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A tipicidade aberta e a interpretação extensiva da lista de serviços

A tipicidade aberta e a interpretação extensiva da lista de serviços

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Sumário. 1. Introdução. 2. As Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 2.1 Considerações Iniciais. 2.2 O Princípio da Segurança Jurídica. 2.3 O Princípio da Legalidade. 2.4 O Princípio da Tipicidade. 3. O Tipo. 3.1 Definição. 3.2 O Tipo e Conceito Fechado. 3.3 Tipologia e Classificação. 3.4 A Tipicidade Aberta. 3.5 O Modo de Pensar Tipificante e a Interpretação Econômica. 4. A Interpretação Econômica e a Interpretação Extensiva. 4.1 Interpretação Econômica. 4.2 A Interpretação Extensiva. 4.3 A Interpretação Econômica e a Interpretação Extensiva do Fato Gerador do ISS Sob a Ótica da Tipicidade Aberta. 5. A Lista de serviços: taxativa ou exemplificativa? 5.1 A Polêmica. 5.2 O Surgimento da Lista de Serviços do ISS. 5.3 O Papel da Lei Complementar no ISS. 6. Conclusão. Referências Bibliográficas


1. Introdução

Durante muito tempo, foi prevalente o entendimento de que as normas tributárias teriam tipicidade fechada1, graças ao conteúdo peculiar do princípio da legalidade nessa seara do Direito, que, em nome da segurança jurídica, veda a utilização dos conceitos indeterminados.

Contudo, este entendimento tem fundamento histórico, decorrente da concepção da palavra tipo (Tatbestand), originária da doutrina alemã, introduzida na doutrina pátria com a conotação de tipo fechado, já que o Tatbestand era utilizado para descrever matéria penal num período com necessidade extrema de segurança jurídica na aplicação do Direito, provida pelo o princípio da legalidade.

Atualmente, sabe-se que essa tendência de transformação do tipo tributário em um conceito fechado não é suficiente para garantir a igualdade material e a justiça fiscal. É certo que a tipicidade fechada pode facilitar a elisão fiscal e a desigualdade material, na medida em que contribuintes que possuem a mesma capacidade contributiva se eximam do pagamento de impostos.

No que tange ao Imposto Sobre Serviços (ISS), a questão da tipicidade é o cerne da polêmica acerca da taxatividade, ou não, da lista de serviços, constante em lei complementar. Depois de ter gerado muita discussão, é assente nos tribunais, bem como na doutrina, que a lista comporta um rol verticalmente taxativo e horizontalmente exemplificativo, admitindo, nesse sentido, interpretação extensiva.

Isto porque muitas vezes o legislador limita-se a mencionar um nomen iuris, ou fazer uma enumeração exemplificativa, relegando ao intérprete a tarefa de conceituar concretamente o fato gerador em cada caso, fazendo a subsunção do fato em um item que comporte um rol exemplificativo, que na lista de serviços aparece sob a forma horizontal.

Com efeito, o presente trabalho também se presta a mostrar que a interpretação econômica no Direito Tributário além de não violar o princípio da legalidade, também pode ser considerada um instrumento capaz de assegurar, entre outros, o princípio da igualdade, da generalidade da tributação e da capacidade contributiva, além de combater a elisão fiscal.

Finalmente, é de se notar que a realidade social impulsiona o Direito a avançar constantemente em busca de soluções para novas situações que surgem com o passar do tempo e a tipologia aberta permite que o direito acompanhe o fato social.


2. As limitações constitucionais ao poder de tributar

O Estado Democrático de Direito emana da vontade popular que lhe confere mecanismos próprios para o exercício da soberania. Estes mecanismos estão inseridos no Direito positivo e são qualificados como poderes ou prerrogativas de direito, dentre eles, o direito de exigir legalmente tributos dos cidadãos, que deve ser exercido dentro do conceito de ordem jurídica. Isso porque o Estado existe dentro dos limites da vontade coletiva dos cidadãos que o criaram e constituíram juridicamente.

O poder de tributar nasce com a Constituição e nela encontra seu fundamento, pois é ela que inaugura o sistema tributário, outorga competência aos entes federados, estabelece limitações ao poder de tributar e define as espécies tributárias. As limitações constitucionais ao poder de tributar também são chamadas de princípios constitucionais tributários. Elas se baseiam em valores supraconstitucionais, constituindo verdadeira defesa dos cidadãos da República contra o arbítrio do Estado.

O princípio da legalidade é uma das limitações constitucionais ao poder de tributar, que, além de tutelar os direitos subjetivos privados – liberdade e propriedade - também satisfaz a necessidade de proteção dos cidadãos contra eventuais abusos por parte do poder público. Assim, percebe-se que o ordenamento jurídico se apoia no princípio da legalidade, capaz de viabilizar a coexistência das duas esferas: a pública e a privada.

Vislumbrando o balizamento dos meandros destes dois espaços, a legalidade irá subtrair a atividade dos cidadãos das áleas do contingente e do arbitrário, consagrando a justiça material. Daí se infere a ideia da segurança jurídica, que é mais abrangente que a legalidade.

2.2 O princípio da segurança jurídica

No Estado de Direito, o princípio da legalidade é uma garantia da separação dos poderes - pressuposto da segurança jurídica - coibindo a ingerência de um poder na esfera de atuação de outro. A segurança jurídica encontra sustentação nos pilares da legalidade, na medida em que esta garante que o contribuinte conheça, de modo claro e inequívoco, o ônus da tributação, porque não existe tributo sine lege. Além disso, a legalidade garante a estabilidade das leis editadas pelo Poder Legislativo, que são menos facilmente modificáveis que as normas editadas pela Administração.

A segurança jurídica é colocada em posição de destaque nas lições de Alberto Xavier:

Sem embargo de se denotarem neste campo algumas imprecisões terminológicas, pode dizer-se que a doutrina dominante – especialmente a alemã – tende a ver a essência da segurança jurídica na susceptibilidade de previsão objetiva, por parte dos particulares, das suas situações jurídicas (Vorhershsehbarkeit e Vorausberechenbarkeit), de tal modo que estes possam ter uma expectativa precisa dos seus direitos e deveres, dos benefícios que lhe serão concedidos ou dos encargos que hajam que suportar. Daqui resulta que a idéia geral de segurança jurídica se analise – como observam Löhlein e Jaenke – num conteúdo formal, que é a estabilidade do Direito e num conteúdo material, que consiste na chamada "proteção da confiança" (Vertrauensschutz) 2. (grifos do autor)

Analisada a contribuição do princípio da legalidade no desempenho da segurança jurídica, parte-se para análise do princípio da legalidade.

2.3 O princípio da legalidade

O princípio da legalidade tributária aparece no artigo 150, inciso I da Constituição Federal (CF), dispondo que é vedado exigir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça. Contudo, em Direito Tributário a legalidade é mais que a simples autorização legislativa para a cobrança de um tributo. Nesta seara do Direito, a lei deve esgotar como preceito geral e abstrato todos os dados necessários à caracterização do fato gerador da obrigação tributária e a quantificação do tributo (base de cálculo e alíquota), não dando margem ao administrador público para, através da conveniência e da oportunidade, quantificar o tributo, ou dizer se ele é devido ou não.

Isso significa dizer que a cobrança de qualquer tributo somente será válida se houver lei que a autorize, pois inexiste o dever de pagar tributo sem que a lei ordinária, ou em algumas hipóteses constitucionalmente previstas - como no caso do Imposto Sobre Serviços, a lei complementar, veicule a sua instituição.

A lei tributária deve conter todos os elementos capazes de permitir a identificação do fato imponível, ficando vedado o emprego da analogia, pelo Poder Judiciário, e da discricionariedade, pela Administração Pública, de modo que a atuação do administrador deve se limitar à subsunção do fato na norma de incidência, independentemente de qualquer valoração pessoal.

A essência do Estado de Direito está no princípio da segurança jurídica e o Direito Tributário é o ramo do Direito em que ele tem maior expressão, motivo pelo qual o princípio da legalidade é tido como uma reserva absoluta de lei formal, o que significa dizer que a lei deve ser o pressuposto necessário e indispensável de toda atividade administrativa.

O mesmo ocorre com o Direito Penal, onde impera o nullum crimen, nulla poena sine lege que equivale ao nullum tributo sine lege do Direito Tributário. Assim vislumbra-se o princípio da tipicidade como uma técnica de proteção dos cidadãos contra os poderes decisórios do juiz ou como instrumento de defesa dos particulares em face do arbítrio da Administração.

2.4 O princípio da tipicidade

A tipicidade é o princípio segundo o qual os tributos só poderão ser cobrados ou exigidos quando a lei autorizar, ou seja, quando houver a subsunção de um fato na hipótese abstrata (Tatbestand) prevista em lei.

Contudo, o princípio da legalidade tributária exige mais que a reserva de lei. Exige a reserva absoluta de lei (necessidade de lei formal), o que faz com que o princípio da tipicidade se exprima através do princípio da legalidade estrita.

Nas palavras do Mestre Alberto Xavier, princípio da tipicidade seria

um atributo do fato ou fatos da vida, que exprimiria a sua conformidade com o modelo abstrato descrito na norma e que seria indispensável para a produção do efeito jurídico mais característico da norma tributária: a constituição da obrigação de imposto 3.

Sendo assim, a constituição da obrigação tributária está acoplada ao preenchimento integral do modelo – tipo – previsto pela lei.

Outro reflexo deste princípio está intimamente relacionado com princípio da separação dos poderes. Se o preceito constitucional determina que a lei deve conter não apenas o fundamento da conduta da Administração, mas também o critério de decisão do órgão de aplicação do direito no caso concreto, na verdade, ele está exigindo a reserva absoluta de lei. Consequentemente, o legislador não permite que este órgão de aplicação do Direito (administrador ou juiz) atue com discricionariedade, garantindo a segurança jurídica.


3. O tipo

Na acepção comum, o tipo significa um esquema, uma padrão, uma generalização que desconsidera as características individuais. No sentido técnico-jurídico, ele significa uma técnica de exequibilidade da lei, pois permite a aplicação dos comandos das normas jurídicas a milhares de casos diferentes, sempre com base nos princípios da praticabilidade e da economicidade.

O tipo é uma estrutura que está contida em uma norma material, comportando, ao mesmo tempo:

a)a previsão de um conjunto de pressupostos abstratos,

b)efeitos jurídicos, previamente determinados, que serão desencadeados no momento da verificação concreta daqueles pressupostos.

Pode-se dizer que o tipo possui um aspecto simultâneo entre a abstração e a concreção, entre o individual e o concreto. Na verdade, o tipo normativo é um molde composto por dados descritivos de hipóteses abstratas e dados prescritivos de efeitos, ou melhor, de consequências jurídicas.

Vale lembrar que são objeto da tipificação todos os elementos necessários à caracterização do fato gerador, da base de cálculo, da alíquota e do sujeito passivo da obrigação tributária.

No Brasil, o Tatbestand (conceito determinado utilizado pela doutrina alemã para descrever a matéria penal, adotado em uma época de necessidade extremada de segurança jurídica na aplicação do direito) foi erroneamente traduzido como tipo. Nesse sentido:

É evidente, pois, a equivocidade do termo. Aqui se refere à descrição do fato jurígeno, contido na lei, que tanto mais formará um verdadeiro tipo quanto mais precisa, rígida e nítida for a delimitação da matéria a que a norma vincula alguma conseqüência.

Esse sentido oposto, advindo do Direito Penal, que, como vimos, se acentua nos sistemas jurídicos, que se serviram do termo tipo como versão exata da palavra alemã Tatbestand, adentrou-se em outros campos do Direito.4

Como consequência da necessidade de segurança jurídica, houve uma tendência à transformação do tipo tributário em um conceito fechado, como se isso fosse suficiente para garantir a igualdade material e a justiça fiscal.

Contudo, essa rigorosa descrição dos elementos do tributo só contribuiu para o enxugamento do campo de incidência dos tributos, atrapalhando a tributação e facilitando a tão famigerada elisão fiscal, hoje combatida o pelas normas antielisivas.

Da acepção técnico-jurídica da palavra tipo, se depreende o raciocínio "tipificante", que conduz à execução simplificada da lei. Fala-se em raciocínio tipificante quando as características individuais dos casos isolados são postas de lado no momento da aplicação da lei, considerando-se, como paradigma, aquilo que é frequente, comum ou usual. Esse modo de pensar tipificante acaba criando padrões rígidos e, até mesmo, definidos numericamente, mas que servem como critério para subsunção dos fatos à lei.

O modo de pensar tipificante é assim chamado porque a atividade de extrair as características comuns à maior parte de uma variedade de fenômenos, para enquadrá-lo na norma, formando o tipo, é um trabalho anterior à atuação do aplicador da lei.

Vale lembrar que as espécies tributárias são criadas a partir de conceitos determinados (que se originam da Constituição Federal e da Lei Ordinária) e fechados, não sendo admitida flexibilidade ou contorno fluido, já que os tributos se distinguem por notas fixas e irrenunciáveis.

Essa abstração das particularidades individuais, resultado de um processo de abstração generalizante é adotada pelo Direito Tributário e, segundo Misabel Derzi,

Refere-se a limites – máximos ou mínimos – parâmetros, criados pela Administração via de regra, com o objetivo de facilitar a aplicação da lei, embora lesivos ao princípio da legalidade estrita. É a chamada execução simplificadora da lei, que leva em consideração a média dos casos ou o usual, na fixação dos parâmetros, mas despreza as individualidades do caso isolado, cuja investigação não é dispensada pela lei.5

Entretanto, tipificar não significa estabelecer rígidos conceitos de espécies jurídicas, em nome da segurança no Direito, pois isso é papel dos conceitos fechados, determinados e classificatórios, que se distinguem do pensar tipificante.

Note-se que, no Direito, o uso do tipo pode ser encontrado em diversos sentidos, ou seja, ele pode ser utilizado em lato sensu. Por isso, cabe aqui fazer a distinção entre as acepções da expressão "tipo". Na acepção própria, ou stricto sensu, ele significa uma abstração generalizadora, que despreza as diferenças individuais; e na imprópria, um padrão, um esquema, um modelo. Se por um lado, o tipo propriamente dito tem como características: a abertura, o caráter gradual e a aproximação da realidade, por outro lado, o tipo em sentido impróprio sinaliza no sentido de uma conceituação classificatória em que se denota um número rígido e limitado – um conceito fechado.

Assim, surgiram na doutrina os tipos abertos e os tipos fechados: os tipos abertos, como aqueles em que o legislador utilizou termos excessivamente abrangentes, indeterminados ou, até mesmo, ambíguos e os tipos fechados, como resultado de uma tendência que visava igualar os tipos aos conceitos fechados.

3.2 O tipo e conceito fechado

Enquanto, o tipo agrupa indivíduos com características comuns, com graduabilidade, flexibilidade estrutural e certa imprecisão ou fluidez, os conceitos fechados não comportam essa flexibilidade e graduabilidade.

Na medida em que cresce a necessidade de segurança jurídica, cresce também a tendência de fechamento do tipo, que significa a sua transformação em conceito. Uma crítica importante acerca dessa tendência, que propicia maior grau de certeza na aplicação da norma, está em considerar que ela acaba prejudicando a própria tributação e, sobretudo, desprestigiando a igualdade material.

3.3 Tipologia e classificação

Por serem formas ordenadoras que agrupam os indivíduos detentores de características gerais e os separam daqueles que não são abrangidos pelo mesmo padrão, há quem não consiga perceber a distinção entre o tipo e a classe. Ambos são técnicas que visam a praticabilidade e economicidade, tornando mais viável a aplicação dos comandos das normas jurídicas.

A maior diferença entre o Tipo e o conceito é que os tipos não esgotam o conceito, motivo pelo qual, a tipologia é inacabada, enquanto a classe permite uma "arrumação exaustiva da realidade".6 Vale dizer que a classe estabelece um número pré-definido de espécies que esgotam o conceito, resultando no seu fechamento.

Mas, deve-se lembrar que, quando se fala em tipologia taxativa, ou fechada, o que se nota por detrás desse disfarce, existe uma tendência classificatória, que foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através da tradução literal do Tatbestand alemão.

Sabe-se que tanto o Direito Penal como o Direito Tributário se agarram a tendência classificatória, em nome da segurança jurídica, ainda que nestes ramos do Direito, possam ser encontrados resíduos tipológicos propriamente ditos (abertos, com caráter gradual). Mas é de se notar que a realidade fática avança mais rapidamente que a realidade estática do Direito e, consequentemente, surge a necessidade de modernização dos institutos jurídicos - que foram criados na atmosfera de um dado momento histórico - para que acompanhem o desenvolvimento social e o avanço da tecnologia.

Por isso, é necessário que os conceitos jurídicos possam ser alterados, seja através de lentas mutações de significado, sem alteração legislativa, seja pela atuação do Poder Legislativo, a fim de que as leis acompanhem as evoluções ocorridas no mundo dos fatos.

3.4 A tipicidade aberta

A tendência classificatória no Direito Tributário ocorre pela necessidade da intervenção da lei para limitar e controlar os atos estatais que afetam bens e interesses individuais, como a liberdade e o patrimônio. Assim, a lei tipifica os fatos jurígenos e seus efeitos para garantir a segurança jurídica, exigindo, ainda, que seja eliminada, o tanto quanto possível a imprecisão contextual, o que acaba transformando o tipo em um conceito fechado.

Insurgindo contra esta tendência da tipicidade fechada, é de se ressaltar que a rigidez dos conceitos é característica inerente aos conceitos determinados e, portanto, muitas vezes, inadequada aos tipos, que demandam uma ordenação mais fluida, ensejando soluções diferentes para situações novas. Isto porque os tipos se dispõem a propiciar, com maior facilidade, a modernização da estrutura jurídica, com a finalidade de permitir a adaptação das normas à realidade social em constante evolução. Através da tipologia aberta, é possível se encontrar a verdadeira segurança jurídica, no sentido exato de uma larga identidade entre o direito positivo e a evolução social.

A defesa da tipicidade aberta exige uma renovação do pensar, um questionamento acerca da possibilidade de substituição dos instrumentos que atuam na defesa da segurança.

Já foi dito que o espírito da determinação conceitual é movido pelos ideais de igualdade formal e segurança jurídica, que fazem com que a lei prescreva condutas e descreva seus pressupostos em notas rígidas, objetivas e precisas, que demandam uma atuação vinculada por parte do Poder Público. Entretanto, seria o tipo aberto uma ameaça à segurança jurídica?

A resposta é negativa. Na verdade, o que existe é um pensamento arcaico e preconceituoso por parte daqueles que têm dificuldade em se adaptar aos novos métodos ou "pensares", representando um entrave à efetivação do princípio da igualdade, como será oportunamente analisado.

É urgente a libertação destas amarras, desta tese ultrapassada que defende que os tipos são conceitos fechados. A tipologia fechada foi adotada, equivocadamente, em virtude de sua introdução no sistema como uma livre tradução da palavra Tatbestand. O certo é que a tipologia fechada prejudica a tributação e pode facilitar a elisão fiscal, desrespeitando, consequentemente, o princípio da igualdade e da generalidade - que reza que a tributação deve atingir de maneira igual aqueles detentores de mesma capacidade econômica - causando uma grave injustiça social.

Para despir-se deste preconceito, que engessa a arrecadação dos tributos, basta apenas lembrar que o controle último pertence sempre ao Judiciário.

3.5 O modo de pensar tipificante e a interpretação econômica

O modo de pensar tipificante, como já foi dito, decorre de uma técnica que visa simplificar a execução das normas de tributação através de abstrações conceituais generalizantes, que se baseiam na prevalência da tendência conceitual do Direito Tributário, o que leva à adoção dos tipos fechados. Enquanto o modo de pensar tipificante é um trabalho anterior à aplicação da lei, a interpretação econômica do fato gerador é trabalho do intérprete ou do aplicador da lei, portanto, posterior a sua criação. A interpretação econômica se utiliza do modo de interpretação teleológico, buscando com isto restaurar a intenção do legislador no momento em que a lei foi criada, já que ela é o retrato de uma sociedade em um determinado momento histórico e, portanto, pode precisar de adaptação para acompanhar a realidade social. Por isso, os tipos abertos são mais adequados à interpretação econômica, consagrando mais uma diferença, quando comparada ao modo de pensar tipificante, já que este traz consigo a ideia de conceito fechado.


4. A interpretação econômica e a interpretação extensiva

A teoria da interpretação econômica consiste em prestigiar o conteúdo econômico das relações jurídicas em detrimento das formas legais. Contudo, ela não deve ser adotada como princípio prevalente pois, o princípio da legalidade é o que impera em Direito Tributário e, portanto, ele não pode ser violado sob o argumento da busca do conteúdo econômico de determinada relação jurídica.

A interpretação econômica em Direito Tributário está autorizada quando o contribuinte comete abuso de forma jurídica para enquadrar o caso concreto em um comando resultante não só da literalidade do texto legislativo, mas também do seu espírito da mens ou ratio legis.

Com isto, percebe-se que a sua aplicação pelo interprete imprescinde a atipicidade ou a anormalidade da forma, ou seja, em casos em que o contribuinte artificiosamente cria situações anormais, manipulando a forma jurídica e resguardando os efeitos econômicos com o intuito de obter um menor pagamento do tributo ou até um não pagamento.

Por exemplo, no caso do Imposto Sobre Serviços, se a lista elencasse, dentre as hipóteses de incidência, o transporte escolar em ônibus e vans, ninguém poderia eximir-se do pagamento do imposto alegando que a lei nada fala acerca do transporte escolar realizado por um veículo do tipo minivan. Esta seria uma astúcia do contribuinte para elidir a tributação, pois a intenção de tributar o transporte escolar se depreende da mens legis, certo que o legislador não precisa descer a tamanha minúcia, já que os exemplos mostram, claramente, a vontade do legislador de tributar o serviço, restando ao intérprete a tarefa de conceituar concretamente o fato gerador neste caso, subsumindo o fato na norma, através da interpretação extensiva. Além disso, sabe-se que a cada ano são lançados novos modelos de carros, consequência da velocidade dos avanços tecnológicos, absolutamente imprevisíveis para o legislador.

Desta forma, quando se fala em interpretação econômica, deve-se ter em mente que o que se está interpretando é a operação celebrada pelas partes, não a norma jurídica em si. Na verdade, se está buscando o conteúdo econômico de determinada relação jurídica. Descoberta a realidade econômica do negócio realizado, parte-se para a identificação do dispositivo legal mais próximo, capaz de regular a referida relação jurídica, sempre observando o princípio da legalidade.

Historicamente, a interpretação econômica surgiu na Alemanha, em 1919, como reação ao formalismo conceitual excessivo predominante em matéria tributária, por obra de Enno Becker. A teoria de Becker foi seguida por alguns juristas italianos, muito embora tenha sido criticada por Griziotti – que criou a teoria da interpretação funcional do Direito Tributário – tendo como seguidores Vanoni e Dino Jarach.

Se se analisar a idéia de Griziotti (a respeito da interpretação funcional do direito tributário), ver-se-à que essas idéias estavam, até certo ponto, em consonância com a teoria alemã de Enno Becker, pois a interpretação funcional nada mais é do que atribuir relevância e elementos outros, na relação jurídica: sociológicos, econômicos, políticos, e assim por diante. De modo que essa chamada interpretação funcional de Griziotti possui campo mais ampliado do que o da interpretação econômica. Funcional e econômico, no fundo, quase chegam a significar a mesma coisa; ambas procuram a teleologia, as finalidades da lei.8

No Brasil, a teoria da interpretação econômica do Direito Tributário é plenamente acolhida pelo professor Amílcar de Araújo Falcão, além de ter sido explicitada em estudos de Rubens Gomes de Souza, o que fez com que começasse a ganhar certa aceitação. Por outro lado, há autores como Eros Roberto Grau que a repelem de forma contundente.

O mestre Falcão (1994) defende o método exegético de interpretação econômica, asseverando que este não acarreta violação ao requisito da legalidade, além de ser perfeitamente adequado ao princípio da legalidade em matéria de fato gerador.9

Já na concepção de Hugo de Brito Machado (2002):

deve o intérprete considerar, acima de tudo, os efeitos econômicos dos fatos disciplinados pelas normas em questão. Na relação jurídica tributária há uma relação econômica subjacente, e esta é que deve ditar o significado da norma.10

Finalmente cumpre acrescentar que os artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional sinalizam no sentido da aceitação da teoria da interpretação econômica do Direito Tributário cabendo, ainda, ressaltar que mesmo no anteprojeto do atual Código Tributário Nacional, elaborado por Graça Aranha e Rubens Gomes de Souza, chegou a figurar um dispositivo determinando que:

a interpretação da legislação tributária visará a sua aplicação não só aos atos ao situações jurídicas nela nominalmente referidos como também, aqueles que produzem, ou sejam susceptíveis de produzir resultados equivalentes.11

4.2 A interpretação extensiva

A interpretação extensiva determina tanto o conteúdo da lei, não expresso suficientemente no seu texto, quanto o seu alcance. Isto porque supõe-se que a lei tenha dito menos do que queria dizer (dixit minus quam voluit), já que o seu texto foi mal formulado pelo legislador, que acabou deixando de fora alguma hipótese que deveria vir expressa na norma. Neste caso, é fundamental que o aplicador da norma reconheça que a referida hipótese deveria estar abrangida pela norma.

Sucede que a interpretação não se confunde com analogia, que é um instrumento de integração que consiste na aplicação de uma norma legal, prevista para um caso semelhante, a um caso em que a lei não tenha previsão expressa – ubi eadem legis ratio, ibi eaden legis dispositio .12

Portanto, não devemos confundir a interpretação extensiva, que é um método de interpretação, com a analogia, método de integração. Integrar é preencher lacuna. É importante ressaltar que na analogia a lei não teria levado em consideração a hipótese, mas, se o tivesse feito, supõe-se que lhe teria dado idêntica disciplina. Já na interpretação extensiva, a lei teria querido abranger a hipótese, mas, em razão da má formulação do texto, deixou a situação fora do alcance expresso da norma, tornando necessário que o aplicador da lei reconstitua o seu alcance. 13

É importante que se diga que a distinção entre analogia e interpretação extensiva é muito sutil. Isso porque é difícil identificar quando o sentido da lei precisa ser complementado, ou quando o conteúdo enseja uma extensão.

A doutrina ainda fala em lacuna intra legem e praeter legem. A lacuna intra legem aparece nas enumerações exemplificativas, portanto, sua solução ocorre via interpretação extensiva (analogia por extensão), enquanto, a lacuna prateter legem é um caso de integração, que se dá através do método da analogia (analogia por compreensão).

Estabelecidas tais diferenças, resta distinguir os casos de enumeração taxativa dos casos de enumeração exemplificativa. Essa identificação se depreendeu da obra de Berliri e foi seguida pela doutrina Brasileira, especialmente, por Amílcar de Araújo Falcão, Flavio Bauer Novelli e Aliomar Baleeiro. Consiste na identificação dos elementos da norma, que no caso da enumeração exemplificativa "a abundância dos casos contemplados e a presença do elemento comum, permite reuni-los em um grupo único, classificá-los em uma só categoria" e no caso da enumeração taxativa "a limitação dos casos indicados, a especificação de elementos secundários que nada tem a ver, com o elemento comum, a indeterminação ou, em todo caso, vaga presença do dito elemento comum".14

4.3 A interpretação econômica e a interpretação extensiva do fato gerador do ISS sob a ótica da tipicidade aberta

A interpretação econômica no Direito Tributário faz as vezes de instrumento de efetivação do princípio da igualdade colimando o fim precípuo da justiça fiscal. Isso ocorre na medida em que a interpretação econômica permite que nas hipóteses em que um contribuinte manifeste capacidade economicamente equivalente a um outro, em mesma situação, sejam tratadas de modo igual.

Consequentemente, com a interpretação econômica se estará caminhando para uma tributação mais justa, através da distribuição uniforme dos encargos sociais.

O princípio da interpretação econômica comporta várias nuances: a busca da autonomia dos conceitos do Direito Tributário em detrimento do direito privado; dar privilégio ao conteúdo econômico dos negócios jurídicos desprezando a forma jurídica adotada; buscar o significado econômico através do método teleológico; combater o abuso das formas de direito privado; priorizar a interpretação dos fatos contrariando a interpretação da norma; a persecução dos efeitos econômicos do ato praticado, entre outros.

O presente trabalho pretende dar enfoque à interpretação econômica, no que tange ao Imposto Sobre Serviços, no sentido de buscar o significado econômico de uma hipótese de incidência abstratamente prevista em lei, através da aplicação do método de interpretação teleológico. Tudo isso se depura da ideia de que situações que manifestem igual capacidade contributiva devem ser igualmente sujeitas à tributação, ainda que uma delas não esteja expressa na lei. Isso será possível, desde que o tipo, em cujo fato esteja subsumido, se expresse através de uma enumeração exemplificativa, ou seja, desde que se considere que a tipicidade de norma é aberta. Daí se infere que a teoria da tipicidade aberta propícia tanto a interpretação econômica do fato gerador, como a interpretação extensiva.

No que tange ao Imposto Sobre Serviços, vale mencionar a hipótese de "Bancos de sangue, leite, pele, olhos, óvulos, sêmen e congêneres" do item, 4.19, da lista de serviços, anexa a Lei Complementar nº 116. Ao inserir a expressão "congêneres", o legislador permite que haja a subsunção, por exemplo, do congelamento de cordão umbilical, através da interpretação extensiva. A intenção do legislador foi, exatamente, a de elastecer o tipo, que não descreveu com palavras um conceito, mas expressou-o através da apresentação de um rol exemplificativo, motivo pelo qual, os seus efeitos econômicos podem ser estendidos a uma situação não expressa literalmente no texto, mas que pode ser perfeitamente inserida naquele conceito, construído através de exemplos.

Portanto, quando se está diante de um tipo, cujo conceito foi formulado através de exemplos que configuram uma expressão genérica, este tipo será aberto. Cumpre ressaltar que os tipos abertos - que aparecem quando o legislador utiliza vários exemplos que guardam, entre si, identidade - acabam apresentando um conceito sem definí-lo, conceito este representado por um rol exemplificativo. Por outro lado, quando o tipo é fechado não há identidade de conceitos entre os exemplos, cada exemplo, cada conceito, terá função normativa própria e o rol apresentado será numeros clausus, ou seja, um rol taxativo.

É importante destacar que deve-se partir do pressuposto que só poderá haver tributação se determinado serviço constar na lista – nullum tributum sine lege. Não pode um serviço ser tributado sob o argumento da interpretação econômica se ele não puder ser incluído em um determinado item da lista que comporte um rol exemplificativo. Só haverá a tributação se o serviço puder ser abrangido por uma hipótese de incidência, descrita na norma, através da interpretação extensiva, veiculada pela interpretação econômica do fato gerador, caso em que a lei quis atribuir igual tratamento jurídico a situações distintas, que guardem uma identidade entre si.

Note-se que a interpretação extensiva não fica ao alvedrio do aplicador ou intérprete da lei, mas depende da intenção do legislador, que dará ensejo a sua inclusão em uma determinada hipótese legal desde que seja este o espírito da norma. O aplicador da lei não está autorizado a transfigurar uma hipótese de incidência nela prevista, para abarcar hipótese nela não prevista, com o fim de arrecadar o tributo.


5. A Lista de serviços: taxativa ou exemplificativa?

A questão da taxatividade ou não da lista de serviços do ISS é um tema de relevância prática, já que implicará na incidência, ou não, do Imposto Sobre Serviços, uma vez que certos serviços podem figurar na lista de forma implícita, desde que nela constem serviços de mesma natureza, dispostos em rol exemplificativo.

Sabemos que com a evolução tecnológica e a globalização, em todo momento, surgem novos serviços, fazendo com que a previsão de todas as hipóteses de incidência, pelo legislador, seja tarefa impossível.

Atualmente, sabe-se que não é possível a tributação de novos serviços não arrolados na lista, constante em lei complementar, pois em sentido vertical, a lista é taxativa. Entretanto, a tributação de serviços assemelhados: "similares", "congêneres", "correlatos" e "outros", só é possível, por intermédio de interpretação ampliativa.

Portanto, os argumentos que justificam o caráter exemplificativo da lista, em sentido horizontal, giram em torno de assuntos já discutidos pelo trabalho: tipicidade aberta, interpretação econômica e interpretação extensiva.

Esse tema ensejou discussões polêmicas, que tiveram início logo após a criação da primeira lista de serviços tributáveis, assunto que se sucederá.

5.2 O surgimento da lista de serviços do ISS

Sob o império da Constituição de 1946, a Emenda Constitucional (EC) nº18, de 1965, entregou aos Municípios a competência para a cobrança do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza com a ressalva de que estes não estivessem compreendidos na competência da União ou dos Estados. Esta emenda determinou que competiria à União o imposto sobre serviços de transporte e comunicação - que a atual Constituição de 1988 atribui aos Estados- exceto os de natureza intramunicipal, determinando, ainda, que uma lei complementar estabeleceria critérios para distinguir os serviços das operações de circulação de mercadorias. Com isso, se realizaria a identificação da competência dos Municípios e dos Estados.

Com o advento do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), que definiu o fato gerador do ISS, fixando um pequeno rol exemplificativo e acrescentando uma cláusula geral, muitas dúvidas ainda giravam em torno dos critérios de distinção, entre a competência do Estado e dos Municípios, no que tange à tributação dos serviços. Algumas alterações foram inseridas pelos Atos Complementares nº 27 de 8/12/ 1966 e nº 34 de 30/01/1967, que acrescentaram novos serviços no rol trazido pelo artigo 71 do CTN, e o Ato Complementar nº 35 de 28/02/1967 que excluiu as subempreitadas do campo de incidência do ISS.

A conceituação constitucional do ISS, decorrente da discriminação das rendas tributárias, foi mantida pela Constituição de 1967. Esta Constituição acabou aumentando o campo de ação da lei complementar - que na Constituição de 1946 se limitava à estabelecer critérios de distinção entre as atividades sujeitas ao ISS (serviços) e as sujeitas sobre Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS) – determinando, em seu artigo 25, inciso II, que os serviços tributáveis pelos Municípios deveriam ser definidos por lei complementar. Deste dispositivo constitucional se depuram duas limitações à competência dos municípios: além da vedação da incidência do tributo municipal sobre os serviços sérvios abrangidos pela competência federal e estadual, evitaria eventuais conflitos de competências tributárias, a determinação de que tais serviços fossem "definidos em lei complementar".

Com isto, os Municípios não poderiam definir, em suas leis municipais, serviços que não estivessem previstos em lei complementar. Assim é que nasce a polêmica acerca da taxatividade, ou não da lista de serviços.

Inicialmente, os serviços foram catalogados em número de 29, na lista anexa ao Decreto-lei nº 406, de 31/12/1968. A redação do artigo 13, deste decreto, revogou o artigo 71, do Código Tributário Nacional, muito embora, tenha reproduzido as normas gerais do ISS (art. 8º). É importante que se diga que este decreto foi promulgado como lei complementar com pelo Ato Institucional nº 5, de 13/12/1968.15

Posteriormente, o Decreto-lei nº 406 foi modificado, em parte, pelo Decreto-lei nº 834 de 8/9/1969, alterando para 66 o número de serviços catalogados pela lista.

Em seguida, a Emenda Constitucional nº 1, de 17/10/1969, em nada alterou o conceito constitucional do ISS. O mesmo pode ser dito acerca da Carta de 1988.

Atualmente a lei complementar nº 116 é que dispõe sobre o assunto, ficando revogados, conforme a redação do artigo 10, os artigos: 8, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do artigo 3º do Decreto-Lei no 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar no 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei no 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar no 100, de 22 de dezembro de 1999.

5.3 O Papel da Lei Complementar no ISS

Em primeiro lugar, viu-se que a própria Emenda Constitucional nº 18, de 1965, já determinava que uma lei complementar deveria estabelecer critérios para distinguir os serviços das operações de circulação de mercadorias, tendo em vista a repartição constitucional das competências tributárias.

Depois, a Constituição de 1967 exigiu a definição dos serviços Municipais mediante lei complementar, pois, a lei complementar em matéria Tributária tem a função de estabelecer normas gerais, solucionar eventuais conflitos de competência e estabelecer as limitações constitucionais ao poder de tributar, o que está de com o art 18, § 1º, daquela Constituição e artigo 146 da Carta Magna atual.

Sendo assim, ao realizar a discriminação das competências tributárias, a Constituição Federal determinou que os serviços tributáveis pelos Municípios deveriam ser "definidos em lei complementar", nada falando acerca da taxatividade, ou não, da mesma. Esta situação se manteve até a atual Constituição.

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[...]

III- Serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.155, II, definidos em lei complementar.16

Isto significa dizer que a Constituição deu ao Congresso a liberdade de decidir quais serão os serviços tributáveis pelos Municípios, tendo em vista que é a lei complementar quem especifica tais serviços. Assim, o Congresso Nacional aprovou uma lista de serviços, escolhendo quais serviços seriam submetidos ao ISS, além de decidir sobre seu caráter taxativo ou exemplificativo.

Observando a maneira que os serviços estão organizados nesta lista, concluí-se que o legislador complementar confeccionou a lista de modo taxativo (em sentido vertical), muito embora ela comporte interpretação extensiva (em sentido horizontal).

Portanto, a questão da taxatividade da lista de serviços é consequência de uma escolha política do legislador, não uma mera questão de restrição da competência tributária dos Municípios. Nesse sentido dispõe Aliomar Baleeiro (1977):

Parece-me que não é cercear a receita municipal, mas tirar da Prefeitura o discricionarismo na escolha dos serviços ou na alíquota que os tributará. Esse discricionarismo foi entregue ao Congresso, exigindo-se quorum de maioria absoluta. Por outras palavras, o que há de ser onerado ou não onerado obedecerá não ao "peculiar interesse local" mas ao interesse geral da Nação. Nem sempre coincidem. Tanto o Congresso pode preferir limites rígidos quanto flexíveis, segundo a política econômica, fiscal, enfim legislativa, que o inspire em determinada conjuntura.

Assim penso que a lei complementar é que determinará em que sentido será taxativa. Poderá sê-lo ou não.17

Desta forma, percebe-se que cabe ao Congresso definir os serviços tributáveis pelo ISS de modo exemplificativo ou taxativo.

Em 1970, Baleeiro já argumentava a favor da taxatividade da lista, alegando que, ainda que somente os serviços nela mencionados fossem tributáveis, cada item da lista comportaria interpretação ampla e analógica, ressaltando que, não obstante ao fato de a analogia ser proibida pelo CTN, no que tange à definição do fato gerador, esta regra não poderia prevalecer porque a própria lei complementar estaria admitindo expressamente a "analogia ou assemelhação, declarando que os serviços num item não são apenas os definidos ou enunciados nele, mas os equiparáveis como espécies dum mesmo gênero, ‘congêneres’." 18(sic)

Aduzia o mestre que, a despeito de a lista comportar interpretação analógica em determinados itens, a lista não perdia seu caráter taxativo, porque alguns serviços podiam vir a ter diferentes designações, decorrentes da extrema especialização tecnológica da atualidade, o que ensejaria a inclusão de serviços em itens que designassem mesmo gênero.

Infelizmente, naquela edição o autor pecava ao afirmar que a lei complementar estaria autorizando a analogia, o que não acontece. Com toda vênia, sucedera uma confusão entre os conceitos de analogia e interpretação extensiva. No caso da inclusão de serviços não constantes na lista, mas tributáveis pelos Municípios por assemelhação, o que ocorre é a interpretação extensiva, não a analogia, que é método de integração vedado pelo CTN para hipóteses de definição de fato gerador de tributo.

A despeito disso, vale ressaltar um exemplo excelente, introduzido pelo insigne autor, no que tange a interpretação extensiva, que é o da encadernação de livros e revistas. Por intermédio dela, também podem ser abrangidas, pela hipótese de incidência, a encadernação de jornais, mapas, documentos, fotografias, desenhos, etc.19

Isto é assim porque a taxatividade da lista diz respeito aos gêneros nela especificados, o que se chama taxatividade na vertical. No entanto, a lista admite interpretação extensiva para as espécies do mesmo gênero utilizando, muitas vezes, expressões como "congêneres", "similares", "correlatos" e "outros", muito embora a Lei Complementar vigente, sobre a matéria, só tenha se utilizado das expressões "congêneres", "as demais" e "outros". Assim, podemos encaixar bronzeamento artificial, no gênero "Esteticistas, tratamento de pele, depilação e congêneres", item 6.02, bem como, a "yoga", no gênero "Ginástica, dança, esportes, natação, artes marciais e demais atividades físicas", item 6.04.20

No sentido da taxatividade da lista de serviços, Bernardo Ribeiro de Moraes (1984), acertadamente, fala em interpretação extensiva, argumentando que cada item da lista de serviços estaria abrangendo certas atividades de maneira genérica.

Embora taxativa, limitativa, a lista de serviços admite interpretação extensiva para as diversas atividades que enuncia. cada item da lista de serviços abrange certas atividades ali contidas de forma genérica, sem caráter específico rigoroso[...]Embora aceita a taxatividade da lista de serviços, não podemos desconhecer que os itens ali estabelecidos podem se referir, quando assim for proposto, a uma generalidade de serviços "congêneres" e correlatos"a que alude a própria lista. Todavia, se determinado serviço não vem definido ou estabelecido em lei complementar (na lista de serviços), jamais ele poderá constituir fato imponível do ISS, por não ser da competência municipal sua oneração. Estão incluídos no campo de incidência do ISS os serviços previstos na aludida lista. O procedimento é o de numerus clausus.

Em conseqüência, o legislador ordinário condicionado a prévia existência de definição da lei complementar deve decretar o ISS com fiel respeito à lista de serviços, podendo utilizar-se no todo ou em parte dos sérvios nela definidos. É vedado ao legislador ordinário alterar a lista constante de lei complementar, aumentando-a, ou aceitando como serviço atividade nela não descrita. Portanto o ISS não grava qualquer venda de bem imaterial (serviço), mas, sim, apenas certos serviços.21

Cumpre esclarecer que a lista de serviços é taxativa por imperativo de ordem constitucional, que determina quais serviços serão tributáveis pelos Municípios. Isto porque os Municípios deverão obedecer à partilha constitucional de competências tributárias, sendo que a Constituição deu ao legislador complementar o encargo de definir os serviços de qualquer natureza objeto do ISS, pois a Constituição Federal não esgotou a competência tributária dos Municípios, que deverá ser feita através de lei complementar. Tais serviços poderão ser tributados pelos Municípios desde que suas leis orgânicas assim estabeleçam. Uma vez editada a lei complementar, o Município poderá instituir o imposto, por intermédio de sua lei ordinária, realizando assim sua competência constitucional.


6. Conclusão

Somente através da adoção da tipicidade aberta foi possível compreender como um serviço não mencionado pela lei complementar que define os serviços tributáveis é capaz de se tornar fato gerador do Imposto Sobre Serviços. O fenômeno se dá por intermédio da subsunção de um caso concreto em um item que exemplifique serviços "congêneres" ou "outros", por intermédio da interpretação extensiva, que não deve ser confundida com analogia.

Além disso, a tipicidade aberta também permite que a interpretação econômica no Direito Tributário seja utilizada para combater o abuso das formas e a elisão fiscal abusiva.

Ademais, resta enfatizar que é necessário que haja uma revisão acerca dos instrumentos essenciais à manutenção da segurança jurídica, pois, conforme o apresentado, a legalidade formal não é um fim em si mesma, mas um instrumento para alcançar a segurança jurídica.

Todavia, a técnica de exequibilidade das normas jurídicas, denominada tipicidade fechada, deixou de ser suficiente para prover a justiça material. Pelo contrário, passou a servir de base de sustentação para o cometimento de ilegalidades, uma garantia fajuta, privilegiando uma minoria que paga menos impostos, em detrimento dos menos favorecidos, notadamente a classe média, monstruosamente afetada pelo ônus da tributação. Estes contribuintes têm cada vez mais suas rendas pulverizadas pelo aumento da carga tributária, que é utilizada como forma de prover fundos para sustentar um Estado que ainda não se livrou dos resquícios patriarcalistas. A constatação dessa injustiça fiscal é uma triste realidade que só contribui para o acirramento das desigualdades sociais.

Por isso, urge a conscientização da necessidade de uma mudança de paradigma, capaz de viabilizar a justiça material e a igualdade, num Estado que só é legítimo quando o exercício de seus poderes se dá em nome do povo que o elegeu e constituiu.

Enfim, somente com a reformulação do modo de pensar a legalidade tributária, através da interpretação científica, será construído um Estado mais justo e, portanto, fiel aos ideais que o legitimaram.


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Notas

1Alberto Xavier (1978), amparado nas lições de Karl Larenz, é um grande defensor da tipicidade fechada.

2 Xavier, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p.45.

3 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 59.

4 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 44.

5 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 47.

6 J.Olivira Ascensão apud DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p.74.

8 BARROS, José Eduardo Monteiro de. Interpretação Econômica em Direito Tributário in: BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 174 .

9 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 18.

10 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 350.

11 Ibid, p. 103.

12 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro. São Paulo: Renovar. p. 118.

13 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 202.

14 Berlire apud TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro. São Paulo: Renovar, 2002. p. 122.

15 No recesso forçado do Congresso em virtude de golpe de Estado de 13.12.1968, seguido do de 31.08.1968, o Executivo baixou o Decreto-lei nº 406, de 31.12.1968, e o nº 834, de 8.9.1969, regulando o ISS. [...]

Tendo em vista o conteúdo e finalidade desses diplomas, num período em que, pelo recesso do Legislativo, não poderia haver leis complementares, têm a eficácia destas, como já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. BALEEIRO, Aliomar. Variações na Quarta Corda do ISS in: Revista Forense. Rio de Janeiro: nº 253 Forense, 1977. p. 22.

16 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 2ª ed. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2003.

17 BALEEIRO, Aliomar. Variações na Quarta Corda do ISS in: Revista Forense. Rio de Janeiro: nº 253 Forense, 1977. p. 24.

18 Ibid., p. 26.

19 Ibid., p. 26

20 BRASIL, Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

21 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e Pratica do Imposto Sobre Serviços. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 111.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Danielle Carvalho da. A tipicidade aberta e a interpretação extensiva da lista de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2362, 19 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14054. Acesso em: 24 abr. 2024.