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Os instrumentos jurídico-econômicos e a construção do desenvolvimento sustentável.

Uma reflexão sobre o ICMS ecológico

Os instrumentos jurídico-econômicos e a construção do desenvolvimento sustentável. Uma reflexão sobre o ICMS ecológico

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Que meios deve utilizar a sociedade para realizar esta tão necessária relação comunicativa, onde a economia passará a compreender e se desenvolver dentro dos limites impostos pelas bases naturais da vida?

Introdução

Projetar um modelo de desenvolvimento econômico que não implique na negação do direito fundamental da humanidade e das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é, talvez, o maior desafio à inteligência do homem no século XXI.

Parte-se da premissa de que o mercado, guiado unicamente pela lei do lucro, encerrado em sua lógica de crescimento, não mudará por si. O mercado só é sensível a informações que possam ser decodificadas na forma de valor monetário e a natureza dificilmente se expressará nesta linguagem.

O presente artigo pergunta pelos meios que deve utilizar a sociedade para realizar esta tão necessária relação comunicativa, onde a economia passará a compreender e se desenvolver dentro dos limites impostos pelas bases naturais da vida.

Certamente o direito é um instrumento importante que o Estado dispõe para o cumprimento desta árdua tarefa de remodelação de nosso modo de produção. Nestas linhas, será particularmente investigado e refletido o potencial do direito tributário para estimular comportamentos econômicos ecologicamente corretos.

Após a breve exposição da tensão entre a economia e a natureza e do direito como instrumento de administração desta relação, nossas considerações se voltarão para o potencial do direito de transformar as relações sociais através da elaboração de políticas públicas voltadas para a efetivação dos objetivos e direitos fundamentais expressos na Constituição Federal, entre os quais se localizam a meta de uma ordem econômica que promova uma vida digna aos cidadãos e o direito de todos a um meio ambiente equilibrado.

No caso do direito tributário, será abordada a idéia de extrafiscalidade como um espaço teórico favorável para se pensar a utilização emancipatória e solidária dos tributos. Como se defenderá, o campo tributário contém boas possibilidades para se engendrar instrumentos jurídico-econômicos capazes de provocar alterações espontâneas na economia, se assim podemos dizer, por não resultarem de atuações coercitivas do Estado.

Um desses instrumentos jurídico-econômicos, como se pode ver no título do texto, é o designado ICMS ecológico. A segunda parte deste trabalho destina-se à apresentação deste arranjo jurídico-tributário-ambiental criado no Brasil, no estado do Paraná, e que tem sido bem recepcionado também no cenário internacional como uma opção viável para o desenvolvimento econômico e a conservação da biodiversidade.

Nas explicações referentes ao ICMS ecológico, incluiremos a menção sobre a sua origem através de lutas políticas, o seu conceito, seus fundamentos jurídicos e as linhas gerais de seu funcionamento. Ao final, a exposição de alguns resultados do programa nos estados em que foi implementado permitirá, se assim calhar, a formação de uma visão mais profunda sobre esta ação específica e sobre os instrumentos jurídico-econômicos de modo geral.


1 O Estado de direito entre a economia e a ecologia

O problema fundamental da realização do tão almejado desenvolvimento sustentável das nações consiste precisamente em como assegurar-se a continuidade de um sistema econômico que necessita usar constantemente recursos naturais finitos para seu funcionamento. Em outras palavras, deve-se partir da visão de que a mesma natureza que é indispensável à produção da sociedade industrial impõe limites à sua expansão.

Um primeiro passo no caminho da superação deste desafio, conforme explica Cristiane Derani, é o reconhecimento de que a dinâmica que envolve produção, mercado e meio ambiente constitui um único processo, sendo descabida qualquer teoria que sustente a existência de um necessário "conflito" entre economia e ecologia. [01]

Esta relação visceral entre a economia e a natureza, continua Derani, encontra sua máxima manifestação quando se constata que, em princípio, a garantia jurídica do bom funcionamento de ambos os sistemas se presta a uma mesma finalidade básica, qual seja, proporcionar aos seres humanos uma existência digna.

Assim, a essência da ordem econômica, a sua finalidade máxima, está em assegurar a todos existência digna. Isto posto, a livre iniciativa só se compreende, no contexto da Constituição Federal, atendendo àquele fim. Do mesmo modo, a razão de garantir a livre disposição das presentes e futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado tem em vista, em última instância, a mesma finalidade de uma existência digna a todos – deduzida necessariamente do fato de que uma "sadia qualidade de vida" (art. 225) é elemento fundamental para a composição de uma existência digna. [02]

O capitalismo industrial, no entanto, em sua busca cega por expansão traduzida pelo crescimento das taxas de lucro, desconsidera as externalidades negativas [03] resultantes do sistema industrial e que são suportadas pela natureza e pela sociedade. Deste modo, distancia-se o mercado do objetivo primordial da economia e do próprio Estado democrático de direito que é o bem-estar de todos.

Percebe-se, com isto, a impossibilidade de se deixar o mercado entregue à sua própria dinâmica que pode ser resumida como a lei do lucro que opera segundo uma lógica individualista na qual o empresário-proprietário considera a natureza como mero recurso (meio) para concretização de suas expectativas de lucros crescentes a curto prazo (fim). A ratio capitalista, neste sentido, traz em seu bojo uma forte tendência ao utilitarismo imediatista.

Ao Estado Social cabe intervir nesta dinâmica do mercado para direcioná-la, tanto quanto possível, para a realização do espírito econômico inscrito na Constituição, vale repetir, assegurar a todos uma existência digna. Lembrando que, entre outras coisas, a idéia constitucional de dignidade contém o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem essencial a uma sadia qualidade de vida.

O direito constitui, neste contexto, um instrumento de ação do Estado para construção do desenvolvimento sustentável, o qual compõe uma das condições para realização da dignidade humana. A questão que se coloca é como intervir de maneira eficaz.

Segundo Derani, a ordem econômica se realiza como progresso, isto é, como movimento de contínua expansão representada pelo crescimento do lucro, desenvolvimento técnico, aumento da produção, numa palavra, modernização. [04] Nesta dinâmica do mercado as relações sociais alcançam um alto nível de fluidez. Logo, as repercussões ecológicas das atividades econômicas assumem formas diferentes todos os dias.

Ao lado disto, o fenômeno da globalização acelera ainda mais as dinâmicas do mercado, frustrando as pretensões de controle estatal sobre a economia. A seguinte exposição de Scaff e Tupiassu nos fornece uma noção clara das implicações deste contexto de globalização econômica atual sobre o Estado nacional:

É antiga a expressão que enquadrava o mundo como uma aldeia global. Contudo, apenas hoje, com o progresso dos meios de comunicação é que se passa a ter uma pálida idéia do que representa esta afirmação. Qualquer alteração das condições econômicas em uma parte do globo terrestre acarreta influências imediatas em outros países. [05]

Com efeito, este contexto econômico globalizado se comporta como um sistema independente ao Estado, transcendendo as fronteiras nacionais e apresentando constantes flutuações. Trata-se, por isto, de uma realidade que não pode ser apreendida por modelos jurídicos estáticos, isto é, por conjuntos de normas produzidas para dar conta de fatos mais ou menos repetitivos.

A vontade de controle característica dos sistemas científicos modernos – sendo o positivismo jurídico clássico um destes sistemas – deve retroceder para dar lugar a atuações estratégicas, pois o paradigma tradicional baseado na previsão de hipóteses de incidência e imposição de sanções coercitivas encontra, cada vez mais, seus limites ao se defrontar com a grande contingência e rapidez dos acontecimentos do mundo da vida.

No caso do direito ambiental econômico, vários autores tem ressaltado a ineficácia do uso isolado dos chamados instrumentos de comando e controle que resumem o poder de polícia (fixação de padrões de emissão de poluentes, controle de equipamentos e processos produtivos, proibição ou restrição de certas atividades econômicas em locais específicos, por meio da concessão de licenças etc.). Embora seja unânime a visão de que tais instrumentos são necessários, também é inegável que eles apresentam problemas de eficácia derivados da extrema complexidade do objeto ambiental.

Entre os problemas derivados de ações baseadas no princípio do comando e controle, identificados por Franco e Figueiredo, destacamos aqueles que consideramos os mais relevantes: os instrumentos de comando e controle não consideram as diferentes estruturas de custos dos agentes privados para redução da poluição; seus custos administrativos são muito altos, pois envolvem o estabelecimento de normas e especificações tecnológicas por agências oficiais, bem como um forte esquema de fiscalização por parte das agências reguladoras e do governo, o que exige a contratação massiva de recursos humanos e equipamentos. [06] Wilson Loureiro também chama atenção para a tendência à produção de injustiça social que este modo de política apresenta, uma vez que o cumprimento do poder de polícia causa efeitos muito mais gravosos nas camadas mais carentes da sociedade. O autor explica que, por não terem acesso a oportunidades de educação e incentivo à ação pró-ativa – inclusive em sua própria defesa –, esta parte da população vê sua marginalização ser potencializada. [07]

Tendo em vista estas considerações, o direito deve recorrer a soluções alternativas de modo concorrente aos mecanismos de controle. Ao invés de procurar tão-somente controlar as dinâmicas da super-contingente sociedade moderna, o direito deve procurar lidar com a realidade social estrategicamente.

Tanto o direito econômico como o ambiental devem estar programados para lidar com conjunturas flutuantes. Mais que isso, devem se concentrar antes em criar novas conjunturas, dirigindo e incentivando a conformação da realidade aos objetivos quistos pelo Estado brasileiro. Estes dois campos jurídicos trazem intrínseco à sua dinâmica este caráter modificador e dirigente das relações sociais, em razão dos objetos sobre os quais atuam.

A marca principal deste novo modus agendi do direito é a substituição das prescrições fechadas e lineares por programas mais abertos à comunicação social, baseados numa racionalidade teleológica característica das normas-objetivo e programáticas, a partir das quais o Estado pode elaborar políticas públicas para alcançar as finalidades constitucionais. Neste sentido também se posicionam Scaff e Tupiassu:

O Direito cumpre vários papéis, dentre eles, um dos mais relevantes no mundo contemporâneo é o de implementar políticas públicas, através da ação ordenada e coordenada da intervenção do Estado na atividade econômica. Assim, o Direito deixou de ser a cristalização das realizações sociais para passar a ser um instrumento de transformação da sociedade, visando a realização de suas aspirações. [08]

Portanto, embora a função estrutural-reguladora do direito seja preponderante, ele vem desenvolvendo cada vez mais uma função conjuntural-transformadora ligada principalmente à efetivação das normas-objetivo constitucionais por meio da implementação de políticas públicas. Para utilizar a expressão de Eros Roberto Grau, torna-se cada vez mais visível uma dupla instrumentalidade do direito. [09]

Neste contexto de atuação estratégica do direito perante a realidade ambiental, a defesa da utilização de instrumentos jurídico-econômicos tem sido uma constante. O presente texto passará, pois, a explicar o funcionamento destes mecanismos.


2 O uso de instrumentos econômicos para conservação ambiental e o princípio da extrafiscalidade

No atual cenário de crise ambiental, o Estado apresenta-se como o principal agente na resolução da tensão ambiental resultante do problema das externalidades negativas. [10] O Poder Público cumpre esta tarefa principalmente através do direito, sendo este o mecanismo corretor das contradições entre o mercado e os recursos naturais essenciais à sadia qualidade de vida.

Para o que interessa neste texto, um dos mecanismos jurídicos de maior importância na integração entre atividade econômica e o ambiente é o princípio do poluidor-pagador. Seu objetivo imediato é promover a internalização dos custos ambientais sociais não contabilizados pelos agentes econômicos privados.

O que se estabelece pelo princípio do poluidor-pagador é um canal de comunicação entre a economia e a natureza. Através dele o direito pode enviar informações jurídico-ambientais compreensíveis ao mercado na medida em que a linguagem econômica (pagamento de dinheiro) está contida em sua lógica de atuação, sendo por isto capaz de provocar reações econômicas favoráveis à conservação do ambiente.

Contudo, embora os danos de uma atividade possam ser compensáveis monetariamente a nível local, não há como ter certeza de seus efeitos a nível global e a longo prazo. Ademais, como ressalta Derani, está subjacente ao princípio do poluidor-pagador o pressuposto neoliberal de que o problema da apropriação privada dos recursos naturais poderia ser resolvido segundo as leis do mercado, ou seja, em termos de pagamento. [11]

Isto significa que, do ponto de vista ambiental, mais interessante do que poluir e pagar seria o uso racional dos recursos naturais. Portanto, a verificação da necessidade (razão final) de uma atividade econômica estaria mais condizente com princípio da precaução, que traduz o axioma supremo do direito ambiental.

Conforme explica Derani, a racionalidade jurídica compreendida pelo princípio da precaução está ligada "aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas." [12]

Outro postulado igualmente competente em estabelecer o diálogo entre o sistema econômico e o ambiente é o denominado princípio do protetor-recebedor. Trata-se, obviamente, de um desdobramento do princípio do poluidor-pagador, assim apresentado por Maurício Andrés Ribeiro:

O Princípio Protetor-Recebedor postula que aquele agente público ou privado que protege um bem natural em benefício da comunidade deve receber uma compensação financeira como incentivo pelo serviço de proteção ambiental prestado. O Princípio Protetor-Recebedor incentiva economicamente quem protege uma área, deixando de utilizar seus recursos, estimulando assim a preservação. [13]

Observa-se que o princípio jurídico descrito acima foi construído de forma muito mais harmônica com a vocação preventiva do direito ambiental. Pode-se dizer que, enquanto o princípio do poluidor-pagador parte de uma perspectiva econômica, o princípio do protetor-recebedor possui sua lógica fundada em alicerces ecológicos. Ambos realizam a mesma tarefa de estruturas jurídicas de comunicação entre economia e ecologia, porém partem de pontos de vista diferentes.

Realizado este acoplamento estrutural entre direito ambiental-econômico e a economia, devem ser elaborados instrumentos capazes de atuar estrategicamente para direcionar a conjuntura econômica no sentido desejado. Segundo Luhmann, "se habla de acoplamientos estructurales cuando un sistema supone determinadas características de su entorno, confiando estructuralmente en ello." [14] No caso do princípio do protetor-recebedor, o direito pressupõe que os agentes econômicos agirão em busca do lucro e orienta sua atuação a partir disto.

Com este objetivo de atuação estratégica, inúmeros especialistas (Loureiro, Ribeiro, Carneiro [15]) têm insistido na alternativa do uso de instrumentos jurídico-econômicos que visam precisamente produzir mudanças no cenário econômico por meio de incentivos e restrições. Trata-se, por exemplo, da cobrança de taxas e tarifas relacionadas a atividades poluentes ou do uso de subsídios para incentivar práticas econômicas favoráveis ao meio ambiente.

Ao invés de simplesmente proibir uma determinada conduta lesiva ao meio ambiente, criando-se assim um inevitável quadro de tensão, procura-se tornar vantajoso, do ponto de vista econômico, a adoção de um comportamento ecologicamente correto.

Espera-se que o uso de instrumentos econômicos juntamente com os instrumentos de comando e controle permitirá que a gestão ambiental saia de ações mitigadoras ou reparadoras das perdas ambientais para atuar de forma preventiva e indutora de usos compatíveis com a preservação, podendo também gerar receitas para a implementação de atividades sustentáveis. [16]

Neste sentido, uma das maneiras mais eficazes de colocar em prática tais instrumentos econômicos é por meio do direito tributário. A compreensão de como este ramo do direito pode contribuir para a construção de políticas públicas na área ambiental deve ser feita à luz do conceito de extrafiscalidade.

Segundo Hugo de Brito Machado, fala-se em função extrafiscal do tributo "quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros." [17]

A função precípua do direito moderno em geral é a manutenção de uma determinada ordem social, através da expedição de normas jurídicas que garantam a continuidade das estruturas fundamentais da sociedade. A do direito tributário é regular, através de normas jurídico-tributárias, a arrecadação financeira do Estado. Trata-se de sua função fiscal.

Por outro lado, como se afirmou, assim como o direito possui, além desta função reguladora do estado de coisas existente na sociedade, um potencial de transformação social, também o direito tributário, como aspecto integrante do sistema jurídico, pode ser utilizado como um instrumento para implementação de políticas públicas para alcançar as finalidades da sociedade.

(...) não se pode excluir a relevância do Direito Tributário que, como parte do sistema [jurídico], deve ter explorada sua finalidade social, ressaltando a função extrafiscal dos tributos, que podem ser amplamente utilizados em benefício dos interesses coletivos administrados pelo Estado. De fato, os tributos, em função de sua própria natureza, devem exercer uma finalidade eminentemente voltada ao bem comum, devendo ser otimizada sua utilização como instrumento de implementação das políticas de proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. [18]

Entre os objetivos da sociedade brasileira encontra-se a construção de uma ordem econômica que proporcione a todos uma vida digna e que respeite o meio ambiente. A implementação de impostos com função extrafiscal relacionada à conservação ambiental tem se mostrado eficiente na promoção destas metas sociais.

Após termos localizado o direito tributário como um dos instrumentos para efetivação do desenvolvimento sustentável, através de políticas públicas de tributação ambiental, passa-se a explicar o instrumento do ICMS ecológico que surgiu neste contexto como uma destas ações de harmonização entre economia e natureza.


3 O ICMS ecológico: origem, definição e funcionamento

Uma das experiências mais exitosas de utilização de instrumento jurídico-econômico é o chamado ICMS ecológico. Trata-se de uma ação criada no Brasil ligada à utilização estratégica pelos estados do poder que detém sobre a distribuição dos recursos do imposto estadual sobre circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação (ICMS), como incentivo à adoção de práticas de conservação ambiental. [19]

O suporte jurídico-constitucional do ICMS ecológico encontra-se no art. 158, IV, parágrafo único, II, da Constituição Federal. De acordo com estes dispositivos, 25% das verbas referentes ao ICMS pertencem aos municípios, sendo que um quarto deste percentual será creditado de acordo com critérios fixados em lei estadual.

A partir desta porta aberta pela Constituição, alguns prefeitos de municípios do estado do Paraná começaram a reivindicar que o repasse mencionado na norma jurídica em questão fosse efetuado de acordo com critérios ecológicos.

O argumento principal das prefeituras consistia na alegação de que seus municípios, em razão de possuírem em seus territórios unidades de conservação e mananciais abastecedores de localidades vizinhas, ficavam impedidos de utilizar seus recursos naturais com finalidades econômicas e, consequentemente, de gerar receita. [20]

Como explica Bonaparte, a luta dos prefeitos é justificável, pois a imperar unicamente o critério principal de distribuição, que confere maiores repasses aos municípios onde ocorre maior circulação econômica (comércio de mercadorias e dos serviços que geram ICMS), os municípios mais industrializados e com economias causadoras de maior pressão sobre o meio ambiente seriam beneficiados em detrimento dos municípios menos poluidores.

Como o principal critério de redistribuição é o valor adicionado fiscal (VAF), que reflete o nível de atividade econômica do município e conseqüente participação na arrecadação, o ICMS acaba por estimular o estabelecimento de novas atividades comerciais e industriais. Esse critério prejudica os municípios que impõem restrições ao uso da terra, devido à adoção de áreas protegidas. Esses municípios, entretanto, geram serviços ambientais que não possuem mercado, mas que resultam em qualidade de vida. Consequentemente, os municípios que têm unidades de conservação merecem receber um pouco mais por isso. [21]

Trata-se, ademais, de um argumento visivelmente amparado no princípio do protetor-recebedor. Ao analisarmos a exposição de Ribeiro sobre qual a finalidade deste princípio jurídico, fica evidente que o ICMS ecológico materializa uma de suas possíveis aplicações.

Para que serve sua aplicação? Serve para implementar a justiça econômica, valorizando os serviços ambientais prestados generosamente por uma população ou sociedade, e remunerando economicamente essa prestação de serviços porque, se tem valor econômico, é justo que se receba por ela. Atualmente, no mundo, muitas sociedades prestam serviços ambientais gratuitos, ao preservarem áreas indígenas, Parques, Unidades de Conservação, áreas de mananciais sem, entretanto, receberem a justa remuneração por eles. [22]

Do modo como foi concebida a política do ICMS ecológico, primeiramente no estado do Paraná, em 1991, os recursos eram repassados de acordo com a superfície do território do município abrangida por unidades de conservação, levando em conta também a existência de mananciais usados para abastecer outros municípios (art. 1º da Lei Complementar estadual nº 59/91). Em 1993, o art. 2º da mesma lei, conhecida como Lei do ICMS Ecológico, recebeu nova redação que incluiu as áreas de reservas indígenas na categoria unidades de conservação (LC/PR nº 67/93).

Porém, ao longo de sua difusão por outras unidades da federação, [23] o ICMS ecológico vem ganhando novos contornos. Além do critério principal de superfície de unidades de conservação, mantido em todas as versões do programa, há experiências de uso de outros parâmetros, como no sistema de Minas Gerais, que considera, além das áreas protegidas, o tratamento do lixo urbano e esgoto e a conservação de patrimônios históricos (Lei estadual 13.803/00, Lei Robin Hood). Já no estado de Tocantins, o aspecto institucional do desenvolvimento sustentável adquiriu especial relevância, pois foram adotados critérios que incentivam os municípios a criar leis, decretos e dotações orçamentárias para estruturação e implementação da Política Nacional do Meio Ambiente e da Agenda 21 local (Lei estadual 1.323/02).

O ICMS ecológico seria, portanto, uma política pública implementada por alguns estados brasileiros consistente na distribuição de um percentual dos recursos do ICMS pertencentes aos municípios por mandamento constitucional, de acordo com critérios ecológicos, sendo o parâmetro principal a superfície de unidades de conservação em relação à área do território municipal.

Quanto à denominação do ICMS ecológico, acrescenta-se que poderia gerar algum equívoco sobre se tratar de um novo imposto, quando na verdade o que se estabelece é apenas uma forma diferenciada de distribuição das receitas já existentes. Vejamos as oportunas observações de Pires:

Na verdade não se trata de uma nova modalidade de tributo ou uma espécie de ICMS, parecendo mesmo que a denominação é imprópria a identificar o seu verdadeiro significado, de vez que não há qualquer vinculação do fato gerador do ICMS a atividades de cunho ambiental. Da mesma forma, como não poderia deixar de ser, não há vinculação específica da receita do tributo para financiar atividades ambientais.

Não obstante, a expressão já popularizada ICMS ECOLÓGICO está a indicar uma maior destinação de parcela do ICMS aos municípios em razão de sua adequação a níveis legalmente estabelecidos de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida, observados os limites constitucionais de distribuição de receitas tributárias e os critérios técnicos definidos em lei. [24]

Igualmente Scaff e Tupiassu se manifestam sobre o teor de impropriedade técnica do termo, "uma vez que não se trata exatamente de enquadrar a própria figura tributária (ICMS) na questão ambiental, e sim os recursos financeiros dela provenientes através de um mecanismo de federalismo fiscal." [25]

Uma das vantagens da política do ICMS ecológico encontra-se justamente no baixo custo de sua implementação. Por um lado, não onera a sociedade por não se tratar de um novo tributo, modificando-se apenas a forma de redistribuição de recursos existentes; por outro, não implica em grandes gastos para o Poder Público, uma vez que sua implantação envolve ônus operacionais mínimos. Sobre isso afirma Loureiro que o custo total de execução do Programa para o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) foi de aproximadamente R$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil reais). [26]

Outro fator positivo em relação ao ICMS ecológico é a relativa simplicidade das alterações legislativas necessárias para sua implantação. Pois, uma vez aberta a possibilidade constitucional para os estados disporem sobre a distribuição das receitas utilizadas pelo programa, uma lei estadual deve bastar para regulamentar o sistema. [27]

Explica ainda Loureiro, referindo-se ao caso do Paraná, que a distribuição dos recursos considera aspectos ambientais quantitativos e qualitativos. Do ponto de vista quantitativo, avalia-se a superfície da área protegida na relação com a superfície total do município onde estiver contida, multiplicando-se o resultado por um índice que representa o nível de restrição de uso da área protegida. A avaliação da qualidade das áreas ambientais considera a existência de biodiversidade (fauna e flora) e os recursos (financeiros, materiais, humanos) disponibilizados para a gestão das unidades de conservação. [28]

A cota do ICMS destinada ao incentivo da conservação ambiental também pode variar de um estado para outro. Deste modo, no Paraná são destinados 5% do ICMS estadual total para o cumprimento da função extrafiscal ecológica do tributo (Lei estadual nº 9.491/90), enquanto São Paulo reserva 0,5% (Lei estadual nº 8.510/93) das receitas e o Rio Grande do Sul emprega 7% (Lei Estadual nº 11.038/97).


4 Alguns resultados do ICMS ecológico na conservação ambiental

O ICMS ecológico é considerado pelos especialistas como uma experiência exitosa na conservação ambiental brasileira. A seguir, serão comentados alguns dos principais resultados positivos do programa, que incluem: aumento da área e da qualidade da gestão das unidades de conservação nos estados; promoção de justiça fiscal; desenvolvimento institucional para proteção ambiental; avanço na efetivação da Convenção da Diversidade Biológica e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; democratização do debate sobre unidades de conservação.

Sem dúvida, o principal sucesso do programa advém dos resultados expressivos na evolução da conservação ambiental nos estados que adotaram o ICMS ecológico, tanto no aumento da superfície de áreas protegidas como no aprimoramento da gestão destes espaços.

No caso do Paraná, por ser o estado pioneiro, existem melhores informações. Desde o início da ação até junho de 2005, houve um incremento de 160,1287% na superfície abrangida por unidades de conservação no estado, [29] acompanhado de uma progressão, nos municípios, do escore que mede a qualidade das áreas protegidas. Esta medida de qualidade considera principalmente a disponibilização de recursos materiais para a gestão das unidades (pessoal, veículos, financiamentos, celebração de termos de compromisso etc.).

Para que se vislumbre o montante de recursos movimentados pelo ICMS ecológico, basta dizer que no ano de 2000, os 221 municípios paranaenses cadastrados no sistema receberam aproximadamente R$ 59,6 milhões de reais. [30]

Em São Paulo, os 169 municípios paulistas que possuem espaços territoriais sob proteção legal do Estado receberam, em 2002, R$ 39,6 milhões por conta do ICMS ecológico. Destaque-se que, dentre os nove municípios mais beneficiados com os repasses, sete estão na região do Vale do Ribeira, que conta com uma das mais representativas áreas contínuas de Mata Atlântica ainda em bom estado de conservação. Os municípios desta área, que sofriam fortes restrições econômicas, hoje contam com repasses ligados ao ICMS ecológico que, algumas vezes, superam a receita total dos municípios. [31]

O programa também gerou importantes repercussões sociais e ambientais positivas no estado de Minas Gerais, onde o ICMS ecológico contribuiu para a ampliação das áreas protegidas institucionalizadas no Estado em 1 milhão de hectares, o que significa um incremento de 90%. O sistema mineiro inclui também um critério de saneamento ambiental que, ao início do programa, não beneficiou nenhum município. Atualmente, existem 43 municípios habilitados (que abrangem mais de 25% da população) para o recebimento destes recursos, por possuírem sistemas de lixo ou de esgotos sanitários licenciados e operando. [32]

Estes números comprovam que, ao contrário das opiniões correntes, a conservação ambiental pode representar um fator de crescimento econômico para a sociedade, desde que haja uma política pública orientada para este resultado.

Outro efeito positivo incluído no programa do ICMS ecológico é a construção de corredores de biodiversidade, em razão do crescimento das áreas protegidas que acabam se conectando umas as outras. Como explica Loureiro, os corredores de biodiversidade possibilitam a formação de rotas de dispersão para as espécies isoladas em fragmentos naturais e a recolonização de locais devastados, aumentando assim a chance de reprodução da biodiversidade. [33]

Ademais, a política pública em questão tem natureza preventiva e realiza o princípio do protetor-recebedor, cuja principal finalidade é a promoção da justiça fiscal. Como demonstra a experiência com o ICMS ecológico, os municípios mais beneficiados com os repasses do programa são municípios pequenos, com baixa circulação de mercadorias e, portanto, com poucos recursos financeiros, mas que prestam importantes serviços ambientais à sociedade.

Outrossim, ao colaborar com a conservação in situ da biodiversidade e promover a compensação justa de sociedades locais por serviços ambientais prestados à sociedade global, unindo assim proteção da natureza e ganho econômico, o ICMS ecológico se harmoniza com os princípios fundamentais do art. 1º da Convenção da Diversidade Biológica (CDB): conservação da diversidade biológica, uso sustentável de seus componentes e a justa repartição dos benefícios derivados de sua utilização. A seguir, transcreve-se o art. 6º da CDB que trata de "medidas gerais para conservação e utilização sustentável":

Cada Parte Contratante deve, de acordo com suas próprias condições e capacidades:

a) Desenvolver estratégias, planos ou programas para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica ou adaptar para esse fim estratégias, planos ou programas existentes que devem refletir, entre outros aspectos, as medidas estabelecidas nesta Convenção concernentes à Parte interessada; e

b) integrar, na medida do possível e conforme o caso, a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica em planos, programas e políticas setoriais ou intersetoriais pertinentes.

Com efeito, O ICMS ecológico traduz uma estratégia que utiliza um sistema tributário já existente para readaptá-lo aos fins da conservação da biodiversidade e do desenvolvimento econômico não prejudicial à qualidade ambiental. Trata-se, ademais, de uma política abrangente e transversal, que envolve as três esferas da Administração Pública (federal, estadual e municipal) e a sociedade.

A amplitude desta política sintoniza-se com o princípio da cooperação e da solidariedade na construção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esta virtude fica evidenciada, no estado do Paraná, diante da constatação de que 100% das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) estaduais foram registradas após o início do ICMS ecológico. Em 2000, eram 153 reservas particulares, incluindo RPPNs, faxinais, matas ciliares, reservas legais etc.

O que se obtém, com isto, é a consciência de que a solidariedade é o caminho para construção do desenvolvimento sustentável. Por um lado, os municípios recebem os recursos referentes aos mais de 80 mil hectares de áreas particulares protegidas. Por outro, os proprietários possuem meios para exigir investimentos do Poder Público no setor.

Com a criação da Associação Paranaense dos Proprietários de RPPN em 1998, com sede em Lunardelli, na região Norte do Paraná, espera-se que o Estado possa dar um salto de qualidade ainda maior, uma vez que os proprietários organizados poderão encetar um processo de independência, ao mesmo tempo em que aglutinam poder de barganha para exigir o apoio necessário, ou seja, o cumprimento das obrigações por parte do Estado. Este, por sua vez, deverá entender que as RPPN podem ser uma contribuição fundamental do setor privado à conservação da biodiversidade e um empreendimento com possibilidades de retorno financeiro. [34]

O efeito indireto da inclusão das RPPNs na avaliação da quantidade de áreas protegidas é a democratização do debate em torno da importância da conservação da biodiversidade, o que tem gerado saltos de consciência ecológica. Destaca-se, neste sentido, o grande potencial do ICMS ecológico em desmistificar a idéia de que existiria um trade off entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental.

Por fim, verifica-se o desenvolvimento institucional da defesa do meio ambiente. A interação entre a sociedade e o Poder Público, a substituição de ações baseadas no princípio do comando e controle em favor de mecanismos estratégicos, a contratação e o treinamento de recursos humanos para análise da qualidade da gestão dos espaços ambientalmente protegidos, são alguns aspectos que deixam transparecer o grande avanço dos órgãos ambientais catalisado pelo ICMS ecológico.

O estado do Tocantins é um dos mais avançados nesta dimensão institucional do desenvolvimento sustentável, uma vez que, como já foi mencionado, um dos critérios de repasse de verbas liga-se a edição de atos legislativos, regulamentares e dotações orçamentárias para estruturação e viabilização da Política Nacional do Meio Ambiente e da Agenda 21 local.


5 O turismo como alternativa econômica viabilizada pelo ICMS ecológico: uma opção para a Amazônia?

Entre os estados da região amazônica, Rondônia, Amapá, Tocantins e Acre já possuem sistemas do tipo ICMS ecológico em operação. No Pará, as discussões encontram-se emperradas há vários anos na Assembleia Legislativa. No Amazonas, a proposta nem chegou ao Poder Legislativo. Os dois maiores estados da região, bem como Roraima e o Maranhão encontram-se atrasados neste processo, não obstante vivenciem os conflitos ambientais visados pelo programa.

As maiores áreas de unidades de conservação estão nos territórios desses membros da federação, [35] juntamente com os mais truculentos conflitos sociais e problemas de gestão e implementação (extração de madeira e queimadas dentro das áreas protegidas, falta de regularização fundiára, ausência de plano de manejo, carência de recursos humanos e materiais, dificuldade de acesso, sobreposição com terras indígenas, existência de populações tradicionais residentes). Cite-se, em especial, o caso das grandes áreas de terras indígenas de Roraima que sofrem fortíssima pressão por agricultores.

Com efeito, a quase totalidade dos municípios do interior dos estados do Pará, Amazonas e Roraima, caracterizam-se por possuírem pequenas economias e fornecerem importantes serviços ambientais. Estas localidades seriam certamente beneficiadas com a implantação do ICMS ecológico nos estados.

Seria um caminho viável, talvez, para o desenvolvimento do excelente potencial turístico dos municípios da Amazônia que permanece entravado pela carência de investimentos em infra-estrutura e saneamento básico, fundamentais principalmente para o turismo internacional. As análises de Loureiro sobre os municípios que tiveram maior impacto das verbas do ICMS ecológico em seus orçamentos são esclarecedoras.

Dentre estes, situam-se quatro municípios que estão sendo analisados nesta pesquisa, ou seja, São Jorge do Patrocínio, Vila Alta, Fernandes Pinheiro e Guaraqueçaba, municípios que dependem fundamentalmente destes recursos e estão tendo a oportunidade de transformar o perfil de suas economias locais, de atividades centradas apenas na agropecuária, para atividades ligadas ao turismo ecológico. [36]

Nesta esteira, vislumbra-se a possibilidade de transposição destas dinâmicas de redirecionamento da economia para municípios amazônicos, como Santarém, Aveiro, Belterra e Altamira, no Pará, que possuem extensas áreas de unidades de conservação e grande potencial para o turismo ecológico, mas que, não obstante, contribuem com o desmatamento crescente da Amazônia devido à intensa atividade agropecuária e madeireira.

No caso do Amazonas, municípios como Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo, apesar de não enfrentarem os problemas decorrentes do avanço da fronteira agrícola, possuem belezas naturais capazes de gerar riqueza e emprego, mas que não estão sendo bem exploradas por falta de investimento.

O investimento dos recursos do ICMS ecológico em turismo nestes municípios pode ser um caminho seguro para dinamização da economia com repercussões sociais positivas, uma vez que o turismo é apontado como o setor que mais gera emprego e renda sem causar impactos ecológicos.

A cadeia produtiva do turismo engloba inúmeros serviços como hospedagem, alimentação, artesanato, transporte e entretenimento, são alguns dos ramos que se beneficiam do movimento trazido pelo turismo, e muitas vezes são preparadas para operar especificamente em função desse segmento, com forte potencial de crescimento, pois engloba um público com altas faixas de renda e disposto a gastar. [37]

O compromisso das prefeituras e a organização da sociedade são condições para a operacionalização do ICMS ecológico. A demora na apresentação e tramitação das propostas sugerem a existência de interesses políticos e econômicos contrários ao programa que devem ser contrapostos através da ação e do debate aberto pela população e governos a serem beneficiados.


Considerações finais

O ICMS ecológico é um instrumento jurídico-econômico para construção do desenvolvimento sustentável. O programa representa um avanço em relação ao tratamento jurídico tradicional do problema ambiental da sociedade, baseado na regulação e fiscalização do uso dos recursos naturais, quer dizer, na atuação do poder de polícia ambiental.

O Estado intervém no domínio econômico, sem, no entanto, precisar utilizar-se de ações coercitivas. O ICMS ecológico traduz um incentivo fiscal intergovernamental, em forma de subsídio, com a finalidade de promover a justa repartição dos benefícios derivados da prestação de serviços ambientais e, simultaneamente, trabalhar pela conservação da biodiversidade. O resultado final é o avanço na realização do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, condição fundamental para a sadia qualidade de vida das populações. [38]

A implementação desse mecanismo produziu resultados animadores, segundo todos os autores analisados, obtendo graus extremamente satisfatórios de realização de seus objetivos, destacando-se entre eles: mobilização, institucionalização e qualificação dos espaços especialmente protegidos, construção dos corredores da biodiversidade, apropriação social das unidades de conservação, democratização de informações e educação ambiental, desenvolvimento institucional para o meio ambiente, operacionalização do princípio do protetor-beneficiário através da busca da justiça fiscal pela conservação da biodiversidade.

O sucesso inicial do programa recomenda a melhoria do sistema e o aprimoramento dos critérios para redistribuição dos recursos, bem como a sua adoção por outros estados, notadamente aqueles localizados na Amazônia.

Em especial os municípios do interior do Pará e do Amazonas, quase em sua totalidade caracterizados por possuírem pequenas economias e fornecerem importantes serviços ambientais – contando com enormes unidades de conservação em seus territórios –, seriam certamente beneficiados com a implantação do ICMS ecológico.

Com todos os benefícios do ICMS ecológico, alerta Loureiro que não se deve depositar todas as esperanças da conservação ambiental unicamente neste instrumento. Observa o autor que o sistema carrega um paradoxo interno, pois, em tese, caso sejam mantidos os mesmos percentuais de distribuição, quanto mais municípios se habilitarem para receber as verbas do programa, menor será a cota-parte de cada um.

Por isto, o caminho seguro para a conservação da biodiversidade e para a consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação é o da efetiva apropriação social das áreas protegidas, através de ações de educação ambiental, recreação e pesquisa. A utilização de instrumentos jurídico-econômicos não exclui, portanto, o uso de outras estratégias de defesa do meio ambiente, inclusive do princípio de comando e controle, constituindo um sistema interligado e de longo prazo. [39]

Ao fim destas observações, sobressai-se o instrumento analisado como uma política pública em que economia e natureza são "calibradas" pelo direito tributário. O sucesso do programa revela que mesmo um campo jurídico de tradição altamente formalista e regulatória como este possui potencial para ativar energias sociais emancipatórias. O fato de que o ICMS ecológico figura como uma ação de rápida implementação, na medida necessita de pouca atividade legislativa, a baixo custo, para o Estado e a sociedade, além de ter sua eficiência comprovada, localiza este programa como uma estratégia racional para construção do desenvolvimento sustentável.


Referências

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Notas

  1. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 99-103.
  2. Idem, ibidem, cit. p. 221.
  3. Entenda-se por externalidade negativa todos os efeitos prejudiciais da atividade econômica, desde a extração dos recursos naturais, sua transformação e consumo, que não são calculados e gerenciados pelo agente econômico, sendo estes custos monetários, ambientais e sociais transferidos para a coletividade.
  4. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. cit., p. 47.
  5. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas: o ICMS ecológico. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. ano. 2, n.º 2. – Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas, Secretaria de Estado da Cultura, Universidade do Estado do Amazonas, 2004, p. 20.
  6. FRANCO, Décio Henrique; FIGUEIREDO, Paulo Jorge Moraes. Os impostos ambientais (taxação ambiental) no mundo e no Brasil: o ICMS ecológico como uma das opções de instrumentos econômicos para a defesa do meio ambiente no Brasil. Disponível em: <http://www.fav.br>. Acesso em 15 jan. 2009, p. 250.
  7. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS Ecológico na Conservação da Biodiversidade no Estado do Paraná. Curitiba: 2002. Tese de doutorado na área de concentração em Economia e Política Florestal. – Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2002, p. 28.
  8. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas. cit. p. 21.
  9. GRAU, Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 2ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. Apud. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. cit., p. 33.
  10. Sobre o Estado corretor de externalidades negativas, vide: DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. cit., p. 90ss.
  11. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. cit. p. 148.
  12. Idem, ibidem, p. 152.
  13. RIBEIRO, Maurício Andrés. O princípio protetor recebedor para preservar um bem natural. Revista Eco 21. Disponível em: <http://www.eco21.com.br/textos/textos.asp?ID=495>. Acesso em: 26 jan. 2009.
  14. LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. – Formatação eletrônica, p. 316.
  15. CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. – Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 97ss.
  16. FRANCO, Décio Henrique; FIGUEIREDO, Paulo Jorge Moraes. Os impostos ambientais... p. 249.
  17. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo Malheiros, 2007, p. 96.
  18. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas. cit. p. 22/23.
  19. Vale ressaltar que os recursos do ICMS constituem a principal fonte de receita própria dos estados.
  20. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS Ecológico.... cit., p. 1.
  21. BONAPARTE, Priscilla. O ICMS ecológico. Rio de Janeiro: 2005. Monografia de graduação em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, p. 35/36.
  22. RIBEIRO, Maurício Andrés. O princípio protetor recebedor para preservar um bem natural. cit.
  23. No Brasil, em catorze estados existem sistemas de ICMS ecológico implantados ou em implantação, são eles: Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rondônia, Amapá, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Tocantins, Acre, Rio de Janeiro, Ceará e Goiás. Outros dez estados estão atualmente realizando discussões acerca de suas legislações: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Pará, Paraíba, Sergipe, Piauí e Rio Grande do Norte.
  24. PIRES, Éderson. Icms ecológico. Aspectos pontuais. Legislação comparada. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2328>. Acesso em: 30 jan. 2009.
  25. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação ambiental. cit. p. 25.
  26. LOUREIRO, Wilson. ICMS Ecológico: incentivo econômico à conservação da biodiversidade, uma experiência exitosa no Brasil, p. 56. Apud SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação ambiental. cit. p. 27.
  27. Vale considerar, contudo, a existência de projetos de lei baseados na idéia do ICMS ecológico tramitando há vários anos em vários estados brasileiros sem aprovação.
  28. LOUREIRO, Wilson. O ICMS ecológico na biodiversidade. Disponível em: <http://www.ambiente-brasil.com.br/composer.php3?base=./snuc/index.html&conteudo=./snuc/artigos/icmsm.html>. Acesso em: 20 jan. 2009, p. 4.
  29. LOUREIRO, Wilson. O ICMS ecológico, um instrumento econômico de gestão ambiental aplicado aos municípios. Disponível em:<http://www.sds.am.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2009, p. 4.
  30. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit. p. 146.
  31. Com uma área total de 196.400 hectares, o Município de Iguapé foi o maior beneficiado no ano de 2003, com um montante de R$ 2.195.037,41 de repasse. Em segundo lugar está o Município de Barra do Turvo, com R$ 2.006.794,65, seguido por Eldorado, que recebeu R$ 1.919.357,28. Nos três casos, o repasse da porcentagem do ICMs Ecológico supera a receita própria dos municípios que, respectivamente, soma R$ 2.050.961,00, R$ 113.147,00 e 401.636,00. (BITENCOURT, Mayra Batista. el. al. Preservação ambiental como fator de desenvolvimento econômico: o ICMS ecológico em São Paulo. Disponível em: <http://www.sober.org.br>. Acesso em: 23 jun. 2009, p. 9.).
  32. CAMPOS, Léo Pompeu de Rezende. A reforma tributária e o meio ambiente. Disponível em: <http://www.amda.org.br>. Acesso em: 20 jun. 2009.
  33. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit. p. 17.
  34. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit., p. 102.
  35. No Amazonas, em especial, contabilizando-se somente as unidades de conservação públicas estaduais e federais, chega-se a um total de 39,6 milhões de hectares de áreas protegidas (http://www.florestaviva-extrativismo.org.br).
  36. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit. p. 144.
  37. BITENCOURT, Mayra Batista. et. al. Preservação ambiental…. cit., p. 10/11.
  38. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação ambiental. cit., p. 26.
  39. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit. p. 2/3.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMERINI, João Carlos Bemerguy. Os instrumentos jurídico-econômicos e a construção do desenvolvimento sustentável. Uma reflexão sobre o ICMS ecológico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2330, 17 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13864. Acesso em: 20 abr. 2024.