Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/1422
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço contribuírem para o SESC e o SENAC

A obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço contribuírem para o SESC e o SENAC

Publicado em . Elaborado em .

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O questionamento da comercialidade das empresas prestadoras de serviços partiu, no princípio, da iniciativa de uma empresa prestadora de serviços de vigilância e transportes de valores do Estado de Alagoas, que obteve, em 1988, êxito judicial, dando origem a uma antiga e ultrapassada jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos do seguinte teor:

"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES. SESC. SENAC. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA PATRIMONIAL. DECRETOS-LEIS NºS 8.621/46 E 9.853/46.

I - As empresas prestadoras de serviço de vigilância e segurança patrimonial não estão sujeitas às contribuições para o Sesc e Senac, que são exigíveis das sociedades comerciais.

II - Recurso improvido. (6ª Turma do T.F.R., unânime, Ap. Cív. 140.655-AL, julgado em 23.11.88)".(1)

Foi relator do julgado acima o eminente Ministro Carlos Mário Velloso, hoje no Supremo Tribunal Federal.

Por conta do entendimento esposado no bojo da jurisprudência acima referida, a Justiça Federal, de uma maneira geral, passou a lançar mão dela para julgar procedente a maioria das ações declaratórias intentadas pelas empresas de segurança, vigilância e transportes de valores.

O núcleo do entendimento do eminente ministro Carlos Mário Velloso, na anacrônica jurisprudência que deu origem a todo o desenvolvimento e desfecho das atuais decisões da Justiça Federal, caracteriza-se por sua declaração de que empresas de prestação de serviços de vigilância e segurança são sociedades civis, tem o seguinte conteúdo:

"Aliás, tenho que pelas feições comprovadas e pelas atividades que desenvolve, segundo consta dos seus atos constitutivos e do contrato social, a natureza jurídica da A. é, desenganadamente, sociedade civil, assim definida por Maria Helena Diniz:

"A sociedade civil, por sua vez, é a que visa fim econômico ou lucrativo, que deve ser repartido entre os sócios, sendo alcançado pelo exercício de certas profissões ou pela prestação de serviços técnicos..." (2)

          Data maxima venia ousamos dissentir, tanto do eminente ministro Carlos Velloso, quanto da profícua mestra Maria Helena Diniz, cujos ensinamentos ele invoca, pois sociedade civil que "visa fim econômico ou lucrativo", é, a contrário do que ensina aquela insigne mestra, empresa mercantil, à qual devem ser exigidas todas as obrigações legais que daquelas empresas se exigem, tais como as contribuições ao Sesc e ao Senac.

Ainda que, aparentemente, seja imprecisa a distinção entre sociedades civis e mercantis, o fato de que inúmeras sociedades civis objetivam a finalidade do lucro, constitui, exatamente, o traço distintivo que as caracterizam como verdadeiras sociedades mercantis, como é o caso da maioria esmagadora das empresas prestadoras de serviços, o que se demonstrará ao longo do presente trabalho.


2. A LEGALIDADE DA COBRANÇA DAS CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AO SESC E AO SENAC

Não há dúvidas quanto ao fato de que as empresas comerciais estão legalmente obrigadas à contribuição para o Sesc e para o Senac, assim como não há dúvida, ainda, quanto a legalidade da instituição de tal contribuição, o que se dá pelas precisas disposições do Decreto-Lei nº 9.853, de 13 de setembro de 1946, e do Decreto-Lei nº 8.621, de 10 de janeiro de 1946, os quais preceituam em seus artigos 3º e 4º, respectivamente:

"Art. 3º - Os estabelecimentos comerciais enquadrados nas entidades sindicais subordinadas à Confederação Nacional do Comércio (art. 577 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovado pelo Decreto nº 5.452, de 27 de maio de 1943), e os demais empregadores que possuam segurados no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, serão obrigados ao pagamento de uma contribuição mensal ao Serviço Social do Comércio, para o custeio de seus encargos.

Art. 4º - Para o custeio dos encargos do Senac os estabelecimentos comerciais cujas atividades, de acordo com o quadro a que se refere o artigo 577 da Consolidação das Leis do Trabalho, estiverem enquadrados nas Federações e Sindicatos coordenados pela Confederação Nacional do Comércio, ficam obrigados ao pagamento mensal de uma contribuição equivalente a um por cento (1%) sobre o montante da remuneração paga à totalidade dos seus empregados."

Estas são, pois, as matrizes legais da obrigatoriedade das contribuições devidas ao Sesc e ao Senac, e a fixação de seus sujeitos passivos, perfeitamente reafirmadas pelo artigo 240 da Constituição Federal, como veremos mais adiante.

O raciocínio é extremamente simples: uma vez configuradas as condições previstas em lei, subsume-se ao tipo legalmente previsto a situação de fato em que se enquadra o contribuinte.

A controvérsia surge pelo questionamento da condição de comerciais pelas empresas prestadoras de serviços que, além disso, julgam não estarem enquadradas no plano sindical da Confederação Nacional do Comércio, o que não corresponde à realidade.


          3. O ENQUADRAMENTO SINDICAL COMO FONTE VINCULADORA DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS AO PLANO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO E COMO DETERMINANTE DE SUA CONDIÇÃO DE CONTRIBUINTES DO SESC E DO SENAC - A IDÉIA MATRIZ

O artigo 577 instituiu, segundo a lição do ilustre Prof. José Washington Coelho, verdadeiro "mapeamento geográfico", onde "as categorias e os respectivos grupos correspondentes a cada plano (CNA, CNC, CNI e CNT) estão enumeradas e nominalmente identificadas".

Tal "mapeamento" constitui-se no enquadramento sindical, por força do qual foi estabelecida uma vinculação da atividade econômica a uma categoria, integrando esta última a um plano sindical que as engloba.

A inserção das atividades econômicas nas categorias se deu pela atuação da Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho, em cumprimento àquilo que promanou das normas da Consolidação das Lei do Trabalho.

Assim, o quadro de atividades e profissões, anexo ao artigo 577 da CLT, legalmente adotado como base para o enquadramento sindical, estabeleceu os planos confederativos da agricultura, do comércio, da indústria e dos transportes, os quais estão cristalizados por determinação legal.

Como ainda ensina o Prof. José Washington Coelho "independentemente de controvérsias, que sempre existem entre doutos, doutrina e jurisprudência, a lei determina que, para fins sindicais:

  1. comércio é toda atividade classificada no plano ou mapa correspondente à CNC;
  2. indústria é toda atividade classificada no plano ou mapa correspondente à CNI;
  3. transporte é toda atividade classificada no plano ou mapa correspondente à CNT;
  4. agricultura é toda atividade classificada no plano ou mapa correspondente à CNA".

O entendimento daquele insigne mestre fulmina a equivocada, que a interpretação de que duas seriam as condições para que as empresas comerciais sejam contribuintes do SESC e do Senac, pois, são comerciais todas as empresas legalmente enquadradas no plano sindical da Confederação Nacional do Comércio. Basta o seu enquadramento em tal plano para torná-las legalmente comerciais, para fins de enquadramento sindical e, consequentemente, para fins de contribuição ao Sesc e Senac.

Assim, todas as empresas enquadradas nas categorias econômicas integrantes do plano sindical capitaneado pela Confederação Nacional do Comércio são, por vontade da lei, empresas comerciais e, ipso facto, são contribuintes do Sesc e do Senac. Esta é a idéia matriz que fundamenta a sujeição das prestadoras de serviço à exigibilidade do pagamento de uma contribuição social da qual são sujeitos passivos. Portanto, mesmo que tais empresas não tivessem natureza comercial, o que se admite apenas para argumentar, elas o seriam por ficção legal, para efeito de obrigatoriedade de recolhimento de uma contribuição social em favor do Sesc e do Senac. Melhor dizendo, quando a legislação que criou aquelas entidades (Decretos-Leis nºs 8.621/46 e 9.853/46) e disse que são sujeitos passivos do tributo as empresas comerciais que se enquadrem no plano da CNC, quis o legislador dizer que o enquadramento as torna comerciais, para efeito da exigibilidade do pagamento, até porque seria esdrúxulo que a Confederação Nacional do Comércio abrigasse em seu plano sindical empresas que não fossem comerciais.

Encontra-se, também na jurisprudência, o acolhimento a este entendimento, porquanto o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já exarou sobre ele decisão no seguinte sentido:

"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES AO SESC E SENAC. EMPRESAS DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA.

As empresas de segurança e vigilância estiveram dispensadas de recolher contribuição para o Senac e o Sesc somente até a vigência da Portaria MT nº 3.018/86."

Colhe-se, do voto do insigne Juiz Gilson Dipp, hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a seguinte lição:

          "O apelo impetrado visa à declaração da obrigatoriedade da contribuição mesmo antes de janeiro de 1986 (Portaria MT nº 3.018/86).

A apelação da impetrada objetiva a garantia da não-incidência contributiva mesmo depois do referido ato normativo.

À vista do disposto no art. 4º do Decreto-Lei nº 8.621/46, e 3º, do Decreto-Lei
nº 9.8543/46, impõe-se verificar o enquadramento sindical da empresa como condição do dever de contribuir".

É, ainda, o hoje Ministro do STJ, Gilson Dipp, quem ensina, que a comercialidade da prestadora de serviços deva ser examinada a partir dos objetivos mencionados em seu contrato social, manifestando-se sobre o tema em seu voto proferido na apelação cível 96.04937-2-PR, de uma empresa prestadora de serviços, submetida à apreciação da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da forma seguinte:

"O exame do contrato social de fls. 17/22, notadamente de sua cláusula segunda, revela a qualidade de comercial da sociedade, em razão de pelo menos dois dos seus objetos, transporte rodoviário de valores em geral e alocação de veículos, caracterizam a prática de atos de comércio por natureza, estendendo-se a conotação mercantil a todas as demais atividades sociais em razão da força atrativa da finalidade comercial."

Observe-se que são referidas as atividades "transporte rodoviário de valores" e "locação de veículos", ambas irrespondivelmente inseridas na categoria prestação de serviços, no entanto tidas como comerciais pelo julgado apontado.

Uma das vertentes da discussão sobre a obrigatoriedade das contribuições das prestadoras de serviços é a discussão quanto ao atual estado de validade das normas que impõem o quadro de atividades anexo ao artigo 577 da CLT.

Por se ter, como já se viu, erroneamente, no aspecto do enquadramento sindical, uma das duas premissas que impõem a obrigatoriedade das contribuições ao Sesc e ao Senac, discute-se, ainda, a sua validade, dizendo que ele é inválido por não ter sido recepcionado pela Constituição Federal, em face da liberdade sindical, o que é rechaçado pelo Tribunal Superior do Trabalho que após pronunciar-se reiteradamente pela manutenção das categorias instituídas pelo artigo 570 da CLT, acabou por posicionar-se no bojo do acórdão proferido no Proc. TST-RO-DC423.687/98.2, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, da forma seguinte:

          "Não se argumente que o princípio da liberdade sindical introduzido pela Carta Política de 1988 tenha autorizado a ruptura daquele paralelismo que o art. 577 consolidado estabelece entre categorias, pois o Excelso Pretório, intérprete máximo das diretrizes constitucionais, já afirmou, em termos expressos, a manutenção dos critérios celetários na nova ordem jurídica, decorrente da permanência do conceito categoria como parâmetro de organização sindical."

A jurisprudência a que se refere o acórdão do TST é o acórdão proferido em recurso em mandado de segurança, de nº 21.305-DF, publicado na R.T.J. nº 137, às fls. 1131, cuja ementa está assim iniciada:

"Criação por desmembramento - Categoria diferenciada. A organização sindical pressupõe a representação de categoria econômica ou profissional..."

(grifos nossos)

No bojo do acórdão, vê-se, no voto do eminente Ministro Marco Aurélio, a seguinte afirmação:

"O Pleno da Corte já teve a oportunidade de assentar a recepção, pela atual Carta das normas de índole ordinária que não contrariem a proibição constitucional alusiva à interferência e à intervenção do Poder Público na organização sindical. Depreende-se da jurisprudência da Corte que não mais existe campo propício a atos administrativos do Poder Público que impliquem um dos dois fenômenos - o da interferência ou da intervenção."

Conclui o Ministro Marco Aurélio, mais adiante, no mesmo acórdão, que:

"Destarte, já aqui concluo que as normas da Consolidação das Leis do Trabalho envolvidas neste caso - artigos 511 e 570 - estão em pleno vigor, especialmente no que definem o que se entende como categoria diferenciada e a possibilidade de agrupamento de categorias..."

A conclusão lógica que sobressai do conteúdo dos acórdãos acima é a seguinte: se o STF declara a recepção das categorias pela Constituição Federal; se o TST declara que o paralelismo do artigo 577 está integro, devendo-se entender como paralelismo a correspondência entre as categorias econômicas e as categorias profissionais, é corolário lógico destas declarações a conclusão de que o artigo 577 da CLT está íntegro, recepcionado pela Constituição Federal e que o paralelismo de categorias por ele estabelecido é plenamente vinculante, devendo, por conseguinte, ser obedecido em toda a sua extensão.

Por outro lado, o Tribunal Superior do Trabalho já se manifestou sobre o tema, proferindo decisão ementada da forma seguinte:

          "A Constituição Federal de mil novecentos e oitenta e oito manteve no inciso dois do artigo oitavo, as categorias profissionais e econômicas, com base na organização sindical, convalidando, pela inexistência de disposição contrária, as disposições dos artigos quinhentos e onze e quinhentos e setenta e sete da CLT, e assim, o empregado, salvo quando pertencente a categoria diferenciada, continua integrado na categoria profissional definida em correspondência com a atividade econômica preponderante da empresa em que trabalha." (3)

Tais decisões jogam por terra quaisquer questionamentos quanto à vigência do disposto no artigo 577 da CLT e do enquadramento sindical por ele instituído e determinado, e implica em admitir-se, definitivamente, que o pertencimento ao plano da CNC, por força daquele enquadramento, no qual estão abrangidas as categorias econômicas das empresas prestadoras de serviços, é absolutamente vinculante e ensejador da obrigação da contribuição delas ao Sesc e ao Senac.


          4. DA NATUREZA JURÍDICA DAS SOCIEDADES PRESTADORAS DE SERVIÇOS A DEFINIÇÃO DA EXPRESSÃO "NATUREZA JURÍDICA":

Fala-se sempre da "natureza jurídica de um instituto", sem que se defina o que seja "natureza jurídica". Cumpre, pois, inicialmente, determinar-se o significado da expressão.

O Professor Antônio Álvares da Silva leciona, magistralmente, sobre o tema:

          "Deve-se esclarecer inicialmente a base nominal da expressão, em seu cerne, o substantivo. A palavra natureza vem do substantivo ‘natura’... A palavra, embora clara em seu fundamente etimológico, também tem sentido multifário na própria língua latina, apontando-lhe Ernout-Mellet quatro sentidos básicos:

a) ação de fazer nascer;

b) caráter natural: ‘natura rerum’;

c) elementos, substância de alguma coisa;

d) órgão da geração".

(grifos nossos)

O vocabulário, tal como aparece na consagrada expressão jurídica, tem o sentido designado na letra "c" acima, isto é: substância, elemento constitutivo ou "natureza" de alguma coisa.

"Se a palavra natureza, no sentido aqui compreendido, é essência, elemento ou substância de alguma coisa e se o adjetivo jurídica conota o conceito no âmbito da ciência do Direito, natureza jurídica de um instituto é a atividade metodológica pela qual se determinam os seus elementos jurídicos essenciais e gerais, ou seja, aqueles elementos que se subtraem como denominador constante no elenco de normas que o definem no campo do Direito". (4)

(grifos nossos)

Tais ensinamentos servem para orientar a determinação dos elementos essenciais configuradores da natureza jurídica das sociedades prestadoras de serviços.


5. O CONCEITO DE SOCIEDADE

A acepção que nos interessa é aquela que restringe o conceito de sociedade aos limites de sua compreensão dentro do mundo jurídico, o que leva a entender sociedade como "o contrato consensual pelo qual duas ou mais pessoas se obrigam a reunir esforços e/ou recursos para consecução de um fim comum".

Assim, designa-se por sociedade, então, uma estrutura voltada para obtenção dos mais variados fins, instituída a partir da participação de seus integrantes em um contrato plurilateral, cuja definição encontra-se contida no art. nº 1.363 do Código Civil Brasileiro:

"Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns."

          A CLASSIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES:

Podem as sociedades ser classificadas sob os mais diversos enfoques, tais como:

. segundo a estrutura societária;

. segundo a personificação;

. segundo o objeto;

. segundo a nacionalidade.

A classificação relevante à presente lide, sem sombra de dúvida, manifesta-se naquela que separa as sociedades, segundo seu objetivos, e os fins a que elas visam, em sociedades civis e sociedades comerciais.

          AS SOCIEDADES CIVIS:

Sociedades civis, stricto sensu, são aquelas que estão elencadas no art. 16 do Código Civil, isto é:

. sociedades religiosas;

. sociedades pias;

. sociedades morais;

. sociedades científicas ou literárias.

Estas sociedades, via de regra, não têm finalidade lucrativa, e por isso, em oposição às sociedades mercantis ou comerciais, exercem atividades ditas civis, com disciplina nos arts. 1.363 a 1.409 do Código Civil.

Estão elas adstritas ao contrato de sociedade de que trata o art. 1.363 do Código Civil, subordinando-se, em decorrência, às determinações daquele Código para as sociedades de sua natureza.

          AS SOCIEDADES MERCANTIS OU COMERCIAIS:

Diz o art. 4º do Código Comercial que ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que ele liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império e faça da mercancia sua profissão habitual.

Porém, como se sabe, os Tribunais do Comércio foram extintos, e que em seu lugar surgiram as Juntas Comerciais onde é feito atualmente, o registro do comércio.

A DICOTOMIA - ATIVIDADE CIVIL VERSUS ATIVIDADE COMERCIAL:

O elemento complicador na elaboração de uma concepção da natureza jurídica das sociedades prestadoras de serviços tem seu núcleo exatamente na sua qualificação, ora como sociedades civis, ora como sociedades mercantis ou comerciais.

Surge, nesse instante, a necessidade da busca de elementos diferenciadores que possam nortear uma conclusão satisfatória sobre o enquadramento pretendido.

As sociedades prestadoras de serviços apresentam características que as podem mostrar aparentemente como sociedades civis, o que não é absolutamente verdadeiro e pode levar a conclusões equivocadas.

É generalizada em diversos meios a idéia de que a prestação de serviços corresponde invariavelmente ao campo do Direito Civil. Nada mais errado, pois, já que desde épocas remotas, algumas atividades dessa natureza foram consideradas mercantis, como é o caso das empresas de transporte, que desde o Regulamento nº 737, de 1850, passando pelo Código Comercial, são consideradas empresas comerciais.

Uma empresa pode se apresentar com roupagem de sociedade civil e prestar serviços de natureza comercial, ou, ainda, apresentar-se como empresa comercial e prestar serviços de natureza civil.


6. AS FORMAS DE DIFERENCIAÇÃO ENTRE AS SOCIEDADES CIVIS E COMERCIAIS

Haroldo Malheiros Verçosa, em trabalho publicado na Revista de Direito Mercantil(5), indica que podem ser estabelecidas diferenciações utilizando-se os critérios histórico, legislativo e da dependência ou conexão.

Passaremos a ver cada um deles.

Diz aquele autor que "a pesquisa da história do Direito Mercantil nos mostra que certos campos de atuação profissional foram considerados comerciais e legalmente tratados como tal".

"Partindo do nascimento do Direito Comercial e de sua evolução notamos que, fundamentalmente, as atividades daquelas épocas tuteladas pelo Direito Romano, origem e base do Direito Civil, até hoje pertencem ao campo deste último. É o que acontece com negócios relacionados aos imóveis, agricultura, a pecuária e às profissões liberais".

Aponta ele como exemplo de legislação, ainda que revogada, que porém fornece subsídios para a compreensão do estado atual da matéria, o Regulamento 737, de 1850, que define, em seu art. 19, o que é mercancia como sendo:

a) operações de compra, revenda e locação de coisas móveis;

b) operações de bancos;

c) operação de mediação de negócios (corretagem);

d) operações de fábricas, de comissões, de depósito, de consignações, de transporte e de espetáculos públicos;

e) operações relativas a navegação marítima.

Tem-se aí um universo bem amplo, no qual atua o Direito Comercial, segundo o critério do entendimento histórico, em contrapartida a outras áreas próprias do Direito Civil.

Como exemplo da determinação da diferença pelo critério legislativo, aponta aquele autor a regra do § 10 do art. 20, da Lei nº 6.404 (Lei das S.A.), pelo qual "qualquer que seja o seu objeto, a sociedade anônima é mercantil" e deve obedecer a legislação própria, não importando se trata de uma fazenda, de uma clínica médica ou de uma corretora de imóveis; sendo organizadas sob a forma de sociedade anônima, passam a disciplinarem-se e a sofrer os efeitos do Direito Comercial.

Pelo critério da determinação legislativa, também são incluídas no rol das sociedades mercantis:

a) seguro;

b) navegação aérea;

c) títulos de crédito em geral.

A Lei nº 4.068, de 9 de julho de 1962, dispôs, em seu artigo 1º, que são comerciais as empresas de construção.

O critério de dependência ou de conexão busca classificar as sociedades em função de realizarem elas atos cuja conexão com o comércio se presume, isto é, atos praticados por sociedade comercial. São os chamados atos do comércio por conexão, cujo exemplo nos é dado pelo art. 280 do Código Comercial:

"Só terão natureza de depósito mercantil o que for feito por causa proveniente de comércio, em poder de comerciante, ou por conta de comerciante".

O Professor Romano Cristiano em sua obra "A Empresa Individual e a Personalidade Jurídica" (6), apresenta a Teoria da Interposição, do jurista italiano Alfredo Rocco, pacificamente aceita pela nossa melhor doutrina, como critério mais lógico e seguro de se determinar distinção segura entre a atividade civil e a atividade comercial.

A teoria de interposição conclui que para diferenciação das atividades civis e comerciais, se faz necessário considerar interposição na efetivação da troca, que o citado autor exemplifica da maneira seguinte:

"Com base nessa teoria, e para torná-la, inclusive, mais clara e explícita, podemos fazer uma série de considerações.

Qualquer ser humano normal está quase que constantemente à procura de inúmeras coisas, bens, materiais ou imateriais, de que precisa para viver ou que deseja para viver melhor. Muitos desses bens, ou até mesmo todos, ao menos em tese, poderia obtê-los ele mesmo, diretamente, estabelecendo assim o contrato de troca: ele receberia o bem almejado e daria em troca outro bem, dinheiro na maioria dos casos.

Mas, pelos mais diversos motivos, geralmente não pode ou não quer fazê-lo. É preciso, então, que outrem o faça por ele. Exemplificando, há milionários que têm cinema em casa. Para isso, escolhem uma sala dentro de casa, montam a tela, compram o projetor, alugam um filme qualquer e, a seguir, estão em condições de assistir ao espetáculo. Essa atividade é de natureza civil, pois no caso, é o próprio usuário que entra em contato direto com os fornecedores

Mas a grande maioria das pessoas não tem possibilidade para isso. Então, alguém o faz para ele, cobrando importância relativamente pequena.

Dessa forma, qualquer um assiste ao espetáculo cinematográfico exatamente como o milionário que tem cinema em casa. A atividade, pois, desenvolvida pelo empresário de cinemas, aquele que monta o cinema para o grande público, é tecnicamente a mesma atividade do milionário do nosso exemplo.

Juridicamente, porém, as duas atividades são diferentes: a do milionário, como já dissemos, é de natureza civil, ao passo que a do empresário de cinemas é de natu-
reza comercial.

Essa diferença se dá pelo seguinte: no caso do milionário, é o próprio usuário que entra em contato direto com os fornecedores. No outro caso, temos uma terceira pessoa que se interpõe entre o usuário e os fornecedores.

Essa terceira pessoa, portanto, efetua uma ‘mediação’ ou ‘interposição na troca’, sendo uma atividade tipicamente comercial. A argumentação até aqui desenvolvida aplica-se, perfeita e totalmente, a nosso ver, ao caso mencionado no início: oficina de conserto de automóveis em geral.

Se uma pessoa qualquer quisesse consertar ela mesma o seu automóvel, deveria arranjar local adequado, móveis e utensílios, fazer pequenas instalações, comprar instrumentos, aparelhos e até mesmo pequenas máquinas, fazer provisão de peças e outros materiais para substituições e restaurações.

Não é muito raro encontrar quem o faça. Mas a verdade é que a grande maioria das pessoas prefere não fazê-lo. Sabemos o que acontece para a solução desse problema: uma terceira pessoa monta a oficina e, a seguir, começa a consertar os automóveis dos outros.

Também aqui a interposição é típica. O dono da oficina mecânica se interpõe entre o usuário - proprietário do automóvel - e os fornecedores em geral".

(grifos nossos)

Ainda Romano Cristiano apresenta outros traços distintivos entre as atividades civis e comerciais, em trabalho intitulado "Elementos Característicos da Atividade Comercial"(7), onde leciona que:

"A primeira característica da atividade comercial é ser ela econômica, isto é, de fins lucrativos. Não é raro encontrar, hoje em dia, associações e fundações que exercem, no todo ou em parte, atividades idênticas às de empresas comerciais. Tais atividades, no entanto, são civis, uma vez que fundações e associações são pessoas jurídicas de fins não lucrativos.

A segunda característica da atividade comercial é ser ela profissional, isto é, dotada da qualidade da habitualidade. Qualquer ato econômico isolado será sempre como aquela andorinha que não consegue fazer verão: nunca poderá ser um ato de comércio.

A terceira característica da atividade comercial é conter intermediação. Numa relação comum de troca há sempre alguém que dá e outro que recebe, entregando, via de regra, dinheiro em contrapartida. Teoricamente, as trocas deveriam ocorrer sempre de forma direta; afinal, se o cidadão A precisa de algo que o cidadão B possui em excesso, deveria entender-se diretamente com este último, sem preocupar-se em fazer contato com o cidadão C, que nada tem a ver com o problema.

Na prática, porém, as coisas se passam de forma diferente. Na maioria dos casos, A não tem forças financeiras suficientes para conseguir de B o que ele deseja; sendo que B, por sua vez, não tem vontade de ir à procura de outras pessoas nas mesmas condições de A. Surge então C, que não tem o desejo de A, mas tem vontade de agir e recursos financeiros, com os quais ele realiza relação de troca com B, e passa a resolver o problema de A e de quantos se encontram nas mesmas condições, eis que a multiplicação de pessoas (atual ou potencial) na posição de A permite facilitar cada uma das novas relações de troca".

(grifos nossos)

Como se vê, as sociedades prestadoras de serviços podem apresentar-se estruturadas segundo qualquer tipo societário admitido na legislação brasileira, mas não será o seu tipo societário que definirá sua natureza jurídica.

Será necessário, então, o socorro dos critérios diferenciadores dos elementos constitutivos da sociedade civil e da sociedade comercial e uma análise do objeto da sociedade prestadora de serviços e da finalidade de lucro a que ela visa, para que se possa enquadrá-las como civis ou comerciais e extrair-se desse enquadramento os efeitos dele decorrentes, tal como a condição de contribuintes do Sesc e Senac.

É de se notar que os elementos indicados pelos autores citados são parâmetros seguros e razoáveis para a diferenciação entre o que seja atividade civil e atividade comercial.

Com efeito, podemos encontrar associações civis e fundações que exercem atividades idênticas às empresas comerciais.

Um exemplo que podemos trazer à colação é a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, fundação pública exercente de atividade tipicamente civil, por lhe faltar o requisito da lucratividade.

Porém, não cabe argumentar ser a atividade televisiva uma atividade não comercial, pois é sabido que o único objetivo das emissoras de televisão é o auferimento de lucro através da venda de tempo para a exibição de anúncios comerciais.

No entanto, pode-se provar, pelo exemplo, que uma atividade comercial se descaracteriza quando lhe faltar o elemento básico da busca do lucro.

Tem-se, assim, que a busca do lucro é elemento fundamental para caracterização da atividade comercial.

É segundo este entendimento que já vêm decidindo alguns magistrados da Justiça Federal; e, neste sentido, com a devida venia, transcreve-se aqui trechos da sentença proferida pelo MM. Juiz Luiz Airton de Carvalho, da 2ª Vara Federal de Belo Horizonte, que ao decidir ação ordinária declaratória movida nos autos do processo nº 93.23800-0, posiciona-se pela comercialidade das empresas prestadoras de serviços, com base na moderna "teoria da empresa", da forma seguinte:

"Basta que a empresa seja um estabelecimento comercial para ser considerada contribuinte do Sesc/Senac.

A quaestio juris é o que se considera estabelecimento comercial.

No comércio tradicional, estabelecimento comercial é aquele no qual se pratica ato de comércio.

Os comercialistas, como nos ensina Rubens Requião, em Curso de Direito Comercial, não conseguiram uma teoria do ato de comércio:

‘Debateram-se sempre os comercialistas na vã empreitada de formular uma teoria unitária para os atos de comércio. Muitos, por fim, como Otávio Mendes, concluem, melancolicamente, reconhecendo francamente a falência do Direito Comercial diante do problema da definição e classificação dos atos de comércio.’

O Professo Alfredo Rocco, segundo noticia Rubens Requião, na impossibilidade de formular uma teoria do ato de comércio, pesquisou o sentido fundamental dos atos de comércio, enumerado pelo legislador positivo, concluindo pelo conceito do ato de comércio como sendo aquele que realiza ou facilita uma interposição na troca.

Chega assim, o Prof. Rocco à definição: ‘É ato de comércio todo o ato que realiza ou facilita uma interposição na troca.’(8)

São diversos os objetos da troca: mercadorias, títulos, imóveis, dinheiro a crédito, produtos de trabalho, riscos. São diversas também as formas de que a troca se reveste. Mas o fenômeno da troca por meio da interposta pessoa, esse aparece em qualquer dessas quatro categorias de atos contemplados na lei. (9) 9

O Professor Gaston Lagarde, da Faculdade de Direito de Paris, leciona que na prática do comércio, dois elementos estão presentes: a circulação de riquezas e a especulação, isto é, o objetivo de lucro:

‘O ato de comércio é um ato de intermediação na circulação das riquezas. Mas é necessário compreender que esta interposição não se reveste de caráter comercial se não for lucrativa; não pratica ato de comércio a associação caritativa que compra para revender ao preço corrente’. (10)

O Professor Willie Duarte Costa, Comercialista e Diretor da Faculdade de Direito Milton Campos, em artigo publicado na Revista da Faculdade, vol. II, pág. 265 - com o título: Comerciante : ampliação do conceito - nos diz:

‘Ficou claro que, nos precisos termos do Código Comercial de 1850, o termo comerciante ali inserido corresponde ao gênero em que se abrigam todas as espécies de profissionais que se dedicam às atividades mercantis. Já dissemos que o Código não nos dá uma definição segura de comerciante. Por isso permita-se à doutrina e à jurisprudência a construção do conceito.’

E à página 270, afirma, com base em Steban Cottcky:

‘Do ponto de vista jurídico, comerciante passou a ser gênero, com muitas espécies. O direito econômico não reconhece a diferença entre a produção agrária e a de outros setores. Defende a idéia de que o comerciante está num conceito adequado à
realidade econômica e que o comerciante é apenas um setor do empresariado, da mesma forma que existem outros setores.’

No moderno entendimento, estabelecimento comercial é a empresa que produz bens e serviços para o mercado, isto é, para venda ou intermediação na circulação de riquezas mediante uma operação de troca."

(grifos nossos)

Do mesmo entendimento é o renomado comercialista Fran Martins, que em seu Curso de Direito Comercial, edição de 1979, às fls. 109, leciona:

"Não há dificuldade para se saber se uma sociedade é comercial ou não; basta verificar qual o seu objeto. Em geral, tendo objeto econômico e o caráter de intermediação ou de prestação de serviços com caráter profissional, a sociedade é considerada comercial e, como tal, está sujeita às leis mercantis."


7. A COMPREENSÃO DA EXPRESSÃO "ESTABELECIMENTO COMERCIAL"

É assente na doutrina e na jurisprudência a equivalência da expressão "estabelecimento comercial" com a expressão "fundo de comércio".

Consulte-se qualquer doutrinador nacional sobre o tema e a resposta, invariavelmente, será apenas uma: tais expressões se eqüivalem.

Mencione-se, apenas a título de exemplo, um clássico do tema, Oscar Barreto Filho, em sua obra Teoria do Estabelecimento Comercial, Editora Max Limonad, 1969, pág. 65, o qual se pronuncia sobre ele da seguinte forma:

"O instituto do estabelecimento comercial apresenta-se, em cada país, com caracteres intrínsecos e dimensões diferentes, de acordo com as peculiaridades do direito nacional, o que torna difícil estabelecer uma perfeita equivalência entre as várias expressões que servem para designá-lo.

Nas leis pátrias, são empregadas como sinônimas de estabelecimento comercial as expressões negócio comercial, casa de comércio, fundo mercantil ou fundo de comércio."

Tal entendimento está encampado pela jurisprudência, de forma que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já proferiu diversos acórdãos, onde menciona reiteradamente a identidade entre fundo de comércio e estabelecimento comercial. Confira-se, a título de exemplo, as seguintes ementas:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA DE BENS DE TERCEIROS – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR SUCESSÃO.

O Art. 133 do Código tributário Nacional cuida da responsabilidade tributária por sucessão daquele que adquire fundo de comércio ou estabelecimento comercial, sendo inaplicável na hipótese de aquisição de apenas alguns bens móveis do devedor, sobre os quais não incide qualquer tributo. Apelação provida." (AC 95.01.33220-9/MG – 3ª Turma – Relator Juiz Osmar Tognolo – julgado em 11.05.99 – publicado no DJ de 10.09.99)

"TRIBUTÁRIO SUCESSÃO EMPRESARIAL. ESTABELECIMENTO BANCÁRIO E CONDOMÍNIO – INOCORRÊNCIA.

A sucessão empresarial, para fins de responsabilidade tributária, somente se verifica nos estreitos limites do art. 133 do CTN, mediante a condição primeira e básica de transferência, a qualquer titulo de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, hipótese insusceptível de ocorrer entre um estabelecimento bancário e um prédio de lojas salas, constituído sob a forma de condomínio." (AC 89.01.122186-1/GO –3ª Turma – Relator Juiz Fernando Gonçalves – julgado em 15.08.90 – publicado no DJ de 10.09.90)

O próprio Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido dessa identidade entre as expressões mencionadas, através de julgado ementado da forma seguinte:

"TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. A responsabilidade prevista no artigo 133 do Código Tributário Nacional só se manifesta quando uma pessoa natural ou jurídica adquire de outra o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial, industrial ou profissional; a circunstância de que se tenha instalado em prédio antes alugado à devedora, não transforma quem veio a ocupá-lo posteriormente, também por força de locação, em sucessor para os efeitos tributários. Recurso especial não conhecido. (REsp 108.873-SP – 2ª Turma – Relator Ministro Ari Pargendler – julgado em 04.09.99 – publicado no D J de 12.04.99)

Se o STJ proclama que empresa prestadora de serviços é detentora de fundo de comércio (REsp 27.912-8/RJ); se reconhece que academia de ginástica, desenganadamente prestadora de serviços, é estabelecimento comercial (REsp 174.196-RJ); se pelo menos o TRF/1 e próprio STJ chancelam o majoritário entendimento doutrinário de que a expressão fundo de comércio eqüivale a estabelecimento comercial a conclusão óbvia não pode ser outra: Empresa prestadora de serviços é estabelecimento comercial e, como tal, contribuinte do Sesc e do Senac. Caso contrário, estar-se-á inaugurando a época dos dois pesos e das duas medidas com a chancela do Poder Judiciário.


          8. OS CONCEITOS LEGAIS DA EXPRESSÃO "SERVIÇOS"

A primeira fonte a que recorremos para enquadrar o conceito da expressão serviços é a Lei nº 8.078, de 11.09.90, o Código de Defesa do Consumidor.

Diz, com efeito, aquele Código, que a atividade de serviços é fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração - leia-se lucro - e que o prestador de serviços também é fornecedor, o que reforça o entendimento da teoria da interposição na troca, do Professor Alfredo Rocco.

Aqui está, de lege lata, a encampação da referida teoria, pelo artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor e pelo parágrafo 2º daquele mesmo artigo:

"Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços."

(grifos nossos)

§ 1º - omissis

§ 2º - Serviços é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."

(grifos nossos)

Não é apenas o Código do Consumidor, porém, que se refere à expressão serviços. Encontramo-la mencionada, por exemplo, na Lei Complementar nº 70, de 30.12.91, que institui a contribuição para o financiamento da seguridade social, a qual ao cuidar da incidência daquela exação, bem como da isenção que beneficia as operações que enumera, assim dispõe:

"Art. 2º - A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerada a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza.

Art. 7º - É ainda isenta da contribuição a venda de mercadorias ou serviços, destinados ao exterior, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo."

(grifos nossos)

Portanto, a própria lei explicita que não se vendem apenas produtos, vendem-se também serviços. Por esta razão, as chamadas empresas prestadoras de serviço são, na verdade, vendedoras de serviços. A concepção, absolutamente real, de que os serviços são comercializados está bem patente na moderna teoria da empresa, fundamento jurídico atual da atividade comercial, valendo lembrar lição manifestada pelo festejado Carvalho de Mendonça, já em 1946 como veremos adiante, de que empresa produz "bens ou serviços, destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros".


          9. DA NATUREZA JURÍDICA DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS EM FACE DA ATUAL LEI DE REGISTROS PÚBLICOS DE EMPRESAS MERCANTIS E ATIVIDADES AFINS - LEI Nº 8.934, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1994

O art. 2º da Lei n.º 8.934/94, alterando o rumo da discussão doutrinária sobre a vetusta teoria dos atos de comércio, inovando e modernizando o entendimento acerca do tema, dispõe:

"Os atos das firmas mercantis individuais e das sociedades mercantis serão arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis e atividades Afins, independentemente de seu objeto, salvo as exceções previstas em lei".

(grifos nossos)

A Lei n.º 8.934/94 foi regulamentada pelo Decreto n.º 1.800, de 30 de janeiro de 1996, que em seu art. 2º dispôs ser o lucro a causa determinante do registro das organizações destinadas à sua exploração no Registro Público das Empresas Mercantis e Atividades Afins, encampando, assim, a "Teoria da Empresa" em lugar da vetusta e ultrapassada "Teoria dos Atos de Comércio".

"Art. 2º Os atos das organizações destinadas à exploração de qualquer atividade econômica com FINS LUCRATIVOS, compreendidas as firmas mercantis individuais e as sociedades mercantis, independentemente de seu objeto, serão arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, salvo as exceções previstas em lei. (grifos nossos)

Está posto fora de questão, então, o debate que torna controvertida a natureza jurídica das empresas prestadoras de serviços, pois qualquer que seja o seu objeto social e independentemente dele, caso estejam estabelecidas com o propósito de alcançar o lucro, será mercantil o seu registro e, ipso facto, mercantil a sua natureza jurídica em decorrência da expressa determinação da lei e de seu regulamento.

Ao aprovar a Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, o legislador pátrio antecipou-se à aprovação do Projeto de Código Civil e encampou a teoria da empresa, introduzindo no direito brasileiro a superação da dicotomia entre sociedades civis e sociedades mercantis, fazendo prevalecer a teoria da empresa e introduzindo como substrato jurídico do comércio conceito de empresa de atividade econômica, extraindo-se daí as conseqüências de tal mudança.

Oportuno observar-se, ainda, a apreciação daquela Lei feita pelo Professor
Theóphilo Azeredo Santos que em seu artigo "A Comercialidade das Sociedades de Objeto Civil, Fins Econômicos e Lucrativos" (11), assim se manifestou:

"Aprovado, o Projeto de Lei converteu-se na Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, que no artigo 2º determina a comercialidade das sociedades de objeto civil, pois elas terão, agora, os seus atos arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, "independentemente de deu seu objeto, salvo as exceções previstas em lei".

Assim, não mais serão as sociedades de objeto civil, com fins lucrativos, registradas no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, mas nas Juntas Comerciais.

          Prevalece, então, a atividade econômica da empresa, para caracterizá-la como comercial, elidindo a velha discussão que dividiu os juristas entre os que ficavam presos às regras do Código Comercial (nota-se que este não oferece um conceito jurídico de comerciante) para considerar mercantis apenas os atos indicados na legislação do Império e os que preferem avalizar a tese da ampliação do conceito de empresa comercial.

Estarão, em conseqüência, sujeitas à falência e terão direito à concordata, pois, são comerciais por força de lei, as sociedades cujo objeto social for a produção de e a circulação de bens e serviços com ênfase para o setor de serviço, hoje marcadamente desenvolvido especialmente após a sua chamada terceirização".

(grifos nossos)

Observe-se que o ensinamento do Prof. Theóphilo Azeredo Santos vem encontrando eco na jurisprudência, posto que, à guisa de exemplo, os Tribunais vêm decidindo pela sujeição das sociedades civis prestadoras de serviços à falência, conforme se pode conferir em: Rev. Forense 221/272; Rev. dos Tribunais 358/193, 358/193, 434/122, 440/117, 465/97 e 489/106.

Aliás a própria Lei vem impondo às empresas prestadoras de serviços a sujeição à Lei de Falências, como é o caso da Lei n.º 6.019, de 03.01.74, que o fez em relação às empresas de trabalho temporário, típicas prestadoras de serviços, ao dispor em seu artigo 16:

"No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei."

Conclui-se, pois, que empresas mercantis a que se refere a Lei 8.934/94 são aquelas que visam lucro, dentre as quais se situam, insofismavelmente, as empresas prestadoras de serviços, as quais passam a ter sua comercialidade reconhecida ex vi legis e, também, de lege lata, a obrigatoriedade de arquivamento de seus atos constitutivos e suas alterações nas Juntas Comerciais.


10. A POSIÇÃO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA

É sabido e consabido que nem os juristas pátrios, nem os estrangeiros, de quem aqueles hauriram os ensinamentos acerca da teoria dos atos de comércio, jamais professaram um entendimento uniforme e definitivo acerca daquela teoria, que durante séculos tentou resolver a questão da existência ou inexistência da comercialidade das empresas e nunca conseguiu.

Aprecie-se, a respeito do tema, a precisa lição da Comissão de Redação da Enciclopédia Saraiva do Direito(12), obra respeitada no mundo jurídico, integrada por 17 (dezessete) juristas e mestres, que nas páginas 1, 2 e 3 do volume 9, na edição do ano de 1978, assim se manifesta:

"Os nossos juristas são unânimes em considerar das mais espinhosas a definição de ato de comércio sob o ponto de vista jurídico. Não se consegue formular um critério universal, unitário, de forma a se elaborar uma teoria científica e há que se contentar com simples noções ou critérios para se explicar atos de comércio. Por isso, como ensina Waldemar Ferreira, a generalidade dos juristas, como ele próprio considera que a mediação e a especulação são elementos marcantes do ato de comércio, desde que coexistam."

(grifos nossos)

Os mesmos autores finalizam seu estudo manifestando-se acerca do "desprestígio da conceituação da matéria comercial em função da teoria do ato de comércio", prelecionando:

"No sistema do Código de 1850, ainda em vigor, a matéria é definida em função da teoria do ato de comércio, pela mercancia, que significa a prática profissional de atos de comércio por natureza, e, incidentemente, de atos a ela ligados por dependência ou conexão.

          Mas esta conceituação perde prestígio na doutrina, dada sua insuficiência e artificialismo, e tende a ser substituída pela noção de empresa, uma vez que: a atividade é a seqüência de atos coordenados entre si pelo agente, visando a uma finalidade comum; a atividade econômica é organizada sob a forma de empresa; comerciante ou empresário é quem exerce a atividade empresarial; e os atos comerciais são os que integram a atividade empresarial."

(grifos nossos)

Observe-se a definição de um clássico do Direito Comercial, J. X. Carvalho de Mendonça, que sobre o conceito de empresa assim se manifesta desde 1945:

"Empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade. (13)

(grifos nossos)

Observe-se que, há 55 anos atrás, o festejado Carvalho de Mendonça já ensinava que serviços são objeto de comercialização, bem como acentuava que estes serviços, a exemplo dos bens materiais, PODERIAM SER DESTINADOS A VENDA. É preciso que se ressalte, portanto, que prestadores de serviços nada mais são do que VENDEDORES DE SERVIÇOS e, como tal, praticam o comércio, por empreenderem atividade econômica de natureza lucrativa.

É entendimento assente na moderna doutrina que "a definição de empresa está intimamente ligada à organização de capitais que buscam, na produção ou na circulação de bens ou serviços, o seu fim maior que é o lucro". (14)

(grifos nossos)

Confirmam-se, assim, vozes como a do Professor Romano Cristiano, Procurador do Estado de São Paulo, com atuação na Junta Comercial daquele estado, de quem, com a devida venia, haurimos os ensinamentos do mestre italiano Alfredo Rocco.

Ensina aquele ilustre comercialista, como já se viu, que estão superadas as premissas calcadas exclusivamente na "teoria dos atos de comércio" para se realizar a distinção entre sociedades civis e sociedades mercantis; nó górdio não desatado pela apreciação do tema sob o ponto de vista do seu exame a partir daquela superada teoria.

É de extrema relevância e utilidade prático-doutrinária, trazer-se a lume o magistério do ilustre advogado Jorge Rubem Folena de Oliveira, mestrando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que em seu artigo acima citado, assim se posiciona sobre o tema:

          "É curial ressaltar que o avanço da teoria da empresa, estruturada na concepção da organização dos fatores de produção para a criação ou circulação de bens ou serviços, tem influenciado, sobremaneira, no direito societário, especialmente na clássica distinção entre sociedades comerciais e civis, quanto aos seus respectivos objetos.

Assim, inclusive, ilustrou José Edwaldo Tavares Borba, ao analisar a distinção entre sociedades comerciais e civis, ao afirmar, in verbis:

‘A teoria da empresa passaria a informar esse novo critério diferenciador. Embora não exista um novo conceito jurídico de empresa, o seu conceito seria de grande valia nesse processo’.

A empresa tem sido conceituada como sendo a estrutura fundada na organização dos fatores da produção (natureza, capital e trabalho) para a criação ou circulação de bens e serviços.

Nesse passo, é imperioso salientar que a teoria da empresa, voltada para a organização dos fatores de produção, que proporcionam a circulação de bens e serviços, com vistas ao lucro, conduz a uma reformulação no entendimento do objeto das sociedades, fulcrado no ato de comércio; passando estas sociedades, a partir daí, a terem os seus objetos voltados às atividades empresariais, independentemente da prática ou não de atos mercantis."

É, ainda, o mesmo autor, quem nos dá exemplo prático da aceitação de tais teses quer de lege ferenda, quer de lege lata, seja pela invocação do Projeto de Código Civil, seja pela invocação da Lei nº 8.934/94 (Lei do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins), da forma seguinte:

"Impõem-se notar que, na linha do avanço da teoria da empresa na seara jurídica, o Projeto de Código Civil de 1975 propôs o fim da dicotomia entre sociedades civis e comerciais, adotando-se a atividade empresarial como fundamento das sociedades."

(grifos nossos)

Invoca aquele autor o magistério do insigne comercialista Waldírio Bulgarelli que sobre o mencionado Projeto de Código Civil, assim se manifesta:

          "O Projeto de Código Civil, em resumo marca o abandono do sistema tradicional consagrado pelo Código Comercial atual, baseado no comerciante e no exercício profissional da mercancia, trocando-o pela adoção do sistema do empresário e da atividade empresarial e, ainda, formalizando a unificação das obrigações e, portanto, extinguindo-se a dualidade ora existente... A profundidade das alterações pretendidas diz respeito não só à unidade do direito obrigacional, sem distinção entre atos civis e mercantis... O direito não mais considerará o comerciante e os atos de comércio como peças angulares, como ocorre no sistema atual, pois que o fundamento da qualificação do empresário não será, como agora, o "exercício da mercancia" (art. 4º do Código Comercial) e, sim, a empresa como noção referível à atividade econômica organizada de produção de bens e serviços para o mercado, exercida profissionalmente"

(grifos nossos)

O Superior Tribunal de Justiça, através de sua Sexta Turma, já se posicionou, unanimemente, pela comercialidade das empresas prestadoras de serviços, em acórdão proferido no Recurso Especial 27.912-8/RJ, publicado no DJ em 24.04.1995(15), onde foi relator o eminente Ministro Vicente Leal, o qual está ementado da forma seguinte:

          "LOCAÇÃO. PRESTADORA DE SERVIÇOS. ATIVIDADE RELATIVA A TRANSPORTE. AÇÃO RENOVATÓRIA. DEC. 24150/34. POSSIBILIDADE.

Modernamente, a expressão fundo de comércio apresentou expansão de seu conceito, abrangendo as atividades civis ou industriais que objetivem lucro.

A empresa prestadora de serviços relativos a transporte é, portanto, detentora de fundo de comércio, devendo ser-lhe garantida a possibilidade de ingressar com ação renovatória com base no Dec. 24.150/34, a fim de obter novo período contratual de locação.

Recurso especial não conhecido."

Extrai-se do bojo do acórdão mencionado, do voto do Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal, a seguinte lição:

"Doutrina e jurisprudência mais recentes vêm se orientando no sentido da extensão de contrato locatício às sociedades industriais e civis com fins lucrativos e comprovada habitualidade do objetivo.

Com efeito, atendidos os demais requisitos previstos na lei, as sociedades civis que objetivam o lucro são equiparadas, por analogia, às comerciais, fazendo jus à segurança de seu fundo de comércio e, consequentemente, estando autorizadas à renovação judicial dos contratos locatícios."

(grifos nossos)

Tal posicionamento é, sem dúvida, alinhado com os mais recentes, inovadores e precisos estudos acerca da evolução da vetusta "Teoria dos atos de comércio" para a "Teoria da Empresa", hoje largamente admitida.

É ele consentâneo com a disposição constante do caput e do parágrafo 4º, artigo 51, da Lei nº 8.245, de 18.01.91, a qual preceitua:

"Art. 51 - Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito à renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:

(grifos nossos)

§ 4º - O direito a renovação do contrato estende-se às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrentes os pressupostos previstos neste artigo."

(grifos nossos)

Observe-se que a jurisprudência chancela a equiparação legal entre sociedades civis e sociedades comerciais, por conta da aplicação àquelas sociedades civis do direito subjetivo de renovação locatícia outorgado "nas locações de imóveis destinados ao comércio".

Chancela, ainda, O Superior Tribunal de Justiça a comercialidade das empresas prestadoras de serviços, por intermédio de decisão proferida por sua Terceira Turma, no Recurso Especial n.º 174.196-RJ, do qual foi relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, cuja ementa (publicada no DJ de 06.12.99) está lançadas nos seguintes termos:

"Direitos Autorais. Academia de ginástica. Retransmissão radiofônica. Súmula 63 da Corte.

          Sob todas as luzes, uma academia de ginástica é um estabelecimento comercial, sendo certo que a manutenção de um sistema de retransmissão radiofônica impõe o pagamento de direitos autorais, aplicável a Súmula 63 da Corte. Como assentado em artigo precedente, "pagamento dessa verba decorre não apenas do lucro, indireto ou potencial, pela captação e predisposição da clientela em conseqüência da sonorização do ambiente, mas pela opção legislativa em valorizar o trabalho e o talento do artista. Recurso Especial conhecido e provido." (grifos nossos)

Lê-se no relatório do eminente Ministro Menezes Direito, a claríssima afirmação de que a incidência do lucro é condição básica para a inserção das academias de ginástica na categoria de estabelecimentos comercial, do seguinte teor:

"...as academias de ginástica incluem-se na categoria de estabelecimento comercial, pois está clara a incidência de lucro na sua atividade..."

Não é outro o entendimento do eminente Ministro Nilson Naves, que em eu voto se manifesta no seguinte sentido:

"Realmente, a academia não deixa de ser estabelecimento comercial, para os fins inscrito na Súmula 63."

A discussão que desembocou na súmula n.º 63 do Superior Tribunal de Justiça é, exatamente, a obrigatoriedade do pagamento de direitos autorais por parte dos estabelecimentos comerciais que utilizam som ambiente. Ela está redigida nos seguintes termos:

          "São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais"

Observe-se que a Súmula 63 cristaliza jurisprudência que reconhece como obrigação dos estabelecimentos comerciais o pagamento de direitos autorais ao ECAD.

A expressão estabelecimentos comerciais contida na Súmula 63 é a mesma empregada na legislação para fixar a obrigação da contribuição para o Sesc e o Senac.

Na aplicação da Súmula n.º 63 há reconhecimento explícito, pelo STJ, de que uma empresa prestadora de serviços é estabelecimento comercial.

Quando julga o direito destas mesmas empresas prestadora de serviços renovarem compulsoriamente seus contratos de locação, diz o STJ que elas são detentoras de fundo de comércio que, como já se viu, nada mais é do que estabelecimento comercial.

Da análise da jurisprudência acima aludida desponta que academias de ginástica, certamente lançaram mão da tese da sua não-comercialidade e da sua condição de prestadoras de serviços, tendo obtido como resposta a decisão de que são estabelecimentos comerciais porque visam ao auferimento de lucro.

Ora, é exatamente essa a tese que vimos defendendo de há muito: a comercialidade das empresas prestadoras de serviços decorre da sua busca do lucro. E tal tese está, decididamente, encampada pelo Superior Tribunal de Justiça, nas decisões acima destacadas.

Em outras oportunidades O Superior Tribunal de Justiça, ainda tratando da obrigação dos estabelecimentos comerciais pagarem direitos autorais ao ECAD, já chancelou a comercialidade de outras empresas prestadoras de serviços tais como hotéis e motéis em decisões como as ementadas abaixo:

          "Direitos Autorais. Quarto de Hotel. Precedentes da Segunda Seção.

          1. De acordo com precedente da Segunda Seção, é devida a cobrança de direitos autorais pela retransmissão radiofônica em quartos de hotel, na medida em que integra o conjunto de serviços oferecidos pelo estabelecimento comercial hoteleiro a seus hóspedes.

          2. Recurso especial não conhecido."

          RECURSO ESPECIAL Nº 161.497-RS – Relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito – 3ª Turma – julgado em 09.03.99 – Publicado no DJ de 26.04.99

          "DIREITO AUTORAL - ECAD – RETRANSMISSÃO RADIOFÔNICA – QUARTO DE MOTEL – EMBARGOS DECLARATÓRIOS – ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – INOCORRÊNCIA – SÚMULA 63/STJ. (grifos nossos)

          I – Após o advento da Constituição de 1988, o ECAD tem legitimidade para propor ação de cobrança de contribuições devidas em razão de direito autoral, independentemente da comprovação da filiação e de autorização dos autores das músicas executadas.

          II – A cobrança de direitos autorais pela retransmissão radiofônica em quartos de motel é devida na medida em que integra o conjunto de serviços oferecidos pelo estabelecimento comercial moteleiro aos seus hóspedes. (Súmula 63/STJ)

          III – O acórdão que entende como protelatório o recurso de declaração deverá explicitar seus fundamentos, sob pena de violação ao art. 538, parágrafo único. Aplicação da multa afastada.

          IV – Recurso conhecido parcialmente e nesta parte provido."

          RECURSO ESPECIAL Nº 140.009/RS – Relator Ministro Waldemar Zveiter – 3ª Turma – julgado em 14.04.98 – publicado no DJ em 01.06.98 (grifos nossos)

Também o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, alterou o conteúdo de seu entendimento, proferindo histórica decisão do seguinte teor:

          "TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O SESC/SENAC. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS MÉDICOS HOSPITALARES. (16)

          1. A empresa prestadora de serviços médicos e hospitalares, em caráter profissional, com fins lucrativos (sociedade civil com fins econômicos), está obrigada a contribuir para o Sesc/Senac, nos termos da legislação de regência, como acontece com as empresas comerciais em sentido estrito.

2. Conquanto a atividade econômica de prestação de serviços vista ao lume da teoria dos atos de comércio, esteja afastada do âmbito do direito comercial, a sua crescente importância econômica tem levado o direito moderno a dar-lhe o mesmo tratamento jurídico reservado para as atividades comerciais típicas.

3. Apelação a que se nega provimento." (grifos nossos)

Não é, então, juridicamente possível, que se instale o caos jurídico pela assunção de duas tese que se excluem mutuamente, isto é, prestadoras de serviços quando se trata da sua obrigação de contribuir para o Sesc e o Senac não são empresas comerciais; as mesmas prestadoras de serviços no entanto, têm a sua comercialidade reconhecida, exatamente pelos mesmos motivos pelos quais o Sesc e o Senac as aponta como estabelecimentos comerciais, quando se trata de renovação compulsória dos seus contratos de locação e quando se trata da sua obrigação de pagar direitos autorais.

Parafraseando-se Shakespeare, há algo de errado no Reino da Dinamarca, que precisa ser consertado urgentemente, sob pena de serem jogados no lixo postulados e princípios de Direito que, ainda hoje, andam sendo ensinados em nossas Faculdades de Direito como base da aplicação desta ciência.

Ou se resolve tal questão, equacionando-se-a de forma irredutível ou se menosprezam ensinamentos, fontes, princípios, dogmas, hermenêutica, cristalizados, na lei, e interpretados para serem afirmados ou negados desprezando-se o que mais interessa: segurança jurídica.

A conclusão que deflui das decisões aqui destacadas é inevitável: não há como se chancelar a vetusta jurisprudência do antigo Tribunal Federal de Recursos, que declara civil a natureza jurídica das sociedades prestadoras de serviços, porque é irrespondível a comercialidade de tais sociedades, não só pela equiparação legal que delas faz a Lei n.º 8.245/91, chancelada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; como, também, em decorrência das próprias disposições da Lei de Registro Público de Empresas Mercantis, a Lei 8.934/94, e seu regulamento o Decreto 1.800/96; bem como é irrefutável, ainda, que são elas consideradas comerciais para fins da aplicação da Súmula n.º 63 daquela Corte, razões pelas quais devem ser consideradas comerciais, também, para fins de sua obrigação de contribuir para o Sesc e para o Senac. Tudo isso torna superada a jurisprudência referida no início deste estudo.


          11. A HISTÓRICA DECISÃO DA MM. JUÍZA ANNA MARIA PIMENTEL DO TRF DA 3ª REGIÃO, NOS AUTOS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO 1999.03.00.007349-5(17)

Ainda que tenha sido reformada por decisão monocrática do juiz-relator que a substituiu no feito, cabe aqui a publicidade e o registro do entendimento esposado pela douta Juíza Anna Maria Pimentel, que se coaduna integralmente com a posição moderna que começa a ser acatada pela Justiça Federal de primeira instância:

          "Em relação à questão de fundo, de acordo com as disposições constitucionais acerca da ordem social, com a nova redação dada pela Emenda no 20 de 15 de dezembro de 1.9~38, a seguridade será financiada por toda a sociedade, mediante recursos provenientes dos orçamentos dos entes políticos e de contribuições sociais, devidas nos termos do art. 195.

Todavia, a própria Carta Magna, em seu art. 240 (Disposições Gerais), cuida de afirmar, igualmente, a existência das contribuições sobre a folha de salários destinadas às entidades privadas, in verbis:

"Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical."

Consoante se vê, a CR/88 impõe a todos os empregadores, indistintamente, o pagamento da contribuição as instituições de auxilio à formação profissional, inclusive, pois, as empresas prestadoras de serviços, dado Que a terminologia "empregadores" abrange a mesma.

Assim, o fato dos Decretos-Leis nos. 8.621 e 9.852/46 aludirem (arts. 4o e 3º, respectivamente) a "estabelecimento comercial" não se revela bastante a excluir as prestadoras de serviço do recolhimento da contribuição tematizada, porquanto, como consabido, a exegese da legislação infraconstitucional deve pautar-se pela estrita obediência aos parâmetros ditados pela Lei Maior.

De toda forma, mesmo se argumentando que as contribuições sociais destinadas ao Sesc e Senac estão sujeitas, apenas, aos estabelecimentos comerciais, enquadrados nas entidades sindicais subordinadas à Confederação Nacional do Comércio, nos moldes dos Decretos-lei no 9.852/46 e 8621/46, evidencia-se que tal entendimento não se coaduna com os conceitos modernos do Direito Comercial.

Deveras, conforme as construções doutrinárias e jurisprudenciais mais recentes, têm-se grande importância assumida pelas prestadoras de serviço no cenário econômico nacional, devem receber tratamento jurídico idêntico àquele atribuído às atividades comerciais.

Lembre-se que as empresas prestadoras de serviços possuem as mesmas obrigações a que se submetem aquelas que se dedicam ao comércio, já que ambas as espécies objetivam o lucro e diferem, na essência, somente Quanto ao tipo de atividade exercida.

Ademais, as prestadoras de serviços devem poder beneficiar-se da aprendizagem proporcionada pelas instituições do Sesc e Senac.

Do até aqui expendido, exsurge a relevância da fundamentação da agravante, a recomendar a suspensividade pretendida.

Com pertinência ao receio de lesão grave e de difícil reparação, este reside nos percalços a serem enfrentados pelo agravante na persecução de seus créditos, caso a final se reconheça a sanidade da contribuição questionada, haja vista não estarem indicadas e qualificadas as múltiplas empresas prestadoras de serviço existentes, representadas pela autora-agravada.

Ante o exposto, preenchidos os requisitos do art. 558, do CPC, defiro o pedido de suspensão da decisão agravada, até julgamento de presente agravo.

Requisitem-se informações, nos termos do artigo 527, 1, do C.P.C..

Intime-se, a agravada, conforme e o disposto no artigo 527, III, do mesmo diploma legal.

São Paulo, 30 de abril de 1999.

ANNAMARIA PIMENTEL Relatora"


          12. DO CONTEÚDO VINCULANTE DA NORMA TRIBUTÁRIA CONSTITUCIONAL

As contribuições sociais integram, insofismavelmente, o Sistema Tributário Nacional, e aquelas devidas pelos empregadores sobre a folha de pagamento, em favor do Sistema "S", encontram matriz constitucional no artigo 240 da Lei Maior.

Assim, e por força do citado artigo 240, todos os empregadores brasileiros são contribuintes do Sistema "S", pouco importa a natureza da atividade por ele desenvolvida, seja ela comercial, industrial, agrícola ou serviço: a contribuição é sempre devida, devendo-se fazer o enquadramento de cada atividade, como contribuinte, na feição da regulamentação existente.

Tais contribuições sociais, estão, portanto vinculadas à atividade empresarial, sendo os empregados beneficiários imediatos de sua arrecadação e as empresas beneficiárias mediatas, sem distinção da atividade exercida. (18)

O artigo 240 da Constituição Federal, que recepcionou expressamente as contribuições devidas ao Sistema S como um todo e, em particular ao Sesc e ao Senac, obriga ao universo de empregadores que, assumindo o risco da produção, admitem empregados.

Efetivamente o preceito constitucional dispõe que as contribuições compulsórias são dos empregadores, da forma seguinte:

"Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviços social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical."

(grifos nossos)

Assim como o Estado através da legislação aqui apontada, criou o Sesc e o Senac para qualificar profissionalmente e valorizar, assistindo, o trabalhador de todos os ramos do comércio, para as demais áreas da economia foram também criadas entidades com o mesmo objetivo, que são:

PARA A INDÚSTRIA

SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA-SESI - criado pelo Decreto-Lei nº 9.403, de 25.06.46.

SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL-SENAI - criado pelo Decreto-Lei nº 4.048 de 22.01.46.

PARA O TRANSPORTE

SERVIÇO SOCIAL DO TRANSPORTE-SEST - criado pelo Decreto-Lei nº 8.706/93.

SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZADO DO TRANSPORTE-SENAT - criado pela Lei nº 8.706/93.

PARA A AGRICULTURA

SERVIÇO SOCIAL RURAL - SSR - criado pela Lei nº 2.613 de 23.09.55.

SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL-SENAR - Lei nº 8.315
de 23.12.91.

PARA AS COOPERATIVAS

SERVIÇO SOCIAL DAS COOPERATIVAS-SESCOOP - Medida Provisória
nº 17.0875, de 13.01.99.

Como se vê, ninguém escapa. Todas as empresas, sejam quais forem suas atividades, concorrem para o desenvolvimento, aprimoramento e qualificação da mão de obra, assim como para a assistência social e valorização do trabalhador através da contribuição para entidade vinculada ao Sistema Sindical a que pertencem.

Se forem empregadoras, as empresas prestadoras de serviços estarão, pois, sujeitas às contribuições devidas ao Sesc e ao Senac, nos termos da regulamentação do dispositivo constitucional supracitado.

E, relativamente às empresas prestadoras de serviços, a regulamentação hoje existente é clara, pois tais empresas, tidas como sociedades civis, estão obrigadas, como já se demonstrou, ao arquivamento de seus atos constitutivos nas Juntas Comerciais, por força do disposto na Lei nº 8.934/94. Mesmo em sede de jurisprudência, ficou demonstrado, no presente trabalho, que empresas prestadoras de serviços são empresas mercantis, logo comer-
ciais.

          Se são empresas mercantis e empregadoras, na forma do art. 240 da CF/88, são contribuintes do Sesc e do Senac, subsumindo-se a tal condição por força do disposto nos Decreto-Lei nº 9.853/46 e do Decreto-Lei nº 8.621/46.

          A desoneração das empresas prestadoras de serviços da contribuição ao Sesc e ao Senac irá gerar um vácuo tanto na aplicação da norma constitucional quanto na da norma infraconstitucional, porquanto o sistema está estabelecido de molde a que cada atividade econômica insira em uma estrutura legal estabelecida e que, em decorrência disto, subsuma-se à condição de contribuinte do sistema em que se enquadrar. Nenhum empregador brasileiro é excepcionado em contribuir para o Sistema S.

A desoneração importará em uma anômala exclusão concedida pelo Poder Judiciário, que fará com que a empresa exonerada deixe de contribuir para quaisquer entidades do sistema estabelecido. Desonerar os prestadores de serviços, pura e simplesmente, de recolher contribuições para o Sistema S é conceder-lhe privilégio não extensivo aos demais empregadores brasileiros, é conceder-lhes imunidade ou isenção não autorizadas pela Constituição Federal ou pela lei. Excluir tão-somente os prestadores de serviço de cumprir suas obrigações previstas no artigo 240 da Constituição Federal é, portanto, inconstitucional.

O que seria lícito aos prestadores de serviço, se entenderem não praticar atividade comercial (o que se admite apenas para argumentar), não é buscar privilégios de desoneração do tributo, mas sim requerer à Justiça uma "reclassificação", ou seja, o reconhecimento de um novo reenquadramento, para que passem a recolher contribuições em favor de outra entidade do Sistema S, como o Senai/Sesi, Sest/Senat ou Senar, caso, exemplificativamente, o prestador de serviços atue na área da indústria, ou do transporte ou na agricultura.

Esta seria a única forma, éticamente aceitável e respaldada constitucionalmente, de se admitir, eventualmente, que certas empresas prestadoras de serviços não contribuam para o Sesc e o Senac. O que não podem é "fugir da raia", deixando de egoisticamente contribuir para entidades que prestam relevantes serviços na área de assistência social e formação profisssional, tornando-se "isentas" ou "imunes", numa espécie de "limbo", enquanto os demais empregadores brasileiros cumprem religiosamente suas obrigações constitucionais, a teor do artigo 240 da Lei Maior. O reenquadramento, este sim, seria faculdade do prestador de serviços que, calcado na Moral, na Lei e na Constituição Federal, buscasse legitimamente contribuir para entidades que estejam vinculadas à sua verdadeira atividade econômica, em substituição aos pagamentos efetuados ao Sesc e ao Senac, por não pertencerem, supostamente, à área comercial.


          13. AS MAIS RECENTES MANIFESTAÇÕES SOBRE O TEMA: OS PARECERES DOS DRS. IVES GANDRA E MARCELO PIMENTEL E O ARTIGO DO DR. HERON ARZUA

Atenta para o fato de que certas decisões adotadas pela Justiça Federal, e, ainda, pelo Superior Tribunal de Justiça, estão ligadas à filiação da magistratura a uma corrente de pensamento que não é predominante na doutrina e discrepa mesmo da própria jurisprudência daquele Tribunal, a Confederação Nacional do Comércio, resolveu solicitar o pronunciamento de dois eminentes mestres do Direito, os Drs. Ives Gandra da Silva Martins e Marcelo Pimentel, os quais proferiram pareceres sobre o tema.

Associando-se à corrente de pensamento que informa a posição por nós assumida em defesa da tese da obrigatoriedade da contribuição das prestadoras de serviços ao Sesc e ao Senac, o acatado tributarista Heron Arzua escreveu artigo assaz ilustrativo, publicado na Revista Dialética de Direito Tributário n.º 55, páginas 78 a 84, onde conclui pela convicção de que são aquelas empresas obrigadas à contribuição ao Sesc e ao Senac.

É com grande satisfação que constatamos, também, naqueles pareceres a chancela e a assunção de posições doutrinárias que respaldam as insistentes contestações às pretensões das empresas prestadoras de serviços junto ao Poder Judiciário.

Com efeito, afirmam aqueles juristas que o artigo 240 da Constituição Federal não só recepcionou como, também, constitucionalizou as contribuições compulsórias dos empregadores ao Sesc e ao Senac, tornando-os, todos, obrigados ao pagamento de tais contribuições, em decorrência da sua condição de empregadores.

Admitem aqueles ilustres juristas que o artigo 577 da CLT está, ao contrário do que entendem alguns, plenamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Lecionam, Ives Gandra e Heron Arzua, este último invocando o eminente Professor Bernardo Ribeiro de Moares, que ao contrário do que alardeiam as prestadoras de serviços o fato de sobre suas operações incidir o ISS não constitui diferencial de espécie alguma, já que "do ponto de vista da legislação tributária, a prestação de serviços tem sido assimilada a UMA VENDA DE BENS IMATERIAIS, COMO ATIVIDADE ABSOLUTAMENTE AFIM À ATIVIDADE DE VENDAS DE BENS MATERIAIS (MERCADORIAS)." (grifos nossos)

Indispensável, aqui, nos reportarmos, mais uma vez, ao magistério sempre atual de CARVALHO DE MENDONÇA: serviços são objeto de venda e, portanto, seus prestadores nada mais são do que VENDEDORES DE SERVIÇOS.


14. NOVAS DECISÕES DE PRIMEIRA INSTÂNCIA ACERCA DO TEMA

Cabe ressaltar aqui o entendimento esposado por alguns magistrados da Justiça Federal que, em demonstração de renovado entendimento, têm acatado argumentos por nos defendidos, tais como a comercialidade da empresas prestadoras de serviços a partir da admissão da superação da "Teoria dos atos de Comércio" pela "Teoria da Empresa".

Veja-se, por exemplo, a fundamentação lançada pelo ilustre Juiz Mark Yashida Brandão, da 15ª Vara Federal de Belo Horizonte, que julgando improcedente ação ordinária, intentada pela prestadora de serviços Conservadora Universo Ltda. contra o Sesc, o Senac e o INSS, nos auto do processo 99.24311-8, assim se pronunciou:

"A exigência de recolhimento das contribuições de que aqui tratamos tem sede constitucional.

Com efeito, lemos no artigo 240 da CF/88:

"Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical."

Frise-se que o constituinte, ao referir-se às contribuições, fê-lo valendo-se da expressão "empregadores". Não apontou ou excluiu tal ou qual categoria de empregadores, determinando, inequivocamente, que todos os empregadores, indistintamente, deveriam recolher o tributo. (grifos do original)

Deste modo, mesmo que a interpretação dada à expressão "estabelecimentos comerciais", trazida pelo Decreto-Lei 8.621/46, fosse a mais estrita e literal possível – o que a seguir analisaremos – a Autora não poderia eximir-se do pagamento da contribuição a todos imposto por força do superior comando constitucional.

A outro destino não nos conduz o caminho da hermenêutica do dispositivo do decreto-lei tantas vezes citado pela Autora. É sabido que o intérprete jurídico deve procurar, quando do exercício da interpretação, conduzir seus pronunciamentos de modo a acompanhar as modificações ocorridas no tempo e espaço em que inseridas, sob pena de se distanciar da realidade e provocar injustiças sob manto da legalidade.

O conceito de atividade comercial como sendo intermediação na troca de há muito resta ultrapassado, não atendendo aos anseios do instituto, sabido que atualmente inúmeras outras empresas exercitam atividades que devem, atento ao princípio da isonomia, serem enquadradas como comerciais.

Daí o surgimento da teoria da empresa para caracterizar a atividade comercial.

Segundo Fran Martins, Curso de Direito Comercial, Forense, 12ª edição, pág. 28:

"Modernamente toma vulto a corrente que considera o direito mercantil como o direito que regula a atividade das empresas. Parte essa teoria do princípio de que a idéia do direito comercial como direito dos comerciantes foi superada, pelo crescimento de seu campo de ação, não se podendo, também, basear o direito mercantil no ato de comércio isolado. Caracteriza a profissão comercial, segundo essa orientação, a repetição de atos ou a prática de atos em massa; e para a prática desses atos necessário é que exista uma organização adequada, e esta organização se chama empresa."

Entendo que, com o desenvolvimento das relações de negócios, a interpretação do conceito de atividade comercial deve ser efetivado à luz da teoria supramencionada.

De fato, com o crescimento do setor de serviços, fenômeno que é decorrência necessária de uma economia em desenvolvimento, não há como deixar à margem da legislação comercial um sem-número de empresas que se dedicam à prestação de serviços, fechando os olhos à realidade.

Vê-se que, tal como aquelas que intermediam a troca de mercadorias strictu senso, as prestadoras de serviços têm em mira a obtenção do lucro. Não há porque distinguí-las."

No mesmo diapasão, traz-se à colação o pronunciamento do ilustre Juiz Sérgio Santos Melo, da 21ª Vara Federal de Belo Horizonte, que denegando a segurança em mandado impetrado por Pré-vestibular Pitágoras Sociedade Ltda. e outros, ainda contra o Sesc, o Senac e o INSS, assim fundamentou sua decisão:

"Assim, expurgada essa condicionante, a quaestio juris no presente caso resume-se a identificar as empresas que devem ser consideradas comerciais para fins de recolhimento das contribuições instituídas em favor do Sesc e do Senac.

É inegável que o sistema comercial brasileiro, inspirado no ordenamento francês, sempre incorporou a denominada "teoria dos atos do comércio", como critério para distinguir a incidência do direito comercial.

De acordo com essa teoria, a atividade de prestação de serviços estaria afastada do âmbito do direito comercial...

De fato, essa antiga conceituação vem sendo sistematicamente desprestigiada pela doutrina tendo em vista a sua insuficiência em agasalhar as modernas relações econômicas que se multiplicam dia após dia. Assim, se até a algum tempo a mercancia era a atividade que, por excelência, tinha no seu aspecto de circulação de bens a mola mestra da economia – em conjunto com as atividades industrial e agropecuária – hoje, o setor terciário, ou seja, a prestação de serviços é responsável por imensa parcela da atividade econômica de um país. Não se pode, por isso mesmo, encará-la utilizando-se os mesmos dogmas e conceitos firmados em um contexto não mais existente.

Na verdade, pela teoria da empresa – a qual adoto – a proximidade entre as sociedades comercial e civil se revela na presença do elemento lucro – como é o caso das Impetrantes e da maioria das empresas prestadoras de serviços – assemelham-se, a meu ver, muito mais à concepção ampla de atividade comercial do que à velha formula adotada pelo direito privado quando do surgimento do Código Comercial (1.850) e mesmo do Código Civil (1.916).

A evolução do pensamento para essa direção tem sido observada nas inúmeras disposições legais que cada vez mais tendem a dispensar o mesmo tratamento jurídico à sociedades comerciais típicas e às prestadoras de serviços que visem o lucro."

Percebe-se, assim, que não estamos mais, como João Batista, pregando sozinhos no deserto. Pelo contrário, há uma audiência atenta aos novos tempos, sensível à realidade fática e ilustrada pelas mais modernas concepções jurídicas que está mostrando ser capaz de atuar segundo o novo que não para de surgir e sobrepujar concepções construídas sob bases distorcidas e que têm se revelado impróprias para propiciar solução a situações fáticas que reclamam, sobretudo, entendimento renovado, consentâneo com a realidade jurídico-legal que vivemos.


15. CONCLUSÃO

Defrontamo-nos com a irrefutável atualidade, do artigo 577 da CLT, reafirmada pelo STF e pelo TST e com inteira força vinculante para manter intacta a estrutura integrada pelas categorias econômicas, criando os planos sindicais previstos naquele diploma legal, cada um capitaneado por uma Confederação Sindical específica.

Observa-se, ainda, pelo mesmo angulo que as disposições legais apontam para a comercialidade das empresas prestadoras de serviços a partir de sua inserção no plano sindical da Confederação Nacional do Comércio, como, também, pelo reconhecimento da sua comercialidade a partir da sua busca do lucro.

A idéia matriz, a idéia fundamental que preside a obrigatoriedade pelas empresas prestadoras de serviço, de contribuírem para o Sesc e o Senac advém dos termos claros e expressos da legislação daquelas entidades (Decretos-Leis nºs 8.621/46 e 9.853/46), que estabeleceu, no dizer lúcido do Prof. José Washington Coelho, um "mapeamento geográfico", com plena identificação das categorias econômicas e grupos correspondentes a cada plano de atividade. Comércio é toda atividade classificada no plano ou mapa correspondente à Confederação Nacional do Comércio-CNC. Se empresas prestadoras de serviço, com intuito de lucro (e que, portanto, vendem serviços) não fossem comerciais (o que se admite por amor a argumentação), ainda assim o seriam, por ficção legal, para fins de contribuir para o Sesc e o Senac.

Por outro lado, seria ilógico e até absurdo e contraditório aceitar-se que a Lei admitisse que empresas comerciais expressamente enquadradas no plano da CNC (órgão máximo de representatividade sindical do comércio), a teor do quadro de atividades do artigo 577 da CLT, não fossem comerciais. A boa hermenêutica, que não exigiria mais do que a mera interpretação literal neste caso, cederia à pura teratologia jurídica. Os tribunais não podem dizer que não é comércio aquilo que a "lei quis que fosse", ao menos para gerar obrigação tributária de contribuição social, com perfeita identificação de seus sujeitos passivos.

Por outro lado e, sem sombra de dúvida, não se pode mais deixar à margem da abrangência do conceito de empresa mercantil as empresas prestadoras de serviços, porquanto quer se analise a questão sob o prisma dos fatos, da lei, da doutrina ou da jurisprudência, é inegável o avassalador avanço da teoria da empresa, demonstradamente admitida por estas fontes do Direito.

Examinada a questão sob o ponto de vista do confronto entre o Direito Civil e o Direito Comercial, torna-se óbvia a confusão que sempre foi feita entre a atividade de prestação de serviços desenvolvida sob o pálio do contrato de prestação pessoal de serviços e a intermediação feita por uma empresa prestadora de serviços que se dedica a recrutar mão-de-obra para disponibilizá-la aos tomadores de seus serviços

A prestação pessoal de serviços, tem sido, em virtude sua histórica regulamentação originária do Direito Civil, considerada como atividade civil, entendimento que se consolidou a partir de sua regulamentação pelo nosso Código Civil e que foi erroneamente estendido à prestação de serviços pelas empresas.

O que o Código Civil regulou, contudo, foi a prestação pessoal de serviços e não a atividade de uma empresa com a mesma finalidade. O equívoco, no entanto, persistiu.

Observe-se que a locação de serviços realizada por uma empresa, porém, será sempre mercantil, jamais civil, em face do que dispõe mesmo o artigo 226 do Código Comercial, in verbis:

          "A locação mercantil é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a dar à outra por determinado tempo e preço certo, o uso de alguma coisa ou de seu trabalho.

          O que dá a coisa ou presta serviço chama-se locador, e o que toma ou aceita o serviço locatário." (grifos nossos)

Tendo-se em vista a existência, desde 1943, de uma regulamentação da CLT para a prestação pessoal de serviços sob subordinação jurídica, a disciplina do Código Civil só seria aplicável às relações autônomas ou liberais, restando à disciplina do Código Comercial regular apenas as relações originárias dos contratos de locação de serviços firmados pelas empresas prestadoras de serviços, tidas por aquele diploma legal como mercantis, já que essas empresas disponibilizam mão-de-obra em benefício do tomador do serviço, mas de forma interposta, a exemplo do que faz o comerciante com suas mercadorias.

Conclui-se, pois, que locação mercantil é contrato pelo qual uma prestadora de serviços é obrigada a disponibilizar, o trabalho de alguém (seus empregados), ou alguma coisa (bens), para os tomadores de seus serviços, por determinado tempo; sendo considerado prestador de serviço, neste caso, a empresa e não a mão-de-obra por ela intermediada ou os bens por ela disponibilizados.

Conclui-se, ainda, pela improcedência dos argumentos daqueles que pretendem ser civis as empresas prestadoras de serviços, superada que está a "teoria dos atos de comércio", que não é mais defendidapor ninguém, pela "teoria da empresa", isto desde o clássico Carvalho de Mendonça até Waldemar Ferreira, Rubens Requião, Fran Martins, Waldírio Bulgarelli, Willie Duarte Costa, na doutrina nacional e Alfredo Rocco, na Itália e Gaston Lagarde, na França.

Sob a ótica do Direito Constitucional Tributário encontra-se respaldo para afirmar que a obrigação da contribuição é de todos os empregadores, razão pela qual não há, sequer, possibilidade jurídica de atendimento à pretensão das empresas prestadoras de serviços de deixarem de contribuir para as entidades de formação profissional e de assistência social vinculadas ao sistema sindical. A desoneração pura e simples do prestador de serviços em relação à sua obrigação tributária, passando a não contribuir para nenhuma das entidades mencionadas no artigo 240 da Constituição Federal, representa a concessão de uma intolerável liberalidade, por força de uma "imunidade" ou "isenção", anômalas e flagrantemente inconstitucionais.

Analisando-se a situação daquelas empresas em face da lei da doutrina e da jurisprudência, não há como se deixar de concluir que, por amor ao direito, as mesmas razões que as levam a beneficiarem-se de uma renovação locatícia, por exemplo, ou as mesmas razões que as fazem sujeitarem-se à obrigatoriedade de pagarem direitos autorais ou à Lei de Falências, indiscutivelmente aplicável somente aos comerciantes, devem ser suficientes para que delas se exija a contribuição compulsória em favor do Sesc e do Senac.

Em suma, lei, doutrina e jurisprudência apontam em sentido contrário àquele para o qual pretendem caminhar as empresas prestadoras de serviços que, definitivamente, e para todos os efeitos, inclusive para os de contribuição ao Sesc e ao Senac, são empresas comerciais.


NOTAS

  1. Brasil. Tribunal Federal de Recursos. 6ª turma. Tributário. Contribuições. Sesc. Senac. Apelação Cível nº 140.655-AL. Relator: Ministro Carlos Mário Velloso. 23 de novembro de 1988. Unânime. (s.l.: s.n.).
  2. VELOSO, Carlos Mário. Curso de Direito Civil Brasileiro. [São Paulo]: Saraiva, s.d. v.1:– Teoria do Direito Civil (Cursode Direito Civil Brasileiro) - 1º vol. - Teoria do Direito Civil.
  3. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Dissídio Coletivo. Recurso Ordinário nº 0004602/90. Acórdão nº 0000073. Relator: Ministro Norberto Silveira de Souza. 12.02.91. Diário da Justiça, Brasília, 17.05.91.
  4. SILVA, Antônio Álvares da. Direito Coletivo do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p.141-143.
  5. REVISTA DE DIREITO MERCANTIL. São Paulo : RT, n 47, jul./set. 1982. p.28.
  6. CRISTIANO, Romano. A Empresa Individual e a Personalidade Jurídica. São Paulo : RT, 1977.
  7. CRISTIANO, Romano. Elementos característicos da atividade comercial. Informativo Dinâmico IOB, nº 90 p.1581
    ____.____. Informativo Dinâmico IOB nº 100, p. 1586
  8. Rubens Requião ob. cit., p. 36.
  9. Citação apud Rubens Requião, ob. cit. p.35/36.
  10. Confira Rubens Requião, ob. cit. p. 36/37.
  11. SANTOS, Theóphilo Azeredo. A Comercialidade das Sociedades de Objeto Civil, fins econômicos e lucrativos. Carta Mensal. Rio de Janeiro : CNC, nº 41, p. 41-47
  12. ENCICLOPÉDIA Saraiva. São Paulo : Saraiva, 1978. v.9.
  13. MENDONÇA, José Xavier Carvalho de.. 4.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945, v.1. Tratado de direito comercial brasileiro.
  14. OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de: Desenvolvimento da teoria da empresa - fim da distinção entre sociedades civis e comerciais. Boletim Legislativo ADCOAS, São Paulo, nº 4, p.142 - 142,1997.
  15. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6. turma. Locação. Prestadora de Serviços. Atividade relativa a transporte. Ação Renovatória. Recurso Especial nº 27.912-8/RJ. Dec. 24150/34. Possibilidade. Relator : Ministro Vicente Leal. [s.d.]. Diário da Justiça, Brasília, 24.04.1995.
  16. AMS 1998.01.00.054437-7/AM; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA, RELATOR: JUIZ OLINDO MENEZES, 3ª T., DJ 25.06.1999; PÁG 150.
  17. Revista Dialética de Direito Tributário – Volume 49 – Outubro 1999 – pág. 187
  18. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13 ed., São Paulo: Malheiros, s.d.p. 307-310).

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIMENTEL, Dolimar Toledo. A obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço contribuírem para o SESC e o SENAC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1422. Acesso em: 24 abr. 2024.