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Acordo de Copenhague, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável

Acordo de Copenhague, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável

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Entre os problemas internacionalizados em decorrência do fenômeno da globalização, merece destaque a questão ambiental, que abrange o conjunto de condições e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege todas as formas de vida, independentemente de fronteiras e nacionalidade. Levando-se em conta também que o meio ambiente é um bem de uso comum, ao mesmo tempo a todos pertence e ninguém pode dele se apropriar exclusivamente; por esse motivo, não se tem o cuidado necessário na utilização dos recursos naturais, pois costuma haver uma transferência de responsabilidade na sua tutela.

Atualmente o meio ambiente enfrenta problemas que superam os limites territoriais entre os Estados, tais como as alterações climáticas ("efeito estufa"), a poluição dos recursos hídricos, a deterioração da camada de ozônio, a extinção de espécies da fauna e da flora, a devastação de florestas, entre outros. Consequentemente, busca-se examinar a capacidade que o ecossistema possui para suportar os impactos sobre ele causados, a fim de manter as condições da vida humana no planeta. Entre tais aspectos está a influência do progresso e da industrialização, motivo pelo qual o meio ambiente também está relacionado com o desenvolvimento social e econômico.

Apesar das críticas, é reconhecido que a globalização não possibilita apenas a circulação dos fatores de produção, mas também da informação, de padrões culturais, de tecnologias, enfim, de integração política e social entre os países e os povos. Além disso, torna as principais dificuldades dos países em problemas comuns, que podem afetar o planeta como um todo. Por conseguinte, também se exige a adoção de medidas compartilhadas, em cooperação, especialmente em matérias relativas à democracia, ao meio ambiente e aos direitos humanos.

Ressalta-se ainda que o progresso de um país e de sua população não se restringe ao crescimento econômico, mas envolve outros valores sociais, entre os quais está inserido o meio ambiente. Assim, a fim de amenizar e evitar o esgotamento dos recursos naturais, criou-se a noção de que o desenvolvimento econômico deve observar e respeitar os recursos ambientais, para que possam ser utilizados indefinidamente.

A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972 é apontada como um marco de destaque na regulamentação da preservação do meio ambiente pelo direito internacional. A ONU promoveu de 05 a 16 de junho de 1972, na cidade de Estocolmo, capital da Suécia, uma Conferência sobre o meio ambiente, da qual derivou uma Declaração contendo 23 princípios acerca da preservação e melhoria do meio ambiente. Nessa conferência também foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com sede no Quênia, responsável por direcionar a atuação internacional e nacional para a proteção do meio ambiente no contexto do desenvolvimento sustentável.

A Declaração prevê em seus Princípios 1 e 2 a proteção e a melhoria do meio ambiente e dos recursos naturais para as gerações presentes e futuras como uma obrigação do ser humano. Já os Princípios 4, 5, 8 e 18 tratam expressamente do desenvolvimento econômico apoiado na conservação da natureza, especialmente quanto ao uso compartilhado por toda a humanidade e gerações dos recursos não renováveis. Merece destaque especial o Princípio 18, segundo o qual a ciência e a tecnologia devem ser utilizadas para evitar e reprimir os riscos ao meio ambiente, a fim de contribuir com o desenvolvimento econômico e social.

Em 1976, a ONU realizou em Vancouver, no Canadá, uma Conferência sobre os assentamentos humanos, repetindo-a em 1996 em Istambul, Turquia (Conferência "Habitat II"), nas quais se demonstrou preocupação e foram fixados diretrizes e objetivos para o desenvolvimento sustentável das cidades em todo o mundo. Ainda, os países comprometeram-se a urbanizar e desenvolver as cidades com o uso eficiente de recursos, considerando a capacidade de absorção dos ecossistemas, e observando o princípio da prevenção no aproveitamento dos recursos naturais.

Apesar de já haver previsão anterior no direito internacional, a expressão "desenvolvimento sustentável" foi consagrada somente em 04/08/1987, com a publicação do Relatório "Nosso Futuro Comum" (Our Common Future), da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU. Elaborado pela referida Comissão, então presidida pela então Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Bruntland, constitui uma crítica ao modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados (e reproduzido pelos Estados em desenvolvimento), enfatizando os riscos da utilização indiscriminada dos recursos naturais sem considerar a capacidade dos ecossistemas. Aponta-se que no início da década de 1980 a expressão "desenvolvimento sustentável" foi utilizada pela primeira vez, pela Aliança Mundial pela Natureza. Na época já se apontava a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo vigentes, e sugeriam-se estratégias ambientais de longo prazo para atingir essa forma de desenvolvimento a partir do ano 2000.

No referido documento, também denominado Relatório Brundtland, o desenvolvimento sustentável foi definido em seu parágrafo 27 como uma forma de desenvolvimento que assegura as necessidades das gerações presentes, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades, por meio da utilização ponderada dos recursos naturais. É ressalvado que o desenvolvimento sustentável não impõe limites absolutos, mas sim limitações criadas em decorrência do avanço tecnológico e da organização social sobre os recursos ambientais e a capacidade da biosfera em absorver os efeitos das atividades humanas. Da mesma forma, não constitui uma situação estática, mas um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam, a fim de atender às necessidades e aspirações presentes e futuras.

Em outras palavras, e conforme já ressaltado que as questões ambientais ultrapassam os limites geográficos, busca-se por meio do desenvolvimento sustentável (como espécie de desenvolvimento apoiada na preocupação ambiental) assegurar que as gerações vindouras tenham condições mínimas de sobrevivência e evolução (tais como o solo para cultivo, o ar não poluído, e a água em condições de consumo).

Ainda, no Relatório "Nosso Futuro Comum" também já constava a preocupação de que o incremento global e a questão ambiental constituem problemas comuns dos países e das organizações internacionais. Em relação aos Estados, internamente, sugeriu-se a adoção de medidas como a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; a redução no consumo de energia, e a ampliação do uso de fontes renováveis; o uso de tecnologias ecologicamente adaptadas na industrialização de países não-industrializados; e o controle da urbanização desordenada. Já para os organismos internacionais, os objetivos propostos foram a formulação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável; a proteção dos ecossistemas supranacionais; e a implantação de um programa de desenvolvimento sustentável pela Organização das Nações Unidas.

Logo, para harmonizar a defesa do meio ambiente e a expansão econômica é que se formulou o conceito de desenvolvimento sustentável, visando assegurar a sua continuidade temporal. Está diretamente relacionado com o princípio da equidade intergeracional, por assegurar o uso do meio ambiente às próximas gerações nas mesmas necessidades em que é aproveitado atualmente, estando consagrado no art. 225, da Constituição brasileira de 1988.

Prosseguindo, de 03 a 14 de junho 1992, no Rio de Janeiro, realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual foi publicada a Carta da Terra, que abrange as Convenções da Biodiversidade, da Desertificação e das Mudanças Climáticas, a Agenda 21, bem como uma Declaração de Princípios.

A partir dessa conferência o conceito de desenvolvimento sustentável se consolidou, passando a ser considerado como indispensável para o desenvolvimento material, social e econômico, amparado por uma consciência ecológica. O Princípio 3 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento prevê que o progresso deve ser promovido de forma a garantir as necessidades das presentes e futuras gerações.

A Agenda 21, por sua vez, é considerada um dos principais resultados da Conferência Rio 92, e tem como objetivo fundamental a realização de ações concretas por parte da sociedade civil e dos Estados para se alcançar o desenvolvimento sustentável. Leva em consideração os problemas dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, e enfatiza a cooperação entre estes e os Estados desenvolvidos para chegar aos fins pretendidos.

Ainda, em 2000 a ONU promoveu uma Conferência do Milênio, na qual foi firmada a Declaração do Milênio, contendo oito principais metas de desenvolvimento: o fomento da sustentabilidade ambiental, a ampliação de parcerias para o desenvolvimento, a erradicação da fome e da pobreza, a diminuição da mortalidade infantil, a melhoria da saúde materna, a universalização do acesso à educação, a igualdade entre os gêneros e o combate a doenças como a AIDS.

Em 2002, a ONU promoveu em Johanesburgo, na África do Sul, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (também denominada "Rio+10", por ter sido realizada dez anos após a conferência do Rio de Janeiro). Na ocasião, tratou-se não só do desenvolvimento sustentável, mas também de temas como os referidos princípios do direito internacional ambiental constantes da Declaração de Estocolmo, e a ampliação da inserção das questões referentes ao meio ambiente na agenda internacional.

Mais recentemente, de 07 a 18 de dezembro de 2009, a ONU promoveu em Copenhague, na Dinamarca, a 15ª Conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, denominada COP-15. Desde a COP-13, realizada em 2007 na cidade de Bali, na Indonésia, busca-se a fixação de metas para a redução da concentração de gases que causam o efeito estufa, a fim de evitar a ampliação do aquecimento global (inclusive com o estabelecimento de um cronograma, na ocasião).

Apesar de ser (publicamente) unânime a necessidade da adoção de medidas imediatas contra o aquecimento mundial, a Convenção estava se encaminhando para o fim sem que fosse firmado um tratado sobre o tema. Por um lado os países desenvolvidos não concordam com alguns objetivos quantitativos, e por outro, países em desenvolvimento e subdesenvolvidos adotam o discurso padrão em culpar os EUA, a China e (subsidiariamente) a União Europeia, porém, nas negociações internas normalmente buscam extrair destes a maior quantidade de dinheiro possível (para supostamente "compensar" os danos ambientais causados por aqueles), contudo, não oferecem qualquer garantia de que efetivamente investirão (e comprovarão o uso) esses recursos na recuperação do meio ambiente ou na redução da emissão de gases poluentes.

Logo, por falta de consenso sobre as metas de diminuição de emissão de gases (como já era esperado), a COP-15 limitou-se a elaborar um acordo não imperativo, contendo apenas metas genericamente desejáveis.

O documento foi elaborado às pressas, na noite de 18 de dezembro, por representantes da África do Sul, Brasil, China, Estados Unidos e Índia, e aprovado na manhã do dia seguinte. Contém três páginas e doze parágrafos, entre os quais se destacam: a) o reconhecimento de que qualquer aumento na temperatura global não pode superar os 2ºC (ou seja, além de não buscar a redução, aceita como tolerável a ampliação em dois graus Celsius); b) os países devem se adaptar aos efeitos adversos decorrentes das mudanças climáticas, bem como aos impactos potenciais das medidas de resposta (novamente, procura-se equivocadamente combater os efeitos, e não a causa); c) os países desenvolvidos devem providenciar recursos financeiros adequados, previsíveis e sustentáveis, tecnologia e capacitação para apoiar a implementação das medidas necessárias pelos países em desenvolvimento (mas como, onde e como?); d) o reconhecimento de ser fundamental a diminuição das emissões decorrentes do desmatamento e a necessidade de adotar medidas imediatas para esse fim (mas que medidas seriam essas?); e) aos países em desenvolvimento, especialmente aqueles com baixa emissão de gases, devem ser assegurados incentivos para se manter nesse patamar (mas que países serão beneficiados? E quais incentivos serão conferidos, apenas os financeiros?); f) por fim, prevê-se uma avaliação da implementação do Acordo de Copenhague, a ser concluída até 2015, inclusive quanto à reavaliação e o reforço das "metas" fixadas [01].

Questiona-se, principalmente, o seguinte: a elaboração de um documento com diretrizes genéricas pode ser vista como um aspecto positivo, ou o reconhecimento do insucesso da Conferência, sem a elaboração de qualquer "acordo", traria mais vantagens para a elaboração futura de um tratado com normas que efetivamente possam comprometer os países ao seu cumprimento?

Um dos valores comuns que deve ser objeto de atenção é o uso racional dos recursos ambientais, que passam por problemas que superam os limites territoriais entre os Estados, abrangendo não só as alterações climáticas, mas também a poluição dos recursos hídricos, a deterioração da camada de ozônio, a extinção de espécies da fauna e da flora, a devastação de florestas, entre outros.

Logo, é inegável a existência de limitações na capacidade do meio ambiente para suportar os impactos sobre ele causados, a fim de manter as condições da vida humana no planeta. Por fim, destaca-se que a preservação do meio ambiente não constitui um empecilho para o desenvolvimento econômico, mas este deve levá-la em consideração para que possam continuar a existir meios de continuidade do crescimento, sem o esgotamento dos recursos naturais não renováveis, devendo os países signatários de tratados internacionais observar as disposições acerca do meio ambiente em suas relações internas e externas.

Porém, em 2009 ainda se encontram dificuldades para a implementação de meios e a consecução de objetivos que os países integrantes da ONU já haviam fixado na década de 1970. Pouco se progrediu desde a Declaração de Estocolmo de 1972, e, por outro lado, os problemas ambientais aumentaram, e tendem a se ampliar cada vez mais.


Notas

01 Íntegra do Copenhagen Accord disponível em: <http://unfccc.int/files/meetings/cop_15/application/pdf/cop15_cph_auv.pdf>. Acesso em 21 dez. 2009.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Acordo de Copenhague, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2366, 23 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14072. Acesso em: 25 abr. 2024.