais privadas argumentando que:

"[...] Cuidando-se, pois, de norma não incriminadora, a aplicação dela in bonam partem revela-se perfeitamente possível.

Quanto à alegação de já existir, para as ações privadas, a disponibilidade da pretensão punitiva (renúncia, perdão, etc.), não nos parece também decisivo semelhante argumento, para impedir a aplicação da suspensão condicional do processo naquele tipo de ação penal (privada).

[...] não há motivo para não se estender às ações privadas a adoção de medidas despenalizadoras, como é o caso do art.89 [...] Ora, se o próprio Estado, titular da maioria esmagadora da iniciativa penal, entende politicamente conveniente e adequada a utilização de critérios processuais não punitivos, porque não permitir a mesma via em todos os crimes, para os quais a reprovabilidade seja equivalente? [36]"

ADA PELLEGRINI – e seus companheiros de escrita –, que era contra a possibilidade, passou a admitir o sursis processual nos crimes de ação penal privada. Apesar de longa, vale transcrever parte da lição da jurista:

"Bem refletido o assunto, no entanto, impõe-se destacar que a transação processual (suspensão do processo) não possui a mesma natureza do perdão (que afeta imediatamente o ius puniendi) nem da perempção (que é sanção processual ao querelante inerte, moroso). Havendo proposta e aceitação da suspensão do processo não se pode dizer que o querelante esteja sendo disidioso. Está agindo. Está fazendo uma opção pela incidência de uma resposta estatal alternativa, agora permitida, mas que é também resposta estatal ao delito. Isto não é inércia. Muito menos indulgência (perdão). Nem sequer abandono da lide [...] Se o querelante pode o mais, que é perdoar, é evidente que também pode o menos (optar pela solução alternativa do litígio).

O fato de o art.89 mencionar exclusivamente ''Ministério Público'', ''denúncia'', não é obstáculo para a incidência da suspensão na ação penal privada, por causa da analogia (no caso in bonan partem), que vem sendo sendo reconhecida amplamente na hipótese do art.76.

Acima de preciosismos linguísticos está o interesse maior na efetiva realização de uma política criminal alternativa, assim como o interesse do próprio acusado de valer-se, querendo, dessa resposta estatal alternativa.

[...]

Não é porque já reinava o princípio da oportunidade em relação à ação penal privada, acrescente-se, que devemos, sempre, raciocinar, em termos de punição total (resposta estatal tradicional, prisão) ou renúncia total (perdão, perempção). Tercius datur. A introdução no nosso ordenamento jurídico de uma forma alternativa de solução do conflito obriga-nos a questionar a bipolaridade tradicional entre as duas alternativas clássicas na ação penal privada, surge agora a possibilidade de algo intermediário (cumprimento de algumas condições, dentre elas a reparação dos danos, durante certo período de prova, com eficácia extintiva da punibilidade). Muitas vezes, à vítima não interessa o processo clássico (por causa de todos os transtornos que ele provoca), nem tampouco o perdão puro e simples.

[...]

Consideram-se ainda (e esse argumento é de fundamental relevância) os interesses públicos gerais presentes no instituto da suspensão, que transcendem em muito os interesses pessoais dos envolvidos no litígio. Dentre aqueles destacam-se: ressocialização do infrator pela via alternativa da suspensão, reparação de danos sem necessidade de processo civil de execução, desburocratização da justiça, aplicação do Direito Penal e da pena de prisão como ultima ratio etc. Inviabilizada a suspensão na ação penal privada, nada disso será alcançado. Nem tampouco a meta político-criminal que o legislador quis imprimir para a chamada criminalidade de menor ou médio potencial ofensivo. Se até mesmo em relação aos crimes de ação penal pública, que envolve interesses públicos indiscutíveis, estes cedem para a incidência da suspensão do processo, com muito maior razão deve ser admitida em relação aos crimes de ação penal privada, onde predominam interesses privados. Pela própria natureza, estes a fortiori não contam com a primazia diante dos interesses públicos" [37].

Percebe-se que aqueles doutrinadores que são contra a aplicação da transação penal nos casos de ação penal privada também são contra a aplicação do sursis processual no mesmo tipo de ação (privada). Já aqueles que são a favor, também admitem o sursis processual em ação penal privada, isto porque, apesar de serem institutos diversos, há semelhanças entre ambos, logo, a coerência impera nas opiniões doutrinárias.

Aqui, estamos com a doutrina que admite a suspensão condicional do processo em crimes de ação penal privada e para isso basta a aplicação por analogia o artigo 86 da Lei nº 9.099/95.

A suspensão condicional do processo é instituto novo no direito processual penal brasileiro e deve ser aplicado em qualquer tipo de ação penal. O simples fato de haver institutos referentes a ação penal privada anteriores ao sursis processual não inviabiliza a utilização deste instituto. O direito processual penal deve evoluir e adotar novos conceitos e institutos para que a justiça penal seja mais célere e despenalizadora de condutas de pouca ou média ofensividade criminal.

Assim, apesar de não estar escrito na lei a possibilidade de suspensão condicional do processo em crimes de ação penal privada, nada impede a sua aplicação por meio da analogia, já que é norma mais benéfica.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiteradas vezes admitindo a suspensão condicional do processo em crimes de iniciativa privada. Vejamos:

"[...] Não vislumbro óbice à aplicação da Lei n° 9.099/95 aos crimes sujeitos a procedimentos especiais. desde que obedecidos os requisitos autorizadores, entendendo pela possibilidade da transação e da suspensão do processo até mesmo nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada" (RHC nº 8.480/SP, rel. Min. Gilson Dipp)

"A Lei n. 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada" (5.ª T., no HC n. 13.337/RJ, rel. Min. Felix Fischer, j. em 15.5.2001, DJ de 13.8.2001, p. 181).

"A Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou o entendimento no sentido de que, preenchidos os requisitos autorizadores, a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos crimes sujeitos a ritos especiais, inclusive aqueles apurados mediante ação penal exclusivamente privada. Ressalte-se que tal aplicação se estende, até mesmo, aos institutos da transação penal e da suspensão do processo"(5.ª T., HC n. 34.085/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. em 8.6.2004, DJ de 2.8.2004, p. 457).

"A Lei dos Juizados Especiais incide nos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais exclusivamente privadas". (HC n. 33.929/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 19.8.2004, DJ de 20.9.2004, p. 312).

O Supremo Tribunal Federal (STF) admite a possibilidade da suspensão condicional do processo ser aplicada em ação penal de iniciativa privada:

"[...] Suspensão condicional do processo instaurado mediante ação penal privada: acertada, no caso, a admissibilidade, em tese, da suspensão, a legitimação para propô-la ou nela assentir é do querelante, não, do Ministério Público". (HC 81720 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 19.04.2002 – p. 00049)

b) quem pode propor a suspensão condicional do processo ?

Dúvida não há que a titularidade para propor a suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal pública incondicionada ou condicionada é do Ministério Público, conforme dispõe o art.89 da Lei nº 9.099/95.

Entretanto, já vimos que é possível a suspensão condicional do processo em crime de ação penal privada. Mas, nesse caso, quem poderia propor o sursis processual, o ofendido, o autor do delito, o magistrado ou o Ministério Público?

A maioria da doutrina que admite o sursis processual em crime de ação penal privada é da opinião que a vítima é a legitimada para fazer a proposta de suspensão condicional do processo ao autor do delito. Mas, nessa hipótese, e se a vítima se recusasse, injustificadamente, a propor o sursis processual, alguém poderia fazê-lo?Quem?

Nessa hipótese, ADA PELLEGRINI apresenta a seguinte solução:

"Caso se considere que a suspensão do processo é direito público subjetivo do acusado, desde que presentes todos os seus requisitos legais, não pode o querelante recusar a proposta de suspensão injustificadamente. Havendo recusa, ou se possibilita ao querelado requerer a suspensão (podendo o querelante, depois da concessão, controlar o ato judicial pela via recursal) ou é o caso de se admitir o habeas corpus contra tal ato ilegal, sendo que tal ação constitucional deve ser julgada pelo próprio juiz de primeiro grau. Deferido o writ, o juiz impõe ao querelante uma obrigação de fazer (a proposta). De outro lado, não se considerando a suspensão como direito público subjetivo, na hipótese de recusa do querelante, ficaria inviabilizada a suspensão" [38].

Assim, para essa autora a vítima deve propor o sursis processual. E, para aqueles que consideram o sursis processual como direito subjetivo do autor do crime, caso a vítima não apresentasse a proposta, o autor do delito poderia requerer ao magistrado que lhe concedesse a suspensão condicional do processo e o juiz aplicaria o sursis mediante a solicitação ou o autor do delito poderia ingressar com habeas corpus para que o magistrado obrigasse a vítima à apresentar a proposta de sursis processual.

Ainda segundo a jurista, já para aqueles que entendem que o sursis processual não é um direito subjetivo do autor do crime, mas mera faculdade do autor da ação, não haveria solução jurídica para a recusa e a suspensão não seria possível, dando-se continuidade ao processo criminal [39].

Já o jurista TOURINHO FILHO defende que no caso de recusa da vítima em apresentar a proposta de sursis processual pode o magistrado fazê-lo de ofício. Diz o renomado processualista:

"... Na lei não existe nenhuma restrição...Observe-se que a Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura, já citada, na sua 11ª conclusão, frisou: ‘O disposto no art.76 abrange os casos de ação penal privada’. Se é assim na transação, com muito mais forte motivo se se tratar de suspensão condicional do processo. No mesmo sentido o Enunciado n.26 do VI Encontro Nacional de Coordenadoria de Juizados Especiais Cíveis e Criminais: ‘Cabe transação e suspensão condicional do processo também na ação penal privada’.

E na hipótese de o querelante não formular o pedido? Para aqueles que, como nós, entendem que a suspensão condicional do processo, uma vez satisfeitas as exigências legais, é um direito público subjetivo do réu, evidente que ante a recusa do querelante em querer formular a proposta (satisfeitos todos os requisitos legais), nada impede possa faze-lo o próprio Juiz, ainda que o querelado não se manifeste nesse sentido" [40].

Por seu turno, o juiz FLÁVIO AUGUSTO FONTES DE LIMA é um dos poucos que escreveu que o Ministério Público é legitimo para propor a suspensão condicional do processo no caso de ação penal privada. Leciona o magistrado:

"Como já visto, impõe-se a aplicação da suspensão condicional do processo na ação penal privada e, consequentemente, em qualquer ação penal.

O acusado tem um direito público subjetivo a ser submetido à suspensão condicional do processo, quando se enquadra nas exigências legais. Esse direito é amparado pela Constituição da República, e se funda basicamente no direito à igualdade e à liberdade.

[...] Se, preenchidos os requisitos legais e o querelante se omitir ou se recusar a propor, deverá o Ministério Público como custos legis apresentar proposta de suspensão substitutiva do processo a ser deferida pelo juiz" [41].

Nota-se a divergência doutrinária na solução da controvérsia existente quando a vítima se recusa a propor o sursis processual.

Em nosso sentir, nos crimes de ação penal privada a iniciativa de propor o sursis processual deve ser, inicialmente, da vítima. Se a mesma se omitir, o Ministério Público ou o autor do delito podem requerer e o juiz determinar que ela (vítima) se pronuncie sobre o a possibilidade de propor o sursis processual.

Instada a se manifestar e recusando-se, injustificadamente, a propor a suspensão condicional do processo, parece-nos que, se preenchidos os requisitos legais, deve o Ministério Público propor o sursis processual ao autor do crime.

As idéias apresentadas pela jurista ADA PELLEGRINI não nos parece as mais sensatas. Vejamos cada uma: 1) permitir que o próprio autor do crime apresentasse a proposta: aqui teríamos a situação do próprio autor do crime dizer quais condições iria cumprir, inclusive quanto pagaria para reparar o dano, o que nos apresenta como absurdo; 2) admitir habeas corpus para obrigar a vítima a apresentar a proposta de sursis processual: essa hipótese foge completamente aos objetivos do instituto, pois, o que ocorreria se a vítima se recusasse, mesmo com o deferimento do habeas corpus a propor o sursis processual? Seria a vítima presa por desobediência? Ficaria presa até quando? O que aconteceria com o processo nessa hipótese? Essa solução parece fugir a lógica; 3) a recusa mesmo injustificada da vítima inviabilizaria a suspensão, prosseguindo-se com o processo: aqui deixa-se nas mãos da vítima o poder de decisão total sobre a continuação do processo, mesmo o autor do crime preenchendo os requisitos legais, causando total ofensa o princípio da igualdade entre autores de crimes de ação penal pública (em regras mais graves) e autores de crimes de ação penal privada (menos graves), o que é inconcebível em um Estado Constitucional Democrático de Direito como o brasileiro.

Por outro lado, a posição do ilustre processualista TOURINHO FILHO em admitir que o juiz, de ofício, apresente a proposta de sursis processual, salvo melhor juízo, implica em ofensa ao princípio da inércia jurisdicional e até de ofensa ao art.129, I, da Constituição Federal, pois se o magistrado pudesse propor sursis processual em ação penal privada poderia também fazê-lo na ação penal pública ante a recusa injustificada do Ministério Público. Logo, nos parece inviável que o magistrado apresente a proposta de sursis processual de ofício, seja em crimes de ação penal pública seja em crime de ação penal privada [42].

Consentânea com o nosso pensamento é a posição do Supremo Tribunal Federal. Veja-se o teor da Súmula 696 da Suprema Corte:

"Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art.28 do Código de Processo Penal".

Como dito acima, nos crimes de ação penal privada a iniciativa de propor o sursis processual deve ser, inicialmente, da vítima. Se a mesma se omitir, o Ministério Público ou o autor do delito podem requerer e o juiz determinar que ela (vítima) se pronuncie sobre o a possibilidade de propor o sursis processual. Instada a se manifestar e recusando-se, injustificadamente, a propor a suspensão condicional do processo, parece-nos que, se preenchidos os requisitos legais, deve o Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, propor o sursis processual ao autor do crime. Dessa forma, a posição doutrinária que nos parece a mais correta é a do juiz FLÁVIO AUGUSTO mencionada acima.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) têm uma decisão onde admite apenas a vítima como parte legitima para propor o sursis processual, excluindo o Ministério Público:

"[...] Suspensão condicional do processo instaurado mediante ação penal privada: acertada, no caso, a admissibilidade, em tese, da suspensão, a legitimação para propô-la ou nela assentir é do querelante, não, do Ministério Público". (HC 81720 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 19.04.2002 – p. 00049)

Em que pese a decisão da Suprema Corte Brasileira, continuamos a defender que possa o Ministério Público propor a suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal privada nos casos de recusa injustificada da vítima, pois, aceitando o posicionamento do STF deixaríamos para a vítima decidir a continuação ou não do processo, mesmo preenchidos os requisitos legais, causando séria desigualdade entre autores de crimes de ação penal pública e autores de crime de ação penal privada.

c) admite-se suspensão condicional do processo em concurso de crimes?

Como se sabe apresentam-se como espécies de concurso de crimes o concurso material, o formal e o crime continuado, regidos pelos sistemas do cúmulo material e da exasperação, empregados em nosso Código Penal.

DAMÁSIO DE JESUS explica objetivamente a diferença entre os concursos:

"Na aplicação da pena, verifica-se que, no concurso material, quando existe o cúmulo material, há pluralidade de condutas e de crimes, incidindo a soma das sanções (art. 69, caput, do CP); no formal, em que foi adotado o sistema da exasperação, existem unidade de conduta e pluralidade de crimes, levando-se em conta uma das penas, ou a mais grave, com agravação (art. 70, caput); no crime continuado, nele também recaindo a exasperação, temos, na verdade, um concurso material abrandado, limitando-se a consideração da lei, por razões de política criminal e unicamente para efeito de aplicação da pena, a apenas um delito e uma só resposta penal detentiva, embora com acréscimo (art. 71, caput)" [43].

Nos três casos, para efeito de admissão do sursis processual, considera-se isoladamente a pena abstrata mínima de cada um dos delitos ou os princípios do cúmulo material e da exasperação?

Boa parte da doutrina entende que as penas mínimas abstratas não podem ser somadas para o fim de impedimento da medida. Ou seja, as infrações penais devem ser consideradas isoladamente.

Nesse sentido, leciona FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO:

"Se há concurso formal, crime continuado ou mesmo concurso material, as infrações em si, consideradas insuladamente, não apresentam gravidade. É o que basta. As penas não podem ser somadas. Não fosse assim, difícil seria explicar a ratio essendi do art.119 do Código Penal" [44].

Também ADA PELLEGRINI adota essa posição:

"Não importa qual seja a natureza do concurso: material, formal ou crime continuado. A concessão da suspensão, em qualquer hipótese, deve ser regida, conforme nosso entendimento, pelo critério bifásico individual-global. No primeiro momento, pensamos que de modo algum podem ser somadas as penas mínimas de cada delito para o efeito de excluir, ab initio, a suspensão. Quanto à pena (requisito objetivo) o critério de valoração é individual (CP, art.119, e Súmula 497 do STF). Cada crime deve ser considerado isoladamente, com sua sanção mínima abstrata respectiva." [45]

Do outro lado, encontramos doutrinadores que advogam que as penas mínimas abstratas devem ser somadas ou acrescidas da majorante e, caso ultrapassem o limite de 01 (um) ano o sursis processual será inadmissível.

Essa é a opinião do juiz GUILHERME DE SOUZA NUCCI para quem:

"No caso de concurso material, a soma das penas mínimas dos delitos em concurso deve ser o indicativo para a utilização, ou não, do benefício previsto no art.89 (ex.:se alguém for acusado de três delitos, em concurso material, cada um deles com seis meses de pena mínima, a soma dará um ano e meio, logo, está fora do alcance da suspensão condicional do processo). Quando se trata de concurso formal ou crime continuado, toma-se a pena do mais grave dos delitos imputados ao réu, acrescentando-se, igualmente, o mínimo possível, para que se obtenha a pena efetivamente mínima. Se ultrapassar um ano, não cabe a suspensão condicional do processo [46]".

Também adepto a esta posição, temos o promotor de justiça FERNANDO CAPEZ para quem: "As infrações, portanto, não serão consideradas isoladamente, mas de acordo com o total de pena resultante da aplicação da regra do concurso de crimes" [47].

Aqui estamos com a primeira corrente doutrinária. A tese da inadmissibilidade da suspensão condicional do processo no concurso material, formal e no crime continuado, não encontra respaldo legal, uma vez que a lei, para tal fim, não impõe a soma das penas nem a consideração de uma delas com acréscimo, devendo-se lembrar sempre da norma do art.119 do Código Penal [48] que não teria sentido ao adotar-se a segunda corrente doutrinária.

Entretanto, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal adotam a segunda posição. Vejamos:

Súmula 243 do STJ: "O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de 1 (um) ano".

Súmula 723 do STF: "Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano".


IX) Questões diversas

Nesse tópico passaremos rapidamente por questões que podem suscitar dúvidas em relação a parte criminal da Lei nº 9.099/95.

a) Doutrina e jurisprudência são praticamente unânimes no sentido de que para a aplicação da transação penal e do sursis processual deve-se levar em conta as causas de aumento (no mínimo) e de diminuição da pena (no máximo) [49]

O STJ já se pronunciou nesse sentido:

"Na compreensão da ''pena mínima cominada não superior a um ano'' para efeito da admissibilidade da suspensão do processo, devem ser consideradas as causas especiais de diminuição da pena em seu percentual maior, desde que já reconhecidas na peça acusatória. Precedentes: STJ, 6ª Turma, nº 5.746 SP). Habeas Corpus concedido" (HC nº 4.780/SP, Rel.Min. Vicente Leal, v.u., DJU de 31.03.1997, p.9.642).

Também o STF: "A Corte já de há muito se tem pronunciado sobre o tema, sustentando que as causas de acréscimo devem ser considerados em adição à pena em abstrato para efeito de concessão de suspensão condicional do processo" (HC 86.452-0 RS, 2ªT, Rel.Min. Joaquim Barbosa).

b) Dúvidas ainda existem em saber se é possível impor como uma das condições do sursis processual uma prestação de serviço à comunidade

A doutrina admite. A jurisprudência oscila. Vejamos:

ADA PELLEGRINI leciona sobre o assunto:

"No que diz respeito à suspensão condicional do processo, em suma, tais ''injunções'' (ou obrigações, ou restrições) configurariam cristalinas condições, pelo seguinte: se descumpridas, não provocariam a consequência da prisão, senão a revogação da suspensão (e reinício do processo). O que acaba de ser exposto constitui o argumento central para se sustentar a tese de que, como verdadeiras condições, pode o juiz determinar, na suspensão do processo, a prestação de serviços à comunidade, a interdição de direitos e a limitação de fim de semana." [50]

"Habeas Corpus. Suspensão Condicional do Processo. Prestação social alternativa corresponde a aplicação antecipada de pena. Exclusão. Quando se fixa, como condição da suspensão condicional do processo, a prestação de serviços à comunidade ou pagamento de pena pecuniária, como no caso, se está a impor uma obrigação de fazer ou pagar, o que se equipara ao cumprimento antecipado da pena. Portanto, deve ser excluída a prestação social alternativa porque corresponde a uma aplicação antecipada de pena, na fase do procedimento da suspensão condicional do processo. Ordem concedida" (TJRS, HC 71001912625, Estrela, Turma Recursal Criminal, Rel.Desª. Angela Maria Silveira, j. 15.12.2008, DOERS 18.12.2008, p.96).

"Suspensão condicional do processo. Aborto. Alegada impossibilidade de imposição à paciente, como condição do benefício, de prestação de serviços à comunidade. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. Nos termos do artigo 89,§2º, da Lei n. 9.099/95, não existe incompatibilidade nem ilegalidade na imposição de prestação de serviço à comunidade como condição de suspensão condicional do processo (TJMS, HC 2009.000262-3/0000-00, Campo Grande, 1ªT.Crim., Rel.Des. Gilberto da Silva Castro, DJEMS 19.02.2009, p.28).

Entendemos ser possível fixar como condição do sursis processual uma prestação de serviço à comunidade, a interdição de direitos, a prestação pecuniária ou limitação de fim de semana – todos previstos no Código Penal Brasileiro – pois na suspensão condicional do processo não funcionariam como "penas alternativas" ou "penas substitutivas" - já que não há condenação alguma – mas como meras condições da suspensão. O descumprimento a estas condições levaria tão-somente ao reinício do processo criminal e não a uma conversão imediata de prisão, logo não se pode falar em "aplicação antecipada da pena".

Devido a este nosso posicionamento, também achamos perfeitamente possível e eficaz a imposição, como condição do sursis processual em determinados casos, da obrigação de entregar "cestas básicas", visto que esta entrega também é prevista no Código Penal (arts.43,I e 45,§§1º e 2º). E, como não poderia deixar de ser, não vislumbramos qualquer ilegalidade na proposta de transação penal ser a entrega de "cestas básicas" já que incidente os mesmos dispositivos penais citados.

c) A transação penal e a suspensão condicional do processo podem ser feitas via Carta Precatória e, nesta hipótese, as propostas serão do Promotor de Justiça atuante junto ao Juízo deprecante, que também deverá homologar os acordos, restando para o Juízo deprecado apenas a fiscalização do cumprimento da proposta e das condições impostas.

O STJ já se pronunciou no caso de sursis processual por precatória. Vejamos:

"Compete ao juiz deprecante, ao enviar carta precatória para os efeitos do art.89 da Lei n. 9.099/95, fixar as condições pessoais a serem propostas ao acusado, antes, é evidente, sob formulação do MP. Conflito conhecido e julgado procedente (CC nº 18.619/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU nº 147, de 4.8.1997, p.34653)

d) Em regra, o Ministério Público pode propor a suspensão do processo por ocasião do oferecimento da denúncia, conforme dispõe o art.89,caput, da Lei nº 9.099/95 (No caso de ação privada, por ocasião da queixa). Nada impede, entretanto, que o faça em outra ocasião posterior, desde que presentes as condições da medida e que seja feita antes da sentença. No caso de transação penal, entendemos que o momento ideal é a audiência preliminar, mas nada impede de ser feita posteriormente, desde que antes do oferecimento da denúncia.

Com as recentes alterações no Código de Processo Penal (Leis nº 11.689/2008; 11.690/2008 e 11.719/2008) entendemos que, em regra, deve-se se seguir o seguinte roteiro para a apresentação da suspensão condicional do processo:

- O MP oferece denúncia e propõe o sursis processual;

- O magistrado determina a notificação do acusado para apresentar defesa preliminar e para se pronunciar sobre a proposta de sursis processual;

- Vindo a resposta preliminar com a aceitação do sursis processual, o magistrado, preenchidos os requisitos para recebimento da peça acusatória, designa data somente para audiência de suspensão condicional do processo. Se a defesa preliminar for omissa quanto ao sursis processual ou não concordar com a proposta, sendo recebida a peça acusatória, o magistrado marca audiência de instrução e julgamento (audiência uma) e antes do início das oitivas, abre nova oportunidade para a defesa se manifestar sobre a proposta de suspensão condicional do processo. Aceitando-a, faz-se apenas a audiência de suspensão; negando-se a aceitar, tem-se início a audiência de instrução e julgamento.


Conclusões

Apesar de estar em vigor há mais de 14 anos, a parte criminal da Lei nº 9.099/95 ainda suscita grandes dúvidas em sua aplicação no dia-a-dia forense.

O que não se pode negar é que, sobretudo na parte criminal, a Lei nº 9.099/95 foi uma verdadeira revolução no direito processual penal brasileiro e que seus princípios (celeridade, economia, informalidade etc.) e objetivos (despenalização etc.) servem de norte interpretativo desde sua vigência para todo o sistema processual penal.

Muitas outras controvérsias existem e ainda existirão sobre a aplicação da parte criminal da Lei nº 9.099/95. O texto produzido neste trabalho é apenas uma pequena amostra das discussões jurídicas atuais com objetivo único de fomentar o debate.


REFERÊNCIAS:

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000.


NOTAS

  1. Além dos Juizados Especiais Cíveis que não são objeto de estudo deste artigo.
  2. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.71.CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. Vol.2. 3ª ed. São Paulo: EDJ, 2003, p.21.
  3. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. Bahia: Jus Podivm, 2007, pp.24-31.
  4. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2006, p.367.
  5. JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.41.
  6. STJ, 5ª T., HC 39651/DF; STJ, 6ª T. HC 11419/PE.
  7. O que também é objeto de várias criticas de parte da doutrina e da jurisprudência nacional que taxam de inconstitucional o artigo citado.
  8. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.728.
  9. PAZZAGLINI FILHO, Marino et. al. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1999, p.45.
  10. Nesse sentido: JESUS, Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.71.
  11. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. Bahia: Jus Podivm, 2007, p.54. MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2002, 137.
  12. TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ªed. Bahia: Juspodivm,2009, p. 647. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000. GRINOVER, Ada Pelegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005.
  13. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.152.
  14. TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ªed. Bahia: Juspodivm,2009, p. 647.
  15. Voz discordante: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p.168.
  16. STJ: "eventual divergência sobre o não oferecimento da proposta de transação penal resolve-se à luz do mecanismo estabelecido pelo art.28, c/c o art.3º do CPP (encaminhar os autos ao Procurador-Geral)" (5ªT, Resp 261.570-SP, rel. Jorge Scartezzini, DJU 18.06.2001.
  17. TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ªed. Bahia: Juspodivm,2009, p. 647.
  18. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.165.
  19. Extraída de MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. Bahia: Jus Podivm, 2007, p.59.
  20. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. Bahia: Jus Podivm, 2007, p.59.
  21. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2006, p.389.
  22. CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 3ªed., Vol.2, São Paulo: EDJ, 2003, p.29.
  23. PAZZAGLINI FILHO, Marino. et. al. Juizado Especial Criminal.3ªed. São Paulo: Atlas, 1999, p.65.
  24. Infelizmente este não é um exemplo absurdo e, ao contrário do que se pensa, é até corriqueiro nas Comarcas do Estado do Maranhão e em muitas pelo Brasil a fora.
  25. Em sentido contrário: Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.52.
  26. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. Bahia: Jus Podivm, 2007, p.37.
  27. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2006, p.376.
  28. PAZZAGLINI FILHO, Marino. et. al. Juizado Especial Criminal.3ªed. São Paulo: Atlas, 1999, p.40; JESUS, Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.60; CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 3ªed., Vol.2, São Paulo: EDJ, 2003, p.23.
  29. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.117.
  30. Conforme 9ª Conclusão da Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura: "a expressão autoridade policial referida no art.69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências devidas no referido artigo".
  31. Sobre o assunto ver nosso artigo intitulado "Ministério Público e Investigação Criminal: refutando os argumentos contrários" publicado na Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Maranhão – Juris Intinera. São Luís: Procuradoria Geral de Justiça, 2007, p.279-304.
  32. BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais: análise comparativa das leis n. 9.099/95 e 10.259/2001. São Paulo: Saraiva, 2003, p.62/63.
  33. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. Bahia: Jus Podivm, 2007, p.96.
  34. CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 3ªed., Vol.2, São Paulo: EDJ, 2003, p.36. No mesmo sentido: MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2002, e BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais: análise comparativa das leis n. 9.099/95 e 10.259/2001. São Paulo: Saraiva, 2003.
  35. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2006, p.410.
  36. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.673.
  37. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.282 e segs. No mesmo sentido: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p.168 e segs.; GARCIA, Ismar Estulano. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: AB, 1996, p.306 e segs.; DORÓ, Tereza Nascimento Rocha. Princípios no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Copola, 1999, p.161 e segs.
  38. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.285
  39. Nesse sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2006, p.410
  40. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p.168 e segs.
  41. LIMA, Flávio Augusto Fontes de. Suspensão Condicional do Processo no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.69-70.
  42. PAZZAGLINI FILHO, Marino. et. al. Juizado Especial Criminal.3ªed. São Paulo: Atlas, 1999, p.107; CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 3ªed., Vol.2, São Paulo: EDJ, 2003, p.35.
  43. JESUS, Damásio Evangelista de. Suspensão condicional do processo e concurso de crimes. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jun. 2006. Disponível em:<http://www.damasio.com.br/>.
  44. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p.168 e segs.
  45. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.276-277. No mesmo sentido: MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. Bahia: Jus Podivm, 2007, p.92; JESUS, Damásio Evangelista de. Suspensão condicional do processo e concurso de crimes. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jun. 2006. Disponível em:<http://www.damasio.com.br/>.
  46. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2006, p.408.
  47. CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 3ªed., Vol.2, São Paulo: EDJ, 2003, p.36. No mesmo sentido: MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 149; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência atualizadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 67.
  48. Art.119 do CP: No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.
  49. No sentido do texto: MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. Bahia: Jus Podivm, 2007, p.89; GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.273.
  50. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais.5ªed. São Paulo: RT, 2005, p.355-356.

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CARVALHO, Sandro Carvalho Lobato de. Questões criminais controvertidas na Lei nº 9.099/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2283, 1 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13600. Acesso em: 20 abr. 2024.