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A questão da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições de terceiros

A questão da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições de terceiros

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INTRODUÇÃO

A ideia do presente artigo surgiu a partir de alguns estudos mais aprofundados em relação à competência da Justiça do Trabalho para a execução de contribuições previdenciárias e contribuições de terceiros. Tal matéria envolve diversos aspectos que extrapolam o âmbito trabalhista. De fato, por tratar de contribuição, será de extrema importância a abordagem do Direito Tributário. O Direito Previdenciário também será de grande relevância para o estudo das contribuições previdenciárias.

Por ser multidisciplinar, o tema proposto irá apresentar grande divergência tanto doutrinária quanto jurisprudencial. Se, por si só, fosse estudada apenas a execução trabalhista, já nos depararíamos com diversas divergências teóricas, ainda mais após todas as alterações do Código de Processo Civil no tocante ao procedimento executivo que podem em alguns casos, ser subsidiariamente aplicadas à esfera trabalhista.

A presente pesquisa, contudo, terá de ultrapassar o âmbito trabalhista. Será de extrema importância a abordagem do Direito Tributário em relação ao estudo da natureza jurídica das contribuições sociais e de terceiros.

O Direito Previdenciário por sua vez, será de grande valia em relação ao estudo dos aspectos que envolvem a seguridade social e à própria contribuição, seja ela previdenciária ou de terceiros.

Todos os ramos do Direito abordados, logicamente, serão estudados a partir dos aspectos constitucionais, condizentes ao Estado Democrático e ao paradigma procedimental. Para se chegar a esse estudo constitucionalizado, baseado na defesa do procedimento em contraditório, o presente artigo, ainda que de forma breve, irá promover um estudo cronológico em relação à legislação brasileira, no tocante ao procedimento executório.

O próprio desenvolvimento da legislação brasileira irá demonstrar a necessidade das mudanças. Nesse sentido, não há que se falar que o Direito hoje é melhor que o Direito de tempos atrás, ou que o do futuro será melhor do que o de hoje. Há que se falar, sim, em evolução da ciência jurídica e de seus aspectos relevantes. A evolução, contudo, não pode ser entendida como uma melhora, mas sim, como uma adaptação ao momento vivido pela sociedade.

É interessante ressaltar que a presente pesquisa, por possuir cunho exploratório, irá abordar vários aspectos doutrinários e jurisprudenciais, sempre demonstrando as posições divergentes e buscando uma solução mais adequada na lei, obedecendo aos preceitos do Estado Democrático de Direito.

Por se apoiar na análise da jurisprudência e pelo fato de o tema não ser pacífico, serão encontradas posições divergentes. Nesse sentido, cumpre evidenciar que, em relação às contribuições previdenciárias, não restará qualquer dúvida no tocante à competência da Justiça Trabalhista, desde que essa esteja ligada aos aspectos trabalhistas.

Nesse ponto, será essencial a observação das mudanças trazidas para a Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n.º 45. De fato, tal emenda pode ser considerada como um marco para a relação de emprego e de trabalho. Assim, a grosso modo, pode-se dizer que há a Justiça do Trabalho pré Emenda 45 e pós Emenda 45.

A presente pesquisa irá afirmar a competência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições previdenciárias. No entanto, irá demonstrar, por outro lado, a sua incompetência em relação à execução das contribuições de terceiros.

A divergência jurisprudencial a ser demonstrada será justamente em relação a essa espécie de contribuição. Ainda que grande parte dos Tribunais Regionais do Trabalho se proclamem como incompetentes para a execução das contribuições de terceiros, há alguns que ainda se declaram competentes, em clara dissonância jurídica.

Diante da divergência apresentada, ainda que o presente artigo deixe claro o seu posicionamento, não serão descartadas as posições contrárias. Ambas as posições serão discutidas na busca de se alcançar a resposta mais adequada para aquilo que é proposto. Seria inaceitável que um trabalho acadêmico apresentasse uma resposta última e única para um determinado tema em questão. Toda resposta ou solução encontrada deve passar por uma análise da evolução histórica de determinado instituto jurídico, bem como deve levar sempre em consideração todas as posições existentes sobre o tema a ser pesquisado.


CAPÍTULO 1

Para tratar do tema contribuições sociais, interessante se torna observar alguns conceitos formulados pela doutrina brasileira. Segundo o Professor Hugo de Brito Machado:

Na verdade as contribuições sociais constituem uma espécie do gênero. A rigor, portanto, teríamos de dividi-las em subespécies. Preferimos, porém, fazer referência a elas como gênero e dividi-las em espécies, a saber: (a) contribuições de intervenção no domínio econômico, (b) contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas e (c) contribuições de seguridade social. (MACHADO, 2007, p. 431).

Para Roque Antônio Carrazza, as contribuições sociais:

são, sem sombra de dúvida, tributos, uma vez que devem necessariamente obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que informam a tributação no Brasil. ( CARRAZZA, 1991, p. 304).

Assim sendo, indubitável é a natureza tributária das contribuições sociais, pois constituem prestação pecuniária paga ao Estado, cujo fim é aquele previsto em lei. Dessa forma, os Planos de Benefícios da Previdência Social de que dispõe a Lei n.º 8.213 de julho de 1991, possuem natureza tributária.

De acordo com o Código Tributário Nacional, em seu art. 3°, tributo é "toda a prestação pecuniária compulsória, em moeda, ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."

Pelo expendido, tem-se que as contribuições sociais preenchem os requisitos do art. 3° do CTN, sendo então espécie tributária. É esse o entendimento doutrinário:

Nos termos do artigo 149 da CF, as contribuições parafiscais em geral estão submetidas aos princípios retores da tributação, e às normas gerais de direito tributário, isto é, ao CTN. São, pois, ontológica e normativamente tributos. Em relação a elas incidem os princípios da legalidade, anterioridade, o inter tempo de 90 dias, irretroatividade e os conceitos de tributo, lançamento, obrigação, etc.,enfeixados no CTN. (COELHO, 1991, p. 46).

O parágrafo único do artigo 11 da Lei 8.212/91 especifica as contribuições sociais, sendo elas: as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço; as dos empregados domésticos; as dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário de contribuição, as das empresas, incidentes sobre o faturamento e lucro e as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos.

Não pairam dúvidas que as contribuições sociais têm como destinação o custeio da seguridade social. De fato, a seguridade social deve ser entendida, principalmente após a Constituição Federal de 1988, como o conjunto de ações dos poderes públicos e da própria sociedade, regulamentadas pela União, que se sustentam para a garantia do acesso à saúde, à previdência social e à assistência social. Assim, todos os indivíduos que compõem a sociedade possuem garantido o direito à seguridade social. Contudo, todos devem contribuir para possibilitar o atendimento a todas as gerações que dela necessitarem.

Percebe-se, portanto, que a seguridade social, nos moldes hoje existentes, foi fruto do Estado Social e adquiriu essa forma e esse modelo principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Não há como negar que se trata de direito social, tutelado pelo artigo 6º da CF. Após essa breve noção daquilo que se entende por seguridade social, é preciso voltar novamente à elucidação da contribuição social. Como fundamento de seu custeio, observem-se mais uma vez as palavras conclusivas do professor Sérgio Pinto Martins:

Trata-se de uma contribuição social caracterizada pela sua finalidade, isto é, constituir um fundo para o trabalhador utilizá-lo quando ocorrem certas contingências previstas em lei. A Seguridade Social é uma contribuição social vinculada, com destinação específica, que é o custeio da seguridade social.

Para melhor compreensão da definição das contribuições sociais, necessário dividi-las em contribuições de intervenção no domínio econômico, contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas e contribuições de seguridade social.

As contribuições de intervenção no domínio econômico, segundo Paulo Roberto Lyrio Pimenta, são:

como espécie tributária, que atinge setor determinado, instituída diante da existência de motivo justificador, com destinação de renda auferida à finalidade constitucionalmente qualificada, qual seja, a intervenção no domínio econômico. (PIMENTA, 2002, p. 18).

Já as contribuições de interesse de categorias profissionais visam a promover a organização das respectivas categorias, provendo recursos financeiros para a manutenção de entidade associativa.

Por último, temos as contribuições de seguridade social, tratadas no art. 195, incisos I a IV, e seu parágrafo 6°, e os arts. 165, parágrafo 5°, e 194, inciso VII, todos da Constituição Federal.

Conforme já citado, a respeito do custeio da Seguridade Social a Constituição Federal, através do art. 195, dispõe que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sendo então a seguridade social financiada por toda a sociedade, imperioso é destacar as observações de Eros Picelli:

Deve ser lembrado que todos os membros da sociedade participam de forma direta ou indireta para a formação do orçamento da União (exemplo de solidariedade). Direta, através do recolhimento das contribuições sociais dos filiados (trabalhadores que pagam o INSS ou empregadores que recolhem as contribuições sociais) e indireta pelo pagamento de tributos em geral, que irão constituir o orçamento federal. (PICELLI, 2002, p. 19).

1.2 – Contribuições de terceiros

Esclarecido o conceito de contribuição social, passa-se à análise do que se entende no Direito brasileiro por contribuições de terceiros. As contribuições de terceiros, diferentemente das contribuições sociais, estão elencadas no inciso II do artigo 27 da Lei n.º 8.212/91.

As diferenças não se limitam à sua disposição em diferentes artigos de lei. Desde já, as distinções podem ser percebidas pela própria natureza dessas contribuições. A contribuição social, como já analisado na presente pesquisa, possui natureza tributária, diferentemente das contribuições de terceiros que não a possuem. Nas lições de Sérgio Pinto Martins, as contribuições de terceiros não têm natureza tributária, pois são destinadas às empresas ligadas ao sistema "S", que são privadas, mas que oferecem serviços de natureza pública. Desse modo, não constituem espécie tributária.

Definida a natureza jurídica das contribuições denominadas de terceiros, constata-se que a União apenas tem competência para arrecadá-las, mas essas são repassadas para o respectivo órgão integrante do sistema "S", não sendo a arrecadação destinada para a União. A competência atribuída ao INSS pelo artigo 94 da Lei 8.212/91, hoje revogado, passou a ser da Receita Federal, por força da Lei n.º 11.457/07, o que em nada mudou a competência para a execução dessas parcelas, conforme se demonstrará durante o presente trabalho.

Em relação à destinação das contribuições de terceiros, mais uma vez necessário se torna recorrer aos sempre esclarecedores ensinamentos de Sérgio Pinto Martins:

As contribuições de terceiro são exações destinadas a entidades privadas que estão fora do sistema de seguridade social, mas são arrecadadas pelo INSS. O artigo 240 da Constituição ressalvou que, além das contribuições previstas no artigo 195 da mesma norma, é possível a cobrança de contribuições compulsórias dos empregadores sobre as folhas de salários, destinadas às entidades do serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical. (...) As contribuições de terceiros não são tributos, nem contribuições sociais de interesse da categoria econômica ou de intervenção do domínio econômico, justamente pelo fato de que o numerário é repassado pelo INSS às respectivas entidades: SENAC, SESI, SENAT, SEST, SEBRAE, que têm natureza privada, embora prestem serviços considerados de natureza pública. (...) A importância arrecadada não fica com a União ou com o INSS. A autarquia previdenciária recebe as contribuições na guia própria e as repassa para cada um, dos órgãos pertencentes ao sistema "S". Logo, não se trata de receita pública, que é a que ingressa no patrimônio do Estado e fica com essa entidade de direito público. A receita é das entidades de direito privado. (MARTINS, 2007, p. 189)

Outra diferença que merece ser destacada diz respeito à destinação dessas contribuições. Enquanto a contribuição social se destina a financiar a seguridade social, as contribuições de terceiros se destinam a custear as entidades ligadas ao sistema "S"

Pelo exposto, constata-se que o artigo 240 da Constituição Federal prevê a licitude da cobrança das contribuições compulsórias dos empregados sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional ligadas ao sistema sindical, sendo elas elencadas pelos juristas Castro e Lazzari:

FNDE (Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação); INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária); SESI (Serviço Social da Indústria); SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial); SESC (Serviço Social do Comércio); SEST (Serviço Social do Transporte), SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial); SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas); DPC (Diretoria de Portos e Costas); Fundo Aeroviário e SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). (CASTRO, 2002, p. 261).


CAPÍTULO 2

Inicialmente, para se fazer um estudo da competência da Justiça do Trabalho para a execução de contribuições sociais e de terceiros, deve-se levar em consideração a natureza dessas contribuições, conforme já analisado em capítulo anterior, bem como evidenciar todas as recentes mudanças trazidas à execução civil pelas sucessivas reformas do Código de Processo Civil. De fato, a grande inovação a esse respeito surgiu com a Lei n.º 11.232/05, que entrou em vigor em 23 de junho de 2006, que introduziu o denominado processo sincrético, segundo o qual a execução deixou de ser como antes um procedimento autônomo, para tornar-se uma fase do procedimento cognitivo, para o cumprimento da sentença nele proferida. Dessa forma, passando a ser apenas uma fase do processo de conhecimento, seu início se dá com a simples intimação do devedor e não mais com a sua citação como antes.

No entanto, há que se destacar os títulos executivos extrajudiciais, nos quais ainda se observa um procedimento autônomo, que tem o seu início com a citação do executado. Conforme já dito, ainda que tal lei tenha trazido mudanças essenciais ao Processo Civil, o Direito Processual Trabalhista já possuía alguns traços fundamentais que estabeleciam essa mesma continuidade do procedimento de conhecimento na fase de execução. Para a melhor compreensão de todas essas alterações, é essencial uma análise cronológica das alterações que procuram chegar a um procedimento mais célere e menos burocrático, contudo sempre compatível com as garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito, apoiado nas garantias processuais da ampla defesa, isonomia e contraditório.

Inicialmente, observando-se o parágrafo único do artigo 12 da Lei n.º 7.787/89, percebe-se que o legislador atribuiu ao Juízo o dever de velar pelo fiel cumprimento da obrigação de recolhimento das contribuições previdenciárias, na extinção dos processos trabalhistas. Veja-se tal dispositivo legal:

Art. 12. Em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de vencimentos, remuneração, salário e outros ganhos habituais do trabalhador, o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social será efetuado "incontinente".

Parágrafo único. A autoridade judiciária velará pelo fiel cumprimento do disposto neste artigo.

Imperioso tratar de dois pontos interessantes: o primeiro seria da função do juízo de fiscalizar e o segundo do sentido da palavra "velar". Inicialmente, evidenciar-se-á a função do julgador que, por um momento, deixa de ser a de julgar ou buscar a solução mais adequada para a lide, para passar a ser um fiscalizador do processo. De fato, pela redação do artigo supra, a fiscalização poderia ser interpretada como a busca do cumprimento da lei. Assim, diante do não recolhimento das contribuições previdenciárias, o magistrado deveria oficiar à União dos termos do acordo celebrado ou da sentença proferida, para que então o órgão competente tomasse as providências que julgasse necessárias.

Em relação à palavra velar, é interessante também analisá-la, mas tão somente após as reflexões supra a respeito das funções do juízo. O vernáculo ensina que velar é proteger, zelar, cuidar. Assim, cumpre ao juízo, exercendo não a sua função julgadora somente, mas utilizando-se da sua função de fiscalizador do cumprimento da lei, proteger o próprio instituto da seguridade social.

Posteriormente, foram promulgadas as leis 8.212/91 e 8.620/93. Contudo, em nenhuma delas o legislador havia fixado a competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias. Interessante observar que o artigo 43 da lei 8.212/91 dispunha, em sua redação atual, que o "juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social". Evidencie-se que, de acordo com essa Lei, anterior à Emenda Constitucional n.º 20, de 1998, ao juiz cabia tão somente a função de determinar que a contribuição fosse recolhida, bem como oficiar a União caso ela não ocorresse. Hoje, pós EC/20, cabe ao juízo executar diretamente os valores referentes às contribuições nos próprios autos do processo trabalhista.

Anteriormente à Emenda Constitucional em questão, o entendimento era de que caberia ao Juízo tão somente fiscalizar e determinar o recolhimento de todas as contribuições previdenciárias, contudo, não poderia exigi-las e executá-las nos próprios autos em que tivesse havido o acordo ou a sentença proferida. Isso porque nem a lei infraconstitucional e nem mesmo a Constituição Federal dispunham claramente sobre a competência do Juízo do trabalho para executar as contribuições previdenciárias. Essas mudanças serão melhor explicitadas pela análise cronológica ao longo do presente trabalho.

À época, ainda que não houvesse a fixação expressa da competência para o Juízo executar tais contribuições, o STJ começou a entender que a Justiça do Trabalho era competente para executar as contribuições previdenciárias.

O STJ entendeu que a Justiça do Trabalho teria competência para julgar questão em que o trabalhador pretendia obrigar o empregador a proceder ao recolhimento das contribuições previdenciárias, em razão de o interesse ser decorrente de uma relação de trabalho:

Contribuições para a previdência. Obrigação do empregador reclamada em ação trabalhista pelo empregado. Competência da Justiça do Trabalho para o exame e decisão. (STJ, CC 3586-6-RJ, Rel. Min. Cláudio Santos DJU de 12-4-1993, p. 6046) (MARTINS, 2008, p. 29).

Seguindo esse raciocínio, a primeira alteração realmente significativa no que diz respeito à alteração da competência da Justiça do Trabalho em relação à execução de contribuições surgiu com a Emenda Constitucional n.º 20, de 1998. Por tal emenda, criou-se o §3º ao artigo 114, da CF, que em sua redação original dispunha:

Art. 114.

§ 3º. Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Num primeiro momento, surgiram questionamentos no tocante à ampliação da competência dessa justiça especializada porque, de acordo com o inciso I do artigo 109 da CF, as ações relativas ao INSS deveriam ser julgadas pela Justiça Federal. Contudo, tendo sido declarada a competência exclusiva da Justiça do Trabalho, tal questionamento caiu por terra.

Outro questionamento que surgiu à época foi no tocante à inclusão do INSS no pólo ativo de relação processual, na qual não figurou nos autos da ação principal. A polêmica girou em torno principalmente do interesse de agir e da legitimidade do INSS. A sua solução está no fato de, primeiro, existir um crédito a seu favor, ainda que não tenha intervindo diretamente na ação principal, aliado à circunstância de tutelar a instituição o interesse da coletividade (financiamento da seguridade social); segundo, a própria Lei de Custeio lhe confere esta condição, indicando-o credor e destinatário das referidas contribuições previdenciárias (art. 33, da Lei 8212/91).

Ultrapassadas as primeiras divergências, seguindo uma linha cronológica no que diz respeito à execução trabalhista, vê-se a promulgação da Lei n.º 9.958, de 2000, que veio alterar o artigo 876 da CLT. Com essa alteração, sua redação passou a ser a seguinte:

Art. 876 - As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executadas pela forma estabelecida neste Capítulo.

Posteriormente, meses após a alteração do artigo supra, esse foi acrescido por um parágrafo único, que passou a dispor sobre a execução ex officio de créditos previdenciários:

Art. 876

Parágrafo único. Serão executados ex officio os créditos previdenciários devidos em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo.

Ainda que a redação de tal parágrafo tenha sido alterada em 2007 pela Lei n.º 11.457, passando a contar com a seguinte redação: "Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido", o principal ponto a ser salientado é aquele já presente no §3º, do artigo 114, da CF, qual seja a execução ex officio dos créditos previdenciários em tela. Isso significa que o Juízo poderá promover essa execução sem qualquer provocação das partes originárias da relação processual principal. Essa autonomia visa garantir principalmente a defesa de um interesse maior, que é o da própria seguridade social. Dessa forma, inaceitável é o argumento de que, ao atuar de ofício, o Juízo estaria deixando de ser imparcial e agindo como se fosse o credor do valor devido.

Seguindo ainda a linha de exposição cronológica ora proposta e observando os conceitos e a natureza jurídica das contribuições previdenciárias e de terceiros, passa-se a uma breve análise das alterações processuais relativas às execuções de competência da Justiça do Trabalho, trazidas pela Emenda Constitucional n.º 45 de 2005.

A mudança que merece ser destacada por ora refere-se à nova redação do artigo 114, da CF, que já havia sido previamente modificado pela Emenda Constitucional n.º 20, de 1998. Com a nova Emenda Constitucional, passou-se a ler:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

VIII. a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Apenas a título de ilustração, imperioso destacar os incisos I, "a", e II, do artigo 195, da CF:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201.

De fato, tal emenda constitucional trouxe vultosas e importantes modificações para o ramo trabalhista, seja no aspecto do Direito Trabalhista Material, seja no seu aspecto processual.

Em uma breve avaliação, percebe-se que a norma em discussão possui como escopo resguardar as relações de trabalho lato sensu, e não, tão somente, a Relação de Emprego. O legislador brasileiro procurou, de certa forma, buscar um equilíbrio entre o capital e o trabalho.

Para melhor elucidar a competência da Justiça do Trabalho pós Emenda Constitucional n.º 45, alguns aspectos devem ser destacados: o fato do inciso VII, do artigo 114, da CF conferir competência à Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias de ofício não quer dizer que será o juízo, na pessoa física do juiz, o pólo ativo da relação processual. Na verdade, o julgador, buscando proteger a própria seguridade social, irá impulsionar ele próprio o processo no qual figurará a União como Exequente.

Nesse ponto, cumpre esclarecer que a Justiça do Trabalho será competente para executar as contribuições previdenciárias decorrentes de decisões homologatórias ou sentenças originadas a partir da relação evidenciada entre empregado/empregador. Nesse sentido, imperioso destacar que a Justiça do Trabalho é incompetente para executar qualquer contribuição previdenciária que decorra de parcelas salariais enquanto vigorar ainda o contrato de trabalho, a não ser que haja sentença proferida nesse sentido.

A Justiça do Trabalho, portanto, é competente para executar aquelas contribuições que estão nos limites de seus julgados, ou seja, decorrentes das relações trabalhistas.

Pelo exposto, natural surgir o questionamento em relação à competência para a execução das contribuições previdenciárias não decorrentes de relações trabalhistas. Por não se tratar do ponto principal da presente pesquisa, passa-se a uma breve análise da competência não oriunda da decisão proferida pelo Juízo Trabalhista.

Conforme já elucidado, nos termos do artigo 114, inciso VIII, da CF, é indiscutível a competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições daquelas sentenças que ela proferir. Ainda que a execução não obtenha êxito nessa especializada, a União não poderá inscrever o crédito na dívida ativa.

Cumpre fazer esse esclarecimento, pois, todos os créditos referentes às contribuições não provenientes de sentença proferida pela Justiça do Trabalho poderão ser inscritos pela União em dívida ativa, sendo, nesse caso, a Justiça Federal a competente para executá-los.

Um outro exemplo que poderia ser citado gira em torno das ações de repetição de indébito propostas contra o INSS. Nesse caso, a competência será da Justiça Federal, bem como também dela será para a execução de qualquer outro crédito previdenciário que porventura seja inscrito na dívida ativa.

É ainda da competência da Justiça Federal a execução das contribuições previdenciárias decorrentes de acordos celebrados em Comissão de Conciliação. Acerca do tema, interessante observar as sempre esclarecedoras palavras do professor Sérgio Pinto Martins:

Pode-se afirmar que somente a Justiça do Trabalho tem competência para conhecer de execução fundada na sentença trabalhista. A Justiça Federal terá competência para julgar as questões relativas a títulos extrajudiciais, isto é, a dívida ativa da contribuição previdenciária devidamente inscrita pela União, de acordo com a Lei nº 6.830, pois envolve o tema interesse da União (art. 109, I, da Constituição). A União não poderá exigir contribuições decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho perante a Justiça Federal. Assim como a Justiça do Trabalho não terá competência para executar contribuição previdenciária decorrente de inscrição em dívida ativa, isto é, oriunda de título executivo extrajudicial. ( MARTINS, 2008, p. 33).

Apontados os pontos mais importantes, sob uma perspectiva cronológica, a respeito da competência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições previdenciárias, passa-se agora à análise da incompetência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições de terceiros.

A União Federal insistentemente vem requerendo, nas execuções trabalhistas, que sejam descontadas as parcelas devidas a título de contribuições de terceiros. Acontece, todavia, que essas contribuições estão excluídas da norma contida no artigo 195 da Constituição Federal, pois essas são destinadas a entidades privadas.

Importante frisar que as contribuições de terceiros não integram a Seguridade Social, de acordo com os artigos 194 e 240 da Constituição Federal.

Não pairam dúvidas de que a base de cálculo das contribuições sociais é a mesma das contribuições destinadas a terceiros, qual seja, a folha de pagamento da empresa. Acontece, todavia, que carece a Justiça do Trabalho de competência para executar tais contribuições.

Frise-se que o INSS apenas repassa os recolhimentos devidos às entidades do serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.


CAPÍTULO 3

Vistas as questões doutrinárias e legais, imprescindível é realizar uma pesquisa jurisprudencial acerca dos posicionamentos divergentes em relação à competência da justiça especializada para executar as contribuições de terceiros.

A primeira jurisprudência que será comentada trata-se do acórdão prolatado nos autos do Agravo de Petição n° 00465.2007.141.14.00-2 da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, julgado no dia 16/10/2008, em que a União pleiteou a reforma da sentença a fim de se declarar a competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais, inclusive as devidas a terceiros, reincluindo- as nos cálculos de liquidação.

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. RECOLHIMENTO DE TERCEIROS. COMPETÊNCIA. A Justiça do Trabalho é competente para executar, de ofício, as contribuições sociais devidas a terceiros, por força do estatuído no inciso VIII do artigo 114 da Constituição da República, c/c artigo 43 da Lei n. 8.212/91. (TRT 14ª Região, Autos n.º 00465.2007.141.14.00-2, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Socorro Miranda, DETRT14, 22/10/2008).

Em tal julgado, a Desembargadora Relatora Socorro Miranda sustentou em seu voto que:

"os valores denominados "contribuições de terceiros" integram as contribuições previdenciárias, e o inc. VII do art. 114 da Carta Magna confere à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar "a execução, de ofício, das contribuições previdenciárias sociais previstas no art. 195, I, ‘a’, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".

Verifica-se que a Magistrada supracitada entende que as contribuições de terceiros são contribuições sociais, o que já foi veementemente demonstrado em capítulos anteriores que não é, pois enquanto as primeiras são destinadas às entidades de natureza privada do denominado "Sistema S", as segundas são devidas à União.

Outros Tribunais também têm reconhecido a competência da justiça laboral para executar as contribuições de terceiros, consoante as seguintes ementas:

EXECUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES DE TERCEIROS (SISTEMA ‘S’-QUOTAS DE TERCEIROS) E SAT. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A interpretação ampla e conjunta dos artigos 114, inciso VIII e 195, I, ‘a’ e II da Constituição Federal determina a competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais destinadas à Seguridade Social que decorrem de suas decisões, incluídas as destinadas a terceiros, denominadas Sistema ‘S’ (SESI, SENAI, SESC, SENAC, SENAR, SISCOOP, SEBRAE) e INCRA, bem assim aquela destinada a financiar o SAT ( Seguro Acidente do Trabalho). Agravo de Petição da União a que se dá provimento. (TRT 23ª Região, Autos 01340.2005.076.23.00-4, Relatora Desembargadora Leila Calvo, DJAP 01/04/08).

Pela leitura dessa ementa colacionada, percebe-se que há entendimento de que as contribuições de terceiros destinam ao custeio da seguridade social, com base no enunciado do art. 94 da Lei 8.212/91, que assim prescreve:

Art. 94- O Instituto do Seguro Social- INSS poderá arrecadar e fiscalizar, mediante remuneração de 3,5% do montante arrecadado, contribuição por lei devida a terceiros, desde que provenha de empresa, segurado, aposentado ou pensionista a ele vinculado, aplicando-se a essa contribuição,no que couber, o disposto nesta Lei.

Ora, maxima venia, a União apenas arrecada indiretamente as referidas contribuições de terceiros, que são distintas das sociais, conforme já demonstrado em capítulo anterior. O Douto Juiz Marco Aurélio Marsiglia Treviso, em artigo sobre o tema, cita vários exemplos de financiamento indireto da seguridade social como, a título de exemplo, se dá com 50% do produto da venda de bens apreendidos em razão de tráfico de entorpecentes, que é direcionado ao financiamento da seguridade social, bem como 40% do valor dos resultados dos leilões dos bens apreendidos pela Receita Federal.

Na mesma esteira tem-se pronunciado o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS - TERCEIROS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. As contribuições destinadas às entidades de serviço social e formação profissional estão incluídas entre as contribuições previdenciárias a cargo da empresa, uma vez que destinadas ao financiamento da Seguridade Social, na forma do artigo 195 da Constituição Federal. Dessa forma, não há como isentar o empregador do recolhimento da parcela destinada a terceiros no cálculo dos descontos previdenciários. A rubrica diz respeito às contribuições sociais (art. 195, I e II, da CF/88), equiparadas às contribuições previdenciárias, espécie de tributo, cuja arrecadação e repasse fica a cargo do Órgão Previdenciário. Entendimento diverso implica em inobservância à competência material da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições sociais, advinda do inserto no art. 114, VIII, da Constituição Federal. Inteligência da OJ EX SE 166 deste E.TRT. (TRT 09ª Região, Autos n.º 02752-2006-071-09-00-7-ACO-39084-2008, Relator Desembargador Luiz Celso Napp, DJPR em 07/11/2008).

Assim sendo, importante trazer a lume o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, que se inclina pela incompetência da justiça laboral para executar as contribuições ditas de terceiros.

INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DEVIDAS POR TERCEIRO. SISTEMA S EXECUÇÃO. ART. 114, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Prevê o inciso VIII do art. 114 da Carta Magna a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar: a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. O citado art. 195 estabelece que a seguridade social será financiada mediante as contribuições do empregador incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho (inciso I, a ) e do trabalhador (inciso II). Os citados dispositivos não fazem referência às contribuições destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional (Sistema S ). A Justiça do Trabalho possui competência apenas para processar e julgar execução de contribuições previdenciárias devidas pelo empregador sobre os salários e demais rendimentos do trabalho e pelo empregado, não tendo o referido inciso VIII do art. 114 a amplitude que pretende o INSS para ver inserida na competência da Justiça do Trabalho a contribuição sobre o valor devido pelo empregador para entidades privadas de serviço social (Sistema S ). Recurso de revista não conhecido (TST, 2ª Turma, Autos n.º RR-5406/2002-026-12-85, Relator Ministro Vantuil Abdala, DJU 13/06/2008).

Constata-se, pela jurisprudência supra, que não há na lei qualquer disposição que confere a competência à Justiça do Trabalho para executar as contribuições de terceiros, pois estas contribuições não estão dentre as elencadas no art. 195, I, a, e II e seus acréscimos legais.

Imperioso destacar que o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, através de sua Súmula n.° 24, firmou o posicionamento de que a Justiça do Trabalho é incompetente para executar as contribuições arrecadadas pelo INSS para repasse a terceiros decorrentes das sentenças que proferir, nos termos do art. 114 da Constituição da República. Nesse sentido, mister se faz a leitura da seguinte jurisprudência:

INSS - CONTRIBUIÇÃO DE TERCEIROS - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - SÚMULA N. 24 DO TRT DA 3a. REGIÃO -Dispõe a Súmula n. 24 do TRT da 3a. Região que: ""CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS A TERCEIROS - EXECUÇÃO -INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - ART. 114 DA CR/1988. A Justiça do Trabalho é incompetente para executar as contribuições arrecadadas pelo INSS, para repasse a terceiros, decorrentes das sentenças que proferir, nos termos do art. 114 da Constituição da República. "As "contribuições sociais", a serem executadas "ex officio", conforme parágrafo único do art. 876, da CLT, são aquelas devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo. As entidades privadas de serviços sociais ou de formação profissional não fizeram parte do processo do trabalho, mas apenas as empresas e os trabalhadores, portanto, as "contribuições sociais" previstas no art. 876, parágrafo único, da CLT, resultantes de condenação ou homologação de acordo proferida por órgãos da justiça do Trabalho, somente podem se referir àquelas devidas pelas partes do processo (empresas e trabalhadores) para financiar a Seguridade Social, ou seja, as "contribuições sociais" descritas no art. 195, I, "a" e II, da CF/88, que se inserem na competência material da Justiça Obreira, descrita no inciso VIII, do art. 114, da CF/88. As contribuições para terceiros ficam ressalvadas do financiamento da Seguridade Social (art. 195 da CF/88), conforme o disposto no art. 240 da CF/88. Afinal, a Seguridade Social visa assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social com universalidade de cobertura e atendimento (art. 194, "caput" e seu inciso I, da CF/88), enquanto que os "serviços sociais autônomos" (SESC, SESI, etc.) são entidades paraestatais e visam prestar serviços de utilidade pública a determinados grupos sociais ou categorias profissionais, e não de forma ampla a toda a sociedade, como ocorre com a Seguridade Social. Assim, os recursos carreados para os chamados "serviços sociais autônomos" ou pessoas jurídicas de direito privado de cooperação governamental são recolhidos compulsoriamente pelos contribuintes em decorrência das diversas leis que estabelecem estas contribuições parafiscais, no entanto, como expressamente ressalvado no art. 240 da CF/88, ainda que estas contribuições sejam arrecadadas, normalmente, pela autarquia previdenciária, INSS, seus recursos são repassados diretamente às entidades paraestatais para estas enfrentarem os custos decorrentes do desempenho de suas atividades, ou seja, não são repassados para o custeio da Seguridade Social, como as "contribuições sociais" descritas no art. 195 da CF/88. (TRT 03ª Região, Agravo de Petição n° 00130-2008-141-03-40-0, Relator Convocado Juiz Rodrigo Ribeiro Bueno, DJMG 04/02/2009).

Conforme demonstrado, a maioria dos Tribunais Regionais do Trabalho tem entendido que falece à justiça laboral competência para executar as contribuições de terceiros. Para reforçar esse posicionamento, transcreve-se ementa de decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:

FATO GERADOR DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. COBRANÇA DE OFÍCIO. O fato gerador da contribuição previdenciária é o acordo ou a sentença condenatória, quando houve efetiva constituição do crédito trabalhista, que se revela como hipótese de incidência do tributo previdenciário, com a determinação de recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre as parcelas de condenação ou acordo que as tornaram exigíveis. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DE TERCEIROS (SAT). INCOMPETÊNCIA DESTA JUSTIÇA ESPECIALIZADA.O art.94 da Lei 8.212/91, que previa a contribuição social de terceiro, foi revogado pela Lei 11.501/07. Outrossim, a EC 45/04 não atribuiu competência a esta Justiça Especializada para execução das contribuições previdenciárias sociais de terceiros, mas, tão-só, os recolhimentos relacionados com o trabalho, nos termos da nova redação conferida ao art. 114, VIII, e 195, I, "a", e II, da CF/88. Agravo de petição a que se nega provimento. (TRT 02ª Região, Autos n° 01775-2007-018-02-00-4, Relator Desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros, DJSP 21/11/2008).

Assim, para a jurisprudência majoritária não pairam hoje mais dúvidas de que carece à Justiça do Trabalho competência para executar as contribuições de terceiros, não havendo ofensa aos artigos 114, VIII e 195, I, "a" e II, ambos da Constituição, além do artigo 876, parágrafo único, da CLT.


Conclusão

Após a análise e o estudo dos diversos aspectos que envolvem as contribuições sociais e as contribuições de terceiros ligadas à competência da Justiça do Trabalho para a execução dessas contribuições, tornou-se evidente que a Justiça do Trabalho é competente para executar todas as contribuições sociais que tenham nascido da relação trabalhista.

Assim, a contribuição social decorrente de sentença homologatória de acordo celebrado na Justiça do Trabalho ou sentença condenatória proferida por essa Especializada poderá, sim, ser executada no âmbito federal trabalhista.

Da mesma forma, é de se concluir pela incompetência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições de terceiros destinadas ao grupo "S". De fato, apenas após o estudo a respeito da natureza e da finalidade dessas contribuições e a diferenciação entre elas foi possível chegar a essa conclusão.

O ponto principal do presente artigo é exatamente o estudo da competência da Justiça do Trabalho para a execução dessas contribuições, sejam elas sociais ou de terceiros. Para tanto, foi fundamental o estudo da evolução cronológica da legislação brasileira a esse respeito.

Além desse estudo cronológico da evolução da legislação constitucional e infraconstitucional a respeito do tema, a análise de jurisprudência pôde demonstrar a riqueza do tema e das posições sobre ele existentes. Apenas a partir de entendimentos divergentes pode-se chegar a um estudo conclusivo, que permita a adoção daquela posição mais condizente com a Lei.

O artigo terá alcançado o seu objetivo se tiver demonstrado a natureza jurídica das contribuições sociais e de terceiros, apresentando seus aspectos comuns e divergentes. Terá também alcançado êxito se houver demonstrado como se deu a fixação da competência para a execução dessas contribuições.

Imperioso destacar que as respostas e as conclusões encontradas só se tornaram possíveis a partir de estudos aprofundados sobre o procedimento executivo e a sua relação com essas contribuições, que abarcam aspectos trabalhistas, previdenciários e tributários. Todas as conclusões basearam-se exclusivamente em dispositivos legais, bem como nas jurisprudências a respeito do tema trabalhado.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITÃO, Fernanda Massote. A questão da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições de terceiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2332, 19 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13879. Acesso em: 27 abr. 2024.