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O art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil.

Conteúdo, alcance e aplicação aos recursos ordinários em mandado de segurança

O art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil. Conteúdo, alcance e aplicação aos recursos ordinários em mandado de segurança

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Sumário: 1. Introdução 2. O art. 515, § 3º - Notas acerca de seu conteúdo imediato – Da sua convivência com o princípio do duplo grau de jurisdição e da reformatio in pejus 3. Da aplicação do § 3º do art. 515 ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – As diferentes visões do STF e do STJ 4. Conclusão


1.Introdução

No seu livro "Metodologia da Ciência do Direito", Karl Larenz ensina que o significado de um dispositivo não é simplesmente dado pelo legislador, mas deve ser paulatinamente conquistado pelos intérpretes considerando o próprio texto do dispositivo, o sistema normativo como um todo, o contexto de cada situação, os contributos doutrinários e os precedentes judiciais. Com o decorrer do tempo, estes últimos agregam à redação legal uma série de especificações que pouco a pouco desvendam o âmbito de aplicação de cada dispositivo. "No começo, está o texto da lei – só aparentemente claro e fácil de aplicar – e no final – se este existe -, entretecida em torno do texto, uma teia de interpretações, restrições e complementações, que regula a sua "aplicação" no caso singular e que transmudou completamente o seu conteúdo, a pontos de em casos extremos quase o tornar irreconhecível. Com efeito, um estranho resultado daquele processo que o jurista se habituou a denominar simplesmente de ´aplicação das normas´" (Larenz, Karl in Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª edição revista de 1983, pág. 250).

O presente trabalho propõe-se a analisar, em apertada síntese, o conteúdo imediato e ainda algumas aplicações possíveis do art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, considerando decisões de nossas Cortes Superiores, outros dispositivos do Código de Processo Civil e ainda princípios constitucionais que conformam o Processo Civil.


2.O art. 515, § 3º - Notas acerca de seu conteúdo imediato – Da sua convivência com o princípio do duplo grau de jurisdição e da reformatio in pejus

A Lei 10.352/2001 inseriu o § 3º no art. 515 do Código de Processo Civil, que passou a ter a seguinte redação:

"Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)" [01]

Como visto, trata-se de disposição acrescentada à regulação do recurso de apelação. José Carlos Barbosa Moreira esclarece que o aludido § 3º tem antecedente nas Ordenações Filipinas [02]. Com a sua reintrodução no direito pátrio, o recurso de apelação interposto contra sentença terminativa pode, em determinadas hipóteses, provocar desde logo o enfrentamento do mérito pelo Tribunal.

Na Exposição de Motivos da Lei 10.352/2001, são explicitadas as razões para a inserção deste dispositivo legal:

"Art. 515 – Cuida-se de sugestão que valoriza os princípios da instrumentalidade e da efetividade do processo, permitindo-se ao tribunal o julgamento imediato do mérito, naqueles casos em que o juiz não o tenha apreciado mas, sendo a questão exclusivamente de direito, a causa já esteja em condições de ser inteiramente solucionada. Anota-se que o duplo grau de jurisdição não é imposição constitucional. Consoante Carreira Alvim, "como o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio destinado a um fim, não deve ir além dos limites necessários à sua finalidade. Muitas matérias já se encontram pacificadas no tribunal – como, por exemplo, na Justiça Federal e na dos Estados, as questões relativas a expurgos inflacionários – mas muitos juízes de primeiro grau em lugar de decidirem de vez a causa, extinguem o processo sem julgamento do mérito, o que obriga o tribunal a anular a sentença, devolvendo os autos à origem para que seja julgada no mérito. Tais feitos, estão, muitas vezes, devidamente instruídos, comportando julgamento antecipado da lide (art. 330, CPC), mas o julgador, por apegado amor às formas, se esquece de que o mérito da causa constitui a razão primeira e última do próprio processo."(apud Mouta Araújo, José Henrique in Revista Dialética de Direito Processual nº 8, Novembro de 2003, Oliveira Rocha – Comércio e Serviços Ltda., pág. 73)

Constata-se assim que o legislador buscou dar concreção aos princípios da efetividade do processo e da instrumentalidade. Afinal, a duração do processo é um ônus à parte que faz jus à tutela jurisdicional [03]. Logo, nas apelações interpostas contra sentenças terminativas, o Tribunal poderá julgar o mérito caso estejam presentes os seguintes requisitos: (i) a questão seja exclusivamente de direito e, consequentemente, a causa esteja em condições de imediato julgamento; e (ii) houver pedido expresso do recorrente neste sentido (tantum devolutum quantum appellatum) [04].

Os dois requisitos mencionados no próprio § 3º na verdade se confundem [05]. Ora, somente no controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos é que se pode falar propriamente em questão exclusivamente de direito, ou seja, não referenciada diretamente a uma situação litigiosa. As demais questões analisadas pelo Judiciário envolvem partes que buscam a solução de um conflito real. Nelas, há um segmento de vida que é submetido à apreciação judicial, devendo ser consideradas as circunstâncias juridicamente relevantes.

Logo, a questão exclusivamente de direito é aquela que decorre de fatos já provados, podendo-se a partir deles aplicar-se o direito posto. Atente-se que: (i) devem já estar provados fatos suficientes para solução da demanda; (ii) não podendo carecer ainda de prova qualquer fato plausível alegado pelas partes capaz de, por si, alterar o resultado da lide. Reunidas tais condições, a causa já se encontra madura para imediato julgamento.

Ademais, o julgamento do mérito apenas será possível se o apelante tiver feito expressamente este pedido no seu recurso de apelação [06]. Esta regra é extraída da conjugação do § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil com o caput deste artigo, bem como com o art. 512 do mesmo Código [07]. Trata-se da aplicação do princípio dispositivo, cânone processual que estabelece limites para a jurisdição. Ou seja, no caso, a atuação do tribunal há de se cingir ao que foi devolvido para sua apreciação no recurso. Se o apelante não requereu que fosse julgado também o mérito da demanda, não será possível aplicar a regra ora em comento.

Desta forma, evita-se também que o apelado seja surpreendido com o julgamento do mérito, sem que tivesse sido advertido acerca da necessidade de impugnar, nas suas contrarrazões, a aplicação do § 3º do art. 515 do CPC, bem como o próprio mérito da demanda.

Para finalizar este tópico, é necessário confrontar o dispositivo comentado com o princípio do duplo grau de jurisdição e com a proibição da reformatio in pejus.

Quanto à convivência do dispositivo ora comentado com o princípio do duplo grau de jurisdição, coloca-se a seguinte questão: se o jurisdicionado tem direito ao duplo grau de jurisdição, ou seja, à possibilidade de provocar a revisão de (ou um duplo juízo sobre a) decisão que lhe foi desfavorável por meio de recurso com efeito devolutivo amplo, este direito estaria sendo assegurado na hipótese de o mérito ser apreciado originalmente pelo tribunal em sede de recurso?

Na própria Exposição de Motivos da Lei 10.352/2001 afirma-se que o § 3º restringiu o princípio do duplo grau de jurisdição. Considerou o legislador que tal princípio não seria uma imposição constitucional, razão pela qual seria juridicamente possível a inserção do mencionado § 3º. De fato, à época em que entrou em vigor a Lei 10.352/2001, o Supremo Tribunal Federal adotava este entendimento [08]. Atualmente, pode-se verificar que a Suprema Corte admitiu, em alguns julgados, que o aludido princípio tem assento constitucional [09].

Ao defender a compatibilidade do § 3º com o princípio do duplo grau de jurisdição, José Carlos Barbosa Moreira destacou que é o ordenamento jurídico que estabelece a conformação deste princípio, bem como os limites à sua incidência. Eis suas palavras:

"Modificou substancialmente tal regime a Lei nº 10.352/2001, ao acrescentar ao art. 515, § 3º, a cuja luz pode ocorrer, agora, que uma sentença meramente terminativa venha a ser substituída por acórdão relativo ao meritum causae. Ampliou-se o efeito devolutivo da apelação e, do mesmo passo, tornou-se inevitável a revisão das ideias correntes acerca do princípio do duplo grau de jurisdição – que, repita-se, não está definido em texto algum, nem tem significação universal fixada a priori: seu alcance será aquele que resulta do exame do ius positum, e portanto discutir se o infringe ou não disposição legal como a que ora se comenta é inverter os termos da questão." (g.n.) (Barbosa Moreira, José Carlos in ob. citada, pág. 430)

Em julgado relatado pelo Min. Joaquim Barbosa, a Suprema Corte também já reconheceu que o duplo grau de jurisdição não é uma garantia absoluta, podendo ser excepcionada em algumas hipóteses. Destaca-se a ementa do acórdão:

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5°, PARÁGRAFOS 1° E 3°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04. GARANTIA QUE NÃO É ABSOLUTA E DEVE SE COMPATIBILIZAR COM AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Agravo que pretende exame do recurso extraordinário no qual se busca viabilizar a interposição de recurso inominado, com efeito de apelação, de decisão condenatória proferida por Tribunal Regional Federal, em sede de competência criminal originária. 2. A Emenda Constitucional 45/04 atribuiu aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados na forma prevista no § 3º do art. 5º da Constituição Federal, hierarquia constitucional. 3. Contudo, não obstante o fato de que o princípio do duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos tenha sido internalizado no direito doméstico brasileiro, isto não significa que esse princípio revista-se de natureza absoluta. 4. A própria Constituição Federal estabelece exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição. Não procede, assim, a tese de que a Emenda Constitucional 45/04 introduziu na Constituição uma nova modalidade de recurso inominado, de modo a conferir eficácia ao duplo grau de jurisdição. 5. Alegação de violação ao princípio da igualdade que se repele porque o agravante, na condição de magistrado, possui foro por prerrogativa de função e, por conseguinte, não pode ser equiparado aos demais cidadãos. O agravante foi julgado por 14 Desembargadores Federais que integram a Corte Especial do Tribunal Regional Federal e fez uso de rito processual que oferece possibilidade de defesa preliminar ao recebimento da denúncia, o que não ocorre, de regra, no rito comum ordinário a que são submetidas as demais pessoas. 6. Agravo regimental improvido."

(g.n.) (AI 601832 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-064 DIVULG 02-04-2009 PUBLIC 03-04-2009 EMENT VOL-02355-06 PP-01129)

Enfim, é possível excepcionar um princípio em determinados casos, desde que tal medida seja necessária para promover outros princípios jurídicos (no caso, a efetividade da prestação jurisdicional e a duração razoável dos processos). Tanto os princípios quanto as regras admitem exceções, de forma que o duplo grau de jurisdição não é obstáculo para a juridicidade do § 3º ora comentado.

Deve ser comentada ainda a compatibilidade do dispositivo processual ora analisado com a proibição do reformatio in pejus. Pode o recorrente, no julgamento de seu recurso, ter a sua situação agravada com a substituição duma sentença terminativa por outra denegatória de seu pedido [10]?

José Carlos Barbosa Moreira assinala que a proibição da reformatio in pejus não está expressa no Código de Processo Civil em vigor, decorrendo ela, no entanto, da análise sistemática de suas disposições. Confira-se:

"Teria sido melhor que o diploma de 1973 houvesse proibido expressis verbis a reformatio in peius. Parece-nos, contudo, que à luz dele se torna ainda mais difícil do que à do anterior, senão verdadeiramente impossível, sustentar-lhe a admissibilidade. Com efeito: se a impugnação só abrange parte da sentença, o caput do art. 515 basta para excluir a cognição do órgão ad quem no tocante à matéria não impugnada; consequentemente, se o autor que pedira x + y, e só obtivera x, apela sozinho, para tentar obter y, em relação à parcela x, que por hipótese não foi objeto de impugnação do réu, a sentença transitou em julgado, e o tribunal não pode subtraí-la ao apelante. Mesmo fora desse caso, porém, os argumentos de ordem sistemática utilizáveis sob o regime de 1939, para excluir a reformatio in peius, continuam válidos para o ordenamento em vigor, e até se veem reforçados pela introdução, neste, do recurso adesivo." (Barbosa Moreira, José Carlos in ob. citada. 434).

O autor prossegue, sustentando a proibição da reformatio in peius nos seguintes pontos: a) no interesse de recorrer, condição para reexame da matéria; b) não havendo devolução em virtude do recurso (inadmissível), a atuação do tribunal que piorasse a situação do recorrente seria provocada de ofício, o que só é possível nas hipóteses do art. 475 do CPC e de outras leis extravagantes; c) o princípio dispositivo, na fixação do objeto do juízo, atua com mesma intensidade na instância recursal, podendo as partes preexcluir o reexame de parte da decisão.

Tratando especificamente da conciliação da proibição da reformatio in pejus com o § 3º ora comentado, Leonardo José Carneiro da Cunha estabelece, primeiro, a distinção entre Instância e Grau de Jurisdição. Esclarece o autor que há a jurisdição ordinária (que pode apreciar fatos e provas, além de "qualquer espécie de direito") e a jurisdição extraordinária que "...restringe-se a direito federal (constitucional ou infraconstitucional), refugindo do seu espectro o exame de fatos e de provas." (Carneiro da Cunha, Leonardo José in "Duas questões em torno do § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil: sua relação com o Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus e sua incidência no Mandado de Segurança." in Revista Dialética de Direito Processual nº 9 – Dezembro de 2003, Oliveira Rocha – Comércio e Serviços Ltda., pág. 71). Após, assinala que "...instância identifica-se com uma parcela da organização hierárquica da estrutura judiciária, o grau de jurisdição está relacionado com a competência originária e recursal de cada órgão judicial. Assim, a primeira instância, como visto, exerce, via de regra, o primeiro grau de jurisdição, cabendo o exercício do segundo grau de jurisdição, geralmente, aos tribunais locais ou regionais." (ob. citada, pág. 71).

Dito isto, mais adiante, o autor conclui dizendo que, no recurso de apelação contra sentença terminativa de mérito, o tribunal exerce o segundo grau de jurisdição [11] quanto à análise revisional da sentença terminativa. Caso proveja o recurso nesta parte, passa logo em seguida ao primeiro grau de jurisdição no concernente ao mérito (segunda pretensão). Assim, conclui que o § 3º não viola a proibição da reformatio in pejus, porque "...se está examinando originalmente a pretensão do autor, ou melhor, não há aplicação da proibição da reformatio in pejus no primeiro grau de jurisdição" [12](no caso, primeiro grau de jurisdição do mérito).

O autor acrescenta ainda outros dois fundamentos. O primeiro deles é o de que não haveria reformatio in pejus porque se pediu "....o acolhimento da primeira pretensão, qual seja, o exame do mérito. Ao reformar a sentença terminativa, o tribunal acolheu o recurso, apreciando o mérito em decorrência da satisfação da primeira pretensão formulada pela parte autora." Ademais, "...ainda que se insista em considerar que, no caso, haveria ofensa ao princípio da proibição da reformatio in pejus, deve-se admitir, então, que o § 3º do art. 515 do CPC consistiria numa exceção ao princípio. Trata-se, na verdade, de um princípio fundamental dos recursos. E, como todo princípio fundamental, pode ser contraposto por outro princípio, de molde a que haja limites de aplicação recíprocos." [13]

Adite-se ainda que o recorrente que pede a análise do mérito em recurso interposto contra sentença terminativa se sujeita voluntariamente ao risco de ter decretada desde logo a improcedência do seu pedido. O objetivo do § 3º é o de prestigiar a celeridade da prestação jurisdicional, sendo certo que se a parte tem a faculdade de deixar de recorrer de sentença que lhe foi desfavorável, pode também, por expressa determinação legal, prescindir de um duplo juízo sobre o mérito da ação (caso opte pela regra ora em comento).

No capítulo seguinte, falar-se-á ainda sobre a divergência do entendimento entre as Cortes Superiores acerca da aplicação do referido dispositivo legal aos recursos ordinários em mandados de segurança.


3.Da aplicação do § 3º do art. 515 ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – As diferentes visões do STF e do STJ

Outro ponto que merece ser abordado é a questão da aplicação do dispositivo legal ora em comento ao recurso ordinário do mandado de segurança (vide art. 539 do Código de Processo Civil [14]). A questão apresenta-se mais relevante porque há orientações discrepantes no âmbito dos Tribunais Superiores sobre a questão.

Em texto já citado, Leonardo José Carneiro da Cunha se posicionou de maneira contrária à aplicação do referido dispositivo legal aos recursos de apelação em mandado de segurança (e, por extensão, ao recurso ordinário, cabível quando o mandado de segurança é proposto diretamente nos tribunais). Isto porque são a Constituição da República e as Constituições dos Estados que estabelecem as competências originárias para julgamento dos mandados de segurança. E como, segundo o autor, o § 3º do art. 515 da Lei de Ritos estabelece que o órgão julgador ad quem exerceria o primeiro grau de jurisdição quanto ao mérito da causa, na hipótese em comento a referida lei federal estaria corrompendo o alcance de normas constitucionais, o que seria juridicamente impossível. Segundo o autor, o dito preceptivo legal estaria, no caso, provocando o deslocamento da competência originária para julgamento do mérito do mandado de segurança sem respaldo constitucional, com base em lei federal. Desta forma, o autor se posicionou contrariamente à aplicação deste dispositivo de lei aos mandados de segurança [15] (no caso de recurso de apelação, através de uma redução teleológica, e no caso dos recursos ordinários, pela vedação da utilização da analogia).

Este entendimento tem encontrado acolhida na Corte Suprema, como se pode constatar nos julgados abaixo destacados:

"EMENTA Recurso em mandado de segurança. Anistia política. Pensão militar. Imposto retido na fonte. Lei nº 10.559/02. Autoridade coatora. Legitimidade. 1. A folha de pagamento dos militares corre à conta do Ministério do Exército. O Ministro de Estado da Defesa e o Comandante do Exército, portanto, detêm o poder de determinar a interrupção dos descontos relativos ao imposto de renda feitos nos proventos da recorrente, exatamente o objeto da impetração. Legitimidade, assim, das citadas autoridades para figurar no pólo passivo do mandado de segurança. 2. Recurso ordinário provido para reconhecer a legitimidade passiva das autoridades apontadas como coatoras e determinar a devolução dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para a apreciação do mérito do mandado de segurança, inaplicável o art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil. "(g.n.) (RMS 26959, Relator(a): Min. EROS GRAU, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 26/03/2009, DJe-089 DIVULG 14-05-2009 PUBLIC 15-05-2009 EMENT VOL-02360-01 PP-00159)

"EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCURADOR FEDERAL. REMUNERAÇÃO. SUPRESSÃO DE VANTAGEM PESSOAL NOMINALMENTE IDENTIFICADA (VPNI). IMPETRAÇÃO CONTRA O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E O MINISTRO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. ILEGITIMIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. A responsabilidade pela folha de pagamento dos servidores públicos federais não se insere nas competências legalmente conferidas às autoridades impetradas, que, no caso, não praticaram nenhum ato lesivo ao alegado direito do recorrente. 2. "Inaplicabilidade do art. 515, § 3º, do CPC -- inserido no capítulo da apelação -- aos casos de recurso ordinário em mandado de segurança, visto tratar-se de competência definida no texto constitucional" (RMS 24.789, Relator Ministro Eros Grau). 3. Recurso ordinário desprovido. (g.n.) (RMS 26615, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-04 PP-00697)

"EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO FEDERAL. IMÓVEL FUNCIONAL. LEI N. 8.025/90. ART. 515, § 3º, DO CPC. INAPLICABILIDADE AO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. O Secretário de Administração Federal é parte legítima para figurar como autoridade coatora em mandado de segurança quando administrador do imóvel funcional na data de publicação da Medida Provisória n. 149, convertida na Lei n. 8.025/90. 2. O direito, do ocupante, ao recadastramento, avaliação, manifestação do direito de preferência e aquisição do imóvel funcional consuma-se na data de publicação da MP n. 149, tornando irrelevante a posterior transferência da administração do bem. Precedentes [RMS n. 22.095, Ministro OCTAVIO GALLOTTI, DJ 08.03.96 e RMS n. 22.977, Relator o Ministro NELSON JOBIM, DJ 01.03.2000]. 3. Inaplicabilidade do art. 515, § 3º, do CPC --- inserido no capítulo da apelação --- aos casos de recurso ordinário em mandado de segurança, visto tratar-se de competência definida no texto constitucional. Precedentes [RMS n. 24.309, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ 30.04.2004 e RMS n. 24.789, Relator o Ministro EROS GRAU, DJ 26.11.2004]. 4. Recurso ordinário julgado parcialmente procedente, determinando-se a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para apreciação do mérito da impetração."(g.n.) (RMS 22180, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 22/06/2005, DJ 12-08-2005 PP-00011 EMENT VOL-02200-1 PP-00001 RTJ VOL-00194-03 PP-00893)

"EMBARGOS DECLARATÓRIOS - OMISSÃO. Para que se configure a omissão é preciso que o tema tenha sido articulado. Isso não ocorre quando inexistente, nos autos, notícia sobre a duplicidade de ações e a Corte se limita a assentar a legitimidade da parte, determinando a baixa dos autos à origem para a seqüência do julgamento. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA - DEVOLUTIVIDADE. O disposto no § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil não se aplica ao recurso ordinário em mandado de segurança, cuja previsão, no tocante à competência, decorre de texto da Constituição Federal." (g.n.) (RMS 24309 ED, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 17/02/2004, DJ 30-04-2004 PP-00049 EMENT VOL-02149-07 PP-01315)

Como visto, a Corte Suprema tem dado relevância ao argumento de que as competências constitucionalmente estabelecidas não podem ser alteradas por meio de lei federal. A aplicação do aludido dispositivo legal aos recursos ordinários julgados pela Suprema Corte importaria, simultaneamente, na mitigação da competência constitucionalmente estabelecida de outro Tribunal Superior, bem como em acrescentar nova competência (não prevista no texto da Constituição da República, fonte das competências dos Tribunais Superiores) àquelas já atribuídas ao Supremo Tribunal Federal. Por tal razão, a Corte Suprema tem decidido pela não aplicação do dispositivo legal em comento nos casos mencionados.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça tem dado orientação diversa ao dispositivo de lei em questão. Embora num primeiro momento este Colendo Tribunal não tenha reconhecido a aplicação deste dispositivo legal aos recursos ordinários (como noticia o próprio Leonardo José Carneiro da Cunha no texto já mencionado), posteriormente ele o estendeu também para os recursos ordinários em mandado de segurança, como se pode constatar em vários julgados, como os que são ora selecionados:

"ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MILITARES ESTADUAIS. INDENIZAÇÃO DE ESTÍMULO OPERACIONAL. FORMA DE CÁLCULO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. ART. 515, § 3º, DO CPC. APLICAÇÃO. DECRETO. DISPOSIÇÃO CONTRÁRIA A LEI. VENCIMENTOS. REDUÇÃO. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IRREDUTIBILIDADE VENCIMENTAL. OFENSA CONFIGURADA. EFEITOS PATRIMONIAIS PRETÉRITOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS N.os 269 E 271 DO EXCELSO PRETÓRIO. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES.

1. É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o recurso ordinário em mandado de segurança tem natureza similar ao recurso de apelação. Assim, a despeito da extinção do processo sem julgamento do mérito pelo Tribunal de origem, a esta Corte é permitido julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento, por força do art. 515, § 3º, do CPC, como ocorre in casu.(...)

6. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido. (g.n.) (RMS 24.800/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2008, DJe 09/02/2009)

"PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. TERCEIRO PREJUDICADO. CABIMENTO. SÚMULA 202/STJ. PROCESSO EXTINTO SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO. ART. 515, § 3º, DO CPC. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. LIMINAR. DEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE DA DECISÃO.

- De acordo com a Súmula nº 202 do STJ, "a impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso".

- Aplica-se, por analogia, o art. 515, § 3º, do CPC, ao recurso ordinário em mandado de segurança, viabilizando, por conseguinte, a apreciação do mérito do writ, desde que este não tenha sido instruído com complexo conjunto de provas, a exigir detalhado exame.(...)"

Recurso provido. (g.n.) (RMS 25.462/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/10/2008, DJe 20/10/2008)

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DEFESA PRELIMINAR. ART. 17, § 7º, DA LEI Nº 8.429/92. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. JUIZ FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ART. 18, DA LEI Nº 1.533/51.

(...)

7. O art. 515, § 3º do CPC admite discussão de mérito do recurso ordinário nas hipóteses em que o mesmo restou analisado e sujeito ao contraditório na instância local, mercê de ter sido extinto por decisão terminativa."

(...) (g.n.) (RMS 25.917/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 22/09/2008)

"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. REGRA DO ART. 515, § 3º, DO CPC. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, presentes os pressupostos do art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, aplicável por analogia, pode, em recurso ordinário em mandado de segurança, apreciar o mérito da impetração.

2. Agravo regimental improvido."(g.n.)

(AgRg no RMS 23.777/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 08/05/2008, DJe 23/06/2008)

Como visto, o Superior Tribunal de Justiça tem aderido ao entendimento de que o recurso ordinário é análogo ao recurso de apelação, devendo assim aplicar-se-lhe as mesmas regras [16].

Tem-se, desta forma, que dois Tribunais Superiores atribuem ao mesmo dispositivo legal (o § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil) âmbitos de aplicação distintos: um deles estende a regra para os recursos ordinários (o Superior Tribunal de Justiça), o outro diz ser a regra inaplicável a este recurso (o Supremo Tribunal Federal).

A orientação predominante no Superior Tribunal de Justiça afigura-se mais acertada, visto que:

- atua em prol da celeridade processual – todas as reformas processuais recentes têm prestigiado este desiderato, sendo certo que as decisões do Superior Tribunal de Justiça são mais consentâneas com os princípios da efetividade processual e da razoável duração dos processos (normas que também têm estatura constitucional);

- o recurso ordinário, assim como o recurso de apelação, tem efeito devolutivo amplo tanto no que tange à sua extensão (questões que podem ser reexaminadas por força do recurso), como no que tange à sua profundidade (quais provas poderão ser reexaminadas no recurso ordinário). Logo, o Tribunal ad quem não estará exorbitando suas atribuições constitucionalmente postas ao julgar o mérito do recurso (até porque estará julgando o mérito, só que em fase de recurso, como constitucionalmente determinado);

- não seria justo penalizar o jurisdicionado por um suposto equívoco do órgão julgador a quo, visto que ele ingressou com o mandado de segurança perante a instância adequada. A dilação no julgamento provocada pela volta do mandado de segurança para o órgão julgador a quo resultaria exclusivamente da atuação do Judiciário, mas o principal penalizado seria o jurisdicionado [17].

A regra legal ora comentada, como visto, possui uma interpretação equívoca. Duas Cortes Superiores a interpretam de maneira diametralmente oposta. Tal situação apenas será alterada se um dos dois tribunais alterar a sua orientação, ou na remota hipótese da propositura de ação declaratória de inconstitucionalidade em face do aludido dispositivo legal, sem redução de texto (oportunidade na qual a Corte Suprema poderá rechaçar, com efeito vinculante, a interpretação que hoje predomina no Superior Tribunal de Justiça).


4.Conclusão

Em conclusão, pode-se assinalar que o dispositivo legal em questão (§ 3º do art. 515 do Código de Processo Civil) consagrou o princípio da causa madura, permitindo não apenas maior celeridade processual, mas também menor desgaste do aparelho judiciário. Ele é plenamente compatível com o princípio do duplo grau de jurisdição (cuja conformação depende do legislador ordinário), não encontrando óbice na proibição da reformatio in pejus (uma vez que o próprio jurisdicionado assume o risco de ter o mérito de seu recurso denegado, caso assim queira).

Por fim, embora a Corte Suprema não sufrague tal entendimento, tem-se que o aludido preceito de lei deve ser aplicado também aos recursos ordinários em mandado de segurança, seja em prol da efetividade processual e da razoável duração dos processos, seja porque tal recurso é análogo ao recurso de apelação, estendendo-se-lhe desta forma as suas disposições.


Notas

  1. Posteriormente, a Lei 11.276/2006 acrescentou o § 4º ao aludido artigo, mas tal dispositivo não será discutido neste trabalho.
  2. "Diferente o direito reinol: em regra, provida apelação contra sentença terminativa, ao tribunal competia, em vez de mandar "tornar o feito ao juiz, de que foi apelado", ir "por ele em diante e julgá-lo finalmente" (Ord. Filip., L. III, Tít. LXVIII, princ.). É o caminho trilhado, agora, pela Lei nº 10.352, que tem, como se vê, antecedente remoto." (Barbosa Moreira, José Carlos in Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565./José Carlos Barbosa Moreira – Rio de Janeiro, Forense, 2004, pág. 429)
  3. Registre-se que após a Lei 10.352/2001, a Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição da República, que explicita a necessidade de se buscar meios que garantam a razoável duração dos processos judiciais e administrativos.
  4. Barbosa Moreira fala ainda de outros pressupostos para aplicação do dispositivo processual ora comentado: "O § 3º, cumpre registrar, não se aplica a todos os casos de apelação contra sentença terminativa. Antes de mais nada, convém explicitar três pressupostos que não figuram no texto, talvez porque considerados intuitivos:
  5. é preciso, obviamente, que a apelação seja admissível; se não o for, a única possível atitude do órgão ad quem será a de não conhecer do recurso, e nisso se exaurirá sua atividade cognitiva;

    a sentença apelada deve ser válida; se o tribunal lhe achar vício invalidante, tem de declará-la nula e devolver os autos à primeira instância, para que outra se profira (exemplo: incompetência absoluta do juiz que a prolatou);

    é mister que, aos olhos do órgão ad quem, não exista (ou já não subsista) o impedimento visto pelo órgão a quo ao exame do mérito, nem qualquer outro, conhecível de ofício ou alegado e rejeitado, mas não precluso (exemplo: o juiz deu pela ilegitimidade ad causam do autor, e o tribunal discorda, porém verifica existir coisa julgada)."(Barbosa Moreira, José Carlos in ob. citada, pág. 430).

  6. Neste sentido, confira-se: "Destarte, o ponto central da expressão é a necessidade ou não de retorno dos autos à primeira instância para julgamento do mérito, razão pela qual a reforma processual poderia ter sido mais clara nesse sentido, consagrando os casos que envolvem matéria de fato já provado ou mesmo incontroverso. Aliás, oportunas são as observações levantadas por Pedro Luiz Pozza quando afirma que:
  7. "O legislador foi extremamente infeliz na redação do dispositivo, pois bastaria, para permitir a incidência da hipótese prevista no novo § 3º do art. 515, exigir, como requisito para a apreciação do mérito pelo tribunal, ao reformar sentença que não examinou o meritum causae, que a causa estivesse madura. Quer dizer: se a causa versar questão exclusivamente de direito, sempre poderá o tribunal suprimir o primeiro grau de jurisdição; porém se a causa versar, também, questões fáticas, a supressão poderá ocorrer, da mesma forma, desde que a instrução da lide esteja concluída, ou seja, reste esgotada integralmente a dilação probatória."

    Na verdade, a reforma poderia ter sido melhor se, ao invés de correlacionar duas situações, mencionasse apenas condições de imediato julgamento." (Mouta Araújo, José Henrique in Revista Dialética de Direito Processual nº 8, Novembro de 2003, Oliveira Rocha – Comércio e Serviços Ltda., pág. 73)

  8. "...para que reste aplicada a regra do § 3º do art. 515 do CPC, é preciso que o apelante, em suas razões recursais, requeira expressamente que o tribunal dê provimento ao seu apelo e, desde logo, aprecie o mérito da demanda. Caso o apelante requeira que, após o provimento do recurso, sejam os autos devolvidos ao juízo de primeira instância para análise do mérito, por ignorância da nova regra ou por lhe ser mais conveniente, não poderá o tribunal, valendo-se do § 3º do art. 515 do CPC, adentrar no exame do mérito, sob pena de estar julgando extra ou ultra petita."(Cunha, Leonardo José Carneiro da in Inovações no Processo Civil (Comentários às Leis 10.352 e 10.358/2001), São Paulo, Dialética, 2002, págs. 85/86)
  9. Note-se que o caput do art. 515 assinala que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada Por sua vez, o art. 512 dispõe que a decisão do tribunal substituirá a decisão atacada no que tiver sido objeto de recurso. Portanto, se o mérito não foi abordado na apelação, ele não foi devolvido ao tribunal, que não poderá julgar objeto que vai além daquele que foi impugnado no recurso.
  10. Neste sentido:
  11. "EMENTA: - Depósito para recorrer administrativamente. - Em casos análogos ao presente, relativos à exigência do depósito da multa como condição de admissibilidade do recurso administrativo, esta Corte, por seu Plenário, ao julgar a ADI 1.049 e o RE 210.246, decidiu que é constitucional a exigência desse depósito, não ocorrendo ofensa ao disposto nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Carta Magna, porquanto não há, em nosso ordenamento jurídico, a garantia ao duplo grau de jurisdição. Por isso mesmo, também o Plenário deste Tribunal, ao indeferir a liminar requerida nas ADIMCs 1.922 e 1.976, se valeu desse entendimento para negar a relevância da fundamentação da inconstitucionalidade, com base nesses dois incisos constitucionais acima referidos, da exigência, para recorrer administrativamente, do depósito do valor correspondente a trinta por cento da exigência fiscal definida na decisão recorrida. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. - Por outro lado, inexiste ofensa ao artigo 5º, XXXV, "a", da Constituição, porquanto, no caso, não há pagamento de taxa, mas a exigência de depósito de parcela do valor da exação. Recurso extraordinário conhecido e provido." (g.n.) (RE 356287, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 19/11/2002, DJ 07-02-2003 PP-00047 EMENT VOL-02097-07 PP-01334)

    Confira-se ainda: RHC 80.919 – SP – Rel. Min. Nelson Jobim; AI 2486761 – RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão; RHC 79785 – RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, AI 513044 AgR, Relator Min. Carlos Velloso, dentre outros. Saliente-se ainda que o princípio do duplo grau de jurisdição está previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (da qual o Brasil é signatário) como garantia no processo penal.

  12. "EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DO VEREDITO. APELAÇÃO. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. ORDEM DENEGADA. 1. A pretensão revisional das decisões do Tribunal do Júri não conflita com a regra de soberania do veredito (inciso LXVIII do art. 5º da Constituição Federal). Regra compatível com a garantia constitucional do processo que atende pelo nome de duplo grau de jurisdição. Garantia que tem a sua primeira manifestação no inciso LV do art. 5º da CF, in verbis: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Precedentes. 2. No caso, o acolhimento da pretensão do impetrante implicaria o revolvimento e a valoração do conjunto fático-probatório. 3. Ordem denegada." (g.n.) (HC 94567, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 28/10/2008, DJe-075 DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-02 PP-00366)
  13. E ainda, no mesmo sentido: HC 88420, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, AI 601832.

  14. Assinale-se ainda que o § 3º destacado apenas pode ser invocado pelo autor da ação. Afinal, o réu não poderá recorrer da decisão terminativa, pois não sucumbiu, faltando-lhe interesse recursal.
  15. Lembre-se que a palavra jurisdição vem do latim jurisdictio, ou seja, dizer o direito (no caso, o direito aplicável à espécie).
  16. Cunha, Leonardo José Carneiro in ob. citada, pág. 74.
  17. Cunha, Leonardo José Carneiro in ob. citada, pág. 75.
  18. Art. 539. Serão julgados em recurso ordinário: (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
  19. I - pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, os habeas data e os mandados de injunção decididos em única instância pelos Tribunais superiores, quando denegatória a decisão; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)

    II - pelo Superior Tribunal de Justiça:(Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)

    a)os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão" (g.n.)

  20. "Já se viu que, na aplicação do aludido dispositivo, o tribunal exerce segundo grau de jurisdição, quando revisa a decisão terminativa de que se recorreu. Após alterar a conclusão a que chegou a instância de origem, para definir que se afigura possível adentrar no exame do mérito, o tribunal passará, como se viu, a exercer primeiro grau de jurisdição. Nesse caso, é preciso que o tribunal disponha de competência originária para julgar a causa ou que seja possível a lei ordinária (que, no caso, é o § 3º do art. 515 do CPC) alterar essa competência.
  21. Ora, a competência originária do STJ está, precisamente, definida nas hipóteses do inciso I do art. 105 da Constituição Federal, não sendo possível que uma norma legal altere, modifique ou amplie aquele rol. É que, como exsurge elementar, as competências constitucionalmente fixadas constituem normas de interpretação estrita, não sendo legítimo ao legislador infraconstitucional alterá-las. Assim, impetrado, por exemplo, um mandado de segurança, originariamente, num tribunal de justiça contra o Governador do Estado ou impetrado um remédio heróico, originariamente, perante um TRF contra um juiz federal ou contra membro do próprio TRF, não deve o STJ assumir tal competência e, aplicando o § 3º do art. 515 do CPC, julgar, originariamente, a causa, eis que essas não são hipóteses previstas nas alíneas do referido inciso I do art. 105 da Constituição da República. Essa, aliás, foi a razão que fundamentou a edição da Súmula 41 do STJ, que assim dispõe: "O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos respectivos órgãos."

    Todas essas considerações atinentes ao recurso ordinário em mandado de segurança para o STJ aplicam-se, igualmente, à apelação interposta contra sentença de juiz de primeira instância. Isso porque a competência originária dos tribunais de justiça está fixada na respectiva Constituição Estadual, não devendo sofrer alteração por lei ordinária federal, em razão da necessidade de obediência ao pacto federativo. No tocando à Justiça Federal, a restrição parece ser a mesma, eis que a competência originária dos tribunais regionais federais está prevista, especificamente, no art. 108 da Constituição Federal, não devendo haver alteração por norma infraconstitucional.(...)

    Tudo leva a crer, portanto, que o § 3º do art. 515 do CPC não se aplica à apelação nem ao recurso ordinário em mandado de segurança, sob pena de haver desrespeito às regras constitucionais de competência." (Carneiro da Cunha, Leonardo José in ob. citada, págs. 76/77)

  22. Embora haja, no próprio Superior Tribunal de Justiça, julgado em sentido diverso, vide abaixo:
  23. RMS. ART. 515, § 3º, CPC.

    Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Estado-membro que se sentiu atingido pela sentença que isentou de IPVA a instituição financeira, em ação de busca e apreensão na qual o credor fiduciário pleiteia a recuperação de veículo alienado a devedor fiduciante, pois deixou de pagar as prestações de operação de compra e venda com alienação fiduciária em garantia. A Turma entendeu que, não intimado do acórdão, não se poderia exigir do Estado o conhecimento da referida ação e, consequentemente, a interposição de recurso contra a sentença. Logo, aplica-se o Súm. n. 202 do STJ. Entendeu, ainda, que, quanto ao mandado de segurança devidamente instruído e extinto sem julgamento de mérito, não pode este Superior Tribunal, após afastar a extinção, continuar a julgar a causa e apreciar o mérito da ação mandamental, pois, se assim o fizesse, atrairia para si a competência do Tribunal estadual, uma vez que compete a ele processar e julgar o mandado de segurança contra ato tido por ilegal do juiz de primeiro grau. Assim, não se aplica o art. 515, § 3º, do CPC ao recurso ordinário em mandado de segurança, pois se trata de competência constitucional. Precedente citado do STF: EDcl no RMS 24.309-DF, (g.n.) DJ 30/4/2004. RMS 27.368-PE, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 17/3/2009.

  24. Mutatis mutandis, é aplicável o seguinte excerto da decisão do Min. Celso de Mello: "(...) - O direito ao julgamento sem dilações indevidas qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do "due process of law".(...)- O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas, em tempo razoável e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional. Doutrina. Precedentes.(...) (g.n.) (Rel. Min. Celso de Mello, HC 99289-MC/RS, publicada no DJE de 05.06.2009. C.f. no Informativo nº 549, de 1º a 5 de junho de 2009, do Supremo Tribunal Federal)

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OURICURI, Paulo Gustavo Loureiro. O art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil. Conteúdo, alcance e aplicação aos recursos ordinários em mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2364, 21 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14053. Acesso em: 16 abr. 2024.