Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/1396
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Inconstitucionalidades do IPTU 2000 de Belém

Inconstitucionalidades do IPTU 2000 de Belém

Publicado em .

A seguir, uma coletânea de artigos, relativos a uma batalha judicial contra diversas alterações no IPTU de Belém para o ano 2000, cuja inconstitucionalidade foi defendida em cinco ações diretas em trâmite no Tribunal de Justiça do Pará.

Estes artigos foram elaborados antes do advento da Emenda Constitucional 29, que alterou a disciplina constitucional do IPTU progressivo.

Os textos foram originalmente publicados em jornais do Pará, e podem servir de subsídio para casos semelhantes em outras cidades do Brasil.


INCONSTITUCIONALIDADE DO IPTU

(Liberal, 10.12.99)

Os contribuintes do IPTU em Belém estão recebendo comunicação referente ao recadastramento efetuado pela Prefeitura, da qual constam, além de outros dados, o valor venal e a alíquota do imposto. Em decorrência, muitos serão obrigados a pagar, no próximo ano, um valor bem mais alto, devido à progressividade das alíquotas. Vamos explicar por partes:

O valor venal, conforme o Aurélio, é aquele pelo qual o imóvel pode ser vendido, porém cabe à autoridade fiscal, com base na prévia apuração desse valor venal, efetuada pelos técnicos da Prefeitura, calcular o tributo e emitir a notificação para o pagamento. O contribuinte poderá impugnar esse lançamento, sempre que entender que esse valor esteja acima da realidade. Embora os resultados da impugnação administrativa possam ser desfavoráveis, ao menos servirá para registrar o descontentamento do contribuinte com o lançamento a maior. Afinal, opor-se a lançamentos incorretos é não apenas um direito, mas um dever do contribuinte.

Mesmo que entenda que está correto o valor venal calculado pela Prefeitura, poderá o contribuinte impugnar o lançamento do IPTU, se a alíquota for progressiva, conforme ocorre em Belém.

A alíquota do imposto é o percentual, aprovado por lei municipal, que deve ser aplicado sobre o valor venal, para calcular o imposto devido. Acontece que nossa legislação municipal conflita com a Constituição Federal, porque essas alíquotas são progressivas, ou seja, aumentam de acordo com o valor venal do imóvel, aumentam se o imóvel é não residencial, e aumentam muito mais ainda, se o imóvel não é edificado. Temos em Belém cinco alíquotas diferentes para imóveis residenciais, quatro para imóveis não residenciais e seis para imóveis não edificados.

Essa progressividade é inconstitucional, somente podendo ser cobrada uma alíquota predial e uma alíquota territorial. O Supremo Tribunal Federal já firmou jurisprudência pacífica, no sentido de que, sendo o IPTU um imposto real, incide sobre o imóvel e por isso, não pode ser graduado segundo a capacidade contributiva do proprietário desse imóvel. Existem centenas de decisões nesse sentido. O STF decidiu, em abril deste ano, que o imposto de natureza real não pode variar em função da capacidade contributiva do sujeito passivo e assim, todos os contribuintes do IPTU, ricos, pobres ou remediados, estarão sujeitos a uma mesma alíquota.

A matéria é tratada nos arts. 156 § 1o e 182, §§ 2o e 4o da Constituição Federal. O art. 156, em seu § 1o , estabelece que o IPTU poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Ocorre que o § 2o do art. 182 define essa função social: "A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor".

Se a propriedade urbana não cumpre sua função social, cabe a aplicação do § 4o do mesmo art. 182: "É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal (que ainda não existe), do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I- parcelamento ou edificação compulsórios; II- imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III- desapropriação, etc..

É evidente que não pode o art. 156 ser interpretado isoladamente. Seria um atentado à Constituição, porque o simples bom senso demonstra que não haveria razão para a existência do art. 182, se o Município pudesse instituir, com base no art. 156, alíquotas progressivas, livremente, por lei municipal, sem qualquer limitação. É claro que o Município tem autonomia, mas precisa respeitar os princípios básicos da Constituição Federal, que tem 246 artigos, em seu texto permanente, e constitui princípio básico de hermenêutica que não se pode interpretar uma norma isoladamente. Por essa razão, não é possível, pela simples leitura superficial do art. 156 § 1o , entender que o Município poderá, através de lei municipal, criar alíquotas progressivas, de acordo com os mais variados critérios que a fértil imaginação do legislador possa produzir. A interpretação tem que ser sistemática, e a única progressividade permitida pela Constituição Federal para as alíquotas do IPTU é a progressividade no tempo, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Isso é um exemplo de extrafiscalidade, ou seja, de utilização do tributo como instrumento para a obtenção de finalidades diversas daquela da simples arrecadação de dinheiro. A alíquota progressiva somente pode ser admitida quando o imóvel não cumpre sua função social, o que poderia ocorrer, por exemplo, com terrenos urbanos não edificados, e o maior exemplo em Belém de propriedade que há muitos anos não cumpre sua função social é o "buraco da Palmeira". Porém, em relação aos imóveis residenciais, de uso próprio ou alugado, ou em relação aos imóveis edificados não residenciais, não pode haver esse tipo de penalização, através de alíquotas progressivas. Seria uma espécie de imposto Robin Hood, isso se o dinheiro chegasse às mãos dos pobres. Os imóveis residenciais, próprios ou alugados, cumprem igualmente sua função social, e não existe qualquer justificativa para que seja exigida uma alíquota maior em relação aos imóveis de maior valor venal, porque a função social da propriedade não pode ser confundida com a redistribuição da riqueza ou com o simples confisco. Também quanto aos imóveis não residenciais, cujas alíquotas são muito mais altas (de 0,5% até 2,00%), enquanto que as alíquotas dos residenciais variam de 0,15% até 0,6%, não existe qualquer razão para aumentar suas alíquotas. Afinal de contas, em que sua utilização poderá estar prejudicando a função social da propriedade? É evidente que os estabelecimentos comerciais e industriais, as lojas, supermercados, escritórios e etc., geram empregos, rendas, tributos federais, estaduais e municipais e prestam à população serviços certamente indispensáveis. Não existe, assim, qualquer razão lógica nem jurídica para essa tributação confiscatória do patrimônio de particulares e francamente inconstitucional, nem para o conseqüente enriquecimento indevido dos cofres municipais, isso se o tiro não sair pela culatra e o contribuinte, tendo em vista os valores exorbitantes cobrados, não engrossar o cordão dos inadimplentes, como parece que já vem ocorrendo. Mas é claro, dissemos, que o contribuinte poderá se defender administrativamente, em requerimento dirigido à própria Prefeitura, ou pelas vias judiciais, com alguns inconvenientes, como o de ter que contratar um advogado e o da demora na decisão. Tratando-se, porém, de matéria constitucional, mesmo que o contribuinte perdesse a questão no âmbito da Justiça Estadual, caberia ao Supremo a última palavra e lá, conforme já dissemos, todas as decisões, desde 1.996, têm sido favoráveis aos contribuintes e contrárias às alíquotas progressivas.


O IPTU DE BELÉM
(Província, 16.01.00)

Como se não bastasse a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas em função do valor venal do imóvel, instituídas pelo art. 6o da Lei municipal 7.934, de 29.12.98, a Câmara Municipal de Belém aprovou projeto de lei que altera a legislação do IPTU, com uma novidade, a concessão de descontos de 10%, 20% e 30%, em função da área construída. Tão inconstitucional como a progressividade das alíquotas do IPTU, em função do valor venal do imóvel, ou em função de sua utilização como não residencial, ou pelo fato de ser um terreno não edificado, é a concessão de descontos progressivos, em função da área. Como se não bastassem, em Belém, cinco alíquotas diferentes para imóveis residenciais, quatro para imóveis não residenciais e seis para imóveis não edificados, progressivas em função do valor venal do imóvel, temos agora os descontos progressivos, em função da área do imóvel. Esses descontos, em função da área construída, não passam de uma forma oblíqua de progressividade, porque é evidente que, de qualquer maneira, os contribuintes estarão sujeitos a tratamentos diferenciados, agora em função da área do imóvel. E o que é ainda mais grave, quando o legislador adotou o critério da área, esqueceu que estará concedendo o mesmo desconto ao barraco de 50 m2 e à construção de granito e vidro fumê. A base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel (art. 33 do Código Tributário Nacional). Ora, se o imposto deve ser calculado, obrigatoriamente, pela aplicação de uma alíquota sobre o valor venal do imóvel, no momento em que a legislação municipal passa a refletir toda a criatividade da Prefeitura pela concessão de descontos diferenciados, em função da área do imóvel, ou em função do fato de que o imóvel seja residencial ou não residencial, é lógico que, em conseqüência, estará sendo desobedecida também a norma do art. 33 acima transcrito, porque o imposto estará sendo indiretamente calculado em função da área do imóvel, ou das outras variáveis, e não mais em função de seu valor venal. Talvez se trate de um artifício para escapar da inconstitucionalidade, já sobejamente caracterizada em função do valor venal, pela copiosa jurisprudência do Excelso Pretório. Esse artifício é, contudo, primário, exatamente porque idêntico ao utilizado, há alguns anos, por alguns comerciantes, que impedidos de fixarem, para suas mercadorias, preços diferenciados, para pagamento à vista ou com cartões de crédito, simplesmente estabeleciam um único valor, mais elevado, e concediam desconto para pagamento à vista. Na realidade, estavam conseguindo o mesmo resultado, porque quem comprava com o cartão, pagava mais.

As duas formas de progressividade são ambas inconstitucionais, porque somente pode ser cobrada uma alíquota predial e uma alíquota territorial, sendo esta de acordo com os §§ 2o e 4o do art. 182 da Constituição Federal (extrafiscalidade- progressividade no tempo). De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, sendo o IPTU um imposto real, incide sobre o imóvel, não podendo ser graduado segundo a capacidade contributiva de seu proprietário. O entendimento contrário seria uma porta aberta ao efeito confiscatório da tributação. Pela jurisprudência pacífica do Excelso Pretório, portanto, todos os contribuintes do IPTU, ricos, pobres ou remediados, estarão sujeitos a uma mesma alíquota. Qual seria essa alíquota? Claro, a mais baixa, porque todas as outras são progressivas. Assim, o contribuinte tem o direito, que lhe é assegurado pelas normas constitucionais, de pagar o seu IPTU a uma alíquota de 0,15%.

Não existe mais qualquer dúvida a respeito da inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU, que têm sido cobradas, sob várias formas e modalidades, em diversos Municípios brasileiros, porque o Supremo Tribunal Federal tem decidido, de forma pacífica, que a única progressividade que pode ser admitida é a progressividade no tempo, para assegurar a função social da propriedade, nos termos dos arts. 156 § 1o e 182 §§ 2o e 4o da Constituição Federal.

As lei inconstitucionais são nulas e de nenhum efeito, porque é evidente que, conflitando com a Constituição, o juiz não poderá aplicá-las ao caso concreto. Assim, para evitar que possam produzir efeitos jurídicos, apesar de juridicamente inexistentes, resta o recurso ao controle de constitucionalidade, seja o incidental, por via de exceção, o chamado controle difuso, porque compete a qualquer juiz ou tribunal deixar de aplicar ao caso concreto a norma inconstitucional, seja o controle por via de ação direta, ajuizada por quem tenha legitimidade para agir.

No controle difuso, o juiz não revoga a lei, apenas deixa de aplicá-la ao caso concreto, porque é claro que, se ela conflita com a Lei Fundamental, não poderá produzir efeitos jurídicos. Essa decisão, denominada incidental, tem aplicação apenas ao caso concreto, não podendo beneficiar os outros contribuintes.

No controle por via de ação, que no caso do IPTU de Belém compete ao Tribunal de Justiça do Estado, declarada definitivamente a inconstitucionalidade, os efeitos dessa decisão serão universais. A lei será retirada da ordem jurídica, não podendo mais a autoridade exigir o pagamento do tributo inconstitucional.


O IPTU E A CURVA DE LAFFER

(Liberal, 26.01.00)

Nenhum administrador tributário pode se dar ao luxo de desconhecer a teoria de Arthur Laffer, economista da Universidade de Pepperdine, nos Estados Unidos. A Curva de Laffer mostra a relação existente entre as alíquotas do imposto e o total da arrecadação tributária, de modo que nem sempre o aumento da tributação gera um aumento de arrecadação, se a atividade econômica decresce. Esse economista apresentou seu estudo ao Presidente Ronald Reagan, para convencê-lo de que reduzir as alíquotas dos impostos poderia resultar em maiores arrecadações para o governo. Em Belém, não são poucos os contribuintes que estão insatisfeitos com os aumentos do IPTU, resultantes da aplicação do novo Cadastro, que a Secretaria de Finanças da PMB pomposamente denomina como "Multifinalitário", ou seja, aquele que serve para muitas finalidades. Não pretendo discutir a metodologia utilizada, nem a margem de erro, que a Sefin alega ser muito baixa, de apenas 5%. Afinal, seria preciso examinar o valor venal caso a caso, para cada contribuinte. Mas a verdade é que esse recadastramento, aumentando o valor venal do imóvel, também aumentou o valor do tributo a ser pago pelo contribuinte, daí a insatisfação popular, porque não pode haver nenhuma dúvida de que essa idéia de aumentar impostos foi muito infeliz, na situação atual, de recessão econômica e desemprego (nos anos 90, o Pará perdeu 47.000 empregos), após cinco anos sem reajustes salariais, e com uma inflação acumulada de 85%. Se a Sefin tivesse ouvido falar da curva de Laffer, saberia que o aumento do tributo somente pode causar o aumento da arrecadação até um determinado ponto, o ponto ótimo. A partir daí, qualquer aumento de alíquotas (ou de valor venal, no caso do IPTU), somente poderá resultar no decréscimo da arrecadação tributária. A inadimplência do IPTU, em Belém, já era muito alta, na faixa dos 50%, antes mesmo desse aumento, causador da indignação e da revolta de muitos contribuintes, que ainda costumavam pagar seus impostos. Certamente, com essa atitude irresponsável, a Sefin conseguirá demonstrar, na prática, a teoria de Laffer, porque o ponto ótimo da tributação, no IPTU de Belém, já foi ultrapassado há muito tempo.

Mas isso não é tudo, porque dois aspectos devem ser considerados, na tributação do IPTU: o primeiro, de que já falamos, o do valor venal, ou seja, o valor de venda do imóvel, que na maioria dos casos, foi aumentado, em decorrência desse recadastramento. Esse valor, evidentemente, precisaria ser examinado, caso a caso, para que se pudesse verificar se a avaliação da Sefin é ou não correta, e se o tal cadastro multifinalitário é realmente tão maravilhoso.

Mas existe um segundo aspecto, que não tem sido nem mesmo tocado pelas autoridades tributárias, em suas declarações, e que é da maior importância, o referente às alíquotas do IPTU, ou seja, aos percentuais que são utilizados para o cálculo do imposto. Multiplicando-se a alíquota pelo valor venal, temos o valor do imposto, que somado ao valor das taxas (de limpeza pública, de urbanização e de iluminação pública) resultará no total do tributo devido. Pois bem: acontece que o Município de Belém vem cobrando alíquotas progressivas, com base no art. 6o da Lei 7934/98, o que é inconstitucional, de acordo com a jurisprudência pacífica do STF.

Alíquota progressiva é aquela que aumenta em função do valor venal do imóvel, ou em função de sua utilização, como comercial, ou como não edificado. É exatamente o que acontece em Belém, porque de acordo com as tabelas em vigor, as alíquotas do IPTU variam de 0,15% até 3,5%. Isso é inconstitucional, o que significa que o contribuinte não é obrigado a pagar esse tributo, porque a Constituição Federal está muito acima da legislação municipal, e qualquer juiz ou tribunal reconhecerá esse direito.

A alíquota do IPTU deveria ser fixa, isto é, não poderia variar, em função do valor venal do imóvel, ou em função da utilização desse imóvel. O IPTU seria, assim, proporcional, ou seja, o contribuinte pagaria um imposto maior ou menor, dependendo do valor venal do seu imóvel, mas sem qualquer progressividade de alíquotas. Por exemplo, supondo-se que a alíquota única seja de 1% (um por cento), se o valor venal do imóvel é R$50.000,00, o contribuinte pagará R$500,00, mais as taxas, enquanto o contribuinte cujo imóvel tenha um valor venal de R$600.000,00, pagará R$6.000,00, mais as taxas.

O contribuinte do IPTU tem o direito, assegurado pelas decisões do STF, de não pagar essas alíquotas progressivas. A única alíquota que não é inconstitucional é a mais baixa, de 0,15%.

Qual a solução, para o contribuinte que não pode ou não quer pagar o IPTU, nos valores atuais?

A primeira, a mais simples de todas, que é também a mais comum, é deixar de pagar e guardar o carnê na gaveta, mas o contribuinte se arrisca a sofrer um processo de execução fiscal, isso se a Prefeitura tiver condições de executar na Justiça milhares de débitos de pequeno valor.

A segunda, consiste na apresentação de uma impugnação, assinada pelo contribuinte, dentro do prazo de trinta dias, contados a partir do recebimento do carnê, tudo de acordo com o Código Tributário Municipal. A Sefin será obrigada a decidir, julgando essa impugnação procedente ou improcedente. O contribuinte poderá, ainda, recorrer dessa decisão, para o Conselho de Recursos Fiscais. A OAB, por sua Seccional, no desempenho de sua missão constitucional, em defesa da ordem jurídica e do jurisdicionado, colocou à disposição dos contribuintes do IPTU um modelo de impugnação, em seu site da internet. O endereço é: http://www.oab-pa.org.br. Para quem não tem internet, cópia da impugnação poderá ser obtida na OAB, no Largo da Trindade, nos dias úteis, das 9 às 13 horas.

A terceira, seria o recurso às vias judiciais, mas para isso o contribuinte vai precisar contratar um advogado, além de gastar com as taxas judiciais. Por essa razão, esta hipótese somente se aplica em relação aos grandes contribuintes. Um outro fator que pode prejudicar o contribuinte, caso ele decida acionar a Prefeitura, é o referente aos problemas que ele poderá ter, para a obtenção de certos documentos, especialmente se ele for um comerciante.

Mas além dessas soluções, existem outras possibilidades, como a do ajuizamento de uma ação civil pública, ou a do ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade, perante o TJE, pela OAB, ou pelo Ministério Público, ou por qualquer dos outros órgãos que têm legitimidade para isso. Em qualquer desses casos, todos os contribuintes seriam beneficiados, porque a Prefeitura seria obrigada a rever essa tributação, e emitir novos carnês para pagamento do IPTU/2000.


EM DEFESA DO CONTRIBUINTE
(Liberal, 30.01.00)

Quando a OAB oferece aos contribuintes do IPTU um modelo de impugnação, para que possam defender seus direitos, isso não significa, absolutamente, a existência de qualquer confronto com a Prefeitura, mas apenas a atuação da Ordem no desempenho de sua missão, em defesa da cidadania. Quando o advogado aconselha o contribuinte a não pagar o tributo, e a se defender pelas vias administrativas ou judiciais, protocolando uma impugnação, ou ajuizando uma ação, está apenas desempenhando sua nobre tarefa de lutar contra a injustiça. Quando o próprio Estado paga advogados para que patrocinem as causas das pessoas pobres, o que se pretende é apenas o reconhecimento do sagrado direito de defesa. Quando o Ministério Público, em sua função de fiscal da lei, patrocina uma causa, seu escopo deve ser sempre o de fazer com que a lei prevaleça, sobre o arbítrio e a prepotência. Quando o Magistrado, decidindo o caso concreto, sentencia a favor de uma das partes, está apenas reafirmando a prevalência do princípio da legalidade.

O profissional do Direito, qualquer que seja sua esfera de atuação, seja ele juiz, advogado, promotor, Ministro da Justiça ou Secretário da Receita Federal, para ter certeza de que não se enganou na escolha da profissão, deve se revoltar contra a injustiça, porque, afinal de contas, essa é a finalidade do Direito: a defesa contra a injustiça.

Quando, em textos anteriormente publicados neste jornal, afirmei que as alíquotas progressivas do IPTU são inconstitucionais, não estava, absolutamente, incentivando a desobediência à lei. Ao contrário, porque a lei inconstitucional não existe, é absolutamente nula e não pode produzir qualquer efeito jurídico. Não existe nada mais injusto do que pretender que o contribuinte pague um tributo criado por uma lei inconstitucional. A desobediência à lei, quem a praticou, foram as autoridades responsáveis por essa tributação progressiva, isto é, a Câmara Municipal, que discutiu e aprovou o projeto de lei, e o Prefeito, que o sancionou. Desobedeceram à lei, e não a uma lei qualquer, mas à lei fundamental, a Constituição. Felizmente, o ilustre vereador Raul Meireles já declarou que a Câmara Municipal não pode ficar omissa diante dessa cobrança abusiva. Com meu trabalho, portanto, estou somente cumprindo minha obrigação de advogado, esclarecendo e ajudando o contribuinte a defender seus direitos contra uma exigência descabida. Mas ninguém precisa se preocupar muito com isso, porque não existe nem a mais remota possibilidade de que eu venha a me candidatar a qualquer cargo eletivo. Merece ainda comentário a declaração da Ilma. Dra. Secretária de Finanças, a respeito da apresentação de um projeto de lei para fixar uma alíquota única de 0,15%, de que "jamais seria fixada a menor alíquota , e que ela seria no mínimo de 0,4%, o que só prejudicaria os contribuintes de baixa renda". Devo esclarecer, a respeito, que não se trata, na realidade, de fixar a alíquota de 0,15%. Isso escapa à competência da Câmara, ou da Ilustre Secretária, em decorrência, respectivamente, dos princípios constitucionais da anualidade e da legalidade. As alíquotas já estão fixadas, na lei. Portanto, se o TJE julgar inconstitucionais as alíquotas progressivas, deverá vigorar, para a cobrança do IPTU 2.000, a única alíquota que não é progressiva, ou seja, a menor, de 0,15%. O contribuinte não deve se preocupar com isso, porque em 2.000, a única alíquota correta é a de 0,15%. Não é verdade, absolutamente, que depois da decisão do TJE pela inconstitucionalidade, seja preciso, ainda, que a Câmara legisle, e que essa alteração somente poderia vigorar para o IPTU 2.001. Ao contrário, a lei inconstitucional é nula e sem nenhum efeito desde sua edição, em 98, e a declaração de inconstitucionalidade produzirá efeitos ex tunc, o que em português castiço significa dizer que essa lei nunca existiu. Outro esclarecimento necessário é o referente ao prazo para que o contribuinte apresente sua impugnação. Normalmente, o contribuinte teria 30 dias, contados a partir da data do recebimento do carnê. Acontece que esses carnês não são acompanhados de A.R. (aviso de recebimento) e, por essa razão, nos termos do Código Tributário, o prazo de 30 dias para a impugnação começará a ser contado 15 dias depois da data em que os carnês forem entregues aos Correios. Assim, considerando-se que o primeiro lote de carnês foi distribuído, talvez, no dia 15 de janeiro, o contribuinte terá até o fim do mês de fevereiro, pelo menos, para dar entrada na sua impugnação. Seria muito interessante, aliás, que a autoridade, zelosa em assegurar ao contribuinte seu direito de defesa, esclarecesse o assunto. Finalmente, devo dizer que o contribuinte, que tem o direito de não pagar o tributo inconstitucional, tem o dever, também, de não se acovardar, ante a ameaça de ser executado, primeiro pela remota possibilidade de que isso aconteça, e depois, porque qualquer juiz ou tribunal reconhecerá a inconstitucionalidade dessas alíquotas. Digo que a possibilidade é remota, com base em estatística publicada pela própria Prefeitura, em propaganda paga que afirma que Belém tem o IPTU mais barato do Brasil. Por essa estatística, observa-se que, dos 175.826 contribuintes do IPTU (porque 81.849 são isentos), apenas 8.791 pagam mais de mil reais. Sabendo-se que a inadimplência, por declarações da própria Prefeitura, é de mais de 50%, é lógico que mais de 87.900 contribuintes estão inadimplentes, em cada exercício. Considerando-se a prescrição do débito em 5 anos, e considerando-se, ainda, que a Prefeitura executou apenas 4.060 contribuintes em 99, seria talvez mais fácil, para o pequeno contribuinte, ganhar na Esportiva, do que sofrer um processo de execução. Esclareço, mais uma vez, que não estou incentivando o contribuinte a descumprir a lei. Ao contrário, estou exigindo o respeito à Lei Fundamental, a Constituição. Quem pretende que essa lei deve ser cumprida, de qualquer maneira, apresentando até mesmo algumas alegações francamente absurdas, atinge frontalmente a Constituição Federal e desobedece a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal. E ninguém precisa temer, também, a falta de arrecadação, porque se a Prefeitura cobrar corretamente o IPTU, é até muito provável que a arrecadação aumente, porque os contribuintes inadimplentes poderão pagar seus tributos e regularizar a situação dos seus imóveis.


A GUERRA DO IPTU

(Província, 07.02.00)

Desde dezembro do ano passado, venho denunciando a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU cobrado em Belém. Embora desde 1.996 já exista jurisprudência pacífica do STF no sentido de que os Municípios não podem instituir alíquotas progressivas, em função do valor venal do imóvel, somente agora o contribuinte se rebelou contra a cobrança desse imposto. Na realidade, a maioria não toma conhecimento das alíquotas. O que importa, mesmo, é o valor a ser pago. Por essa razão, o IPTU vinha sendo pago sem maiores problemas, nos últimos anos, apesar do altíssimo índice de inadimplência, próximo dos 60%.

Mas agora, graças à irresponsabilidade e à imprevidência das autoridades tributárias, com a elaboração do maravilhoso "Cadastro Multifinalitário", baseado em levantamento aerofotogramétrico, os imóveis de Belém foram reavaliados, e muitos contribuintes do IPTU sentiram no bolso as conseqüências. Esse cadastro moderníssimo e, muito provavelmente, caríssimo, conseguiu o que parecia impossível: o contribuinte agora já se interessou pelo assunto e já sabe o que são alíquotas e já está prestando atenção, também, para as taxas que são cobradas juntamente com o IPTU, em especial para a Taxa de Limpeza Pública (TLP), que é também inconstitucional.

Impossibilitado de pagar os altos valores cobrados, o contribuinte invadiu as dependências da Sefin, onde foi informado de que teria mesmo que se conformar com aquela cobrança, porque o Cadastro estava correto, porque seu imóvel tinha sido fotografado pelo avião, e visitado pelos técnicos especializados, e medido, e avaliado, e etc.

Inconformado, o contribuinte invadiu também as dependências da OAB, que passou a fornecer orientação referente ao modelo de impugnação através do qual o contribuinte poderia se defender contra essa tributação extorsiva e confiscatória. A autoridade municipal gentilmente informou que somente aceitaria as impugnações feitas de acordo com o modelo oficial da Sefin, porque a OAB não tinha nada a ver com o problema. O contribuinte não deveria perder seu tempo com o modelo de impugnação da OAB. Bastaria que comparecesse à Sefin, para assinar uma impugnação já pronta, e pagar uma pequena taxa, e tudo estaria resolvido, amigavelmente, sem maiores problemas. A Sefin reconhecia o direito de defesa do contribuinte, desde que este ficasse calado.

Mas é óbvio que o contribuinte tem todo o direito de fazer a sua impugnação, e a Sefin é obrigada a protocolar esse requerimento, sem cobrar nenhuma taxa. É o direito de petição, contra ilegalidade e abuso de poder, constitucionalmente assegurado.

No próximo dia 5 de fevereiro, vence o primeiro prazo para pagamento do IPTU, em cota única, com desconto de 15%, ou apenas a primeira parcela. No dia 5 de março, vence o prazo para pagamento em cota única, com desconto de 10%. Mas o contribuinte precisa ter um pouco de calma. Afinal de contas, já estão sendo ajuizadas Ações Diretas, para tentar o reconhecimento, pela Justiça, da inconstitucionalidade dessas leis. A primeira foi a do PDT. A OAB, o PTB, o Sindcon e o Ministério Público estão também estudando a alternativa do ingresso em juízo contra as alíquotas progressivas do IPTU, e contra a Taxa de Limpeza Pública. A Ação Direta é ajuizada diretamente no Tribunal de Justiça do Estado, destinando-se ao controle da regularidade das leis e atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual. Inovação da Constituição de 88, esse controle de constitucionalidade, no âmbito estadual, transforma o Tribunal de Justiça em Corte Constitucional, atribuindo-lhe missão correspondente à do Supremo Tribunal Federal, de guardião da Constituição e seu intérprete máximo. O Processo foi distribuído ao Ilustre Desembargador Pedro Paulo Martins, designado Relator, que poderá imediatamente conceder a Liminar, tendo em vista a forte densidade do direito alegado, evidente em face da pacífica jurisprudência do STF a respeito da matéria, bem como a flagrante urgência da tutela jurisdicional, pela situação criada, extremamente prejudicial ao contribuinte e à administração pública. Se a Liminar for concedida, a cobrança ficará suspensa, e o Município será obrigado a emitir novos carnês, de acordo com a alíquota de 0,15%. Poderá ser obrigado, ainda, a examinar, caso a caso, o valor venal do imóvel, para corrigir os erros existentes. Desejo ainda esclarecer que, ao contrário do que afirmaram algumas autoridades, não haverá necessidade de que seja elaborada uma lei, para fixar a alíquota do IPTU, porque uma vez declarada a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas, a Prefeitura deverá cobrar esse imposto de acordo com a alíquota de 0,15%, a única constitucional, e a única que poderá ser aplicada no presente exercício. Devo dizer, ainda, que como advogado, sou obrigado a esclarecer o contribuinte e a ajudá-lo a se proteger contra a ilegalidade. Não é verdade que eu esteja incentivando o contribuinte a descumprir a lei, porque a lei inconstitucional não é lei, não existe, é nula e de nenhum efeito. É pena que, para a grande maioria, não seja interessante contratar um advogado, para se defender contra essa cobrança, mas muitos grandes contribuintes já tiveram decisões favoráveis. Mas qualquer profissional do Direito, seja ele um advogado, um promotor, um delegado de polícia, um executivo ou um magistrado, tem o sagrado dever de se revoltar contra a injustiça. Nenhum deles pode aconselhar o contribuinte a pagar tributo cobrado com base em uma lei inconstitucional, porque a inconstitucionalidade é o maior vício que possa existir, e atenta contra o próprio coração do ordenamento jurídico. Nem mesmo pelo fato de que seja mais fácil pagar do que lutar, porque a inércia do contribuinte fará com que a autoridade seja levada a abusar sempre, cada vez mais. Os direitos não nos são dados gratuitamente. É preciso sempre lutar por eles. E mais: se a Prefeitura cobrar corretamente o IPTU, não haverá risco de que a arrecadação seja reduzida. Ao contrário, os contribuintes inadimplentes poderão pagar seus tributos, a atividade econômica crescerá e talvez seja contido, até mesmo, o crescimento do chamado mercado informal.


DECRETO LEGISLATIVO X IPTU
(Liberal, 07.02.00)

Em clima de contestação judicial por parte da bancada governista, a Câmara Municipal de Belém foi convocada para se reunir, em caráter extraordinário, com a finalidade de debater a questão do IPTU de Belém, que tem gerado a celeuma, de conhecimento geral.

Os vereadores da oposição pretendem suspender a eficácia do art. 6o da Lei 7.934/98, que institui alíquotas progressivas, julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

Dizem eles que é competência da Câmara Municipal suspender essa cobrança, através de decreto legislativo, com base no inciso IX do art. 45 da Lei Orgânica do Município de Belém. Ao mesmo tempo, um vereador governista contestou essa pretensão, afirmando que a Câmara não pode legislar sobre matéria tributária para o mesmo exercício e que esse decreto legislativo não poderia, portanto, vigorar neste ano. Considerando que todos eles têm razão, mas somente em parte, e pretendendo contribuir para a solução do problema, passo a tentar esclarecer o assunto.

A Câmara Municipal dispõe de dois instrumentos básicos para o desempenho de sua competência: a lei, prevista no art. 44 da Lei Orgânica, que depende da sanção do Prefeito, através da qual a Câmara legisla sobre todas as matérias de competência do Município, e o decreto legislativo, previsto no art. 45, que é ato exclusivo da Câmara, e serve assim ao exercício de sua competência fiscalizadora.

O Inciso IX do art. 45, citado, prevê a competência da Câmara para, através de decreto legislativo, suspender a execução de lei municipal declarada inconstitucional por decisão definitiva. Portanto, seria preciso, no caso concreto, que o art. 6o da Lei Municipal 7.934/98 tivesse sido declarado inconstitucional por decisão definitiva. Decisão definitiva é aquela transitada em julgado, isto é, aquela da qual não cabe mais nenhum recurso. Ora, toda a jurisprudência do STF, citada a respeito da inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU, se refere a leis de outros municípios. Por essa razão, entendo que a Câmara não poderá suspender a execução das alíquotas progressivas em Belém, através de decreto legislativo. Poderia fazê-lo, é claro, através de lei ordinária, mas para isso precisaria da sanção do Sr. Prefeito. E mais, ele precisaria apresentar o projeto de lei, porque a Lei Orgânica estabelece que são de sua iniciativa privativa as leis que disponham sobre matéria tributária (art. 75, V).

Quanto à segunda afirmativa, de que a Câmara não pode legislar sobre matéria tributária para o mesmo exercício, também não é correta, porque a Lei Orgânica proíbe ao Município cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou ( art. 99, III, "b"). Essa norma consagra o chamado princípio da anterioridade, que é uma garantia do contribuinte contra as surpresas tributárias.

Ocorre que, na questão ora examinada, não se trata de instituir ou aumentar tributo. Ao contrário, o decreto legislativo iria suspender a cobrança das alíquotas progressivas do IPTU. Por essa razão, entendo que não existiria esse impedimento, da anterioridade, e o decreto legislativo poderia vigorar imediatamente. Mas para que o decreto legislativo pudesse suspender a execução dessa lei, seria preciso que ela já tivesse sido declarada inconstitucional, em decisão definitiva. Afastada essa hipótese, portanto, restaria a lei ordinária, conforme já explicamos, mas para isso seria necessária a concordância do Sr. Prefeito.

Caberia à Câmara Municipal, porém, através de sua Mesa, propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), nos termos do art. 162, VI, da Constituição do Estado do Pará. A ADIN ajuizada pelo PDT, que suscita a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU e também da Taxa de Limpeza Pública (TLP), já foi distribuída ao Ilustre Desembargador Pedro Paulo Martins, designado Relator, que tendo em vista a verossimilhança do direito alegado e o perigo na demora da decisão, pelos prejuízos que isso causaria a milhares de contribuintes, poderá conceder a Liminar, suspendendo imediatamente a cobrança desses tributos, até a decisão do mérito. Se a Ação Direta for julgada procedente, o Município não poderá mais aplicar essa legislação inconstitucional e o contribuinte estará assim protegido. A Prefeitura será obrigada a emitir novos carnês, com base na alíquota de 0,15%, não importando a caracterização do imóvel como residencial, não residencial, ou não edificado. Também será impedida de cobrar a TLP. Restará à Prefeitura, apenas, a interposição de um recurso extraordinário ao STF, na esperança de que este modifique a jurisprudência sobre o assunto.


INCONSTITUCIONALIDADE DA TLP

(Liberal, 11.02.00)

Não apenas as alíquotas progressivas do IPTU, mas também a Taxa de Limpeza Pública cobrada em Belém é inconstitucional. Essa taxa não se ajusta ao nosso sistema tributário, porque conflita com as normas da Constituição Federal (art. 145, II e § 2o), da Constituição do Estado do Pará (art. 217, II e § 2o), e do Código Tributário Nacional (art. 77 e parágrafo único). Esse conflito existe, em primeiro lugar, porque a coleta de lixo, ou limpeza pública, não constitui serviço público específico e divisível, de modo que possa ensejar a cobrança dessa taxa.

Em segundo lugar, porque a taxa em questão, a TLP, utiliza a mesma base de cálculo do IPTU, exatamente porque incide sobre a área construída, que também é utilizada pelo Município para a fixação do valor venal do imóvel, que serve como base para o cálculo do IPTU. A TLP leva ainda em consideração, da mesma forma como o IPTU, as características do imóvel, como edificado ou não edificado, e residencial ou não residencial. Invade, assim, a base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano do Município de Belém, vulnerando frontalmente as referidas normas constitucionais e legais.

A doutrina e a jurisprudência não admitem a instituição, pelas leis municipais, da chamada taxa de coleta de lixo, ou taxa de limpeza pública, pelo simples fato de que não se trata de um serviço público específico e divisível. Com maior razão ainda, a TLP será inconstitucional, se incidir sobre a mesma base de cálculo do IPTU, conforme ocorre no Município de Belém.

Na verdade, a limpeza pública ou coleta do lixo é um serviço público geral, fornecido indistintamente a todos, não se podendo mensurar o proveito que dele retira cada um dos habitantes desta cidade. É impossível medir, em relação a cada contribuinte, unidades autônomas de utilidade. O serviço é prestado a todos, e usufruído indistintamente por todos. Por essa razão, a prestação desse serviço público não pode ser tomada como fato gerador de uma taxa, sob pena de inconstitucionalidade. A jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, desde 1.986, é também no sentido da inconstitucionalidade da TLP, pelas duas razões acima apontadas: porque não pode ser utilizada base de cálculo idêntica à do IPTU (o metro quadrado da área ocupada ou construída do imóvel), porque isso descaracteriza juridicamente a taxa, e também porque os serviços de coleta de lixo e de limpeza de logradouros públicos são executados em benefício da população em geral, sem possibilidade de individualização dos respectivos usuários e, conseqüentemente, da referibilidade a contribuintes determinados, devendo assim ser custeada por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Mas a Taxa de Limpeza Pública, assim como as alíquotas progressivas do IPTU, não é nenhuma novidade. Tanto a TLP, criada pela Lei 7.192/81, como as alíquotas progressivas, já existentes na Lei 7.438/88, ambas inconstitucionais, já vinham sendo aplicadas em Belém há muito tempo. O que aconteceu agora, na realidade, decorreu apenas da imprevidência da Prefeitura, porque numa situação de crise econômica, recessão e desemprego, quando o Pará perdeu, na década de 90, 47.000 postos de trabalho, e o funcionalismo federal está sem reajustes desde 94, apesar da inflação acumulada de 85%, a Prefeitura acreditou que poderia, impunemente, recadastrar os imóveis, aumentando o valor venal, que serve como base de cálculo para o IPTU, e aumentando a área construída, que serve para a fixação da TLP. Assim, segundo a própria Secretária de Finanças, 40.000 contribuintes tiveram aumento no valor do seu carnê. O resultado foi o esperado: em vez de um aumento na arrecadação, o contribuinte ficou sem saber a quem apelar. A OAB, cumprindo sua função, distribuiu modelos de impugnação, que no início não foram aceitos pela Sefin, numa atitude ilegal e autoritária. Da mesma forma, a cobrança da taxa, de R$13,00, sob a alegação de que a Sefin precisaria cobrir os custos com a tramitação do processo administrativo. Além da garantia constitucional do direito de defesa, porém, a autoridade esqueceu que o contribuinte também tem os seus custos, e perde tempo na fila, por culpa exclusiva do erro da administração. O contribuinte tem todo o direito de não pagar o tributo inconstitucional, e tem todo o direito de se defender contra essa exigência, mas a verdade é que apenas os grandes contribuintes têm condições de contratar advogados, e muitos já obtiveram decisões favoráveis.

Felizmente, o PDT já ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, perante o TJE. O Sindicato dos Condomínios, o PTB, a Câmara dos Deputados, a OAB e o Ministério Público ainda estão estudando o assunto.

A Ação Direta se destina ao exame da lei em tese, isto é, o Tribunal de Justiça do Estado deverá decidir se as leis que instituem a Taxa de Limpeza Pública e as alíquotas progressivas do IPTU são inconstitucionais. No exame da ADIN, o TJE atua como uma Corte Constitucional, em defesa da Constituição, para examinar a regularidade das leis municipais em face da Constituição Estadual. Se a ADIN for julgada procedente, as leis inconstitucionais serão retiradas da ordem jurídica, e a Prefeitura ficará impedida de exigir do contribuinte esses tributos. Dessa forma, através da Ação Direta, o contribuinte estará protegido, sem necessidade de protocolar uma impugnação na Sefin, ou ajuizar uma ação, perante a Justiça Estadual. É claro que, tratando-se apenas do recadastramento, se a metragem ou o valor venal do imóvel estiverem errados, seria conveniente que o contribuinte protocolasse uma impugnação, para pedir uma nova avaliação do seu imóvel.

A Ação Direta já foi distribuída ao Ilustre Desembargador Pedro Paulo Martins, designado Relator do Processo, e que, tendo em vista o perigo na demora, porque o primeiro prazo para pagamento vencerá no próximo dia 5, poderá conceder logo a Liminar, suspendendo assim a cobrança do IPTU e da TLP, ou deixar que isso seja decidido na próxima quarta-feira, dia 9, na reunião ordinária do órgão especial.


IPTU, IMPUGNAÇÃO E ADIN
(Província, 15.02.00)

Nenhum tributo é facultativo. Ao contrário, é uma obrigação jurídica imposta coativamente, e provida de graves sanções. Mas o contribuinte não pode ser obrigado a pagar um IPTU inconstitucional, com alíquotas progressivas, já proibidas pelo Supremo Tribunal Federal. Por essa razão, não tem qualquer fundamento fazer publicar "cartas do leitor" dizendo que o contribuinte deve colaborar com a nossa cidade, pagando esse imposto, e que se ele pode pagar, não deve impugnar o IPTU, e que deve pagar sem reclamar, para que a Prefeitura possa continuar trabalhando, em favor da população. Também não tem cabimento dizer, em carta entregue ao Ministério Público (Província, 11.02.00), que o IPTU está correto, porque quem pode mais, paga mais e quem pode menos, paga menos, e que o pagamento do IPTU se transforma em obras decididas pelo povo, no Orçamento participativo, e que beneficiam a população. Na verdade, essa "Carta" apenas demonstra, na melhor das hipóteses, que seus autores estão satisfeitos com o trabalho da Prefeitura. Mas não é isso que está sendo discutido, e sim o fato concreto de que as alíquotas progressivas são inconstitucionais, e que ninguém pode ser obrigado a pagar um tributo que contraria a Constituição. É claro que quem quiser pagar, apenas para colaborar com o Governo, tem todo o direito, mas não será pelo fato de que possa pagar o tributo, que o contribuinte seja obrigado a fazê-lo. Ainda não chegamos a esse ponto, e somente a lei poderá obrigar o contribuinte a esse pagamento. Mas a lei inconstitucional, como a Lei 7.934/98, das alíquotas progressivas do IPTU, ou a Lei 7.192/81, da Taxa de Limpeza Pública (TLP), não existe, não é lei, e não pode obrigar, não pode gerar efeitos jurídicos, porque contraria outra Lei, a Lei Fundamental, que é a Constituição. É pena que a Prefeitura, na tentativa de negar a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas, se limite a publicar anúncios de página inteira nos jornais de Belém, porque até esta data, ninguém conseguiu apresentar qualquer razão jurídica a favor dessa progressividade. Ademais, é preciso esclarecer que, se esse imposto for cobrado corretamente, sem as alíquotas progressivas, de qualquer maneira, a cobrança será proporcional ao valor do imóvel, embora não progressivo. Por exemplo, supondo-se, apenas para facilitar os cálculos, que seja fixada uma única alíquota de 1%, se o imóvel vale trinta mil reais, o contribuinte pagará trezentos reais. Se, no entanto, o imóvel vale seiscentos mil reais, seu IPTU será de seis mil reais. Portanto, quem pode mais paga mais, e quem pode menos, paga menos, conforme diz aquela "Carta", e não é pelo fato de que não sejam cobradas as alíquotas progressivas que o rico vá pagar o mesmo que o pobre. O imposto será proporcional ao valor do imóvel. Com isso, cobrando de maneira legal, respeitando a jurisprudência do STF, cobrando o que pode e deve ser cobrado, a Prefeitura poderá conseguir a redução dos altos índices de inadimplência, hoje em 60%, e poderá contar com maiores recursos para a execução do seu orçamento. Pretender cobrar um tributo de forma ilegal, e sem levar em consideração a capacidade contributiva, é juridicamente impossível, economicamente inviável e politicamente descabido. Provoca a justa revolta do contribuinte, causa uma avalanche de impugnações administrativas e de ações judiciais, e resulta, certamente, no aumento da inadimplência. Mas o pior é que o contribuinte rico tem maiores possibilidades de defesa. Desde 1.998, em diversas ações que tramitam no foro de Belém, os grandes clubes, condomínios de luxo e os shoppings, vêm conseguindo decisões favoráveis, contra a cobrança do IPTU em alíquotas progressivas, e também contra a cobrança da Taxa de Limpeza Pública (TLP) e da Taxa de Iluminação. O pequeno contribuinte, que não pode pagar um advogado, só tem duas opções: guardar o IPTU na gaveta, ou dar entrada em uma impugnação administrativa, na Sefin. No primeiro caso, o contribuinte poderá sofrer sanções, se precisar vender seu imóvel, ou se precisar de algum documento, como o Alvará. No caso da impugnação, além de toda a trabalheira e de ter que enfrentar horas na fila, o único resultado possível será uma correção na metragem ou no valor venal do imóvel, porque certamente a Sefin não reconhecerá a inconstitucionalidade da TLP e das alíquotas do IPTU. Mas a esperança é a Justiça, porque já foram ajuizadas, perante o Tribunal de Justiça do Estado, diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN), contra as alíquotas progressivas e a TLP, pelo PDT, pelo PTB e pela Mesa da Câmara Municipal. Também a OAB e o Ministério Público já decidiram contestar judicialmente a constitucionalidade dessas leis municipais. No Brasil, é de longa tradição a dualidade de processos para a obtenção da declaração de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos. Pelo processo difuso, ela compete a qualquer juiz ou tribunal. Pelo processo concentrado, cujo instrumento é a ADIN, ela compete, no âmbito federal, ao STF, e no estadual, ao TJE.

A esperada decisão do TJE, a respeito dessas ADIN, poderá beneficiar a todos os contribuintes, porque se o Tribunal decidir de acordo com a pacífica e torrencial jurisprudência do STF, e declarar a inconstitucionalidade dessas alíquotas progressivas, e da TLP, essa decisão será dotada de automática eficácia "erga omnes", produzindo efeito vinculante em face dos demais Poderes do Estado, isto é, atingirá a todos os jurisdicionados, e a Prefeitura não poderá mais aplicar essas leis inconstitucionais. No IPTU/2.000, a única alíquota correta, a única não progressiva, é a alíquota-base, a menor, porque todas as outras são progressivas, isto é, aumentam, em função do valor venal, ou da destinação do imóvel. Além disso, a decisão do TJE poderá impedir a cobrança da TLP, porque essa taxa, além de ser incompatível com a exigência constitucional de que o serviço público prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição seja específico e divisível, é também cobrada de acordo com a mesma base de cálculo do IPTU, o que é vedado pela Constituição. Dessa maneira, em decorrência da jurídica decisão do TJE, a Sefin será obrigada a emitir novos carnês, de acordo com a alíquota de 0,15%, para todos os imóveis, e será impedida de incluir, nesses carnês, a Taxa de Limpeza Pública. Caberá à Prefeitura e à Câmara Municipal aprovar, para o próximo exercício, uma nova legislação, fixando uma alíquota única para o imposto predial, e a progressividade no tempo, para o imposto territorial.


O IPTU PROGRESSIVO

(Liberal, 15.02.00)

A doutrina costuma classificar os impostos em três tipos, segundo sua fórmula de cálculo: fixos, proporcionais e progressivos. O imposto fixo é aquele que não varia. Seu valor é sempre o mesmo. Já no imposto proporcional, o valor a pagar cresce na mesma medida em que cresce o valor da matéria tributável, porém a proporção é sempre a mesma. É fixada uma percentagem, ou alíquota constante, que incide, como no caso do IPTU, sobre o valor venal do imóvel. Dessa maneira, fixada uma alíquota de 1%, por exemplo, se o imóvel vale vinte mil reais, o contribuinte pagará duzentos reais, e se o imóvel vale quinhentos mil reais, o contribuinte pagará cinco mil reais. Mas o imposto progressivo é aquele cuja alíquota é estabelecida em percentagem variável ascendente, de acordo com os mais variados critérios, e é exatamente isso que o STF tem reiteradamente julgado inconstitucional. O Supremo proíbe qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no art. 156 § 1o , aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2o e 4o , ambos da Constituição Federal.

Havendo várias alíquotas, fixadas em percentagem ascendente, o IPTU será progressivo, e portanto inconstitucional. Não importa o critério utilizado para essa progressividade. Pode ser o valor venal do imóvel, ou sua utilização (residencial, não residencial, alugado). Pode ser a metragem do imóvel, ou mesmo a sua localização (no Rio de Janeiro, existem alíquotas para a orla, região A, região B, etc). Pode ser, até mesmo, o número de imóveis que o contribuinte possui. De qualquer maneira, a progressividade será inconstitucional, mesmo quando camuflada sob a denominação de seletividade. A jurisprudência do Supremo é muito clara, no sentido de que a única progressividade possível é a progressividade no tempo, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. É pena que a Prefeitura, tentando contestar essa verdade, gaste o dinheiro do contribuinte, publicando anúncios de página inteira nos jornais de Belém, porque até esta data, ninguém conseguiu apresentar qualquer razão jurídica a favor dessa progressividade.

Mas a progressividade do IPTU não é invenção recente. O Município de Americana (SP) cobrava, em 1.966, alíquotas progressivas, que variavam de 1% até 1,6%, dependendo da área do imóvel. Rubens Gomes de Souza e Rui Barbosa Nogueira pronunciaram-se pela inconstitucionalidade , mas somente em 1.975 o STF derrubou essas alíquotas (R.E. 69.784).

Em Belém, a Lei 6.848, de 30.12.70, estabelecia as alíquotas de 0,2% (residencial próprio), 0,4% (residencial alugado), 0,6% (não-residencial), e 1% (não edificado). Depois dela, a Lei 7.056, de 30.12.77, também instituía alíquotas progressivas, para imóveis edificados e não edificados, em função de sua localização, e de seu uso como não residencial, residencial alugado, ou residencial próprio. Depois, a Lei 7.120, de 28.12.79, que vigorou durante dois anos, apenas, manteve a progressividade, com algumas alterações. A lei 7.188, de 11.12.81, alterou as alíquotas dos imóveis edificados (residencial próprio, 0,3%; residencial alugado, 0,6%; e não residencial, 0,9%) e manteve as quatro alíquotas dos não edificados, variáveis em função de sua localização (1,5%, 2%, 2,5% e 3%). Posteriormente, tivemos ainda as leis 7.438, de 30.12.88, 7.473, de 28.12.89, e 7.561, de 30.12.91, todas instituindo alíquotas progressivas, agora também em função do valor venal do imóvel. Da mesma forma, a Lei 7.934, de 29.12.98, que está sendo contestada através de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, no TJE.

Citamos acima o tributarista Rubens Gomes de Souza para demonstrar que sua definição de imposto progressivo não pode ser tomada ao pé da letra, na questão do IPTU, porque a progressividade não se limita ao valor venal do imóvel. Existem diversas outras formas, já referidas, todas proibidas pelo STF.

O Liberal noticiou (11.02.00) que a OAB pretende ingressar na Justiça, contra o IPTU, mais especificamente, contra o art. 6o da Lei 7.934/98, e contra as leis anteriores, 7.438/88, 7.473/89 e 7.561/91 (já revogadas, evidentemente), para validar as leis municipais 7.056/77 e 7.188/81. Entendemos, com o devido respeito, que essa pretensão é juridicamente impossível, por dez motivos básicos, abaixo relacionados, embora não necessariamente em ordem de importância.

Primeiro, porque nosso sistema jurídico, salvo disposição em contrário, não admite a repristinação, ou seja, a lei revogada não se restaura pelo simples fato de que a lei posterior tenha perdido a vigência (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2o , § 3o).

Segundo, porque é juridicamente impossível alegar, perante o Judiciário, a inconstitucionalidade de leis já revogadas, por falta de objeto.

Terceiro, porque conforme já demonstrado, as leis de 77 e 81, que se pretende revigorar, também instituíam alíquotas progressivas inconstitucionais.

Quarto, porque a cobrança do IPTU com base nessas leis, de 77 e 81, seria ainda pior para a grande maioria dos contribuintes, porque suas alíquotas são maiores do que as exigidas pela Lei 7.934/98, atual.

Quinto, complementando a quarta razão, porque qualquer imóvel residencial próprio, que hoje paga 0,15%, passaria a pagar 0,30%.

Sexto, porque seria ressuscitada a figura do imóvel residencial alugado, com a alíquota de 0,60%, e assim, todos os inquilinos, que hoje pagam 0,15%, 0,30%, ou 0,40%, passariam a pagar 0,60%.

Sétimo, porque todos os imóveis não residenciais passariam a pagar 0,90%, desaparecendo a alíquota de 0,5%, hoje cobrada exatamente dos imóveis de menor valor venal.

Oitavo, porque em relação aos imóveis não edificados, desapareceria a alíquota de 1,00%, cobrada dos imóveis de menor valor (até 30.200 Ufir), e a menor alíquota passaria a ser a de 1,5%.

Nono, porque o contribuinte do IPTU, que já foi surpreendido com os aumentos decorrentes do recadastramento, ficaria ainda mais surpreso, com esses aumentos de alíquota, aprovados em fevereiro, ou março, em detrimento do princípio constitucional tributário da anterioridade.

Finalmente, décimo, porque nem todas as alíquotas constantes das Tabelas da Lei 7.934/98 são inconstitucionais. Somente as progressivas, ou seja, as que aumentam, em função do valor venal, ou da destinação do imóvel. A alíquota-base, a menor, é perfeitamente constitucional. Portanto, se o TJE, decidindo de acordo com a jurisprudência do STF, julgar inconstitucionais as alíquotas progressivas, a Prefeitura deverá emitir novos carnês, de acordo com a alíquota de 0,15%, para todos os imóveis, em relação ao IPTU/2.000.

Para o próximo ano, poderá ser aprovada uma nova legislação, fixando uma alíquota única para o imposto predial, e a progressividade no tempo, para o territorial.


O EXECUTIVO E O ARBÍTRIO
(Liberal, 19.02.00)

O Executivo estimula a desobediência da lei e o desprestígio das decisões judiciais. Existe uma visível inclinação dos governantes para subordinar o sistema constitucional aos projetos do Governo e uma hipertrofia e prevalência incontestáveis do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário.

Essa crítica, que retrata fielmente a realidade brasileira, foi feita pelo Ministro Sepúlveda Pertence, quando Presidente do Supremo Tribunal Federal. Dizia ele, ainda, que existe um resíduo mental do regime autoritário na democracia brasileira.

Por essa razão, o Executivo costuma exorbitar de suas atribuições, alegando sempre "razões de Estado". O Chefe do Executivo diz, ou manda seus Secretários dizerem, que a Constituição e as leis não podem prevalecer, e que as decisões judiciais, assegurando ao jurisdicionado seus mais sagrados direitos, são extremamente nocivas ao País. O Executivo diz ainda, freqüentemente, que todo aquele que ousa defender seus direitos é um inimigo do povo. No âmbito federal, a maior dificuldade consiste em escolher os exemplos. O Presidente legisla através de medidas provisórias, reeditadas, durante anos, sem qualquer limitação, invadindo a competência privativa do Congresso Nacional. O Presidente pretende, com a conivência do Legislativo, aprovar a proposta de emenda constitucional que institui a contribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas. O Presidente leva a leilão todo o patrimônio nacional, que é arrematado pelos estrangeiros, porém pago através de financiamentos do BNDES, em condições especiais. E se algum jurista desinformado pretende criticar o desrespeito à Constituição, é logo taxado de irresponsável, sob o fundamento de que pretende trancar a pauta do Congresso, levar a Previdência ao caos, ou inviabilizar o próprio País. Na realidade, o sistema constitucional não tem qualquer importância. O respeito à Constituição depende apenas da conveniência do governante e da oportunidade que se apresente. O mais importante é sempre a execução dos projetos do Governo. Em Belém, há muitos anos vêm sendo cobradas as alíquotas progressivas do IPTU, e a Taxa de Limpeza Pública. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que isso é inconstitucional, mas o Governo insiste, e diz que a progressividade não é ilegal, e que isso é mentira, inventada pelos ricos, acostumados a se beneficiarem da fome e do suor do povo. É claro que essa afirmativa é feita de maneira gratuita, sem qualquer embasamento jurídico. A Prefeitura afirma, ainda, em matéria de quatro páginas inteiras, paga com o nosso dinheiro, que acabar com a progressividade significa que uma casa humilde na baixada será cobrada da mesma forma que uma mansão. Deixa de explicar, porém, o que significa, exatamente, a expressão "da mesma forma", porque com o fim da progressividade, e da Taxa de Limpeza Pública, aquela casa humilde na baixada, que vale, por exemplo, vinte mil reais, vai pagar um IPTU de R$30,00, e aquela mansão, que vale quinhentos mil reais, vai pagar R$750,00. A afirmativa divulgada é, portanto, no mínimo capciosa. A Prefeitura diz, também, que um pequeno comércio será cobrado da mesma forma que um enorme terreno urbano. Esquece de dizer, no entanto, que esse pequeno comércio, que hoje está sujeito, dependendo do valor do imóvel, a uma alíquota que pode chegar a 2%, também passará a pagar apenas 0,15%, quando a progressividade for julgada inconstitucional. A Prefeitura esquece de esclarecer, também, que o enorme terreno urbano estará sujeito à cobrança de alíquotas progressivas no tempo, de forma a impedir a especulação imobiliária e a fazer com que a propriedade cumpra sua função social. Mas a Prefeitura afirma ainda, entre outras coisas, nessa dispendiosa tentativa de justificar o injustificável, que o fim da progressividade levará a que todos paguem, acabando com a isenção, o que não tem qualquer fundamento, porque a concessão das isenções continuará sendo feita, como sempre, tendo em vista a capacidade contributiva, a justiça fiscal e os interesses da própria administração, porque é evidente que para o Município não interessa cobrar IPTU dos imóveis de pequeno valor, na faixa até dez mil reais, porque o custo dessa arrecadação seria superior ao valor do tributo arrecadado. Trata-se, portanto, de mais uma afirmação gratuita, destinada a confundir o contribuinte. Para arrematar com chave de ouro, a Prefeitura afirma que o povo não permitirá qualquer retrocesso, como se respeitar a Constituição e as leis pudesse ser considerado um retrocesso. Ao contrário, quando foi empossado, o Sr. Prefeito prestou o solene compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição Federal, a Constituição Estadual e esta Lei Orgânica...(art. 87 da Lei Orgânica do Município de Belém) Seria muito mais lógico que a Prefeitura reconhecesse seu erro, e respeitasse a Constituição, porque se o não fizer, estará sujeita a ser compelida a fazê-lo, pela decisão do TJE, na Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou será obrigada a enfrentar, nos próximos anos, intermináveis questões judiciais, nas quais somente os ricos, que podem pagar, serão beneficiados. A não ser que o Supremo Tribunal Federal modifique sua jurisprudência, o que todos sabem que não é impossível, mas é pouco provável. Mas assim como acontece com os que criticam os abusos do Governo Federal, aqui também os que se opõem à ilegalidade são considerados inimigos do povo, porque pretendem inviabilizar a obra messiânica do Governo. São chamados de profissionais da mentira, apenas porque têm a pretensão de defender o império da lei. Para o Governo, a conseqüência do respeito à lei e à Constituição será a instalação do caos na Cidade. O populismo demagógico substitui a razão e se impõe incontrastado, como conseqüência da demora, ou da impossibilidade de efetivação da necessária tutela dos direitos do povo, pelos órgãos jurisdicionais. Na Justiça lenta e acuada, a torrente pura da razão e a cristalina essência do Direito se perdem para sempre, nas areias do funesto deserto da rotina, ou nos abismos dos receios irracionais. Mas todos os verdadeiros juristas, os não comprometidos, os que ainda se revoltam com a injustiça, todos os que acreditam em sua capacidade de corresponder a qualquer desafio, para que um dia tenhamos um governo de leis, e não um governo de homens, todos eles desejam uma Justiça mais eficiente e corajosa, onde as Sentenças brotem das profundezas da verdade, e a luta incessante estenda seus braços em busca da perfeição. Todos desejam que o nosso povo, tão necessitado e sedento de justiça, possa acreditar no Direito, e desejam também que nesse utópico céu de liberdade nosso País um dia desperte do sono eterno.


CONTRA-RAZÕES

(Província, 20.02.00)

Em matéria de quatro páginas inteiras, paga com o nosso dinheiro, a Prefeitura afirma que quem quer acabar com o IPTU progressivo são os lobos em pele de cordeiro e os profissionais da mentira, que querem fazer a roda da história girar para trás, e que o povo não se deve deixar enganar pelos seus inimigos, e assinar formulários de impugnação.

Desejo dizer apenas que defender o respeito à Constituição não é ser inimigo do povo, e transcrever jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não é mentir. Ao contrário, dizer, como a Prefeitura naquela matéria, que a progressividade é um princípio consagrado na Lei Maior de nosso País, a Constituição Federal, é estimular o desprestígio das decisões de nossa mais alta Corte de Justiça. Dizer que a progressividade significa que devem pagar mais os que possuírem mais recursos e os que nada têm, nada devem pagar, é pretender enganar o povo, fazendo uma afirmativa capciosa, porque com o fim da progressividade, o IPTU será cobrado de forma proporcional ao valor do imóvel, e os que nada têm, nada pagarão, porque estarão protegidos pelas mesmas isenções que existem hoje.

A Prefeitura afirma, ainda, que teremos uma única alíquota para qualquer tipo de imóvel, isto é, uma casa humilde na baixada será cobrada da mesma forma que uma mansão, e um pequeno comércio será cobrado da mesma forma que um enorme terreno urbano. Isto é injustiça fiscal, isto é espoliação dos mais pobres em benefício das elites que sempre se beneficiaram da fome e do suor do povo. E mais: o fim da progressividade levará a que todos paguem, acabando com a isenção.

A intenção de enganar fica evidente pelo uso da expressão "da mesma forma", porque na realidade, com o fim das alíquotas progressivas e da Taxa de Limpeza Pública, aquela casa humilde na baixada, cujo valor venal seja, por exemplo, de dezoito mil reais, pagará um IPTU de R$27,00, e aquela mansão, que vale quatrocentos mil reais, pagará R$600,00. Quanto ao pequeno comércio, que hoje paga alíquotas altíssimas, de 0,5% até 2%, passará a pagar apenas 0,15%, mesmo porque não existe qualquer razão para essa tributação diferenciada, apenas pelo fato de que o imóvel seja utilizado para fins não residenciais. Esse tem sido, aliás, o motivo de muitas das reclamações dos contribuintes, porque inúmeras famílias, atingidas pela crise econômica e pelo desemprego, transformaram suas salas em lojinhas, quitandas, ou botecos, e por essa razão, a Prefeitura cobra, por exemplo, se o valor do imóvel é de quinze mil reais, um IPTU de R$225,00, além da Taxa de Limpeza Pública, que é proporcional à metragem do imóvel. Quanto ao enorme terreno urbano, a Prefeitura sabe que estará sujeito a uma alta tributação progressiva no tempo, com finalidade extrafiscal, isto é, para obrigar o proprietário a dar-lhe uma destinação social. O que hoje é cobrado "da mesma forma", e isso a Prefeitura não disse, é a Taxa de Limpeza Pública, que sendo proporcional à metragem do imóvel, acaba sendo paga no mesmo valor, pelo proprietário de um barraco no subúrbio e por uma loja de luxo, localizada na Braz de Aguiar. Mas a Prefeitura afirma ainda, sem explicar as razões, que o fim da progressividade acabará também com as isenções, o que não é, absolutamente, verdade, porque não existe qualquer relação entre progressividade e isenção. A isenção, concedida por lei, é imposta pela regra da capacidade contributiva, ou destinada a incentivar determinadas atividades, por motivo de interesse público.

A Prefeitura diz, também, que o IPTU não aumentou 500%, que isso é mentira, e que todas as alíquotas vêm sendo reduzidas, desde 1.997. Justiça seja feita, isso é verdade, porque a lei 7.934/98 reduziu as alíquotas do IPTU. Mas é claro que o problema todo foi causado pelo "Cadastro Multifinalitário". A própria Secretária de Finanças reconheceu, na reunião da OAB, que 40.000 contribuintes tiveram aumentos no IPTU, e é claro que não deveria nem ter passado pela cabeça dos administradores essa idéia de aumentar a tributação, mesmo através do reajuste do valor venal do imóvel.

A verdade é que, no Brasil, os titulares do Executivo costumam subordinar o cumprimento da Constituição e das leis aos seus interesses, ou aos interesses ditos de Governo, enfim, às "razões de Estado". Mas não podemos esquecer que um dos princípios básicos de nosso ordenamento jurídico é o da submissão do Estado ao Direito, de modo que todo e qualquer ato do governante, para ser válido, deve se fundamentar em uma norma jurídica superior. Por essa razão, o Estado não pode agir contra a ordem jurídica, porque todos os poderes por ele exercidos encontram sua fonte, exatamente, em uma norma jurídica.

O governante, quando age, não o faz para realizar sua vontade pessoal, mas para dar cumprimento a algum dever, que lhe é juridicamente imposto. O princípio da legalidade, no ordenamento jurídico brasileiro, exige a fiel subsunção da ação administrativa à lei. O governante pode fazer apenas aquilo que a lei permite, enquanto que, no âmbito das relações entre particulares, o princípio que prevalece é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe.

É evidente, assim, que o governante não pode descumprir a Constituição Federal, que é nosso padrão de regularidade jurídica, e não pode simplesmente desconhecer a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, alegando razões de Estado, ou alegando que o fim da progressividade vai instalar o caos na Cidade. O que leva a Cidade ao caos, na verdade, é a inadimplência, que antes do recadastramento, já estava em 60%. Ou será que a culpa dessa inadimplência cabe também aos inimigos do povo?

Com toda a certeza, de todos os argumentos que têm sido apresentados em defesa da progressividade, o melhor é aquele relacionado com a Reforma Tributária, que desde 1.995 está em tramitação no Congresso Nacional, porque na realidade o deputado Mussa Demes, relator dessa proposta, defende a adoção do IPTU progressivo. No futuro, é claro. E é também evidente que, se e quando essa emenda constitucional for aprovada, seremos obrigados a pagar o IPTU progressivo, mas por enquanto, somos obrigados a pagar apenas o tributo instituído por lei anterior, e mais: desde que essa lei seja regular, em face da Lei Fundamental, a Constituição.

Para finalizar, porque o espaço não me permite abordar todos os assuntos tratados naquela matéria paga, quero dizer, apenas para os que não me conhecem, que não sou político, e não estou sendo patrocinado por quem quer que seja para escrever sobre o IPTU, e muito menos para perseguir o governo do PT. Mas estou, com certeza, recebendo uma recompensa muito melhor do que o dinheiro. Embora alguns nem tenham condições de me entender, para mim é mais valioso o reconhecimento daqueles que sabem que estou defendendo uma causa justa.


IPTU E INJUSTIÇA SOCIAL
(Liberal, 24.02.00)

Tem toda a razão, o Ilustre Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos, Dr. Egídio Salles Filho, quando afirma, em brilhante trabalho publicado, em dois capítulos, no O Liberal, dos dias 20 e 21, que ninguém gosta de pagar impostos. Na realidade, o imposto é uma contribuição obrigatória, e deve ser cobrado pelo Governo através de uma atividade inteiramente vinculada, ou seja, com perfeita obediência das normas legais, de modo a que seja eliminada qualquer discricionariedade, que deixaria perigosamente nas mãos do administrador tributário uma parcela muito grande de poder sobre o contribuinte.

No mesmo dia 21, o Ilustre advogado Dr. Sérgio Couto abordou com muita competência o assunto, tratando de alguns aspectos psicológicos da tributação e do populismo, e dizendo que o mais incrível é que o povo paraense é um caso raro no Mundo, porque é o único que gosta de pagar impostos, contrariando assim a afirmativa do Dr. Egídio: "O Povo belenense terá sido o primeiro, em toda a história da humanidade, a ir às ruas defender o aumento de imposto. Incrível, fantástico, extraordinário."

Também no mesmo dia 21, o empresário Joaquim Borges Gomes, como quem conhece perfeitamente a relação entre a receita e a despesa, afirma que "a sociedade governamental deve fazer a administração da estrutura pública da forma mais econômica e eficiente para o benefício da coletividade que paga, e não do poder governamental, que cobra os impostos e gasta, e algumas vezes gasta muito mal, apenas com seus objetivos político-ideológicos e de alguns de nossos empregados públicos...Gastam somas imensas com obras faraônicas, cestas para marginais, desapropriações abusivas para forasteiros indesejáveis, enquanto que nós, que sustentamos o município, estamos sendo tratados como você sente em sua carteira".

Tem toda a razão também o Dr. Egídio, quando afirma, citando os arts. 1o e 3o da Constituição Federal, que o sistema tributário deve visar a erradicação da pobreza e da marginalização, e a redução das desigualdades sociais e regionais. Cita, a seguir, o § 1o do art. 145, que consagra o princípio da capacidade contributiva, para afirmar que a progressividade dos impostos é legítima e socialmente justa.

É verdade que, conforme dispõe o art. 145, sempre que possível (grifei) os impostos terão caráter pessoal, e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. É também verdade, como afirma o Dr. Egídio, que não há uma só lei no Brasil que diga que o IPTU é um imposto real, e que por essa razão não está sujeito ao princípio da capacidade contributiva. Ocorre que a Constituição, por uma regra básica de hermenêutica, deve ser interpretada sistematicamente. Não podem ser esquecidas, portanto, as normas específicas, dos arts. 156 e 182, a respeito do IPTU. A progressividade é justa para o Imposto de Renda, que incide sobre os rendimentos auferidos pelo contribuinte, prevista uma série de abatimentos e deduções, sempre levando em conta a situação pessoal do contribuinte, com referência aos seus rendimentos, e às suas despesas. Mas no caso do IPTU, a progressividade poderia ser extremamente injusta, não porque alguma lei diga que ele é um imposto real, mas porque o IPTU incide sobre o valor do imóvel, e é lógico que não existe uma relação necessária entre esse valor e a capacidade financeira do contribuinte. Se eu sou proprietário de um imóvel, é porque meus avós, meus pais, ou eu mesmo, tivemos, no passado, capacidade financeira para adquirir esse imóvel. Isso, esquecendo, obviamente, outras hipóteses, menos legítimas, de aquisição da propriedade. Mas a capacidade contributiva, hoje, não pode ser determinada apenas pelo valor venal do imóvel, especialmente na crise atual, de recessão e de desemprego, de modo que tentar fazer do IPTU um imposto pessoal, instituindo alíquotas progressivas, levará ao confisco, também proibido pela Constituição. Como bem observou o Desembargador Aloísio Toledo, do 1o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, "a posse de um imóvel de alto valor não significa que o proprietário disponha de altas somas em dinheiro para pagamento de uma alíquota desigual entre os contribuintes" (Ac. 498.911-5 –j. 29.09.92 –RJ 187/66). A única maneira de graduar o IPTU de acordo com a capacidade contributiva seria utilizar o cadastro da Receita Federal, de modo que as alíquotas mais altas incidissem sobre os imóveis pertencentes aos contribuintes de maiores rendimentos. Dessa forma, o contribuinte poderia ser proprietário de uma mansão, mas se estivesse desempregado, ficaria dispensado do pagamento do IPTU, exatamente como ocorre no Imposto de Renda. Se, ao contrário, fosse proprietário de uma casa de menor valor, mas tivesse auferido altíssimos rendimentos, deveria também pagar um IPTU maior, em decorrência de sua maior capacidade contributiva. É claro que, para que isso fosse juridicamente possível, haveria necessidade de retirar do texto constitucional algumas normas que proíbem a bitributação. Fora dessa hipótese, seria impossível defender, com base na capacidade contributiva, a progressividade das alíquotas do IPTU, não porque a lei diga que o IPTU é um imposto real, como quer o Dr. Egídio, mas porque esse imposto incide sobre o valor venal do imóvel, não podendo portanto levar em conta a pessoa do contribuinte. Não há como justificar, portanto, apesar das opiniões de alguns doutrinadores, a existência de uma progressividade fiscal (art. 156), e outra extrafiscal (art. 182). Não haveria qualquer razão lógica, nem jurídica, para a existência da norma do art. 182. Bastaria que a Constituição dissesse que o IPTU poderia ser progressivo, como pretende agora o Deputado Mussa Demes, na reforma tributária. Assim, no futuro, se e quando essa reforma for aprovada pelo Congresso, o IPTU poderá ser cobrado em alíquotas progressivas. Para finalizar, desejo apenas dizer que combato a progressividade das alíquotas do IPTU por entender que é minha obrigação, como advogado, defender a ordem jurídica, e não porque eu não tenha visão social, ou tenha algum outro interesse, distinto do interesse público e social. Outro interesse, é claro que tenho, como qualquer pessoa normal, embora nenhum inconfessável. Quanto à visão social, acredito ser evidente que a progressividade do IPTU virá apenas somar-se à nossa já excessiva carga tributária, fator de redução da atividade econômica e de empobrecimento da população brasileira. Não há mais como aumentar tributos, nem federais, nem estaduais, nem municipais. Repito, também, que não foi a progressividade a culpada pelo fato de alguns contribuintes terem aumento no IPTU, e sim o recadastramento. E também não foram alguns, como afirma o Dr. Egídio, e sim 40.000, segundo a própria Secretária, Dra. Esther. Mas, aproveitando a oportunidade, vamos logo corrigir nossas leis, em respeito à Constituição.


PROGRESSIVIDADE E SELETIVIDADE

(Província, 24.02.00)

As inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal, que julgaram inconstitucionais as alíquotas progressivas do IPTU, não vincularam essa inconstitucionalidade apenas à existência da progressão em função do valor venal do imóvel. Ao contrário, parecem de meridiana clareza as inúmeras decisões do Excelso Pretório que afirmam ser inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no art. 156, § 1o, aplicado com as limitações expressamente constantes dos parágrafos 2o e 4o do art. 182, da Constituição Federal.

Em outras palavras, não resta dúvida de que o Supremo nega a possibilidade jurídica de qualquer progressividade de alíquotas do IPTU, salvo a progressividade no tempo, destinada a atender à função social da propriedade.

Em todo o Brasil, os juízes e tribunais têm decidido de acordo com esse entendimento, como o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que julgou inconstitucionais as disposições da Lei Municipal 691/84, que fixavam alíquotas progressivas, em função da localização e da área do imóvel (Embargos Infringentes 407/99- Revista Consultor Jurídico, 18.02.00). No Rio de Janeiro, eram cobradas alíquotas diferentes para as Regiões A, B, C, e para a Orla.

Em Belém, são cobradas alíquotas que aumentam, progressivamente, em função do valor venal do imóvel, mas também em função de sua utilização, como residencial, não residencial, ou não edificado. Autores há que distinguem, porém, a progressividade e a seletividade, como Hugo de Britto Machado, competente tributarista. Para ele, um imposto é progressivo, na medida em que a sua alíquota cresce em função do aumento da base de cálculo, e seletivo é o imposto cuja alíquota é diferente, em função de ser diferente o objeto tributado. Ouso discordar, porém, do ilustre autor, que aliás é ferrenho partidário da futura implantação da progressividade, a respeito da importância dessa distinção, no pertinente à tributação do IPTU, haja vista que, como ele próprio reconhece, a jurisprudência do Supremo não distingue, e proíbe qualquer progressividade. Não importa, assim, que a hipótese seja doutrinariamente enquadrada como progressividade ou como seletividade. Para o Supremo, é inconstitucional qualquer aumento de alíquotas, quer seja decorrente do aumento do valor venal, quer em função da destinação do imóvel, como residencial ou não residencial, ou ainda, em função de sua localização, ou de sua área, etc. O próprio Professor Hugo Machado reconhece que tanto o Tribunal de Justiça do Ceará, como o Excelso Pretório, julgaram inconstitucional a lei de Fortaleza, embora nada tivesse, segundo ele, de progressividade, mas apenas de seletividade. A seguir, diz ele que a única solução seria alterar, na proposta de emenda constitucional, a redação do art. 156, e a do § 4o do art. 182 da Constituição Federal (O Projeto de Reforma Tributária Brasileira - Anais do XXIV Encontro Nacional de Procuradores Municipais). Em decorrência da pacífica jurisprudência do Supremo, ousamos também contraditar a tese esposada pela Seccional da OAB, em sua Ação Direta de Inconstitucionalidade, que pede a repristinação do art. 4o da Lei Municipal 7.188/81, referente aos imóveis edificados, e do art. 12 da Lei 7.056/77, em relação aos não edificados. A primeira lei, a 7.188/81, estabelece três alíquotas, sendo 0,3% para o imóvel residencial próprio, 0,6% para o residencial alugado, e 0,9% para o não residencial, ou seja, utiliza o que a doutrina chama de seletividade, para justificar o aumento da alíquota. Na realidade, não há qualquer razão jurídica para que seja tributado de modo diferente o imóvel alugado, ou o imóvel comercial e de escritório. Afinal, não seria isso uma forma disfarçada de bitributação? Os rendimentos de aluguéis, auferidos pelo contribuinte do Imposto de Renda, são tributados pelo Governo Federal. Qual seria a razão para essa tributação diferenciada? Convém lembrar, ainda, que a prevalecer essa tese, o contribuinte do IPTU, que hoje está reclamando para pagar 0,15%, será obrigado a pagar 0,30%, para o residencial próprio, ou 0,60%, para o residencial alugado. Quanto à segunda lei, a 7.056/77, estabelece quatro alíquotas para os imóveis não edificados, dependendo de sua localização, sendo 1,5%, para as Zonas Habitacionais e Zonas de Expansão Urbana; 2,0% para as Zonas de Uso Misto; 2,5% para a Zona de Comércio e Serviço; e 3,0% para o Corredor Estrutural Urbano e a Zona de Uso Misto 3A. Não resta qualquer dúvida, também, de que essa diferenciação é inconstitucional, e aliás idêntica à do Município do Rio de Janeiro, derrubada pela recente decisão acima referida. O mais interessante, é que esta lei é constitucional, em face da Constituição do Estado do Pará, cujo art. 238 dispõe: Para assegurar as funções sociais da cidade e da propriedade, o Poder Público usará, principalmente, os seguintes instrumentos: ....II- tributários e financeiros: a) imposto predial e territorial progressivo e diferenciado por zonas urbanas;.... Por essa razão, caberia o ajuizamento de uma Ação Direta perante o STF, para o exame da regularidade desse dispositivo da Constituição Estadual. Quanto às Ações Diretas que tramitam no Tribunal de Justiça do Estado, para que seja declarada a inconstitucionalidade da Taxa de Limpeza Pública e das alíquotas progressivas do IPTU, a única solução jurídica, data venia, seria a manutenção de uma alíquota única, exatamente a alíquota-base, a menor, ou seja, a de 0,15%. Todas as outras alíquotas são progressivas, isto é, progridem, aumentam, quer em função do valor venal do imóvel, quer em função de sua destinação. Não existe, portanto, qualquer razão prática, nem jurídica, salvo uma opinião isolada de um Ministro do STF, não consagrada, porém, pela jurisprudência, para que não possa vigorar a alíquota única de 0,15%, para o IPTU/2000, e para que se pretenda repristinar aquelas leis, de 1.977 e de 1.981, francamente inconstitucionais, em face da pacífica jurisprudência do Supremo. Aliás, o próprio Supremo, no julgamento do Recurso Extraordinário 153.771-0-MG (D.J.: 05.09.97), declarou inconstitucional apenas o sub-item 2.2.3 do Setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, do Município de Belo Horizonte, o que demonstra o não acolhimento da opinião constante do voto do Ministro Maurício Corrêa, pela qual seria absurdo dizer que válida seria uma das alíquotas previstas na escala progressiva, porquanto tal "escolha" implicaria a fixação de alíquota de tributo, matéria reservada exclusivamente ao Poder Legislativo. Data venia, não existe, na hipótese, " escolha" da alíquota, mas apenas a declaração da inconstitucionalidade das alíquotas progressivas, e o reconhecimento de que a alíquota mais baixa, que no caso de Belém, é a de 0,15%, é perfeitamente constitucional, porque ela é a única não progressiva.


IPTU E REFORMA TRIBUTÁRIA
(Província, 27.02.00)

Um dos argumentos mais lembrados pelos defensores das alíquotas progressivas do IPTU é o de que o Deputado Mussa Demes, relator da proposta de Reforma Tributária apresentada pelo Poder Executivo, à qual foram juntadas outras oito propostas, e que desde 1.995 tramita no Congresso Nacional, é favorável à progressividade.

Durante a exposição realizada na OAB pelos Secretários de Finanças e de Assuntos Jurídicos, a respeito do aumento do IPTU, a própria Prefeitura distribuiu material xerografado, constante de conferências proferidas no XXIV Encontro Nacional de Procuradores Municipais. Os expositores, Hugo de Britto Machado, Adão Sérgio do Nascimento Cassiano e Gustavo Nygaard, examinaram os projetos de reforma tributária, abordando temas como o da progressividade, o da capacidade contributiva e o da partilha das receitas tributárias, de modo a que pudessem ser defendidos os interesses pertinentes às receitas municipais. Pela leitura do texto do professor Hugo de Brito Machado, verifica-se, em primeiro lugar, que ele é favorável à adoção da progressividade, no futuro, pela alteração dos artigos da Constituição Federal que tratam da matéria. Além disso, o prof. Hugo critica a jurisprudência do Supremo, que tem fulminado como inconstitucional qualquer progressividade, mesmo a decorrente da seletividade em função da utilização dada ao imóvel, como residencial, comercial, etc. Em segundo lugar, fica evidente que ele entenderia que a cobrança da Taxa de Limpeza Pública de Belém é inconstitucional. São as suas próprias palavras, falando sobre a questão das taxas: "Eu penso que ela viola flagrantemente a Constituição Federal, porque a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, na mesma linha, contêm dois limites que são fundamentais. Um diz respeito à especificidade e divisibilidade dos serviços, e o outro diz respeito à base de cálculo. A taxa só pode ter como base geradora um serviço que seja específico e divisível, e a taxa não pode ter base de cálculo idêntica à de impostos". A seguir, o prof. Hugo propõe acabar com a figura jurídica denominada taxa, e suprir as necessidades públicas com impostos. Mas o prof. Hugo diz, ainda, que essa proposta é inconstitucional, porque tendente a abolir a Federação. Diz ele: "Eu tive a oportunidade de fazer uma análise desta proposta, convidado que fui pelo Deputado Mussa Demes, e demonstrei isto, argumento por argumento, artigo por artigo, onde fundava as minhas afirmações. É uma proposta extremamente concentradora, em todos os sentidos da palavra. Eu diria até que ela aniquila a Federação. E até pessoalmente tenho uma dúvida muito séria sobre se ela deveria ser admitida, porque uma das famosas cláusulas pétreas de nossa Constituição proíbe qualquer emenda que tenda a abolir a Federação". O segundo expositor, o prof. Adão Sérgio, examina a questão da carga tributária e da capacidade contributiva, e defende a progressividade, criticando também a jurisprudência do Supremo e a distinção dos impostos em reais e pessoais. Afirma, ainda, que o imposto de renda se tornou praticamente não-progressivo, porque suas alíquotas foram reduzidas a duas, embora seja um imposto pessoal. Pedimos vênia para discordar em absoluto, porque o sistema desse imposto é diferente, haja vista que após a aplicação da alíquota, é necessário subtrair um valor fornecido pela Receita. Com isso, temos na realidade, um número infinito de alíquotas reais, de modo que, quanto maior o rendimento, mais a alíquota real se aproximará do valor máximo fixado. Enganou-se, portanto, o prof. Adão, na comparação efetuada. Mostra, a seguir, que da carga tributária total, em torno de 30%, a União fica com 20,4%, os Estados com 8% e os Municípios, apenas com 1,6%. O terceiro conferencista, o prof. Gustavo Nygaard, também defende a progressividade do IPTU, como o prof. Hugo, para o futuro, e concorda com a inconstitucionalidade da cobrança da taxa, dizendo que:...."a taxa de limpeza urbana e a taxa de iluminação pública são dois custos estatais que não podem ser remunerados por taxas, porquanto há indivisibilidade". Defende, a seguir, que os Municípios recebam uma parcela maior do bolo tributário, porque é no Município que está a demanda social, com os problemas de trânsito, de saúde e de habitação. Pelo exame desse material, distribuído pelo próprio Secretário Dr. Egídio Salles Filho, verifica-se, portanto, que os conferencistas defendem a mesma tese que venho defendendo há mais de três meses: que as alíquotas progressivas tiveram sua inconstitucionalidade reconhecida pelo Supremo, embora defendam a progressividade, no futuro. Também se observa, facilmente, que eles entendem que a Taxa de Limpeza Pública é igualmente inconstitucional, e deve até mesmo ser extinta, assim como a de Iluminação Pública. No mais, concordo com a tese de que o Município deve ser melhor aquinhoado, desde que isso não venha agravar a já insuportável carga tributária total que recai sobre o contribuinte. O problema é que o Governo Federal pretende, com essa Reforma, em vez de reduzir gastos, aumentar impostos, e a carga tributária brasileira já está muito acima da capacidade contributiva.

Os economistas costumam calcular o peso real dos impostos na economia comparando a carga tributária bruta com o produto interno por habitante. Por esse critério, nossa carga tributária deveria ser, no máximo, de 24%. Já está, na realidade, em mais de 31%, e o Governo ainda pretende aumentá-la. Nos Estados Unidos, acontece o contrário, porque a carga tributária é bem inferior ao limite máximo ideal, o que certamente explica, em parte, o desenvolvimento da economia americana, e a recessão brasileira, porque a tributação excessiva impossibilita a poupança e os investimentos e agrava, cada vez mais, o problema do desemprego. É evidente que, se o problema for estudado apenas em relação a Belém, economicamente esvasiada, com certeza a carga tributária possível deve ser bem inferior. Não resta dúvida, portanto, de que a Reforma Tributária deve reduzir e redistribuir a carga, tendo em vista as diferenças regionais, reduzir os impostos e as alíquotas, simplificar o sistema e fortalecer a fiscalização, e deve ser acompanhada, também, por uma reforma da administração, que garanta ao contribuinte o retorno dos impostos que paga, impedindo os governantes de utilizarem esse dinheiro para outras finalidades, como a simples promoção pessoal. O de que menos precisamos, no momento, é do aumento de tributos, não importando se esse aumento resulta do aumento de alíquotas ou, como no caso do IPTU de Belém, do famoso cadastro multifinalitário realizado através de um moderníssimo levantamento aerofotogramétrico.


A BATALHA DO IPTU

(Liberal, 02.03.00)

Somente quem não tem idéias, ou não tem capacidade para as defender de maneira racional, pode compactuar com os atos de selvageria praticados pelos manifestantes que foram em passeata ao Palácio Antônio Lemos, protestar contra os aumentos na cobrança do IPTU.

É verdade que esses atos foram precedidos, nos últimos dias, por manifestações contrárias, em favor da cobrança desse imposto, patrocinadas pela Prefeitura, que embora não tenham resultado em danos patrimoniais, certamente atingiram a honra, a dignidade e o respeito de pessoas e instituições que não merecem descer aos subterrâneos do escárnio, da chacota e da ignorância.

Não é desrespeitando a lei, que se defende o Direito. Não é praticando o crime de dano, destruindo os veículos da Guarda Municipal, que se pode comprovar o acerto de uma tese jurídica. Não é danificando o seu próprio patrimônio, quebrando carros que lhe pertencem, porque foram adquiridos com o dinheiro dos tributos que ele próprio pagou, que o povo conseguirá ter seus direitos respeitados. Não é também através da agressão física, nem das ofensas pessoais, como as acusações de incesto no Senado da República, ou das ameaças gratuitas e das afirmações levianas, sem qualquer embasamento jurídico, que se pode defender uma idéia ou conquistar o reconhecimento de um direito, ou que se pode exigir o cumprimento da lei.

A própria existência da norma jurídica repele o emprego da força, que se torna privativo do Estado, através de seu aparelhamento coercitivo. Quem, para defender seu direito, pratica um crime maior, não pode ter qualquer justificativa. Deixaria de existir a razão de ser do ordenamento jurídico, que nos permite exigir do Estado a prestação jurisdicional, de modo a garantir a efetivação dos direitos subjetivos, se a barbárie sobrepujasse o Direito.

Nos países civilizados, a razão está sempre acima da força. A lei se impõe às vontades pessoais, e aos interesses políticos. Os governantes são respeitados, mesmo por quem não concorda com suas idéias ou atitudes. A própria Constituição é venerada, não pela ameaça de sanções, mas porque o povo a considera como o verdadeiro fundamento de seus mais sagrados direitos. Nos países civilizados, o povo tem capacidade de discernir, e sabe quem são os seus verdadeiros defensores, e quais aqueles que apenas desejam o seu voto. Nesses países, regidos pelas regras democráticas, o consenso é conseguido através dos debates racionais, e nunca pela imposição violenta das vontades, através da força.

O respeito à lei e à Constituição decorre do próprio respeito ao Judiciário. Isso não significa, obviamente, que nesses países a norma jurídica não seja também vulnerada, que não exista a corrupção, e nem os políticos aproveitadores e irresponsáveis. Não significa que não ocorram essas agressões ao patrimônio e às pessoas, mas elas são, em geral, rápida e exemplarmente punidas. Não existe, como entre nós, a quase certeza da impunidade. Nos países democráticos, o povo acredita na lei, acredita no Judiciário, e tem maiores condições de escolher, nas urnas, o candidato, ou o partido político, que melhor corresponda aos seus interesses, porque não se deixa tão facilmente enganar pelos demagogos.

Precisamos respeitar a Constituição e as leis. Precisamos acreditar no Direito. Precisamos respeitar o Governo, embora exigindo que ele respeite os nossos direitos, porém isso deve ser feito pelos processos legais. Precisamos confiar no Judiciário, porque somente ele, através do exame das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, poderá impedir a cobrança dos tributos inconstitucionais e restaurar o império da lei, em substituição ao da vontade do governante. Principalmente agora, que o Ministério Público do Estado, com todo o peso de sua responsabilidade como fiscal da lei, também já ingressou em juízo com duas Ações Diretas, uma para o IPTU, outra para a TLP. Ressalte-se que as quatro Ações anteriormente ajuizadas serão todas encaminhadas ao Ministério Público, para que este se manifeste. Observe-se, ainda, que não existe qualquer razão para crítica, quanto à decisão do Tribunal de Justiça do Estado, de não conhecer a Ação Direta do PDT, por ilegitimidade do impetrante. A Ação não foi julgada improcedente, como sugerido pela assessoria jurídica da Prefeitura. Ao contrário, o Tribunal não a examinou, não conheceu, no jargão jurídico. Não se trata, aqui, de julgamento da matéria jurídica, do exame da constitucionalidade da Taxa de Limpeza Pública e das alíquotas progressivas do IPTU, mas apenas de questão processual, e a lei precisa ser cumprida. Para contestar, existem os recursos próprios. Também não é possível, e nisto concordamos com a Prefeitura, que cada Ação Direta seja relatada por um Desembargador, em decorrência do princípio da prevenção, constante do art. 106 do CPC, destinado a evitar a ocorrência de decisões contraditórias: Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.

Confiamos no saber jurídico e na imparcialidade dos Julgadores, mas qualquer que seja a decisão, ela deverá merecer de nós o maior respeito, porque somente o respeito aos Poderes Constituídos, à Lei e à Constituição nos poderá distinguir dos povos bárbaros e das hordas descontroladas, movidas apenas pelos seus interesses espúrios e inconfessáveis.


AÇÃO DIRETA
(Província, 03.03.00)

Há mais de dois meses, vem sendo debatido em Belém o problema criado com o recadastramento dos imóveis, que alterando sua metragem e seu valor venal, causou o aumento dos valores do IPTU e da Taxa de Limpeza Pública (TLP), que é cobrada no mesmo carnê. Em decorrência, foram ajuizadas, no Tribunal de Justiça do Estado, cinco Ações Diretas, pelo PDT, pelo PTB, pela Mesa da Câmara de Vereadores, pela OAB e pelo Ministério Público, todas argüindo a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas da Lei 7.934/98, e também a inconstitucionalidade da Lei 7.192/81, que utiliza para a cobrança da TLP a mesma base de cálculo do IPTU, e também porque o serviço de coleta de lixo não é um serviço público específico e divisível. A ação direta, por sua própria natureza, se destina tão somente à defesa da Constituição. Trata-se de uma ação de caráter excepcional, com acentuada feição política, pelo fato de visar ao julgamento, não de uma relação jurídica concreta, mas da validade da lei em tese. Tem natureza declaratória, porque se destina a determinar o reconhecimento, em caráter definitivo, da invalidade de uma norma, em decorrência de seu conflito com a Constituição. Caberá ao Tribunal cotejar a lei impugnada com a Constituição vigente, e concluir sobre a existência dessa inconstitucionalidade. O objeto da Ação é exclusivamente a questão da constitucionalidade. A decisão limitar-se-á a essa questão, e a lei deverá ser sempre apreciada em tese, isto é, sem qualquer consideração pertinente à sua aplicação aos casos concretos. Mas a própria existência da Ação Direta decorre do fato de que a Constituição é uma lei fundamental, porque determina os princípios básicos de nosso ordenamento jurídico. No âmbito do Estado membro, a Constituição Estadual é uma lei fundamental, embora limitada pelos princípios da Constituição Federal. É uma lei hierarquicamente superior, o que significa que qualquer outra lei, ou ato normativo, estadual, ou municipal, que com ela conflite, será nulo e não poderá produzir qualquer efeito jurídico. No Brasil, temos a Constituição Federal e as Constituições Estaduais, cabendo assim ao Supremo Tribunal Federal atuar como guardião da Constituição Federal, através da Ação Direta referente à inconstitucionalidade de leis federais e estaduais, em face da Constituição Federal. Os Tribunais de Justiça Estaduais são responsáveis pelo controle da regularidade das leis estaduais e municipais, em face das Constituições Estaduais. As cinco Ações Diretas ajuizadas perante o TJE, com fundamento no art. 162 da Constituição do Estado do Pará, todas pedindo ao Tribunal que reconheça a inconstitucionalidade das leis referentes ao IPTU e à TLP, objetivam, portanto, a verificação da existência ou não de conflitos entre as normas municipais e a Constituição Estadual, e essa verificação há de ser feita sem considerar a situação concreta em que incidem, porque a incidência da norma é absolutamente estranha ao exame de sua constitucionalidade. No processo da Ação Direta não existem réus. Não se aplica a regra do art. 282 do Código de Processo Civil. A petição inicial indicará, apenas, o dispositivo da lei tido como inconstitucional e os fundamentos jurídicos do pedido, de acordo com o art. 3o da Lei 9868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento das ADIN perante o STF. No Estado do Pará, não existe Lei regulamentando a matéria, com referência às Ações Diretas Estaduais. O Desembargador Relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades dos quais emanou a lei apontada como inconstitucional, mas a parte passiva nessas Ações Diretas será a Prefeitura. Embora a informação, no caso, seja requerida diretamente ao órgão legislativo, isso não transformará a Câmara Municipal em parte passiva na Ação. Como mero informante sobre a questão sujeita ao exame judicial, suas informações sequer constituirão, necessariamente, peça de defesa dessa lei. Pode acontecer que a informação da Câmara Municipal seja favorável à inconstitucionalidade da lei. A função constitucional de defesa da lei caberá ao Procurador Geral do Estado. É juridicamente irrelevante, também, o fato de que a lei inconstitucional tenha sido elaborada pela própria Câmara Municipal. Não se trata de acusar a Câmara, ou o Prefeito, de terem participado da elaboração das leis inconstitucionais. Se por essa razão lhe pudesse ser negada a legitimidade para agir, a Mesa da Câmara jamais poderia propor qualquer ação direta de inconstitucionalidade, porque toda lei municipal resulta sempre da aprovação de um projeto pela Câmara, e de sua posterior sanção pelo Prefeito. O Tribunal de Justiça atuará, assim, no desempenho da alta missão que lhe é constitucionalmente deferida, como uma Corte Constitucional, eis que sua decisão não importará na interpretação da lei para resolver litígio entre partes, mas na apreciação de sua validade e eficácia erga omnes. Apenas por via de conseqüência, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade poderão resultar na tutela jurisdicional de interesses, ao expurgarem do ordenamento jurídico as normas pertinentes às alíquotas progressivas do IPTU e à Taxa de Limpeza Pública, que vulneram a Lei Fundamental de nosso Estado.

É preciso esclarecer, também, que o fim das alíquotas progressivas do IPTU não significará, absolutamente, que o rico e o pobre pagarão o mesmo imposto. Isso não ocorrerá, porque embora a alíquota sendo a mesma para o rico e para o pobre, a base tributável, isto é, o valor venal do imóvel, será muito diferente. Assim, por exemplo, uma casa avaliada em R$15 mil, pagará R$22,50, enquanto a mansão do rico, avaliada em R$500 mil, pagará R$750,00.

Também não é verdade que, com o fim da progressividade, acabarão as isenções. Aliás, a esse respeito, foi muito clara a explicação dada pelo meu ex-aluno Vereador Raul Meireles, em texto publicado no Liberal de 26.02 (O Cavalo de Tróia), mostrando que são falsas as afirmativas da Prefeitura, porque as isenções foram concedidas por lei e somente outra lei poderia revogá-las. Além disso, os 81.000 imóveis isentos, em sua imensa maioria, não poderiam mesmo ser tributados, por uma razão muito simples: se a Prefeitura cobrasse o imposto de um imóvel cujo valor venal é de R$8 mil, por exemplo, a uma alíquota de 0,15%, daria um total de R$12,00. Depois dos descontos de 20% (pelo pagamento no ano anterior) e 15% (cota única), a Prefeitura teria a receber, talvez, uns R$6,00. Ou seja, não valeria a pena, porque não compensaria as despesas com a cobrança.


IPTU E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

(Liberal, abril de 2000)

Não existe tributo mais injusto do que a CPMF, cuja alíquota única incide até mesmo sobre a operação bancária de retirada dos proventos de qualquer velhinha aposentada.

Mas em relação ao IPTU de Belém, e à Taxa de Limpeza Pública, que é cobrada no mesmo carnê, e que vêm sendo discutidos há mais de dois meses, em decorrência do recadastramento, e da conseqüente atualização do valor venal e da metragem dos imóveis, o debate que era eminentemente jurídico, tendo em vista a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem sido levado, agora, para a abordagem dos temas da justiça social e da capacidade contributiva. Diz o defensor das alíquotas progressivas, porque sobre a Taxa de Limpeza Pública não apresentou até esta data qualquer argumento, que o IPTU deve ter caráter pessoal e as alíquotas deverão ser maiores, se o valor do imóvel é maior.

A Prefeitura de Belém se gabou, em várias peças publicitárias, de ter o IPTU mais barato do Brasil. Em uma delas, publicada na Gazeta Mercantil de 17.02.00, e transcrita na Província de 20.02.00, a notícia informa que o Dieese comprovou que Belém tem uma das alíquotas mais baixas do País, se comparadas com as de outras capitais. Informa ainda, essa propaganda, que a partir deste ano a isenção atinge imóveis de até 9.000 Ufir, aumentando para 81.000 o número de imóveis isentos. Sinceramente, não acredito que o Dieese, que é um órgão sério, tenha realmente concluído que o nosso IPTU é o mais barato do Brasil, apenas levando em conta as alíquotas. Qualquer pessoa medianamente inteligente entenderá que pelo menos três variáveis deveriam ser consideradas, ou seja, as alíquotas, o valor venal do imóvel, e o nível de atividade econômica. A alíquota nada significa, para efeito de comparação, sem o valor venal do imóvel. Talvez por essa razão, em São Paulo, que segundo a notícia, tem alíquotas mais altas do que as de Belém, um apartamento com 55 m2, na Rua São Vicente de Paulo, recebeu uma cobrança de IPTU no valor de apenas R$18,40 (anual), conforme xerox em meu poder. Mas além desses dois parâmetros, o das alíquotas e o dos critérios utilizados para a fixação do valor venal, a pesquisa do Dieese precisaria levar em consideração, também, a real capacidade contributiva, em cada uma das Cidades pesquisadas. Isso é evidente, também, porque o tributo que pode ser considerado baixo, ou justo, em uma Cidade econômicamente viável, onde os contribuintes têm empregos, pode ser que em Belém seja confiscatório. A Secretária de Finanças afirmou, em texto publicado na Província de 27.02, que "a receita anual do IPTU mais taxas agregadas tem se situado em torno de R$27 milhões, ou seja, 35% do valor lançado, absolutamente insuficiente e muito aquém da capacidade de contribuir de nosso cidadão". Para justificar essa afirmativa, citou a pesquisa do Dieese, acima comentada. Na verdade, parece muita estranha essa afirmativa, partindo de uma economista, que não pode desconhecer os inúmeros fatores que devem ter causado esses altos níveis de inadimplência. Ou será que o contribuinte não paga, apenas porque não gosta de pagar? Será que deixa deliberadamente de pagar seu imposto, apenas porque pretende prejudicar o Governo? Observe-se que essa inadimplência, de 65%, já existia antes mesmo do Cadastro Multifinalitário, e antes mesmo do início da campanha na qual, segundo a Secretária, pessoas irresponsáveis começaram a divulgar informações inverídicas, para confundir a opinião pública, no interesse de grupos políticos minoritários que buscam destruir o Governo. O ciclo alimentar é uma cadeia contínua de seres vivos, alimentando-se uns dos outros. As plantas fabricam seu próprio alimento, pela fotossíntese, mas são comidas pelos herbívoros, que também são comidos pelos carnívoros. O contribuinte é como a planta, porque somente ele produz, mas sua contribuição será obrigatória, através dos tributos, para as despesas da administração, em seus três níveis, federal, estadual e municipal.

Não existe mais qualquer dúvida de que a carga tributária brasileira, hoje na faixa dos 31%, está muito acima de seu limite físico. Seria o caso, talvez, de que algum órgão econômico competente e responsável estudasse o assunto, para verificar, no caso específico de Belém, se realmente a carga tributária é baixa, como afirma a Secretária, e se o contribuinte (65%) não paga seu imposto apenas porque não quer.

A Secretária se queixa de que, após os repasses federais e estaduais de receitas, previstos na Constituição Federal, os Municípios ficam com apenas 17% dos recursos públicos, enquanto os Estados ficam com 23% e a União com 60%. Reclama, ainda, contra o Governo do Estado, que através de reduções arbitrárias e sistemáticas, realizadas ao arrepio da Constituição e da legislação federal, retirou do Município de Belém R$60,40 milhões, no período de 97 a 99, e deverá em 2000 retirar mais R$42,48 milhões.

Mas será que a solução é realmente , como afirma a Secretária, a criação de mais duas Varas específicas para os feitos da Fazenda Pública? Será que a inadimplência, de 65%, deverá ser reduzida através de decisões judiciais com a celeridade e os efeitos punitivos devidos, como ela pretende? Ou será que o excesso de carga tributária é que pode explicar a inadimplência, a redução da atividade econômica, e o aumento da economia informal?

Em muitas outras cidades brasileiras, a capacidade contributiva da sociedade é maior do que em Belém, e o universo de contribuintes sendo maior, todos contribuem um pouco, e os impostos não pesam muito para cada cidadão. Belém tem 81.000 imóveis isentos de IPTU, mas isso não é nenhum favor. Denota apenas a pobreza da cidade e a baixa capacidade contributiva, que leva a uma alta concentração da carga tributária. Especialistas em tributação calculam que, se a carga global no Brasil é de 31%, para quem paga imposto mesmo, ela é superior a 60% do PIB. E em Belém, qual seria essa carga real?

Finalizando, desejo esclarecer, mais uma vez, que nunca afirmei que as alíquotas progressivas foram criadas pelo atual Governo. Sei perfeitamente que elas já existem há mais de uma década, isso a progressividade em função do valor venal do imóvel, porque a seletividade, em função do uso do imóvel, também julgada inconstitucional pelo Supremo, já existe há mais de vinte anos. Infelizmente, Dra. Secretária, não posso concordar com a afirmativa de que a progressividade em Belém é legítima, tendo em vista a tradição, ou seja, o histórico que demonstra que essa progressividade é antiga. Não posso concordar, porque esse fato é desprovido de qualquer relevância jurídica. O costume, no caso a cobrança que vinha sendo feita, não pode prevalecer contra a lei, no caso a Lei Fundamental, isto é, a Constituição.


ADIN – LEGITIMIDADE DA CÂMARA
(Província, abril de 2000)

O ilustre Desembargador Relator da ADIN da Câmara Municipal equivocou-se, "data maxima venia", ao negar a legitimidade da Mesa Diretora da Câmara Municipal, por entender que o órgão que elaborou a lei não pode alegar sua inconstitucionalidade. Esse erro decorreu diretamente dos termos da petição inicial da OAB, na qual a Câmara foi indicada como demandada. Por essa razão, se estava sendo acusada de ter aprovado as alíquotas progressivas, de acordo com o ilustre Relator, não poderia agora ter legitimidade para ajuizar a ação direta. O Pleno do TJE, como seria normal, acatou o parecer do Relator, concretizando a injurídica decisão.

Peço vênia para tentar demonstrar juridicamente minhas razões, apesar da dificuldade encontrada, na pesquisa doutrinária e jurisprudencial. Na realidade, são raros os casos em que as Mesas dos órgãos legislativos ajuizam ações diretas, porque em geral as Câmaras, as Assembléias e o próprio Congresso têm demonstrado, cada vez mais, sua vocação para se transformarem em apêndices dos Executivos, que exorbitam de suas atribuições, e concentram todos os poderes.

A Constituição Federal atribui competência para a propositura da ADIN perante o STF, para o exame da regularidade de lei federal ou estadual, em face da Constituição Federal, às Mesas do Senado (art. 103, II), da Câmara (art. 103, III) e das Assembléias Legislativas (art. 103, IV). A Constituição do Estado do Pará atribui competência para a propositura da ADIN perante o TJE, para o exame da regularidade de lei estadual ou municipal em face da Constituição Estadual, às Mesas da Assembléia Legislativa (art. 162, II) e das Câmaras Municipais (art. 162, VI).

Existem vários argumentos favoráveis à minha tese. Em primeiro lugar, podemos dizer que o fato de que a Câmara Municipal, por maioria relativa de votos, isto é, por mais da metade do número de vereadores presentes à sessão, tenha aprovado as alíquotas progressivas, não retira da Mesa Diretora da Câmara a legitimidade que decorre da norma constitucional acima referida. Aliás, a atual Câmara nem ao menos criou as alíquotas progressivas, porque essa inconstitucionalidade já maculava as leis anteriores. Na verdade, a Câmara não pode ser confundida com sua Mesa Diretora. Por essa razão, equivocou-se o TJE.

Ademais, parece lógico que, sendo todas as leis municipais elaboradas pela Câmara e sancionadas pelo Prefeito, e se a Constituição atribui à Mesa da Câmara a legitimidade para a propositura da ADIN, não seria possível negar-lhe legitimidade, com base nessas alegações, que não resistem a um exame jurídico mais detalhado.

Caberiam também algumas indagações. Ocorrendo, por exemplo, a incompatibilidade (inconstitucionalidade superveniente, decorrente de reforma constitucional), qual seria a solução? Mesmo nesse caso, a Mesa da Câmara não teria legitimidade? E no caso de mudança da jurisprudência, da mesma forma, o fato de que a lei tenha sido feita pela Câmara, poderia impedí-la de argüir sua inconstitucionalidade? Não estaria sendo esquecido o valor jurídico maior, exatamente o de evitar que prevaleça uma lei inconstitucional?

Não foi possível encontrar jurisprudência específica sobre a questão, talvez porque nunca tenha sido suscitada. Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal, na ADIMC –612/RJ, demonstra que o Excelso Pretório não aceitaria a interpretação de nossa Corte de Justiça.

Essa Ação Direta foi ajuizada perante o STF pela Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, argüindo a inconstitucionalidade do § 1o do art. 34 da Lei Estadual 1.848/91. O Pleno conheceu e indeferiu a concessão da liminar (Julgamento em 21.11.91, sendo Relator o Ministro Celso de Mello -DJ 26.03.93, pp.05002, ement. Vol. 01697-02, pp. 00298): Ementa - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL/RJ N. 1848/91 (ART. 34, PAR 1.) - PROPOSTA ORCAMENTÁRIA - AUTORIZAÇÃO PARA A SUA EXECUÇÃO PROVISÓRIA EM CASO DE NÃO APROVAÇÃO DO PROJETO ATÉ O TÉRMINO DA SESSÃO LEGISLATIVA - INSUBSISTÊNCIA, NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL VIGENTE, DA APROVAÇÃO FICTA DAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS - DISCIPLINA LEGISLATIVA DO ORÇAMENTO (CF, ART. 166, PAR. 7. C/C ART. 64) - INOCORRÊNCIA CUMULATIVA DOS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR - SUSPENSÃO CAUTELAR INDEFERIDA. A concessão de medida cautelar, em sede de controle normativo abstrato, pressupõe a necessária ocorrência dos requisitos concernentes ao "fumus boni juris" e ao "periculum in mora". Por mais relevante que seja a plausibilidade jurídica do tema versado na ação direta, a sua isolada configuração não basta para justificar a suspensão provisória de eficácia do ato estatal impugnado, se inocorrente o "periculum in mora" ou, quando menos, a conveniência da medida cautelar postulada.

É evidente, assim, que o Supremo reconheceu a legitimidade da Assembléia Legislativa, que elaborou a lei estadual, para a propositura da Ação Direta, e examinou o pedido, embora tenha indeferido a concessão da liminar.

Esperemos que, no exame das outras ADIN, o TJE consiga examinar as questões jurídicas da inconstitucionalidade da TLP e das alíquotas progressivas do IPTU e do fumus boni juris, que justifica a concessão da liminar, para expurgar da ordem jurídica a legislação inconstitucional. Não pode produzir efeitos a lei inconstitucional, nem pode o contribuinte ser obrigado a pagar um tributo indevido, sob a alegação de que é necessário proteger o interesse público, porque é evidente que não existe qualquer interesse que se possa sobrepor ao necessário respeito à Constituição.

A manutenção desse impasse, na verdade, é que será extremamente prejudicial, tanto à Prefeitura, quanto ao contribuinte. À primeira, porque certamente sofreu uma brutal redução na sua arrecadação tributária, que somente poderá ser normalizada após a decisão definitiva, e a cobrança dos valores corretos do IPTU. Ao contribuinte, porque ficará sujeito às execuções fiscais, especialmente agora, que a Secretária de Finanças já afirmou que a única maneira de acabar com a inadimplência é através da criação de mais duas varas da fazenda pública. Somente os muito ricos e os muito pobres escaparão. Os ricos, porque poderão pagar advogados, como já vem acontecendo, e a Justiça tem decidido sempre a favor do contribuinte. Os pobres, porque estão isentos, mesmo porque não seria possível a Prefeitura cobrar IPTU de um imóvel no valor de R$8 mil, por exemplo, porque não compensaria a despesa. Mas a classe média, A, B, C ou D, essa vai sofrer execuções fiscais, e não terá como se defender da ganância tributária.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Inconstitucionalidades do IPTU 2000 de Belém. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1396. Acesso em: 25 abr. 2024.