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A contribuição social do salário-educação

inconstitucionalidade originária e permanente

A contribuição social do salário-educação: inconstitucionalidade originária e permanente

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1 - RESENHA DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DO SALÁRIO-EDUCAÇÃO

Previa a Constituição Federal de 1967, com a redação que lhe conferiu a Emenda Constitucional nº 1, de 1969:

Art. 178. As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter o ensino primário gratuito de seus empregados e o ensino dos filhos destes, entre os sete e os quatorze anos, ou a concorrer para aquele fim, mediante a contribuição do salário-educação, na forma que a lei estabelecer. (...)

Até dezembro de 1996, vigeu o Decreto-lei nº 1.422, de 23.10.75, que dispunha:

Art. 1º. O salário-educação, previsto no artigo 178 da Constituição, será calculado com base em alíquota incidente sobre a folha do salário de contribuição, como definido no artigo 76 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, com as modificações introduzidas pelo Decreto-lei nº 66, de 21 de novembro de 1966, e pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, não se aplicando ao salário-educação o disposto no artigo 14, in fine, dessa Lei, relativo à limitação da base de cálculo da contribuição.

(...)

§ 2º. A alíquota prevista neste artigo será fixada por ato do Poder Executivo, que poderá alterá-la mediante demonstração, pelo Ministro da Educação e Cultura, da efetiva variação do custo real unitário do ensino de 1º grau.

(...)

Art. 2º, § 3º. O INPS reterá, do montante recolhido, a título de taxa de administração, a importância equivalente a 1% (um por cento), depositando o restante no Banco do Brasil, para os fins previstos neste artigo.

A alíquota, no que interessa ao período versado neste artigo, foi estabelecida pelo Decreto nº 87.043, de 22.03.82, assim redigido:

Art. 3º. O salário-educação é estipulado com base no custo de ensino de 1º grau, cabendo a todas as empresas vinculadas à Previdência Social, Urbana e Rural, respectivamente, recolher:

I - 2,5% (dois e meio por cento) sobre a folha de salário-de-contribuição, definido na legislação previdenciária, e sobre a soma dos salários-base dos titulares, sócios e diretores, constantes dos carnês de contribuintes individuais. (...)

A previsão constitucional do tributo não sofreu solução de continuidade com o advento da Carta de 1988, que prescrevia, em sua redação original:

Art. 212, § 5º. O ensino fundamental público terá como fonte adicional de custeio a contribuição social do salário-educação, recolhida, na forma da lei, pelas empresas, que dela poderão deduzir a aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados e dependentes.

O dispositivo foi alterado pela Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.96, com vigência a partir de 01.01.97, passando a ostentar a seguinte redação:

Art. 212, § 5º. O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas, na forma da lei.

Uma semana depois, editou-se a Medida Provisória nº 1.518, determinando:

Art. 1º. O salário-educação, previsto no § 5º do art. 212 da Constituição, e devido pelas empresas, é calculado com base na alíquota de 2,5% sobre a folha de salário-de-contribuição, entendendo-se como tal o definido no art. 28, incisos I e III, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e legislação posterior.

(...)

§ 3º. Entende-se por empresa, para os fins desta Medida Provisória, qualquer firma individual ou sociedade que assuma o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como as empresas e demais entidades públicas ou privadas, vinculadas à Seguridade Social. (...)

A mencionada medida provisória foi reeditada por três vezes, com pequena alteração redacional, e posteriormente revogada pela Medida Provisória nº 1.565, de 09.01.97, adiante referida, razão pela qual não interessa ao presente trabalho.

O tema foi retomado pela Lei nº 9.424, de 24.12.96, ora em vigor, que laconicamente prescreve:

Art. 15. O salário-educação, previsto no art. 212, § 5º, da Constituição Federal e devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é calculado com base na alíquota de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, assim definidos no art. 12, inciso I, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

Dias mais tarde, foi a referida lei complementada pela Medida Provisória nº 1.565/97, nos seguintes termos:

Art. 1º. A contribuição social do Salário-Educação, a que se refere o artigo 15 da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, obedecerá aos mesmos prazos e condições e sujeitar-se-á às mesmas sanções administrativas ou penais e outras normas relativas às contribuições sociais e demais importâncias devidas à Seguridade Social, ressalvada a competência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, sobre a matéria.

(...)

§ 3º. Entende-se por empresa, para fins de incidência da contribuição social do Salário-Educação, qualquer firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como as empresas e demais entidades públicas ou privadas, vinculadas à Seguridade Social.

(...)

Art. 4º. A contribuição do Salário-Educação será recolhida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ou ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE.

Parágrafo único. O INSS reterá, do montante por ele arrecadado, a importância equivalente a um por cento, a título de taxa de administração, creditando o restante no Banco do Brasil S/A, em favor do FNDE, para os fins previstos no artigo 15, § 1º, da Lei nº 9.424, de 1996.

Art. 5º. A fiscalização da arrecadação do Salário-Educação será realizada pelo INSS, ressalvada a competência do FNDE sobre a matéria. (...)

Como se passa a demonstrar, é ilegítima a exigência da contribuição social do salário-educação tal como hoje positivada, tendo sido igualmente indevidos todos os recolhimentos efetuados pelos contribuintes nos últimos dez anos, tudo a reclamar imediato pronunciamento judicial em seu favor.


2 - RAZÕES DA INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DO SALÁRIO-EDUCAÇÃO NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS

2.1 - Período entre outubro de 1987 e setembro de 1988: incompatibilidade do Decreto-lei nº 1.422/75 com a Constituição Federal Emendada de 1969.

A inconstitucionalidade da delegação legislativa operada pelo art. 1º, § 2º, do Decreto-lei nº 1.422/75, acima transcrito, é originária.

Com efeito, a Constituição Federal de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, já não admitia que o legislador deferisse ao Executivo a faculdade de complementar a estrutura normativa de tributo ou contribuição (categorias então distintas, a teor da Emenda Constitucional nº 8, de 1977), fixando-lhes originariamente a alíquota.

Instituindo a separação de poderes, dispunha o art. 6º da Carta Emendada de 1969:

Art. 6º. São Poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro.

As exceções contempladas no parágrafo único resumiam-se à possibilidade de edição, pelo Executivo, de decretos-leis e leis delegadas, não albergando a complementação de texto legal por meio de decreto.

Tampouco se fundamenta a delegação na redação conferida pela EC nº 8/77 ao art. 21 da Constituição Emendada de 1969, a saber:

Art. 21. Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros, facultado ao Poder Executivo, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar-lhe as alíquotas ou as bases de cálculo;

(...)

§ 2º. A União pode instituir:

I - contribuições, observada a faculdade prevista no item I deste artigo, tendo em vista intervenção no domínio econômico ou o interesse de categorias profissionais e para atender diretamente à parte da União no custeio dos encargos da previdência social. (...)

O poder deferido ao Executivo limitava-se à modificação de alíquotas e bases de cálculo, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, não se estendendo à fixação inicial ou à alteração incondicionada de qualquer destas grandezas. Desautorizada, portanto, a delegação do Decreto-lei nº 1.422/75, que não estabelecia quaisquer condições e limites para a variação da alíquota do salário-educação.

Demais disso, a faculdade restringia-se à regulação das contribuições previdenciárias, corporativas e interventivas, categorias a que não se subsume a exação em comento, classificada entre as contribuições sociais gerais.

Por último, lembre-se que o art. 178 da Constituição Emendada de 1969 era explícito em afirmar que a contribuição social do salário-educação era devida "na forma que a lei estabelece[sse]", reiterando de forma específica o primado da legalidade.

Daí poder-se concluir, sem mais demora, pela total incompatibilidade do art. 1º, § 2º, do Decreto-lei nº 1.422/75 com o texto constitucional vigente quando de sua edição.

De afastar desde logo a conclusão de JOSÉ GUARANY MARCONDES ORSINI (1), no sentido de que, sendo inconstitucional a delegação operada pelo dispositivo em análise, permaneceria em plena vigência a alíquota de 1,4% fixada pelo diploma precedente (Lei nº 4.843, de 29.11.65, art. 35), apenas facultando-se aos contribuintes a recuperação dos valores correspondentes à diferença entre a alíquota administrativamente fixada (2,5%) e aquela.

Com efeito, o dispositivo legal preexistente que fixava a alíquota da contribuição, sendo incompatível com a ilegítima pretensão do diploma superveniente em cometer ao Executivo a sua determinação, foi por este revogado, nos termos de seu art. 6º, verbis:

Art. 6º. Este Decreto-Lei entrará em vigor a 1º de janeiro de 1976, revogadas a Lei nº 4.440, de 27 de outubro de 1964, e demais disposições em contrário.

Enfatizando a relação de acessoriedade existente entre a lei expressamente revogada e aquelas que a sucederam, leciona RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA (2):

A inconstitucionalidade existente no citado decreto-lei não o atingia por inteiro, nem principalmente seu art. 6º, que revogou expressamente a Lei nº 4.440 e, como conseqüência, revogou a Lei nº 4.863, que se referia àquela, bem como os demais diplomas legais acima citados, todos eles também referidos à lei básica então revogada.

Em nada se altera o entendimento diante da melancólica constatação de que uma lei hígida foi revogada em favor de outra inconstitucional, produzindo-se vácuo legislativo na matéria.

2.2 - Período entre outubro de 1988 e março de 1989: não-recepção do Decreto-lei nº 1.422/75 pela Constituição Federal de 1988.

Em rigor, mesmo que eventualmente tidas por compatíveis com a Carta precedente, as normas instituidoras do salário-educação não teriam sido recepcionadas pela Constituição em vigor, estando revogadas desde 05.10.88.

Com efeito, até esta data tinha a exação natureza não-tributária, conforme assentado na jurisprudência do STF (RE nº 83.662-RS, Pleno, in RTJ 83/444; RE nº 68.074-GB, 2ª Turma, in RT 425/228; RE nº 74.998, Pleno, in RTJ 67/201).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, volveram as contribuições sociais à vala comum da tributação (art. 149), submetendo-se imediata e completamente ao princípio da estrita legalidade (art. 150, I).

Sobre a impossibilidade de delegação legislativa externa em nosso Direito, tratando exatamente de matéria tributária, assim decidiu o Pleno do STF, no julgamento liminar da ADIn nº 1.296-7, relatado pelo Min. CELSO DE MELLO (3):

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Estadual Que Outorga ao Poder Executivo a Prerrogativa de Dispor, Normativamente, Sobre Matéria Tributária - Delegação Legislativa Externa - Matéria de Direito Estrito - Postulado da Separação de Poderes - Princípio da Reserva Absoluta de Lei em Sentido Formal - Plausibilidade Jurídica - Conveniência da Suspensão da Eficácia das Normas Legais Impugnadas - Medida Cautelar Deferida - A essência do direito tributário - respeitados os postulados fixados pela própria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal à rule of law.

A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional da lei.

A nova Constituição da República revelou-se extremamente fiel ao postulado da separação de poderes, disciplinando, mediante regime de direito estrito, a possibilidade, sempre excepcional, de o Parlamento proceder à delegação legislativa externa em favor do Poder Executivo.

A delegação legislativa externa, nos casos em que se apresente possível, só pode ser veiculada mediante resolução, que constitui o meio formalmente idôneo para consubstanciar, em nosso sistema constitucional, o ato de outorga parlamentar de funções normativas ao Poder Executivo. A resolução não pode ser validamente substituída, em tema de delegação legislativa, por lei comum, cujo processo de formação não se ajusta à disciplina legal fixada pelo art. 68 da Constituição.

A vontade do legislador, que substitui arbitrariamente a lei delegada pela figura da lei ordinária, objetivando, com esse procedimento, transferir ao Poder Executivo o exercício de competência normativa primária, revela-se írrita e desvestida de qualquer eficácia jurídica no plano constitucional. O Executivo não pode, fundando-se em mera permissão legislativa constante de lei comum, valer-se do regulamento delegado ou autorizado como sucedâneo da lei delegada para o efeito de disciplinar, normativamente, temas sujeitos à reserva constitucional de lei.

Não basta, para que se legitime atividade estatal, que o Poder Público tenha promulgado um ato legislativo. Impõe-se, antes de mais nada, que o legislador, abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que condicionam, no plano constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar, em caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgão do Estado - como o Poder Executivo - produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar.

O legislador, em conseqüência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício de poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de cálculo tributária, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal.

Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo.

Dessarte, ainda que fosse compatível com a Carta anterior (e não o era), a delegação legislativa operada pelo Decreto-lei nº 1.422/75 não lograria transpor os pórticos da nova ordem constitucional instaurada em 1988, cujas disposições transitórias assim regularam a recepção das normas integrantes do antigo sistema tributário:

Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1 de 1969 e pelas posteriores.

§ 1º. Entrarão em vigor com a promulgação da Constituição os arts. 148, 149, 150, 154, I, 156, III, e 159, I, ´c´, revogadas as disposições em contrário da Constituição de 1967 e das Emendas que a modificaram, especialmente de seu art. 25, III.

(...)

§ 5º. Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §§ 3º e 4º. (...) (grifos nossos)

Nesse sentido, o seguinte julgado do TRF de São Paulo:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO E ADICIONAL DO IAA. NÃO-RECEPÇÃO DOS DECRETOS-LEIS Nº 308/67, 1.712/79 E 1.952/82 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL.

A não-recepção de ato normativo pela nova ordem constitucional pode ser declarada pela Turma. Precedentes do STF e do Plenário deste Tribunal.

A legislação sobre a economia sucroalcooleira - Decretos-leis nº 308/67, 1.712/79 e 1.952/82 - não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Fixação e alteração de alíquota e base de cálculo de contribuições são indelegáveis ao Poder Executivo, em face do princípio da estrita legalidade tributária (arts. 149 e 150, I, da Constituição Federal).

Apelação da União Federal desprovida de razões.

Apelação não conhecida e improvida a remessa oficial.

(TRF da 3ª Região, 3ª turma, AMS nº 40.832, Rel. Juíza DIVA MALERBI, votação unânime, in RTRF 3ª Região, vol. 15, pp. 256 a 262, grifo nosso)

2.3 - Período entre abril de 1989 e dezembro de 1996: revogação do art. 1º, § 2º, do Decreto-lei nº 1.422/75 pelo art. 25 do ADCT da Constituição Federal de 1988.

Dispõe o ADCT da Constituição Federal de 1988:

Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa; (...)

Como não foi convalidado no prazo definido pela Constituição, o art. 1º, § 2º, do Decreto-lei nº 1.422/75, se não fosse já inválido, perderia toda vigência e eficácia em 03.04.89, produzindo-se vácuo legislativo na matéria e suprimindo-se a causa jurídica dos pagamentos que a título de salário-educação se sucederam.

A jurisprudência não tem transigido na aplicação do comando. A 1ª Turma do STJ recentemente decidiu que (4):

ADMINISTRATIVO. IBAMA. INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA.

1 - São inválidos os atos normativos provenientes de decretos-lei ou neles fundados, que não se encontrem albergados pela exceção constante do artigo 25 do ADCT.

2 - Reveste-se de ilegalidade a Portaria do IBAMA, fruto de delegação de competência contida em Decreto-Lei não abrigado pelo Congresso Nacional.

3 - Só a lei, em sentido formal e material, pode descrever infração e impor sanções.

4 - Recurso improvido.

Da mesma forma, o voto de Relator do Min. CARLOS VELLOSO, proferido na sessão de 29.05.97, no julgamento conjunto dos RREE nº 191.044-5-SP, 191.203-1-SP, 191.227-0-SP, 191.246-4-SP e 198.554-2-SP, ora suspenso, dando pela inconstitucionalidade da quota de contribuição sobre a exportação de café a partir do advento da Constituição Federal de 1988, por entender não-recepcionada a delegação de competência dos arts. 2º e 4º do Dec.-lei nº 2.295/86, que atribuíam ao Presidente do Instituto Brasileiro do Café a fixação da alíquota da contribuição. Afirmou o preclaro Ministro:

"o D.L. nº 2295/86, art. 4º, é absolutamente incompatível com o sistema tributário nacional inaugurado com a CF/88.

(...)

Dir-se-á que a contribuição propriamente dita teria sido recebida pela Constituição vigente. Mas o seu valor, fixado pelo Presidente do IBC, não o foi, dado que a CF vigente exige lei. Ter-se-ia, então, uma contribuição inexistente, porque sem valor. E o que se discute, no caso, é a sua cobrança.

(...)

Também não há que invocar em favor da delegação constante do art. 4º do Dec.-lei nº 2.295/86, a norma do art. 25, I, do ADCT à CF/88, dado que não há lei prorrogadora do prazo inscrito no caput do referido art. 25, do ADCT, convindo esclarecer que, no caso de instituição e majoração do tributo objeto da causa, há regra constitucional expressa reservando à lei tanto a instituição quanto a majoração, como vimos.

2.4 - Período iniciado em janeiro de 1997: incompletude da lei instituidora, ofensa ao princípio da anterioridade tributária e não-conversão da Medida Provisória nº 1.565/97.

Tampouco é válida a exigência do tributo tal como instituído pela legislação ora em vigor.

Com efeito, a Lei nº 9.424/96, conquanto defina a base de cálculo e a alíquota do salário-educação, não é clara quanto à materialidade do fato gerador, sendo totalmente omissa no que pertine ao sujeito passivo da obrigação, matérias ambas remetidas à discrição do Executivo (art. 15, caput).

Tratado em detalhe na MP nº 1.518/96, este último aspecto foi inteiramente olvidado pela lei que a revogou, não sendo retomado senão que pela MP nº 1.565, editada já no curso deste ano e ainda não convertida em lei.

A legislação recente sobre a matéria é bem inventariada por JOSÉ WILSON FERREIRA SOBRINHO (5):

"Mesmo assim - e talvez para escapar-se de batalhas judiciais - editou-se a Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que também mereceu críticas. Diz-se que seu art. 15, caput, utilizou indevidamente a possibilidade de se editar regulamento, bem como que ela não converteu em lei a última reedição da Medida Provisória nº 1.518/96.

(...)

De fato, uma lei ordinária não pode deixar para o regulamento fixar o modo como determinada contribuição será devida pelas empresas. Isto é uma distorção legislativa da permissão constitucional de se editar regulamento para execução de lei.

(...)

Mas, novamente, a possibilidade de uma medida provisória modificar a legislação ordinária vem em socorro para permitir que se monte a argumentação seguinte: o artigo 1º, caput, da Medida Provisória nº 1.565, de 09 de janeiro de 1997, revogou a expressão ´na forma em que vier a ser disposto em regulamento´ encontrável no caput do artigo 15 da Lei nº 9.424/96.

(...)

O sujeito passivo da contribuição social - salário-educação - só aparece no artigo 1º, § 3º, da Medida Provisória nº 1.565/97, não na formulação genérica do artigo 15, caput, da Lei nº 9.424/96.

Ora, é claríssimo o CTN no sentido de que a sujeição passiva tributária é matéria exclusiva de lei (art. 97, III). Intuitiva é a noção de que, sem sujeito passivo, não se tem norma impositiva apta a gerar efeitos. E significativa é a lembrança de que foi exatamente em favor deste que se instituiu o princípio da anterioridade (CF, art. 150, III, b).

A anterioridade, conquanto vincule todos os aspectos da norma, visa unicamente à garantia do sujeito passivo, dando-lhe a saber com antecedência os deveres a que se submeterá no futuro. Nenhuma garantia representaria o princípio se, respeitado em relação aos demais aspectos, fosse negligenciado justamente quanto à definição deste.

Ter-se-ia situação em que toda a sociedade seria informada da instituição de um tributo, mas a ninguém em particular seria dado prever se seria ou não obrigado a pagá-lo. O princípio seria traído em sua finalidade, restaurando-se a insegurança jurídica e a surpresa tributária.

Assim é que, pelo menos neste ano de 1997, e mesmo que antes de seu término venha a dar-se a conversão da MP nº 1.565/97, permanece indevido o pagamento do salário-educação, dadas a incompletude da lei instituidora e a primazia do princípio constitucional da anterioridade.

Isso porque, conquanto transijam na instituição de tributos por medida provisória e não vejam irregularidade na sua sucessiva reedição, nossos tribunais apenas têm por iniciado o prazo da anterioridade (anual ou nonagesimal) na data da edição daquela efetivamente convertida em lei, fato ainda não verificado no caso vertente.

O reconhecimento da inconstitucionalidade demonstrada não será obstado pelo provável deferimento da ADC nº 3-7, que pugna pela constitucionalidade do art. 15, caput e §§ 1º e 3º da Lei nº 9.424/96, visto que o único fundamento do pedido reside na desnecessidade de lei complementar para a instituição do tributo. Confira-se:

Conclui-se, portanto, que o dispositivo legal ora examinado, que fixou a alíquota da contribuição social do salário-educação, assim como a sua base de cálculo, o órgão competente para arrecadá-la e a destinação dos recursos recolhidos, está em perfeita harmonia com o texto constitucional. Resulta, então, que não se pode acolher a tese que sustenta ser necessária lei complementar para disciplinar o art. 212, § 5º, da Carta da República.

Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, requer o autor que esse Colendo Tribunal Federal julgue procedente a presente ação, para declarar a constitucionalidade do art. 15, caput, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.424/96, produzindo tal decisão, nos termos do § 2º do art. 102 da Constituição Federal, eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente a todos os órgãos do Poder Judiciário.

Sintomática, aliás, a falta de referência ao sujeito passivo na enumeração, feita no primeiro dos parágrafos transcritos, dos aspectos da norma tributária.

Em rigor, ainda que a MP nº 1.565/97 seja convertida em lei, completando, com obediência ao princípio da anterioridade, a norma tributária esboçada na Lei nº 9.424/96, nem mesmo assim nascerá para os sujeitos passivos qualquer dever de pagar, dada a inconstitucionalidade formal originária da lei complementadora, fruto da conversão de medida provisória, instrumento expressamente vedado para a regulamentação da matéria.

Com efeito, dispõe o art. 246 da Constituição Federal, acrescido pela EC nº 6, de 15.08.95:

Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995.

Como já se referiu, o art. 212, § 5º, da Constituição Federal, que prevê a contribuição social do salário-educação, teve a sua redação alterada pela EC nº 14, que data de setembro de 1996.

A questão é bem posta e bem resolvida, nos seguintes termos, pela ilustre Juíza ANNAMARIA PIMENTEL, do TRF da 3ª Região (6):

Denota-se, ainda, que o art. 15 em referência [da Lei nº 9.424/96], embora aparentando conter os elementos retrocitados, configuradores da obrigação tributária de recolher o tributo em questão, não se mostrou suficientemente claro e preciso, a ponto de satisfazer os princípios da certeza e da segurança jurídica, garantias constitucionais do contribuinte. Constatando sua imprecisão, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 1.565, em 09.01.97, ainda não convertida em lei, visando complementar o preceito em referência, ao dispor em seu art. 1º que ´a contribuição social do Salário-Educação, a que se refere o art. 15 da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, obedecerá aos mesmos prazos e condições, e sujeitar-se-á às mesmas sanções administrativas ou penais e outras normas relativas às contribuições sociais e demais importâncias devidas à Seguridade Social, ressalvada a competência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, sobre a matéria´. (grifei)

Disso decorre que a Medida Provisória nº 1.565/97, reeditada em 30.05.97 sob o nº 1.565-5/97, está regulamentando, ainda que indiretamente, o § 5º do art. 212 da CF/88, alterado recentemente pela Emenda Constitucional nº 14/96, o que é expressamente vedado pelo art. 246 da Lei Maior.

A conclusão não se infirma diante do entendimento manifestado pelo STF no julgamento liminar da ADIn nº 1.518-4, assim ementado (7):

Porque editada, com efeito imediato, em 19 de setembro de 1996, não pode a Medida Provisória nº 1.518, que altera a legislação relativa ao salário-educação, ser tida como ato regulamentar do disposto na Emenda Constitucional nº 14, de 1996, cuja vigência foi estabelecida para 1º de janeiro de 1997.

Inocorrência, por esse motivo e ao primeiro exame, de restrição constante do art. 246 da Constituição.

Isso porque, quando editada a medida provisória de que ora se trata (MP nº 1.565/97), já estava em pleno vigor a EC nº 14/96, não se verificando a incompatibilidade temporal indicada pela Suprema Corte como fundamento de denegação da liminar.

2.5 - Prazo de 10 anos para a propositura do pedido de compensação ou de repetição.

Dispõe o CTN, em seu artigo 168:

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do crédito tributário;

II - na hipótese do inciso III do art. 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.

Importa destacar o disposto no art. 168, I, supra-transcrito. Aí se vê que a ação para repetir pode ser aforada dentro em cinco anos, tendo como dies a quo "a data da extinção do crédito tributário".

E o que prescrevem os mencionados incisos I e II do art. 165? Vejamos:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade de seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do art. 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; (...)

O § 4º do art. 162 diz respeito a selo ou estampilha, em nada interferindo com a questão ora examinada.

Os impostos que se pagam espontaneamente, sujeitos a lançamento por homologação, podem perfeitamente ocasionar situações idênticas às descritas nos incisos I e II acabados de referir.

Cumpre perguntar, a esta altura, a que momento se considera extinto o crédito tributário do tributo, tendo em vista a modalidade de lançamento a que se submete. Outra vez as luzes encontram-se no CTN. Confira-se:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

(...)

VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150, §§ 1º e 4º.

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º. O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.

§ 2º. Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

(...)

§ 4º. Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Pelo amálgama dos arts. 168, I, 156, VII, e 150, § 4º, do CTN, tem-se que, decorridos cinco anos da data do fato gerador, tendo havido pagamento e à falta de homologação expressa, perfaz-se a condição resolutiva legal e extingue-se definitivamente o crédito tributário. O pagamento, se indevido, enseja restituição. E o indébito pode ser repetido nos próximos cinco anos, é dizer, em um prazo de dez anos, contado a partir da ocorrência do fato gerador. O Fisco tem cinco anos para homologar, expressa ou tacitamente; o contribuinte tem mais cinco, contados da homologação, para repetir.

Tais razões, postas pelo legislador, vieram redundar na mansa e pletórica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de que é exemplar o acórdão que se segue (8):

TRIBUTÁRIO - EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO - CONSUMO DE COMBUSTÍVEL - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - DECADÊNCIA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA.

I - O tributo arrecadado a título de empréstimo compulsório sobre o consumo de combustíveis é daqueles sujeitos a lançamento por homologação. Em não havendo tal homologação, faz-se impossível cogitar em extinção do crédito tributário.

II - À falta de homologação, a decadência do direito de repetir o indébito tributário somente ocorre decorridos cinco anos, desde a ocorrência do fato gerador, acrescidos de outros cinco anos, contados do termo final do prazo deferido ao Fisco para apuração do tributo devido.

III - Estado e contribuinte são devedores de mútua lealdade. Não é lícito utilizarem-se os institutos da prescrição e da decadência como armadilha e instrumento de calote.

Registre-se que a construção pretoriana deu-se a propósito do empréstimo compulsório sobre o consumo de combustíveis e a aquisição de automóveis, mas é válida para todos os tributos sujeitos a lançamento por homologação, posto que fundada exclusivamente na interpretação das normas gerais instituídas pelo CTN.

Em se tratando de compensação, registre-se que o CTN nada dispõe a respeito, o que já levou juristas da melhor estirpe a defender a tese da imperecibilidade do direito. Quer parecer-nos, contudo, que uma visão sistemática do Direito, fulcrada em seus princípios gerais, desaconselha a radicalidade da conclusão, apontando para a solução analógica, com parâmetro nas regras disciplinadoras do instituto da repetição do indébito.

Com efeito, repetição e compensação são formas paralelas e equivalentes de restituição de tributos. Ambas têm por objeto a devolução dos valores indevidamente recolhidos aos cofres públicos.

A diferença entre os institutos limita-se, assim, ao aspecto operacional, de vez que a compensação faz-se no próprio cálculo do tributo, através da escrituração de conta-corrente fiscal, servindo os créditos acumulados de moeda escritural apta a satisfazer, total ou parcialmente, as dívidas do contribuinte para com o Fisco.

Se o contribuinte que, por qualquer razão, pagou a maior um tributo sujeito a lançamento por homologação tem o direito de repetir o excesso em cinco anos, a contar da homologação expressa ou tácita, idêntica garantia lhe assiste quanto ao creditamento. Mesmo no campo da Economia e das Finanças Públicas, freqüentemente tomadas como álibi para a não-adoção das medidas juridicamente preferíveis no campo fiscal, tem-se no caso total identidade de efeitos entre as duas realidades, a justificar a equiparação defendida. Com efeito, tanto vale para o Estado restituir o excesso recebido para depois coletar a integralidade de seus créditos quanto apropriar-se daquele sobejo e em seguida decotá-lo da dívida de seus contribuintes. Para estes, o raciocínio, feito em termos invertidos, é igualmente verdadeiro.

2.6 - Inexistência de repasse do ônus financeiro do tributo, impeditivo da compensação ou da repetição (CTN, art. 166).

Ao disciplinar o instituto da repetição do indébito, determina o CTN que:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Não trata o dispositivo, todavia, de simples transferência econômica, mas de verdadeiro repasse jurídico do ônus tributário, apenas possível, segundo JOSÉ CARLOS GRAÇA WAGNER (9), nos "tributos por sua natureza não-cumulativos". Para MARCO AURÉLIO GRECO (10):

É forçoso concluir que o artigo 166 do CTN contempla hipóteses de tributos cujo fato gerador, pelas suas peculiaridades, vincula duas pessoas que nele encontram o elemento de aproximação.

Assim também pensa HUGO DE BRITO MACHADO (11), para quem é necessária ainda a autorização legal da transferência feita pelo contribuinte à outra pessoa envolvida. ZELMO DENARI (12), após classificar os fatos geradores dos tributos em pressupostos unilaterais e bilaterais, igualmente restringe a estes últimos o alcance da regra em questão.

E é inequivocamente unilateral o pressuposto de fato do tributo em comento, assim como de todas as demais contribuições sociais hoje existentes. Pronunciando-se sobre exação com fato gerador assemelhado ao do salário-educação (pagamentos efetuados a administradores e autônomos, naquele caso; pagamentos em favor de empregados, neste), decidiu a 1ª Turma do STJ (13):

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE ADMINISTRADORES E AUTÔNOMOS (LEI Nº 7.787/89 E LEI Nº 8.212/91). INCONSTITUCIONALIDADE (RE 166.772/RS E ADIN 1.102/DF). COMPENSAÇÃO: POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

(...)

II - O tributo em tela, por sua natureza, não comporta transferência do encargo financeiro. Cabível, dessa forma, a restituição dos valores indevidamente pagos, sem os limites do art. 166 do CTN e da Súmula 546/STF. Precedente: REsp. nº 96.874/RS, Rel. Min. José Delgado, DJU de 25.11.96.

III - Recurso improvido.

Recentemente, a 1ª Turma daquela Corte converteu-se a este entendimento, ficando superadas antigas suas decisões em sentido contrário. É ver (14):

A contribuição previdenciária da responsabilidade do empregador é tributo direto. Não se lhe aplicam, para fins de repetição de indébito ou compensação, as regras do art. 166 do CTN.

De ressaltar, por derradeiro, que tampouco se aplica à espécie o disposto no § 1º do art. 89 da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe deu a Lei nº 9.032, de 28.04.95, a saber:

Art. 89. Somente poderá ser restituída ou compensada contribuição para a Seguridade Social arrecadada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS na hipótese de pagamento ou recolhimento indevido.

§ 1º. Admitir-se-á apenas a restituição ou a compensação de contribuições a cargo da empresa, recolhida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que, por sua natureza, não tenha sido transferida ao custo de bem ou serviço oferecido à sociedade.(grifo nosso)

E assim é, em primeiro lugar, porque a regra do § 1º restringe-se às contribuições que, "por sua natureza", não tenham sido juridicamente transferidas a terceiros. Sendo diretas todas as contribuições sociais ora em vigor, força é concluir que o comando destina-se àquelas que, estruturadas sob a forma não-cumulativa, venham a ser criadas no futuro. Ademais, o caput do dispositivo limita a sua abrangência às contribuições destinadas ao custeio da Seguridade Social, entre as quais não se enquadra o salário-educação.

Por este mesmo motivo, tampouco se lhe aplicam as restrições à compensação tributária trazidas pelas Leis nº 9.032/95 e 9.129, de 20.11.95, de suspeitíssima constitucionalidade, que sucessivamente alteraram a redação do já mencionado art. 89 da Lei nº 8.212/91, nos seguintes termos:

Art. 89, § 3º. Em qualquer caso, a compensação não poderá ser superior 25% (vinte e cinco por cento) do valor a ser recolhido em cada competência.

(Redação conferida pela Lei nº 9.032/95; v. redação do caput acima)

Art. 89, § 3º. Em qualquer caso, a compensação não poderá ser superior a trinta por cento do valor a ser recolhido em cada competência.

(Redação conferida pela Lei nº 9.129/95; a letra do caput restou inalterada)

2.7 - Necessidade de plena correção monetária dos valores indevidamente recolhidos. Incidência de juros compensatórios e moratórios.

Para efeito de restituição ou compensação, o indébito deve ser plenamente corrigido, considerados os índices reais de inflação no período e afastados os expurgos abusivamente impostos pelos sucessivos planos econômicos, em procedimento sempre invalidado pelos nossos tribunais.

É da própria Advocacia Geral da União, órgão encarregado da defesa dos interesses federais (CF, art. 131), o seguinte parecer (15):

Incidência da correção monetária em repetições de pagamentos anteriores à Lei 8.383/91. Mesmo na inexistência de expressa previsão legal, é devida correção monetária de repetição de quantia indevidamente recolhida ou cobrada a título de tributo. A restituição tardia e sem atualização é restituição incompleta e representa enriquecimento ilícito do Fisco. Correção monetária não constitui um plus a exigir expressa previsão legal - é, apenas, recomposição do crédito corroído pela inflação. O dever de restituir o que se recebeu indevidamente inclui o dever de restituir o valor atualizado. Se a letra fria da lei não cobre tudo o que no seu espírito se contém, a interpretação integrativa se impõe como medida de Justiça. Disposições legais anteriores à Lei 8.383/91 e princípios superiores do Direito brasileiro autorizam a conclusão no sentido de ser devida a correção. A jurisprudência unânime dos Tribunais reconhece, nesse caso, o direito à atualização do valor reclamado. O Poder Judiciário não cria, mas tão-somente aplica o direito vigente. Se tem reconhecido esse direito, é porque ele existe.

Sobre o valor atualizado dos recolhimentos indevidos deverão ainda incidir:

a) em caso de repetição de indébito, juros compensatórios e moratórios: aqueles calculados entre a data do pagamento indevido e o trânsito em julgado da decisão favorável; estes, entre o trânsito em julgado e o efetivo cumprimento da decisão (CTN, art. 167, parágrafo único).

b) em caso de compensação tributária, juros compensatórios calculados entre a data do pagamento indevido e o efetivo aproveitamento dos créditos financeiros correspondentes.


3 - ASPECTOS PROCESSUAIS

Contemplando a possibilidade de reconhecimento judicial de todas as inconstitucionalidades demonstradas, deve o contribuinte optar por ação ordinária, em vez de mandado de segurança. Este, por ser destituído de eficácia patrimonial pretérita (Súmulas 269 e 271 do STF), impõe-lhe a escolha entre a suspensão dos pagamentos futuros e o aproveitamento (por compensação) dos créditos gerados pelos recolhimentos indevidos no passado.

Assim, em sede de liminar em ação cautelar ou de antecipação de tutela, requererá o contribuinte, sucessivamente:

a) a imediata suspensão dos recolhimentos do salário-educação, tributo indevido na forma em que atualmente positivado, até que o diploma instituidor (Lei nº 9.424/96) seja complementado por lei não-decorrente da conversão de medida provisória (ou até o exercício financeiro seguinte àquele em que a MP nº 1.565/97 seja convertida em lei);

b) ou, em caso de denegação do pedido anterior, autorização para compensar, com o salário-educação devido a partir de outubro de 1997, os valores indevidamente pagos a título do mesmo tributo entre setembro de 1987 (ou outubro de 1988, ou abril de 1989) e dezembro de 1996, acrescidos de juros compensatórios e plena correção monetária.

Em qualquer dos casos, o periculum in mora está em que, deferida apenas a final, será ineficaz quanto às parcelas vencidas no curso da ação a autorização para cessação dos pagamentos ou para compensação dos valores indevidamente recolhidos no passado, restaurando-se a primazia do avelhantado princípio do solve et repete. Dessa forma, estaria o contribuinte compelido a recolher tributo que controverte, de manifesta inconstitucionalidade, sob pena de autuação, constrição judicial e denegação de certidões negativas.

De ressaltar, por derradeiro, a completa reversibilidade de qualquer dos provimentos antecipados. A autorização para suspensão dos pagamentos ou para compensação pode ser cassada a qualquer momento, mesmo antes da sentença de mérito, com eficácia futura ou retroativa.

No mérito, pedirá a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social e do FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, relativamente ao recolhimento do salário-educação entre os meses de setembro de 1987 (ou outubro de 1988, ou abril de 1989) e dezembro de 1996, bem como aos pagamentos efetuados a partir de janeiro de 1997, até que o diploma instituidor (Lei nº 9.424/96) seja complementado por lei não-decorrente da conversão de medida provisória (ou até o exercício financeiro seguinte àquele em que a MP nº 1.565/97 seja convertida em lei).

Pedirá ainda autorização para compensar os valores indevidamente recolhidos, plenamente corrigidos e acrescidos de juros compensatórios, com as parcelas da mesma contribuição, a partir do momento em que considerada exigível.

Na impossibilidade de proceder à compensação (por não ser a contribuição jamais validamente instituída ou por ser extinta antes do aproveitamento integral de seu estoque de créditos), pedirá o contribuinte a condenação dos Réus na repetição dos valores indevidamente recolhidos, com ampla correção monetária, juros compensatórios e moratórios, deduzidos do montante cuja compensação tenha eventualmente sido autorizada em sede de antecipação de tutela.

Por fim, ressalte-se que o fato de o FNDE ser autarquia federal sediada em Brasília e destituída de representações estaduais legitimadas a agir em juízo não erige o foro da Capital Federal em único competente para conhecer da ação. Nos termos do art. 94, § 3º, do CPC:

Art. 94, § 3º. Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.

Bem verdade que ambas as autarquias envolvidas estão domiciliadas em Brasília. Todavia, no que toca ao INSS, prevalece o entendimento jurisprudencial de que:

As autarquias federais podem ser demandadas no foro de sua sede ou naquele em que se acha a agência ou sucursal em cujo âmbito de competência ocorreram os fatos que geraram a lide. (16)

Prevendo, tanto a Constituição Federal (art. 125, § 1º), quanto o CPC (art. 99, inciso I), que as causas em que a União for autora, ré ou interveniente podem ser aforadas em qualquer capital de Estado ou de Território, eis que mantém Procuradoria da República em todas as capitais, idêntica orientação deve ser adotada de relação às autarquias federais, quando acionadas em capitais onde disponham de representação. (17)

Daí que, sendo competente em relação ao INSS, nada obstará ao foro eleito o conhecimento da ação, procedendo-se à citação do FNDE por carta precatória.


NOTAS

(1) A discussão em torno do salário-educação: possível recuperar 44% do que foi pago desde 10 anos atrás até janeiro de 1997, in Repertório IOB de Jurisprudência, 1ª quinzena de julho de 1997, nº 13/97, Caderno 1, pág. 314.

(2) A problemática da contribuição do salário-educação, in Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo, Dialética, 1997, pág. 230.

(3) DJU 1 de 10.08.95, pp. 23.554/5, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 1, outubro de 1995, pág. 174, destaques nossos.

(4) REsp. nº 120.285-MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, votação unânime, j. em 16.06.97, in DJ de 01.09.97.

(5) Sobre o salário-educação, in Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª quinzena de junho de 1997, nº 12/97, Caderno 1, pp. 284 e 285.

(6) Medida Cautelar nº 681-SP, decisão liminar, DJU 2 de 09.07.97, pp. 52.614/5, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 24, setembro de 1997, pág. 191. (7) Pleno, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, votação por maioria, in DJU 1 de 25.04.97, pág. 15.198.

(8) REsp. nº 65.277/95-PE, 1ª turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, decisão de 07.08.95, in DJ de 18.09.95, pág. 29.949, decisão por maioria.

(9) Caderno de Pesquisas Tributárias nº 8 - Repetição de Indébito, São Paulo, Resenha Tributária, 1983, pág. 95.

(10) op. cit., pág. 282.

(11) op. cit., pág. 246.

(12) op. cit., pág. 142.

(13) REsp. nº 103.815-CE, in DJU 1 de 14.04.97, pág. 12.715.

(14) REsp. nº 112.015-RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, votação por maioria, in DJU 1 de 19.05.97, pág. 20.542.

(15) Parecer AGU nº GQ-96/96, DO de 18.01.96.

(16) STJ, 1ª Seção, CC nº 2.493-0-DF, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJU de 03.08.92, pág. 11.237, cit. por THEOTONIO NEGRÃO, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, São Paulo, Saraiva, 1997, 28ª ed., pág. 148.

(17) RTFR 147/37, cit. por THEOTONIO NEGRÃO, op. e loc. cit.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Igor Mauler; MANEIRA, Eduardo. A contribuição social do salário-educação: inconstitucionalidade originária e permanente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1421. Acesso em: 18 abr. 2024.