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Pregão: distorção no julgamento das propostas comerciais

Pregão: distorção no julgamento das propostas comerciais

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No curso da sessão pública do pregão, principalmente na forma presencial, tem-se observado uma grave distorção quando do exame e julgamento das propostas comerciais, circunstância que restringe a participação de interessados, dificultando a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração.

Estudando o tema com profundidade, constatamos que a distorção ocorre em razão de dois problemas.

O primeiro reside na redação do texto da Lei nº 10.520/02. Com efeito, a redação do inciso VII (parte final) e do inciso XI, ambos do art. 4º da norma invocada, conduz o aplicador da lei, normalmente desprovido das técnicas de interpretação das regras positivas, a entender que a desclassificação das propostas que não atendam às exigências fixadas no edital, deve ocorrer após a sessão de lances verbais.

O segundo problema ocorre pela proliferação de programas informatizados, elaborados por leigos e que induzem o pregoeiro e a equipe de apoio a ordenar as propostas antes da análise de sua compatibilidade com as exigências do instrumento convocatório.

A compatibilidade das propostas com as exigências constantes do edital deve ser realizada logo após o credenciamento dos licitantes e da entrega da declaração de que o licitante atende às exigências de habilitação estabelecidas pelo instrumento convocatório, face à disposto no inciso VII do art. 4º, assim grafado:

"Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

I -....................................................................... ...................

VII - aberta a sessão, os interessados ou seus representantes, apresentarão declaração dando ciência de que cumprem plenamente os requisitos de habilitação e entregarão os envelopes contendo a indicação do objeto e do preço oferecidos, procedendo-se à sua imediata abertura e à verificação da conformidade das propostas com os requisitos estabelecidos no instrumento convocatório;" (gn)

Portanto, nesse ato o pregoeiro deve analisar o conteúdo das propostas, não levando em consideração os preços ofertados, desclassificando as que não guardem conformidade com o edital em relação principalmente aos dados essenciais, tais como, identificação do licitante, prazos e condições de pagamento e as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital, quanto ao objeto.

Essa tarefa não pode ser postergada, embora possa haver certa contradição com relação ao disposto no inciso XI do artigo invocado. Com efeito, esse dispositivo prevê o exame quanto ao objeto e valor da proposta classificada em primeiro lugar, ao dispor que:

"Art. 4º (....)

(....)

XI – examinada a proposta classificada em primeiro lugar, quanto ao objeto e valor, caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito de sua aceitabilidade;"

A interpretação que se ajusta à ampliação da competitividade e aos princípios de impessoalidade, de razoabilidade e de economicidade, conduzem à realização do exame da compatibilidade das propostas ao previsto no instrumento convocatório, logo após a abertura do envelope comercial, pois a eventual desclassificação de empresas, que apesar de menor preço, se mostram incompatíveis com as exigências do edital, abre a possibilidade da participação de outras empresas. A análise e descarte das propostas incompatíveis com o edital, após, a aplicação dos incisos IX e X, pode ocasionar o afastamento prematuro de licitantes com reais condições de competir.

A aplicação do inciso XI é restrita ao exame, após o esgotamento dos lances verbais, apenas à adequação do valor consignado na proposta com o preço constante da estimativa previamente colhida ou do preço máximo fixado no edital.

O exemplo a seguir ilustra a procedência da tese. Em determinado pregão cinco empresas apresentam proposta. Abertos os envelopes constata-se que a empresa A oferta R$ 100,00; a B R$ 105,00; a C R$ 111,00; a D R$ 112 e a E R$ 115,00.

Em se aplicando isoladamente a regra do inciso XI do art. 4º da Lei do Pregão, ou seja, exame da compatibilidade da proposta com as exigências do edital, somente após a aplicação das condições previstas nos incisos VIII (no curso da sessão, o autor da oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e sucessivos, até a proclamação do vencedor) e IX (não havendo pelo menos três ofertas com preços até 10% superiores à de valor mais baixo, os autores das propostas, até o máximo de três, poderão oferecer novos lances verbais e sucessivos, quaisquer que sejam os preços oferecidos), com a constatação que as propostas das empresas A e B, não são compatíveis, ambas serão desclassificadas, restando apenas a proposta da empresa C.

As empresas D e E ficariam impedidas de prosseguir no certame, ocasionando eventual e provável prejuízo à Administração, com a restrição à compatibilidade.

Em sendo realizado o exame da compatibilidade das propostas com as exigências do edital na fase do inciso VII, as empresas A e B estariam previamente desclassificadas, possibilitando que a etapa de lances fosse disputada pelas empresas C, D e E, selecionadas com fundamento no inciso IX, portanto, alargando a competitividade, premissa maior da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração.

As propostas que não atendem às exigências do instrumento convocatório não estão aptas a integrarem a lista com o rol do ordenamento de preços de forma crescente.

A inversão das etapas de análise da compatibilidade das propostas para com as exigências do edital traz efetivo prejuízo à Administração, na medida em que afronta os princípios e vedações esculpidas no art. 3º da Lei nº 8.666/93.

O egrégio Tribunal de Contas da União, em decisão prolatada no Processo 18.505/2002-0, constante do Acórdão nº 688/2003-Plenário, assim se posicionou quanto ao tema:

"7.O cerne da questão refere-se ao momento de verificação da conformidade das propostas com os requisitos estabelecidos em edital. A Lei nº 10.520/2002 estabelece que após a abertura das propostas, antes da classificação de preços, esse procedimento deve ser realizado. No certame em tela, deu-se após a ordenação por preço, conforme previa o respectivo instrumento convocatório.

8.A ordem dos procedimentos é importante, pois no caso de incidência do inciso IX da Lei n. 10.520/2002, a eventual desclassificação de empresas abre a oportunidade de outras participarem da fase de lances:

''Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

I -....................................................................... ...................

VII - aberta a sessão, os interessados ou seus representantes, apresentarão declaração dando ciência de que cumprem plenamente os requisitos de habilitação e entregarão os envelopes contendo a indicação do objeto e do preço oferecidos, procedendo-se à sua imediata abertura e à verificação da conformidade das propostas com os requisitos estabelecidos no instrumento convocatório;

VIII - no curso da sessão, o autor da oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e sucessivos, até a proclamação do vencedor;

IX - não havendo pelo menos 3 (três) ofertas nas condições definidas no inciso anterior, poderão os autores das melhores propostas, até o máximo de 3 (três), oferecer novos lances verbais e sucessivos, quaisquer que sejam os preços oferecidos;''

9.Ou seja, se não houver pelo menos três propostas com preços até 10% maiores que a menor, incluindo está, novos licitantes poderão ser chamados para ofertar lances verbais, na ordem das propostas e até que se complemente o número de três participantes.

10.A alegação do responsável de que o edital estaria regular por estar de acordo com o Decreto 3.555/2000 não procede. De fato, esse regulamento continua vigente e a sua redação não explicita a verificação das condições do edital antes da etapa competitiva. Mas a sua interpretação deve ser feita em consonância com a Medida Provisória que o instituiu, MP 2026-3/2000, e que prescrevia esse procedimento nos mesmos termos da Lei n. 10.520/2002, supra transcrita. Desta forma, as razões de justificativa apresentadas devem ser rejeitas."

Na desclassificação das propostas, o pregoeiro, da mesma forma que a comissão julgadora, nas licitações previstas no art. 51 da Lei nº 8.666/93, deve evitar o excesso de rigor formal. Isto é, a desclassificação das propostas deve ser reservada, apenas e tão somente, àquelas empresas que em suas ofertas omitam dados essenciais, não tenham clareza suficiente em relação ao objeto, contrariem disposições editalícias relativas a prazo de execução, de pagamento, de preço, de validade da oferta, por exemplo.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLOSA FILHO, Benedicto de. Pregão: distorção no julgamento das propostas comerciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2301, 19 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13659. Acesso em: 25 abr. 2024.