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Considerações acerca da súmula impeditiva de apelação (art. 518, § 1º, CPC)

Considerações acerca da súmula impeditiva de apelação (art. 518, § 1º, CPC)

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O novo instituto torna inadmissível o recurso de apelação contra sentença proferida em consonância com entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

"Misoneísmo e idealismo são excludentes, portanto mãos à obra, porque só a boa vontade de fazer o melhor é capaz de produzir verdadeiros milagres e, a humanização da Justiça passa inexoravelmente pelo uso da nossa melhor parte – a inteligência de cada um." (Ministra Fátima Nancy Andrighi).

RESUMO

A presente monografia trata da Súmula Impeditiva de Recursos, mais precisamente denominada de Súmula Impeditiva de Apelação, introduzida no nosso ordenamento jurídico através da Lei Federal nº 11.276, de 07 de fevereiro de 2006, a qual torna inadmissível o recurso de apelação contra sentença proferida em consonância com entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Inicia-se o estudo com uma abordagem sobre a teoria geral dos recursos, onde são tratados assuntos relevantes ao tema proposto, como o duplo grau de jurisdição, juízo de admissibilidade e de mérito, bem como os efeitos gerados com a interposição de recursos. Na sequência, suscita a tão propalada morosidade processual/recursal como uma das principais causas da incredibilidade no Poder Judiciário e, em seguida, trata da solução atualmente encontrada pelos doutrinadores e legisladores, que é a tendência de vinculação das decisões e das súmulas, da qual decorre o tema deste trabalho, que, apesar de não dispor expressamente o seu efeito vinculativo, confere valorização às decisões proferidas de acordo com as súmulas dos Tribunais Superiores. O presente estudo pretende demonstrar que a nova redação do art. 518, § 1º, do CPC, não é capaz de impedir os recursos procrastinatórios e nem de conferir maior efetividade às decisões de primeiro grau, objetivos ensejadores de sua criação, mas que, se utilizada por bons profissionais, compromissados com a concretização do direito, não deixa de ser mais uma ferramenta em prol da celeridade e da efetividade processual, tão desejada por todos nós.

PALAVRAS-CHAVE: Apelação. Celeridade. Efetividade. Morosidade. Recursos. Súmula Impeditiva. Vinculação.

ABSTRACT

The present monograph deals with the Impeditive Abridgement of Resources, more necessarily called of Impeditive Abridgement of Appeal, introduced in our legal system through the Federal Law nº 11,276, of 07 of February of 2006, which becomes inadmissible the appeal to the mertis of the case against sentence pronounced in accord with sumulado agreement of the Superior Court of Justice or the Supreme Federal Court. The study with a boarding is initiated on the general theory of the resources, where excellent subjects to the considered subject are treated, as the double degree of jurisdiction, judgment of admissibilidade and merit, as well as the effect generated with the interposition of resources. In the sequência, it excites so divulged recursal procedural morosidade/as one of the main causes of the incredibilidade in Judiciary Power e, after that, deals with the currently joined solution for the doutrinadores and legislators, who are the trend of entailing of the decisions and the abridgements, of which the subject of this work elapses, that, although not to make use its vinculativo effect express, it confers valuation to the pronounced decisions in accordance with the abridgements of the Superior Courts. The present study it intends to demonstrate that the new writing of art. 518, § 1º, of the CPC, are not capable to hinder the procrastinatórios resources and nor to confer greater effectiveness to the decisions of first degree, objectives ensejadores of its creation, but that, if used for good professionals, compromissados with the concretion of the right, it does not leave of being plus a tool in favor of the celeridade and of the procedural effectiveness, so desired for all we.

KEYWORDS: Appeal. Celeridade. Effectiveness. Morosidade. Resources. Impeditive abridgement. Entailing.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.1 TEORIA GERAL DOS RECURSOS. 1.1 Conceito. 1.2 Duplo Grau de Jurisdição. 1.3 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito do Recurso. 1.4 Efeitos dos Recursos. 1.4.1 Impedimento ao Trânsito em Julgado. 1.4.2 Efeito Devolutivo. 1.4.3 Efeito Suspensivo. 1.4.4 Efeito Translativo. 1.4.5 Efeito Regressivo. 1.4.6 Efeito Expansivo. 1.4.7 Efeito Substitutivo. 2 RECURSO E MOROSIDADE PROCESSUAL. 3 TENDÊNCIA DE VINCULAÇÃO DAS DECISÕES E AS SÚMULAS COMO SOLUÇÃO PARA A MOROSIDADE PROCESSUAL. 4 SÚMULA IMPEDITIVA DE APELAÇÃO (ART. 518, § 1º, DO CPC) . CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Este é um trabalho monográfico que busca analisar o novo instrumento processual previsto no art. 518, § 1.º, do CPC, introduzido pela Lei Federal n.º 11.276, de 07 de fevereiro de 2006. Trata-se da Súmula Impeditiva de Recursos ou, para ser mais precisa, Súmula Impeditiva de Apelação, já que é restrita a este tipo de recurso, e surgiu no nosso ordenamento jurídico com o escopo de aprimorar e agilizar a prestação jurisdicional, através de uma maior efetivação das decisões de primeiro grau e da tentativa de impedir recursos meramente protelatórios. Consiste em mudança no juízo de admissibilidade efetuado pelo magistrado de primeiro grau, que não receberá o recurso de apelação quando a decisão impugnada estiver em consonância com súmula dos Tribunais Superiores.

Desenvolvido pelos princípios do método dedutivo, ou seja, mediante a utilização de premissas verdadeiras que devem gerar uma conclusão também verdadeira, o presente trabalho foi elaborado através de pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais.

O estudo faz uma abordagem acerca da teoria geral dos recursos, com ênfase em tópicos relevantes para o tema principal, tais como a natureza do duplo grau de jurisdição, os juízos de admissibilidade e de mérito e efeitos dos recursos. A partir dessa contextualização, passa-se à análise da morosidade recursal e da solução atualmente encontrada por nossos doutrinadores e legisladores, que é a tendência de vinculação das decisões dos Tribunais Superiores, desaguando na Súmula Impeditiva de Apelação, que é mais um dispositivo decorrente dessa tendência vinculativa.

A presente monografia pretende suscitar alguns pontos polêmicos da reforma do Poder Judiciário, empenhada com a adoção de medidas para uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente. A realidade retrata que os tribunais pátrios se encontram abarrotados de recursos, reflexo da falta de estrutura necessária para acompanhar a nossa Constituição Cidadã, que prevê inúmeros direitos e garantias, não poucas vezes desrespeitados, restando ao jurisdicionado bater às portas do Poder Judiciário, em busca da concretização de seus direitos. O que ocorre, no entanto, é uma demasiada demora na resposta jurisdicional, gerando o descrédito hoje vivido pelo Poder Judiciário.

A reforma surge nesse contexto fático e, no afã de dar uma reviravolta nessa situação, o legislador começa a agir de forma e com o desejo de que os resultados cheguem com a mesma velocidade que o aumento da demanda recursal nos tribunais. Esquece-se, no entanto, de que aquela falta de estrutura antes falada não é tão simples de ser resolvida, pois exige não só verdadeiras mudanças legislativas, mas, principalmente, culturais. A Súmula Impeditiva de Apelação é uma dessas reações imediatas e, como tal, merece uma análise mais acurada, especialmente no tocante à sua compatibilidade com o nosso sistema jurídico (civil law), à observância das garantias constitucionais e, finalmente, à sua utilidade prática, que são apenas alguns dos pontos polêmicos apontados nesta monografia.

Justifica o presente trabalho a preocupação com a morosidade processual/recursal e a forma como vem se tentando extirpá-la da nossa realidade. Sem qualquer sombra de dúvida, a lentidão é o mal maior do Poder Judiciário e não é um problema exclusivamente brasileiro. A celeridade é elemento essencial à efetividade do direito, mas nem sempre se pode afirmar que a resposta rápida efetiva a concretização do direito.

Vislumbra-se uma inquietação, que não é tão recente, com o grande número de processos/recursos em tramitação em todo o país, havendo uma mobilização no sentido de reduzir os quantitativos expressos nas estatísticas. Nessa diretriz, o CNJ - Conselho Nacional de Justiça, órgão criado com a finalidade de controlar e aperfeiçoar o serviço público de prestação da Justiça, tem adotado a implementação de metas para o Poder Judiciário nacional, tal como a denominada Meta 2, em que é pretendido o julgamento, até o final do ano em curso, de todos os processos/recursos distribuídos até 31 de dezembro de 2005. Não deixa de ser uma tentativa de empreender celeridade aos feitos, mas será que esta "celeridade" vem trazendo respostas efetivas? Por outro lado, não se vê qualquer campanha pela qualidade das decisões. E, para tanto, elas não precisam ser lentas.

A realidade brasileira presencia uma cultura recursal, onde parece que uma única resposta não tem validade, mas apenas se esta for confirmada e reconfirmada. Há uma desvalorização do juiz de primeiro grau, visto como incapaz de afirmar a resposta correta da questão. E isto é fruto da nossa legislação, que permite essa eterna "dúvida" do jurisdicionado e, por conseguinte, a eternização do conflito, resultando nessa atual incredibilidade no Poder Judiciário. Assim sendo, a solução encontrada, e até coerente com o nosso sistema irracional de recursos, é a vinculação das decisões dos Tribunais Superiores. Se o magistrado de primeiro grau não merece confiança, que ele seja obrigado/seduzido a seguir a orientação dos Tribunais Superiores.

A Súmula Impeditiva de Apelação não obriga o magistrado a julgar de acordo com o entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores, mas se assim o fizer, não receberá eventual recurso de apelação. A medida é interessante, já que não é razoável que se permita um recurso referente à questão de entendimento já pacificado e que está fadado a ser improvido, servindo apenas para adiar a concretização do direito de quem tem razão. No entanto, a decisão que inadmitir o processamento da apelação pode ser atacada através de agravo de instrumento.

Diante de todo esse contexto, este trabalho busca trazer elementos para identificar se realmente a Súmula Impeditiva de Apelação alcançará seu objetivo maior de reduzir a demanda recursal e se pode ser considerada como medida eficaz para garantir a concretização do direito.

Sem a pretensão de esgotar o tema, em face de sua complexidade, fazemos votos de que o presente estudo alcance seu objetivo essencial, que é contribuir para as discussões em prol de um processo mais célere e eficaz.


1 TEORIA GERAL DOS RECURSOS

A insatisfação em face de uma decisão desfavorável é algo natural e até mesmo instintivo, decorrendo da própria natureza humana. Diante disso, os sistemas processuais oferecem formas de impugnação para reexame das decisões proferidas, objetivando sua reforma, invalidação, esclarecimento ou integração.

Apesar de todos os meios de impugnação terem como objetivo a revisão dos atos judiciais, nem toda impugnação pode ser caracterizada como recurso. Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 636) faz a diferenciação, caracterizando o recurso como o meio idôneo para reexame da decisão dentro do mesmo processo em que foi exarada. No mesmo sentido, Marinoni e Arenhart (2007, p. 499) definem os recursos como os meios de impugnação de decisões judiciais, voluntários, internos à relação processual em que se insere a decisão atacada, aptos a obter desta a anulação, reforma ou aprimoramento. Já as demais formas de impugnação, também chamadas de sucedâneos recursais, constituem ação própria, ensejando um novo processo. Didier Jr. e Cunha (2009, p. 27) diferem a ação autônoma de impugnação do sucedâneo recursal, entendendo este como categoria que não é recurso e nem ação autônoma, tais como pedido de reconsideração, pedido de suspensão da segurança, remessa necessária e correição parcial. Como exemplo de ação autônoma de impugnação, tem-se o mandado de segurança, os embargos de terceiro, embargos do executado e a ação rescisória. Importante que não se confunda novo processo com autos apartados. Alexandre Freitas Câmara (2006, p. 56) lembra bem a existência do agravo de instrumento, que é formado em autos separados, mas não perde sua natureza de recurso, uma vez que não enseja um novo processo, mas apenas um desdobramento do procedimento, que prosseguirá simultaneamente no juízo de primeiro grau e no tribunal.

Pode-se, portanto, delinear como características principais do recurso a voluntariedade, a ocorrência dentro da mesma relação processual em que foi proferida a decisão guerreada e a possibilidade de revisão do ato judicial.

Nesse contexto, vislumbra-se que o reexame necessário previsto no art. 475 do CPC não possui a natureza de recurso, em face da ausência da voluntariedade. Trata-se de condição de eficácia da sentença nos casos ali previstos, obrigatória por disposição legal, o que descaracteriza por completo sua natureza recursal.

Outro aspecto importante a ser analisado no recurso é o resultado buscado pela parte, que pode ser a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão atacada.

Caso o interessado vislumbre a existência de um erro de julgamento (error in iudicando), onde houve uma declaração equivocada da vontade da lei (seja ela norma de direito material ou processual), o objeto do recurso será a reforma da decisão. Ocorrendo a hipótese do chamado error in procedendo, onde o ato impugnado evidencia um vício formal, o objeto do recurso será a nulidade da decisão. Pode acontecer também da decisão impugnada necessitar apenas de um esclarecimento do julgador, que deverá reexprimir sua afirmação de forma mais clara. O objeto do recurso não é a reapreciação do julgamento, mas apenas seu esclarecimento. Por fim, pode ser pretendida a integração da decisão. Neste caso, o julgador deixou de apreciar alguma questão levada ao feito, devendo reabrir sua atividade decisória para concluir o provimento jurisdicional.

Barbosa Moreira apud Sérgio Baalbaki [01], sintetiza o conceito de recurso com muita maestria como sendo "remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna."

1.2 Duplo Grau de Jurisdição

Intrinsecamente ligado ao instituto do recurso, o duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade da decisão ser reapreciada por juízo diverso.

A grande celeuma que envolve o assunto é se este duplo grau é uma garantia constitucional e se é realmente necessário para uma boa prestação jurisdicional.

Compreender o duplo grau de jurisdição como garantia constitucional é afirmar que se trata de algo absoluto, que não pode ser dispensado em nenhuma hipótese. Reconhecendo-o como princípio, há a possibilidade de seu confronto com outros princípios, afastando seu caráter absoluto.

A previsão do duplo grau de jurisdição é algo bastante claro, apesar de não expresso, já que se atribui aos tribunais a dupla função de apreciação de causas originárias e em grau de recurso, o que não implica dizer que sua aplicação é ilimitada, podendo ser restringida através de legislação infraconstitucional.

O art. 5.º, LV, da CF/88 dispõe que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Numa leitura mais apressada, poderia se pensar numa relação de dependência entre o devido processo legal e o duplo grau de jurisdição. No entanto, não é necessário o duplo grau de jurisdição para que reste assegurado o devido processo legal.

Os principais argumentos favoráveis ao duplo juízo são: necessidade de controle da atividade do juiz de primeiro grau; a maior experiência dos magistrados de segundo grau; a influência psicológica sofrida pelo julgador quando sabe que sua decisão poderá ser revista; e, segundo Cintra; Grinover e Dinamarco (1995, p. 75), o principal e mais forte motivo seria de cunho político, no sentido de que o Poder Judiciário, de menor representatividade, já que seus membros não são escolhidos pelo povo, necessita de um controle interno maior sobre suas decisões.

Já a corrente contrária afirma que os juízes de segundo grau também são passíveis de erros; que o recurso se torna inútil quando confirma a decisão atacada; que a reforma da decisão ocasiona incerteza e desprestígio do Poder Judiciário, pois revela a divergência de interpretação; que tal princípio ofende os princípios da oralidade e da celeridade processual, além de revelar a desconfiança do juiz de primeiro grau.

O argumento de que o duplo grau de jurisdição controla a atividade do juiz funda-se na concepção de que há uma subordinação entre os juízes de primeiro e segundo grau e não uma subordinação de todos à aplicação da lei. No entanto, o recurso tem a função de controlar a justiça da decisão, permitindo uma revisão do julgado, e não verificar se a atividade do juiz é lícita ou não, cabendo isto aos órgãos corregedores existentes.

A experiência dos magistrados de segundo grau também não justifica a desconfiança do juiz de instância inferior. Este tem melhores condições de ditar uma decisão mais adequada, visto que está mais próximo da realidade, em contato direto com as provas e as partes, em total sintonia com os benefícios do princípio da oralidade. Achar também que o magistrado fará uma decisão de melhor qualidade só porque esta pode ser revista é outra grande desvalorização do juiz de primeiro grau. Este deve estar preparado para assumir a responsabilidade do cargo que ocupa e para exercer suas funções com o zelo e o conhecimento necessários à efetividade da prestação jurisdicional.

Marinoni e Arenhart (2007, p. 497) concluem afirmando que o legislador infraconstitucional pode dispensar a dupla revisão ao mérito, principalmente porque a Constituição Federal garante a todos o direito à tutela jurisdicional tempestiva, o que não pode ser desconsiderado para garantir a segurança da parte através do duplo grau de jurisdição.

1.3 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito do Recurso

O julgamento dos recursos processa-se através de duas fases: o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito. No juízo de admissibilidade, como o próprio nome já sugere, o magistrado verifica a possibilidade de exame do pedido, ou seja, se presentes as condições legais para apreciação da postulação recursal, decidindo se o mérito do recurso será ou não examinado. Em regra [02], os recursos são interpostos perante o juízo prolator da decisão atacada, que terá duas oportunidades para verificar a admissibilidade do recurso: no momento da sua interposição e após o oferecimento das contra-razões do recorrido. Reconhecida a presença dos requisitos de admissibilidade pelo juízo a quo, o recurso é encaminhado ao órgão ad quem, onde o relator exerce um terceiro juízo de admissibilidade. Caso positivo, é dado seguimento ao recurso e, por ocasião da sessão de julgamento, passa a peça recursal pela quarta e última apreciação de juízo de admissibilidade.

Ultrapassada tal fase e reconhecendo o órgão julgador a admissibilidade do recurso, passa-se ao chamado juízo de mérito recursal, onde será apreciada a pretensão do recorrente.

Importante frisar que não sendo reconhecida a presença dos requisitos de admissibilidade pelo juízo a quo, sempre caberá recurso contra tal decisão.

A distinção entre tais juízos (admissibilidade e mérito) ganha fundamental importância para verificação do momento da formação da coisa julgada. Não sendo admitido o recurso (negado o juízo de admissibilidade), reconhece-se que a decisão não admitia impugnação e, por conseguinte, o trânsito em julgado ocorre no momento em que se tornou irrecorrível a decisão e não após o julgamento do recurso. Isto influi para o início da contagem do prazo para ajuizamento de ação rescisória. Ainda para fins de ação rescisória, caso admitido o recurso e, portanto, julgado seu mérito, é a decisão do recurso e não a decisão guerreada que poderá ser rescindida. Caso contrário (não admitido o recurso), a eventual ação rescisória atacará aquela primeira decisão e não a proferida em grau de recurso. Isto é de fundamental importância para reconhecimento da competência recursal.

Os requisitos de admissibilidade do recurso são classificados em requisitos intrínsecos (relacionados ao direito de recorrer) e requisitos extrínsecos (relacionados ao exercício de tal direito). Os requisitos intrínsecos são: cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer; já os extrínsecos são: preparo, tempestividade e regularidade formal. Vejamos de forma sucinta cada um desses requisitos.

Inicialmente, há de se analisar se a decisão impugnada é passível de recurso e se o recurso utilizado é o adequado para atacar a decisão. Há três princípios dos recursos relacionados a este requisito (cabimento): princípio da fungibilidade, onde é permitida a conversão de um recurso em outro, desde que não exista erro grosseiro e não tenha decorrido o prazo para interposição do recurso adequado; princípio da unicidade, unirrecorribilidade ou singularidade, que considera a existência de um único recurso para cada caso; e o princípio da taxatividade, que admite como recurso apenas aqueles previstos expressamente em lei.

Verifica-se também a legitimidade para a interposição do recurso. De acordo com o art. 499 do CPC, são legitimados a parte vencida, o terceiro prejudicado e o Ministério Público. Como parte vencida, deve-se compreender também o terceiro interveniente, visto que este adquire a qualidade de parte através de quaisquer das modalidades de intervenção. O terceiro prejudicado é aquele que não participou do processo, mas se tornou juridicamente prejudicado com a decisão proferida, seja por que é titular da mesma relação jurídica discutida no feito ou de relação jurídica conexa a esta. Por fim, o Ministério Público, que pode recorrer tanto como parte quanto na qualidade de fiscal da lei (custos legis). Nesta última hipótese, a legitimidade do Ministério Público independe de recurso da parte.

O interesse de agir do recorrente também deve ser analisado no juízo de admissibilidade. O recurso deve ser útil, em que o recorrente vislumbre, em tese, a possibilidade de uma decisão mais vantajosa; e necessário, ou seja, que o objetivo do recorrente só possa ser efetivamente alcançado através da via recursal. Vale acrescentar que o interesse recursal não está subordinado à existência de sucumbência, bastando lembrar que o terceiro não sucumbe e é legitimado para recorrer. Didier Jr. e Cunha (2009, p. 52) sustentam que para recorrer é necessário discordar da conclusão da decisão e não apenas dos seus fundamentos, visto que a coisa julgada material não alcança a motivação do decisum. Ressalta, no entanto, que pode haver tal interesse recursal quando se trata de ação em que a coisa julgada material não ocorre se o pedido for julgado improcedente por falta de prova, como em mandado de segurança, ação popular etc., podendo o recorrente pretender que lhe seja dado o mesmo resultado de improcedência, mas por inexistência de direito, onde, neste caso, o recorrente seria beneficiado com a coisa julgada material.

Ainda como requisito intrínseco, tem-se a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. O recorrente não pode ter dado causa ao ato que influiu diretamente na decisão atacada. São fatos impeditivos a desistência, a renúncia ao direito sobre o que se funda a ação e o reconhecimento do pedido. São fatos extintivos a renúncia ao direito de recorrer (manifestação da vontade de não recorrer da decisão) e a aceitação (manifestação expressa ou tácita de conformação com a decisão proferida).

A tempestividade, requisito extrínseco do juízo de admissibilidade [03], consiste na observância de interposição do recurso no prazo previsto em lei, que pode ser diferenciado por regras especiais, tal como ocorre com a Fazenda Pública, Ministério Público, Defensoria Pública, autarquias e fundações públicas etc..

A regularidade formal consiste na obediência aos requisitos formais exigidos em lei. A título de exemplo, os recursos, de uma maneira geral, devem ser interpostos por escrito [04], apontando as razões do ataque à decisão; o agravo de instrumento deve ser devidamente instruído com as peças processuais exigidas em lei; os recursos devem ser subscritos por advogado legalmente constituído, dentre tantos outros critérios estabelecidos na legislação. Esta regularidade formal relaciona-se com o princípio da dialeticidade, que exige a indicação dos motivos de fato e de direito que fundamentam o pedido de novo julgamento da questão objeto da decisão impugnada.

O preparo consiste no pagamento das despesas referentes ao processamento do recurso, devendo ser comprovado no momento da interposição do recurso, sob pena de deserção (art. 511, CPC), que pode ser relevada em caso de comprovação de justo impedimento. A deserção imediata prevista no dispositivo citado acima vem sendo mitigada pela doutrina, que considera o preparo como vício sanável e, portanto, perfeitamente aplicável o art. 515, § 4º, do CPC. Importante salientar que o momento de comprovação do preparo pode ser diferenciado por regras especiais, tais como ocorre nos Juizados Especiais.

Passado pelo crivo do juízo de admissibilidade, analisa-se o mérito do recurso, que é o conteúdo da impugnação à decisão guerreada. Tal juízo é, em regra, apreciado somente pelo órgão ad quem, com exceção dos embargos de declaração, que permitem que o juízo a quo reveja a decisão atacada. Conforme já apontado neste trabalho, o fato que pode gerar a reforma ou a invalidação da decisão, ou seja, a causa de pedir recursal pode ser vícios de juízo (error in iudicando) ou vícios de atividade (error in procedendo). Nestes, há uma inobservância às normas de procedimento, à forma dos atos processuais; e naqueles, discute-se o conteúdo da decisão, denunciando uma aplicação incorreta da norma ao caso, uma má apreciação da questão de direito e/ou de fato.

Reconhecida a ocorrência do error in procedendo, a decisão atacada é invalidada, havendo um julgamento rescindente, onde é determinada a prolação de nova decisão pelo juízo a quo. É claro que se houver possibilidade de aproveitamento da decisão, não será necessária a prolação de uma nova, como ocorre por exemplo, nas sentenças extra ou ultra petita, onde o tribunal pode simplesmente desconsiderar o excedente.

Já no caso de provimento ou não de recurso baseado em error in iudicando, o julgamento é substitutivo, ou seja, a decisão do recurso substitui a decisão recorrida, já que não pode haver duas decisões sobre o mesmo objeto, sendo incorreto afirmar, como corriqueiramente se faz, que foi mantida a decisão recorrida; o que ocorre é a substituição por outra decisão de igual teor.

1.4 Efeitos dos Recursos

A interposição de recursos gera diversos efeitos, dentre os quais se destacam:

1.4.1 Impedimento ao Trânsito em Julgado

É um efeito comum a todos os recursos admissíveis, tendo importância para fixar o marco inicial do prazo para interposição de ação rescisória, bem como para definir a natureza da execução de sentença (se provisória ou definitiva).

Alexandre Freitas Câmara (2006, p. 79) ressalta que este efeito só é inerente aos recursos admissíveis, pois sendo negativo o juízo de admissibilidade, a decisão terá natureza declaratória e o trânsito em julgado já teria ocorrido anteriormente à decisão que deixou de admitir o recurso.

1.4.2 Efeito Devolutivo

Consiste em devolver/transferir ao juízo recursal o conhecimento da matéria impugnada, que será limitada pela parte recorrente - tantum devolutum quantum appellatum - também chamado pela doutrina de efeito devolutivo em extensão. A matéria devolvida ao órgão ad quem é apenas aquela objeto da impugnação, ressalvadas, é claro, as matérias que a lei admite a apreciação de oficio.

Por outro lado, o tribunal é livre para examinar todos os fundamentos do pedido da peça recursal, ainda que não tenham sido expressamente expostos nas razões recursais (efeito devolutivo em profundidade). Em outras palavras, o tribunal deve se ater ao pedido recursal, mas pode utilizar em seu julgamento fundamento não alegado pelo recorrente.

Essa delimitação da matéria recursal impede a reformatio in pejus (reforma para pior), pois o recurso só poderá aproveitar ao recorrente (princípio da personalidade dos recursos), não podendo beneficiar a parte que não interpôs recurso e, em conseqüência, piorar a situação de quem recorreu.

Para caracterização deste efeito é necessário que o órgão recursal seja diverso do órgão prolator da decisão. Os embargos de declaração, por exemplo, não geram efeito devolutivo, uma vez que é o próprio prolator da decisão impugnada que o apreciará. A matéria não é transferida a órgão algum.

Por fim, há casos em que o efeito devolutivo não é imediato. A título de exemplo tem-se o agravo retido, em que a matéria impugnada só será devolvida ao órgão ad quem em momento posterior, por ocasião de eventual apelação.

1.4.3 Efeito Suspensivo

Impede que a decisão impugnada produza efeitos antes do julgamento do recurso.

É importante observar que tal efeito suspensivo não é gerado pela interposição do recurso, pois decisões sujeitas a recurso suspensivo não produzem efeitos imediatos. O que ocorre com a interposição do recurso é apenas um prolongamento do estado de ineficácia daquelas decisões. Segundo Câmara (2006, p. 81), "o mero fato de a decisão ser recorrível através de "recurso suspensivo", isto é, estar sujeita a recurso dotado deste efeito, já é capaz de impedir a produção de seus efeitos". Na verdade, a decisão recorrida ainda não gerou efeitos, mas o recurso com "efeito suspensivo" evita que a decisão produza seus efeitos até o julgamento do recurso. Nos casos em que a decisão gera efeitos imediatos, o tribunal pode suspender os efeitos de tal decisão, vislumbrando-se nesta hipótese um verdadeiro efeito suspensivo.

No sistema recursal brasileiro, o efeito suspensivo é a regra, ficando as exceções expressamente previstas em lei. É apontado como um dos grandes vilões da celeridade processual, pois de certa forma desprivilegia a decisão de primeiro grau, dando ensejo a recursos meramente procrastinatórios.

O efeito suspensivo prestigia a segurança, evitando a geração de efeitos de uma decisão que pode ser revertida, mas de certa forma prejudica a tempestividade, pois pode retardar o direito da parte que tem razão. Desta forma, faz-se necessária uma conciliação destes elementos para que, diante do caso concreto, seja analisada a possibilidade de eventual afastamento de tal efeito.

1.4.4 Efeito Translativo

Como já visto acima, a parte recorrente é quem delimita a matéria que será submetida à apreciação do tribunal e que há determinados temas que devem ser conhecidos de ofício, independentemente de alegação da parte. O efeito translativo diz respeito a estas matérias que podem ser conhecidas em qualquer tempo ou grau de jurisdição, independentemente de manifestação do recorrente.

1.4.5 Efeito Regressivo

Permite que o próprio prolator da decisão impugnada reexamine a matéria, podendo reconsiderar seu julgamento. Trata-se de efeito inerente a poucos recursos, tais como no agravo e na apelação interposta contra sentença que indeferiu liminarmente a exordial.

1.4.6 Efeito Expansivo

Ocorre quando o julgamento do recurso é mais abrangente do que o reexame da matéria atacada, estando relacionado à interdependência dos atos processuais. O julgamento do recurso pode acarretar não só a modificação/anulação da decisão impugnada, mas também dos atos que lhe deram origem.

1.4.7 Efeito Substitutivo

Trata-se de efeito disposto no art. 512 do CPC: "o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso". Sendo conhecido o recurso, qualquer que seja o seu resultado, este substitui a decisão impugnada. Em outras palavras, julgado o recurso, "desaparece" a decisão recorrida, prevalecendo apenas a decisão do tribunal, ainda que idêntica ao julgamento de primeiro grau.


2 RECURSO E MOROSIDADE PROCESSUAL

A morosidade processual é assunto amplamente debatido quando se fala em Poder Judiciário. As causas apontadas são diversas, sendo o sistema recursal indicado como o grande vilão da demora na prestação jurisdicional. As reformas ocorridas nos últimos anos estão voltadas para uma maior celeridade processual, quando, na verdade, deveria haver uma preocupação maior com a efetividade do processo, sendo a celeridade apenas um dos elementos desta e atualmente garantida constitucionalmente (art. 5.º, LXXVIII, CF), não sendo demais afirmar que antes tal garantia já estava implicitamente prevista em decorrência do devido processo legal.

Segundo estudos realizados por Barbosa Moreira, apud Carlos Augusto de Assis [05], a morosidade não é problema exclusivamente brasileiro, havendo países com sistema recursal bem mais simplificado do que o brasileiro, tais como França e Itália, e que também sofrem com o fantasma da demora. Tal constatação indica que a morosidade não é provocada unicamente pelo sistema recursal, o que não equivale a afirmar que este não necessite de melhoramentos.

Carlos Mário da Silva Velloso [06] aponta cinco causas da lentidão da Justiça: a explosão dos processos, o número deficiente de juízes do primeiro grau, forma inadequada de recrutamento de juízes, o desaparelhamento no apoio administrativo no primeiro grau e as leis processuais, no que se refere ao excesso de formalismo e ao que denomina de sistema irracional de recursos. Argumenta o Ministro que a explosão dos processos ocorreu após a Constituição Federal de 1988, onde os cidadãos foram incentivados a buscar seus direitos no Poder Judiciário, que, por sua vez, não estava preparado para receber a demanda. O reduzido número de juízes também acarreta acúmulo de processos e, por conseqüência, demora na instrução processual e na prolação da decisão final. O jurista também critica a forma de recrutamento dos juízes, que se dá através de concurso público de nível elevadíssimo, mas que não impede o ingresso de profissionais sem qualquer vocação para a magistratura. Acrescenta ser comum o não preenchimento das vagas oferecidas, aumentando cada vez mais o déficit de magistrados, fato este provocado pela má qualidade de ensino jurídico de grande parte das faculdades do país. A falta de aparelhamento das unidades judiciárias também acarreta o emperramento dos processos e, ainda segundo o Ministro, favorece a ocorrência de propinas para feitura dos expedientes. Outro ponto negativo apontado pelo doutrinador e bastante interessante para o presente trabalho é o que ele chama de sistema irracional de recursos. O excesso na formalidade das leis processuais permite que o direito material seja posto em segundo plano, enquanto o enorme número de recursos garante a eternidade da demanda. Esta, por mais simples que seja e mesmo que os tribunais superiores inadmitam os recursos eventualmente interpostos, os agravos contra tal inadmissão demoram tempos e tempos para ser apreciados, cabendo ainda embargos de declaração do respectivo acórdão, tornando quase sem fim a resolução do caso.

Para Elizabeth Leão, Juíza Federal da Seção Judiciária de São Paulo [07], a morosidade não é prerrogativa do Poder Judiciário, mas da forma da administração pública em geral, que ainda não se desvinculou da chamada administração burocrática, que vela pelo procedimento, pela forma e pela legalidade, ainda que isto transforme o processo em morosidade, deixando de lado a administração gerencial prevista na nossa Constituição Federal a partir da EC n.º 19, de 04.06.1998 (princípio da eficiência). Segundo a magistrada, é necessária uma mudança de cultura, uma conscientização de que somos todos servidores públicos, prestadores de serviço público e preocupados com a eficiência dos resultados.

Não se pode olvidar que a morosidade acarreta o descrédito do Poder Judiciário. Por outro lado, o tempo é inerente ao processo, o que não justifica o retardamento indevido do seu resultado. Rubens Cesar Gonçalves Rios [08] também entende que a causa da morosidade não pode ser atribuída exclusivamente ao Poder Judiciário, tratando-se de um problema sistêmico, que envolve os três poderes do Estado e todos os atores do processo. Reconhece o autor a necessidade de medidas para que a celeridade também alcance o sistema recursal:

A efetividade da tutela jurisdicional, em seu viés da celeridade, deve ser buscada também com relação aos recursos. É necessário um maior prestígio às decisões de primeiro grau e, dentre outras ações, deve ser repensada a questão do efeito suspensivo dos recursos, que deve passar a ser exceção, e não a regra. Está mesmo a se propor que a concessão de efeito suspensivo aos recursos, notadamente a apelação, seja deixada a critério do juiz no ato de recebimento do recurso, e que essa atribuição o seja feita somente naqueles casos indispensáveis. Com isso, a parte que se sagrou vencedora poderá, de alguma maneira, começar a fluir os efeitos da decisão, sem ter de esperar muito mais tempo por isso. É óbvio que a possibilidade de reforma da decisão existe, porém é algo que a parte deverá pesar com o conselho de seus advogados. (RIOS, 2009, p. 58)

Com o advento da EC 45, a razoável duração do processo foi consagrada como garantia constitucional. No entanto, trata-se de expressão por demais relativa, visto que há casos complexos que exigem uma apuração mais acurada e, por conseguinte, com um gasto de tempo maior, existindo também demandas simples, cujo resultado pode ser proferido em prazo bem reduzido. Para definir esse tempo razoável, alguns doutrinadores defendem que não é possível o estabelecimento de prazo fixo, mas que pode haver uma definição específica de acordo com o rito e a tutela pretendida, ou ainda, a consignação de um prazo máximo para tramitação do feito em cada uma das instâncias. Como se não bastasse a vagueza da expressão, é importante lembrar que a celeridade processual não será alcançada só por que foi elevada à categoria de garantia constitucional. A morosidade atormenta o jurisdicionado desde tempos remotos e só será extirpada de nosso sistema através de atitudes concretas, que vão desde a mudança de postura (cultural) dos envolvidos até as alterações legislativas.

Rosmar Alencar [09] também trata do assunto com a maestria que lhe é peculiar:

A rapidez processual poderia ser imaginada com a restrição da competência dos órgãos colegiados ao processamento e julgamento de ações originárias. Os recursos, com previsão legislativa em número menor, poderiam ser apreciados pelo próprio órgão prolator da decisão vergastada, para correção de equívocos evidentes. Os abusos, excessos, de outra parte, seriam passíveis de representação aos órgãos de correição, objetivando um melhor funcionamento do sistema, sem a ocorrência de frustração da promessa feita de resolver os conflitos, com a monopolização do poder de julgamento dos litígios pelo Estado e com a correspondente vedação da autotutela privada. A dificuldade maior é para o pensamento jurídico brasileiro aceitar essa forma de pensar e passar a confiar na preparação da magistratura (ALENCAR, 2008).

É importante também refletir sobre a afronta que a morosidade representa para o princípio do acesso à justiça. Este não se resume à mera possibilidade de ingresso em juízo, mas principalmente ao acesso à ordem jurídica justa, em que ocorra uma real eliminação do conflito em questão. Desta forma, não há como se considerar como justa uma decisão tardia, onde até mesmo sua utilidade pode ficar comprometida. Com a morosidade, o processo, ao invés de ser instrumento de resolução do conflito, passa a ser a própria conservação/eternização do problema.

Conforme já apontado acima, o problema é sobretudo de ordem cultural, onde se prefere a recorribilidade à confiança no juiz de primeiro grau. Ainda de acordo com Rosmar Alencar:

A teimosia do pensamento jurídico brasileiro em prestigiar sua tradicional cultura da recorribilidade e da desconfiança na magistratura, faz tabula rasa do princípio do acesso à justiça: tudo fica no plano retórico, destinado a conformar o clamor social, tentando passar a falsa mensagem de que algo está sendo feito para que se dê justiça a todos. Ao mesmo tempo a paciência do leigo – que não está no "mundo do direito" – vai se esvaindo e, junto com esse fenômeno, presencia-se uma crescente descredibilidade que recai sobre as profissões jurídicas. (...) A modificação há de ser estrutural, passando pela noção de verdade e significado processual, para se compreender que a verdade é algo tão fugaz que não é justificável a existência de recursos sucessivos com o desiderato de substituir a verdade de um órgão pela de outro, notadamente quando se está diante de um acúmulo considerável de processos nas instâncias superiores". (ALENCAR, 2008).

Na mesma esteira de raciocínio argumenta o magistrado Leandro Paulsen [10], ressaltando a existência de excesso de recursos e de exagerado formalismo, que só contribuem para a morosidade e deficiência da prestação jurisdicional. Assevera que o centro da litigiosidade foi deslocado para a segunda instância, o que provoca a necessidade de aumento do número de juízes nos tribunais e, por conseguinte, favorece o surgimento de posições divergentes entre turmas, que, por sua vez, aumenta a insegurança quanto ao direito e incentiva a interposição de recursos, relegando cada vez mais a importância da prestação jurisdicional de primeiro grau. O magistrado também aponta como solução a limitação dos recursos, defendendo que as hipóteses de recursos para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal devem ser reduzidas, a fim de que estas Cortes tenham condições de exercer o seu papel, atendo-se às questões de maior interesse federativo.

O combate à morosidade é uma necessidade urgente e não é uma tarefa fácil, já que suas causas não são poucas. Trata-se de um conjunto de fatores que implicam no retardamento da prestação jurisdicional. Para o presente trabalho, importa uma atenção mais voltada para o sistema recursal, que, segundo opinião unânime dos profissionais do Direito, é um dos grandes responsáveis pela morosidade processual.

Sabe-se que o fator tempo é de extrema importância para o processo, mas também pode ser bastante prejudicial. É claro que para o leigo que bate às portas do Judiciário, o ideal seria que naquele mesmo momento já fosse dada uma resposta efetiva do seu direito. Porém, é indispensável que a todos seja garantido o direito do contraditório, da ampla defesa e da duração razoável do processo. É a conciliação destes três pilares que forma o processo ideal. No entanto, a cultura recursal vem dificultando a concretização do terceiro pilar, onde se busca incessantemente uma verdade, uma confirmação da decisão de primeiro grau. É como se cada um dos julgadores merecessem uma correção de seu julgado, tornando sem fim a decisão final.

Como já relatado neste trabalho, há uma desconfiança do magistrado de primeiro grau. Muitas vezes uma desconfiança proposital para retardar o cumprimento da decisão. Aqui mais um agravante, onde a demora favorece quem não tem razão, gerando essa incredibilidade que hoje se vê no Poder Judiciário. O excessivo número de recursos contribui para essa situação, onde se torna fácil atacar um julgado por mais completo e correto que esteja. Mas não é só. A regra geral de se aplicar efeito suspensivo aos recursos também auxilia na preservação desse sistema, onde se pode retardar ao máximo a concretização do direito firmado na sentença, ficando em segundo plano aquela garantia da duração razoável do processo.

A mudança do nosso sistema recursal em busca de uma maior celeridade processual é algo indispensável. Não serão reformas pontuais que trarão o resultado pretendido, mas medidas que envolvam uma mudança de postura de todos aqueles que fazem o processo. É necessário investir na preparação do magistrado de primeiro grau, nos instrumentos que inviabilizem os recursos meramente procrastinatórios, na confiança no juiz de primeira instância, todos comprometidos com a eficiência do processo.


3 TENDÊNCIA DE VINCULAÇÃO DAS DECISÕES E AS SÚMULAS COMO SOLUÇÃO PARA A MOROSIDADE PROCESSUAL

A questão da vinculação das decisões vem sendo bastante discutida no meio jurídico, principalmente após a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, que trouxe o instituto da súmula vinculante, efeito este já previsto para as decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de lei ou ato normativo federal. Atualmente, há inclusive defensores da tese da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso, onde as decisões proferidas em sede de recurso extraordinário também passariam a ter efeito erga omnes e vinculante, desde que apreciadas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, dispensando a participação do Senado Federal na suspensão da execução da norma ora declarada inconstitucional.

Apesar do efeito vinculante não ser novidade no nosso ordenamento jurídico, constata-se que o Direito Brasileiro sempre teve uma preocupação voltada para a uniformização jurisprudencial, mas sem efeito vinculativo. Este surge como solução para a morosidade processual, visando diminuir o descompasso existente entre o tempo do processo e a rapidez exigida pelo mundo globalizado.

Osmar Mendes Paixão Cortês [11] faz um apanhado da evolução legislativa pátria nesse sentido. Segundo o autor, com a Constituição de 1824 e a independência nacional, houve um aumento da preocupação com a uniformização jurisprudencial, sendo mantido o recurso de revista [12]. Aos poucos, o recurso extraordinário passou a absorver a função de unificar a jurisprudência, sendo expressamente previsto com a Reforma Constitucional de 1926. A Carta de 1946 ampliou essa função, prevendo o cabimento do recurso extraordinário quando a decisão recorrida apresentasse interpretação diversa dos outros Tribunais ou do próprio Supremo Tribunal Federal, não mais limitados às Cortes de Apelação de Estados diferentes, como previa a Constituição de 1934.

O interesse em consolidar/unificar a interpretação dominante também foi demonstrado pela emenda ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que, em 28 de agosto de 1963, passou a prever as súmulas de jurisprudência predominante, com caráter persuasivo e não vinculativo. A EC n.º 1/69 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para regular o cabimento do recurso extraordinário nos casos de violação à Constituição, lei ou tratado, e de divergência jurisprudencial, deixando clara a intenção em limitar o cabimento de tal recurso e dando à Corte Suprema a possibilidade de indicar quais as causas que seriam por ele apreciadas. Em 15 de outubro de 1970, passou a vigorar o art. 308 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, onde foram elencadas as hipóteses em que era incabível o recurso extraordinário, ressalvando os casos de ofensa à Carta Constitucional ou discrepância manifesta da jurisprudência predominante do STF. Ou seja, houve a limitação de cabimento do recurso extraordinário, mas sem desviar de sua finalidade maior, que é garantir a observância à Constituição Federal e uniformizar a interpretação das normas legais.

Com a Emenda Constitucional n.º 07/77, foi prevista a possibilidade do Procurador-Geral da República, mesmo diante da ausência de conflito de interesses instaurado, representar ao Supremo Tribunal Federal para interpretação de leis ou atos normativos federais ou estaduais, interpretação esta que, a partir de agosto de 1978, através da Emenda n.º 07 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, passou a ter efeito vinculante. A Consolidação das Leis do Trabalho, até a revogação da Lei n.º 7.033/82, também previa dispositivo referente à vinculação de decisões, dispondo que os Tribunais Regionais do Trabalho, as Juntas de Conciliação e os Juízes de Direito investidos na jurisdição trabalhista estavam obrigados a respeitar os prejulgados, espécie de súmula da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que, atualmente, apenas editam enunciados sumulares e orientações jurisprudenciais não vinculativos. Com o advento da Constituição Federal de 1988, os dissídios jurisprudenciais sobre lei federal passaram a ser da competência do Superior Tribunal de Justiça, que edita súmulas, mas apenas de caráter persuasivo.

Pelo histórico da legislação pátria, verifica-se que sempre houve a intenção de unificar o entendimento jurisprudencial. Atualmente, os artigos 557, caput e § 1.º-A, e 518, § 1.º, do CPC deixam clara essa intenção. O primeiro autoriza ao relator negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, bem como dar provimento ao recurso se a decisão atacada estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou do STJ. O segundo dispositivo, tema do presente trabalho, amplia tal poder ao juiz de primeiro grau, que não deverá receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em confronto com súmula do STJ ou do STF. Como se vê, os órgãos inferiores não estão obrigados a seguir o entendimento dos tribunais superiores, mas tais dispositivos são ferramentas para reforma de decisão contrária à jurisprudência dominante. E não só estes, mas vários são os dispositivos legais que apontam o objetivo de unificação jurisprudencial, tais como os embargos infringentes previstos no art. 530 do CPC, em que não sendo unânime a decisão que houver reformado a sentença de mérito em grau de apelação, ou que houver julgado procedente a ação rescisória, poderá a própria Corte reexaminar o julgado. No mesmo sentido, o art. 546 do CPC prevê os embargos de divergência para resolver os dissídios surgidos entre os órgãos colegiados. E ainda na mesma esteira, o art. 894 da CLT. Por fim, o CPC prevê o incidente de uniformização de jurisprudência, com a finalidade de fixar um entendimento acerca de determinada questão que tenha suscitado divergências interpretativas no mesmo tribunal.

No entanto, o efeito vinculante das decisões não aparece tão presente no histórico da nossa legislação. A Emenda Constitucional n.º 03/93 trouxe a ação declaratória de constitucionalidade, cuja decisão tem eficácia contra todos e efeito vinculante, tendo sido comparada com a EC 07/77, onde o STF poderia suspender os efeitos de decisão proferida por qualquer juízo ou tribunal, a pedido do Procurador Geral da República, e conhecer integralmente da lide.

Segundo Osmar Mendes Paixão Cortês [13]:

Mas a antiga avocatória e a atual ação declaratória de constitucionalidade são figuras distintas, pois esta última não objetiva a suspensão de decisões judiciais e tem finalidade unicamente jurídica (não política), servindo não para interferir diretamente nas decisões de primeira e segunda instâncias, mas para resolver problema relativo à constitucionalidade de lei, com eficácia vinculativa e erga omnes. Trata-se de verdadeira modalidade de processo objetivo de controle abstrato de normas. (CORTÊS, 2007, p. 335).

Com o advento da EC 03/93, a Constituição Federal passou a prever expressamente o efeito vinculante de decisões no âmbito do controle abstrato de normas, cabendo aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, submeterem-se à decisão sobre a constitucionalidade de lei proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Apesar de não muito presente no nosso ordenamento jurídico, o efeito vinculativo passou a ser exigido sob o fundamento da garantia da segurança jurídica – sob a ótica da previsibilidade e estabilidade - e da celeridade processual, vindo a lume a tão falada súmula vinculante com a EC 45/2004.

Há tempos é debatida a impossibilidade do STF acumular funções de guardião da Constituição Federal e de jurisdição recursal, visto que acarreta um elevado número de processos à sua apreciação, prejudicando sua função maior de Tribunal Constitucional. Com fins de reduzir esse número de processos, a legislação pátria vem fazendo reformas pontuais, introduzindo no nosso ordenamento medidas como a Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários e a Súmula Vinculante. Na mesma esteira, a doutrina vem admitindo a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, que, como já apontado neste trabalho, surge quando o STF confere efeito vinculante e geral a algumas decisões proferidas em sede de controle difuso, dando uma nova roupagem ao papel do Senado Federal, tendo em vista que sua resolução passa a ser apenas a publicação da decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei e que já produz efeitos gerais.

A título de ilustração, podem-se enumerar algumas decisões nesse sentido: a) a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo que vedava a progressão de regime para os crimes hediondos, ocasião em que o STF conferiu aparentemente efeitos gerais e, em julgamento à Reclamação 4.335/AC, contra decisão de um juiz que não quis aplicar a progressão de regime por entender que a decisão de inconstitucionalidade do STF em controle difuso necessita do Senado para lhe dar efeito geral, a Corte confirmou a decisão com eficácia geral, sob o argumento de que a concepção sobre a separação dos poderes foi alterada de forma radical, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral; b) a declaração de inconstitucionalidade de norma municipal que não obedecia aos limites constitucionais de número de vereadores, tendo o STF conferido efeito transcendente à sua decisão, com validade para todos os municípios da federação; c) a dispensa de aplicação do art. 97 da Constituição Federal (princípio da reserva de Plenário) quando o STF já tenha pronunciamento sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei questionada (RE 190728).

Sobre a dispensa de aplicação do princípio da reserva de Plenário, Gilmar Mendes já se pronunciou favorável a tal posicionamento:

Esse entendimento marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto. A decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como colocada, antecipa o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal a que se encontra vinculado. Decide-se autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal proferida incidenter tantum." (MENDES, 2006, p. 269-270).

Essa tendência de abstrativização não é vislumbrada somente no âmbito judicial. Os legisladores também têm demonstrado tal tendência com a criação da súmula vinculante, da exigência de repercussão geral no recurso extraordinário, bem como da nova redação do art. 557, caput e § 1.º-A do CPC.

Há uma grande discussão sobre essa tendência de abstrativização, onde de um lado se vislumbra a busca da efetividade dos preceitos constitucionais e da celeridade processual, e de outro, a preocupação com a concentração de poder do STF, comprometendo a harmonia e o equilíbrio previstos na Constituição Federal, devendo ser definida a via mais apropriada e legal para que a abstrativização alcance seus objetivos, sob pena de provocar maior insegurança jurídica.

Luiz Guilherme Marinoni [14] defende a vinculação das decisões dos tribunais superiores, fazendo uma crítica aos que tratam os sistemas common law e civil law como estanques. Argumenta que a separação desses sistemas é fundada apenas na tradição de cada um, considerando os aspectos políticos e culturais que basearam suas respectivas histórias, e que o constitucionalismo aproximou os sistemas. Segundo o jurista, a diferença entre os sistemas reside no significado que se atribuiu aos códigos e à função do juiz. "No common law jamais se acreditou, ou se teve a necessidade de acreditar, que poderia existir um código que eliminasse a possibilidade de o juiz interpretar a lei". No entanto, o constitucionalismo impôs um novo papel ao juiz do civil law, que deixou de ser mero declarador da lei, bastando lembrar que se o juiz pode controlar a constitucionalidade da lei é porque não está submetido a ela.

A dificuldade em ver o papel do juiz sob o neoconstitucionalismo impede que se perceba que a tarefa do juiz do civil law, na atualidade, está muito próxima da exercida pelo juiz do common law. É exatamente a cegueira para a aproximação destes juízes que não permite enxergar a relevância de um sistema de precedentes no civil law. (MARINONI, 2009)

Por outro lado, Marinoni vislumbra a variação constante de entendimentos no sistema civil law como uma patologia, decorrente do equívoco de tratar a decisão como algo construído de forma individual e egoística, e não como resultado de um sistema. As decisões devem ser iguais para as questões iguais e coerentes com o entendimento dos tribunais superiores, a quem cabe a última palavra. Caso contrário, estará violando os direitos fundamentais à tutela efetiva e à duração razoável do processo, uma vez que o jurisdicionado só poderá contornar a situação mediante interposição de recurso. Isso não implica dizer que não poderá haver mudança de entendimento, mas caso ocorra, deverá ser efetivamente fundamentada e justificada, evidenciando expressamente o motivo da alteração da decisão primitiva. Para o autor, "a proibição só atinge a possibilidade de decisão, ainda que fundamentada, diversa a do tribunal superior. Mas isto por uma questão puramente lógica, ancorada na própria estrutura do sistema de produção de decisões."

Ainda no magistério do já citado Prof. Marinoni:

O juiz que contraria a sua própria decisão, sem a devida justificativa, está muito longe do exercício de qualquer liberdade, estando muito mais perto da prática de um ato de insanidade. Enquanto isto, o juiz que contraria a posição de tribunal superior, ciente de que a este cabe a última palavra, pratica ato que, ao atentar contra a lógica do sistema, significa desprezo ao Poder Judiciário e desconsideração para com os usuários do serviço jurisdicional. (...) Embora deva ser no mínimo indesejável, para um Estado Democrático, dar decisões desiguais a casos iguais, ainda não se vê reação concreta a esta situação da parte dos advogados brasileiros. A advertência de que a lei é igual para todos, que sempre se viu escrita sobre a cabeça dos juízes nas salas do civil law, além de não mais bastar, constitui piada de mau gosto àquele que, perante uma das Turmas do Tribunal e sob tal inscrição, recebe decisão distinta a proferida — em caso idêntico — pela Turma cuja sala se localiza metros mais adiante, no mesmo longo e indiferente corredor do prédio que, antes de tudo, deveria abrigar a igualdade de tratamento perante a lei." (MARINONI, 2009).

A vinculação das decisões, especialmente a súmula vinculante, é um tema ainda controverso, não havendo um entendimento pacífico entre os doutrinadores. Seus adeptos argumentam que tal instituto representa maior celeridade processual, segurança jurídica com a unificação da jurisprudência e garantia de supremacia da Carta Constitucional. Já a corrente contrária defende que a súmula vinculante não soluciona o problema do Poder Judiciário e cria o engessamento dos juízes de primeiro grau, além de ser incompatível com alguns princípios processuais e constitucionais.

Evandro Lins e Silva, em seu artigo "Crime de Hermenêutica e Súmula Vinculante" [15], critica o instituto da súmula vinculante, por entender que viola a harmonia, independência e separação dos poderes, uma vez que o Poder Legislativo é o legitimado democrático para a criação do direito, cabendo ao Poder Judiciário a função precípua de julgar os conflitos de interesse na aplicação da lei.

Que são as "súmulas vinculantes" senão uma repetição dessa força obrigatória que se quer dar às decisões sumuladas pelos tribunais superiores?Para os não iniciados, para o público em geral, diremos: Súmula foi a expressão de que se valeu Victor Nunes Leal, nos idos de 1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal, onde era um dos seus maiores ministros, vinha decidindo de modo reiterado acerca de temas que se repetiam amiudadamente em seus julgamentos. Era uma medida, de natureza regimental, que se destinava, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus juízes. Ao mesmo tempo, a Súmula servia de informação a todos os magistrados do País e aos advogados, dando a conhecer a orientação da Corte Suprema nas questões mais freqüentes. Houve críticas e resistências à sua implantação sob o temor de que ela provocasse a estagnação da jurisprudência ou que pretendesse atuar com força de lei. Seu criador, Victor Nunes, saiu a campo e, em conferências proferidas na época, explicou e deixou bem claro que a Súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório. Ela era matéria puramente regimental e podia ser alterada a qualquer momento, por sugestão dos ministros ou das partes, através de agravo contra o despacho de arquivamento do recurso extraordinário ou do agravo de instrumento. Nunca se imaginou a possibilidade de conferir à Súmula o poder vinculante ou de cumprimento obrigatório, imutável para o próprio tribunal que a edita ou para as instâncias inferiores. Do contrário teríamos a revivescência dos Assentos do Superior Tribunal de Justiça, na esteira dos Assentos das Casas de Suplicação, considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, desde a fundação da República. Súmula "vinculante" seria um novo nome para os velhos Assentos. O grande Ministro Pedro Lessa já estigmatizara a figura do "juiz legislador", não prevista "pelos que organizaram e limitaram os nossos poderes políticos". (SILVA, 1997).

Segundo o jurista Rosmar Alencar (2009, p. 96), antes mesmo da EC 45/2004 já ocorria a aplicação prática do efeito vinculante da jurisprudência, onde a maioria dos julgados contempla decisões anteriores que tenham apreciado a matéria em questão, não sendo raras as motivações que apenas enumeram precedentes.

Tirante a previsão normativa do efeito vinculante, certo é que já havia o acatamento espontâneo, pelos magistrados, dos argumentos de julgados proferidos por órgão jurisdicional de grau superior, denunciando uma espécie de efeito vinculante "natural" (ou, como quer a doutrina, "eficácia persuasiva"), com o objetivo de ser facilitado e uniformizado o procedimento decisório. (ALENCAR, 2009, p. 96).

Na mesma esteira de pensamento, Marcos Luiz da Silva [16]:

Ora, na prática já se vive uma "quase vinculação" das decisões judiciais de primeiro grau aos acórdãos das instâncias superiores, visto que, na maioria das vezes, os juízes têm se limitado a acompanhar os pronunciamentos dos Tribunais, tornando, assim, mais cômoda e menos arriscada a sua empreitada. Conforme nos informa o Ministro Evandro Lins e Silva, as súmulas, "na prática, já são quase vinculantes, pela tendência natural dos juízes em acompanhar os julgados dos tribunais superiores". (SILVA, 2005).

Para Alencar (2009, p. 132), o efeito vinculante pode implicar em abstração inadequada à aplicação do direito. A simples utilização de verbetes de súmula vinculante frustra a aplicação do direito, pois não é capaz de analisar as diferenças ontológicas dos casos concretos. Não se pode admitir que a aplicação do direito se dê através de "analogia frasal", sem qualquer compreensão das dimensões e conseqüências dos conflitos sociais.

Essa tendência brasileira de tornar o processo um instrumento prepoderantemente objetivo põe em xeque a noção de dignidade da pessoa humana. Ao invés de se investir na formação dos juízes e na limitação de competências dos tribunais – restringindo ao STF a função de Corte Constitucional -, o que se vê é uma preocupação institucional voltada a si própria e não dirigida ao papel de mediação dos conflitos sociais. Busca-se uma coerência externa através da uniformização de jurisprudência e do efeito vinculante. (ALENCAR, 2009, p. 136).

Karla Virgínia Bezerra Caribé [17] considera a súmula vinculante uma incoerência do Direito Brasileiro, que sempre adotou com veemência o princípio da legalidade e agora se curva às decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Argumenta que se qualquer magistrado pode deixar de aplicar normas que entenda inconstitucionais, o mesmo poderá fazer com a súmula vinculante, estando livre para analisar a identidade entre os precedentes que originaram a súmula e o caso concreto. Sugere como solução a efetivação do controle de constitucionalidade difuso, que continua vigente em nosso ordenamento jurídico e pode ser realizado por todos os magistrados do país.

A utilização da súmula no Brasil foi iniciada em 1963, pelo então Ministro Victor Nunes Leal, integrante da Comissão de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, com o intuito primordial de diminuir o grande número de processos ali existentes, servindo de orientação aos profissionais do Direito de todo o país. Naquela época, já se discutia sobre a possibilidade de sua utilização acarretar estagnação da jurisprudência, o que era rebatido por seu "criador", que esclarecia a possibilidade de alteração da súmula e que esta, apesar de valiosa ferramenta de persuasão, não vinculava os magistrados, como pode ocorrer atualmente.

Não se pode negar que a súmula vinculante apresenta uma grande utilidade nas causas repetitivas, onde a uniformização de entendimento concede uma maior credibilidade ao Poder Judiciário, evitando decisões antagônicas para casos idênticos. O grande problema reside na identificação destas causas idênticas. É claro que algumas são de fácil constatação, mas outras poderão parecer idênticas e não são. A "analogia frasal" poderá acarretar decisões por demais injustas. Apesar de a súmula vinculante ter surgido com a finalidade maior de diminuir a demanda recursal, não se pode perder o foco do ideal de Justiça. De nada adiantará a resolução de grande quantidade de processos sem a efetiva concretização do direito, permanecendo o conflito social que deu origem à demanda. É importante que o magistrado atente para identificar os precedentes que deram ensejo à edição da súmula vinculante e analise se realmente há uma identidade entre a súmula e o caso concreto, o que vale também para a utilização da súmula persuasiva, sem efeito vinculante.

Acrescente-se que sempre houve certa "obediência" às súmulas persuasivas, sendo comum o seguimento da interpretação dos tribunais superiores. Com isto, a súmula vinculante pode não alcançar seu objetivo maior de reduzir drasticamente a demanda recursal.

O certo é que a solução para a crise do Judiciário não será pontual. A súmula vinculante ou mesmo a vinculação das decisões dos tribunais superiores não será capaz de descongestionar o Poder Judiciário e, por conseguinte, efetivar a ideal prestação jurisdicional. É preciso ir mais além. A reestruturação do direito processual, através da supressão de recursos inúteis e protelatórios, a informatização e, essencialmente, a preparação dos magistrados, são medidas que melhorarão a prestação jurisdicional, não só sob o aspecto quantitativo, mas principalmente qualitativo.


4 SÚMULA IMPEDITIVA DE APELAÇÃO (ART. 518, § 1.º, DO CPC)

O Código de Processo Civil sofreu, desde sua promulgação até os dias atuais, três grandes reformas. A primeira delas, na década de 90, trouxe a adoção da antecipação da tutela; a segunda, ocorrida em 2002, introduziu modificações quanto ao cabimento e gestão dos recursos; e a terceira, nos anos de 2005 e 2006, que trouxe medidas com a finalidade de empreender maior celeridade ao Poder Judiciário, dentre elas, a alteração do processo de execução, do recurso de agravo e a criação da súmula impeditiva de recursos, objeto do presente estudo.

A súmula impeditiva de recursos, que seria tecnicamente melhor denominada de súmula impeditiva de apelação, uma vez que só faz menção expressa a tal recurso, consiste na inadmissão do recurso de apelação que ataque decisão baseada em súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de mais um dispositivo decorrente da vinculação dos precedentes dos tribunais superiores.

Assim está disposto o art. 518, caput e § 1.º, do CPC:

Art. 518: Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder:

§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

Originada do Projeto de Lei do Senado (PLS 140/2004), após deflagração da "Campanha pela Efetividade da Justiça", promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, a súmula impeditiva de recurso surgiu com a finalidade de aprimorar e agilizar a prestação jurisdicional, impedindo recursos meramente procrastinatórios, sendo cabível a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que inadmitir o recurso de apelação. Não se trata de novidade na nossa legislação, visto que tal prerrogativa de denegar o prosseguimento de recurso destoante de matéria pacífica ou sumulada pelos tribunais superiores já era possível ao relator, nos termos do art. 557 do CPC. No mesmo sentido, o § 3.º do art. 475 do CPC também prevê a possibilidade do relator dispensar o reexame necessário quando a sentença estiver fundada em súmula do tribunal superior.

De acordo com a súmula impeditiva de apelação, como convencionaremos chamar neste estudo, é necessário que exista súmula a respeito da questão, não bastando o entendimento majoritário. Apresenta similitude com a súmula vinculante, sendo que o julgador não está obrigado a decidir de acordo com o entendimento sumulado, mas se o fizer, poderá recusar a apelação interposta. Sob esse aspecto, há uma maior liberdade do julgador, que poderá discordar ou concordar com as orientações sumuladas. Concordando, "impedirá" a interposição da apelação; caso contrário, poderá defender sua tese, contribuindo para a evolução jurisprudencial. Somente as súmulas vinculantes têm o condão de submeter, obrigatoriamente, o juízo singular ao entendimento dos Tribunais Superiores.

O texto original do projeto [18] previa que o recurso de apelação seria obstado caso a decisão atacada estivesse em consonância com súmula do tribunal respectivo ou dos tribunais superiores, o que foi reformulado com a seguinte justificativa:

Entendo, entretanto, que um reparo deve ser feito no proposto § 1º do art. 518, no que se refere à possibilidade de não recebimento de recurso de apelação quando em confronto com súmula do respectivo tribunal, pois, tal medida regionalizaria a jurisprudência, incrementando o trabalho do Superior Tribunal de Justiça na tentativa uniformização dos entendimentos jurisprudenciais. Ressalte-se que, nesse caso, é preferível que a "súmula impeditiva de recursos" refira-se apenas às súmulas editadas pelos Tribunais Superiores. (BRASIL, 2004).

Apesar de a medida conceder uma certa valorização do juiz de primeiro grau no tocante à uniformização da jurisprudência, seu juízo de admissibilidade é apenas provisório e passível de reforma através de agravo de instrumento. Não obstante a intenção de trazer uma maior celeridade processual, a súmula impeditiva de recurso poderá acarretar um emperramento ainda maior da máquina judiciária.

Segundo Marina Freitas do Nascimento [19], a medida é totalmente ineficiente para conter manobras protelatórias. Corroborando seu entendimento, cita Wambier, Wambier e Medina:

Para percorrer o caminho até o pronunciamento do órgão colegiado do tribunal, deverá a parte apelar contra a sentença, agravar contra a decisão proferida pelo juiz com base no Art. 518, §1º, e interpor agravo interno contra a decisão monocrática proferida pelo relator do recurso. Substitui-se, assim, um recurso (a apelação) por três (a apelação e dois agravos), para se chegar a um mesmo destino, o que onera a parte com mais custas processuais, o que contraria o princípio econômico, formulado por Mancini ainda no século XIX, segundo o qual a lide não deve ser alvo de custas ou impostos pesados, cuja, despesa torne a justiça acessível somente a alguns cidadãos privilegiados pela riqueza. (WAMBIER, WAMBIER e MEDINA apud NASCIMENTO, 2009).

Vislumbra-se que a demanda recursal não será reduzida com a súmula impeditiva de apelação. Ainda que o magistrado esteja em consonância com o entendimento dos tribunais superiores, sua decisão impeditiva da apelação não impedirá que a questão chegue ao tribunal.

Mas não é apenas sob o efeito prático que a súmula impeditiva de apelação vem causando amplos debates. Sua (i)legalidade também é discutida, mormente no que se refere à observância de garantias constitucionais.

Com o advento da súmula impeditiva de apelação, o juiz de primeiro grau teve o seu trabalho de análise de admissibilidade recursal aumentado, visto que, ao verificar se a decisão está ou não em consonância com súmula dos tribunais superiores, exerce o juízo de mérito. Em outras palavras, o próprio prolator da decisão é quem examina o mérito do recurso, o que, para alguns, configura violação ao princípio do duplo grau de jurisdição.

A Ministra Fátima Nancy Andrighi, em palestra proferida no Seminário "As Novas Reformas do Processo Civil" [20], defende que o dispositivo não afronta o duplo grau de jurisdição, visto que a parte inconformada com a decisão de inadmissibilidade da apelação poderá interpor agravo de instrumento e submeter, por via indireta, a questão controversa à análise do Tribunal. Argumenta, ainda, que a eventual afronta ao referido princípio não seria capaz de tornar inconstitucional a norma, retomando-se aqui a celeuma já apontada neste trabalho, no que diz respeito ser o duplo grau de jurisdição uma garantia ou um princípio constitucional. Para a jurista, trata-se de princípio e, portanto, passível de mitigação:

Não se discute que o princípio do duplo grau de jurisdição está previsto, ainda que implicitamente, na Constituição Federal, pois, de fato, há dispositivos constitucionais estabelecendo que os Tribunais terão competência para julgar causas originariamente e em grau de recurso. No entanto, a existência de previsão constitucional, por si, não impede a mitigação do princípio do duplo grau de jurisdição. O Supremo Tribunal Federal, órgão competente para definir a interpretação adequada dos dispositivos constitucionais, no julgamento do RHC 79785, da relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, com acórdão publicado no DJ de 22.11.2002, definiu que o duplo grau de jurisdição não representa uma garantia constitucional, sendo perfeitamente viável, portanto, que a legislação infraconstitucional crie obstáculos ao cabimento da apelação, sem que isso importe em inconstitucionalidade da norma. Com estas considerações, sob qualquer prisma que se analise o novo art. 518 do CPC, conclui-se que o dispositivo legal não afronta à Constituição Federal, não obstante imponha obstáculos que dificultam, significativamente, o reexame da lide por outro órgão. (ANDRIGHI, 2006)

Por outro lado, Vanessa Flávia de Deus Queiroz, em seu trabalho intitulado como "As Consequências Constitucionais da Súmula Impeditiva de Recursos" [21], concebe o duplo grau de jurisdição como garantia fundamental contra o arbítrio do julgador, mas que sua ausência expressa no texto constitucional vem dando margem à sua mitigação, como ocorre no Código de Processo Civil com o advento da súmula impeditiva de apelação. Argumenta, ainda, que por infringir garantia, seja constitucional ou processual, a medida dá ensejo a recurso diverso e, portanto, não reduzirá a morosidade processual.

Ainda sob o ângulo do duplo grau de jurisdição, vislumbra-se uma desconfiança "propositada" do julgado de primeiro grau, com fins de protelar cada vez mais o efetivo cumprimento da decisão. É como se o juiz de primeiro grau fosse incapaz de julgar sozinho, fazendo-se sempre necessária a ratificação através do duplo grau de jurisdição.

Invoca-se também a inconstitucionalidade da norma em estudo em face da possibilidade de violar o princípio do contraditório. Para que isso não ocorra, é importante que as súmulas tenham sido editadas após prévio e exaustivo contraditório. Argumenta-se, ainda, que a aplicação do art. 518, § 1.º, do CPC, nega, de ofício, prosseguimento à apelação, sem a devida formação do contraditório, desprezando a possibilidade de reconhecimento do direito do autor pelo réu ou até mesmo a formalização de um acordo entre os litigantes.

Para Júlio Siqueira [22], há também violação ao princípio do Estado Democrático de Direito, inicialmente imperceptível. Considera a súmula impeditiva do recebimento de recurso de apelação uma ruptura constitucional e que sua aplicação deve ter caráter excepcional. Para o jurista, o caput do art. 518 garante o contraditório e a ampla defesa, determinando que seja o apelado intimado a responder. No entanto, o § 1.º do mesmo dispositivo autoriza o julgador a rejeitar de pronto o pedido do recorrente, examinando o próprio mérito recursal. Defende o autor que mesmo estando a decisão recorrida fundamentada em súmula do STF ou do STJ, mas trazendo o recorrente nova razão ou questão que renove a discussão, deve ser recebida a apelação. E aqui cabe lembrar que a regra no direito brasileiro é a proibição de inovar em grau de recurso. Todavia, o art. 517 do CPC permite que sejam suscitadas questões de fato novas, desde que a parte prove que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

Há também uma preocupação no sentido de que a súmula impeditiva de apelação ofenda o direito de ação. Para este, não há limitação quanto às demandas que podem ser levadas ao Poder Judiciário, bastando apenas a presença dos pressupostos processuais previstos no art. 267, IV, do CPC, dentre eles, o interesse de agir. Consiste o acesso à jurisdição na possibilidade da parte prejudicada levar sua insatisfação ao Poder Judiciário, para solução do conflito. No caso da súmula impeditiva de apelação, vislumbra-se que houve somente uma prorrogação da competência antes delegada apenas ao relator do recurso, o que não configura cerceamento ao direito de ação. Por outro lado, vê-se que o interesse recursal diante de questão com entendimento pacificado pelos tribunais superiores fica prejudicado. Neste caso, a súmula impeditiva de recurso poderia ser justificada pela falta de utilidade do recurso, uma vez que não havendo novas razões, o resultado recursal seria o mesmo proferido pelo juízo de primeiro grau.

Outro ponto que merece destaque é a atualização das súmulas dos tribunais. A Lei n.º 11.276/06 foi silente no tocante à aplicação ou não das súmulas prolatadas anteriormente à sua entrada em vigor. Como se sabe, as súmulas não são constantemente revisadas e muitas vezes acabam por ditar entendimento diverso do atualmente dominante. E o pior, o reexame da súmula não pode ser proposto pelo jurisdicionado, que, se quiser atacá-la, deverá fazê-lo através de recurso. Com a nova redação do art. 518 do CPC, esta possibilidade ficou ainda mais restrita, restando apenas o agravo de instrumento, que, por sua vez, não devolve ao tribunal toda a matéria fática controvertida.

A extensão do julgamento do agravo interposto contra decisão que inadmitiu a apelação com fundamento no § 1.º do art. 518 do CPC também merece esclarecimento. Antes da introdução da súmula impeditiva de apelação em nosso ordenamento, o julgamento do agravo contra decisão que não recebia recurso de apelação cingia-se à análise dos pressupostos recursais e, caso estes fossem considerados presentes, era determinada a subida dos autos principais para análise da apelação.

Com a nova redação do art. 518 do CPC, poderão ocorrer duas alegações: inaplicabilidade da súmula ao caso concreto ou sentença com entendimento contrário ao sumulado pelo STJ ou STF.

Na primeira hipótese, acaso provido o agravo, o Tribunal mandará subir os autos principais para apreciação da apelação. Seria mais coerente com os princípios da celeridade e da economia processual a mudança de tal procedimento, permitindo que não fosse esperado o eventual provimento do agravo para preparação da apelação. Ou seja, a parte recorrida deveria ser intimada para apresentar resposta a ambos os recursos, que já poderiam ser apreciados, se fosse o caso, numa mesma sessão de julgamento.

Já no segundo caso, a questão controvertida do agravo é o próprio mérito da apelação, qual seja, inobservância de súmula dos tribunais superiores. O problema é que inexiste regra expressa permitindo a apreciação da apelação no julgamento do agravo de instrumento (seria uma espécie de conversão do agravo em apelação). O Código de Processo Civil já contempla tal possibilidade para os recursos especial e extraordinário (art. 544, §§ 3.º e 4.º), sendo razoável sua aplicação analógica ao caso da apelação. Pensar o contrário, ou seja, vislumbrando a necessidade de subida dos autos principais, é ir de encontro à celeridade almejada pela nova figura processual.

Sobre o assunto, a Ministra Fátima Nancy Andrighi, na mesma palestra antes referida, sugere a criação de uma terceira modalidade de agravo, qual seja, o agravo "encartado":

Ainda, considerando a possibilidade de extensão do julgamento do agravo de instrumento, quando aplicada a nova regra do art. 518 do CPC, é possível apontar para eventual proposta de modificação normativa que estabeleça uma terceira modalidade de agravo: o agravo "encartado". Teríamos, então, o agravo de instrumento, dirigido diretamente ao Tribunal competente; o agravo retido nos autos, interposto no juízo a quo, que, nos termos do art. 523 do CPC, alterado pela recente Lei 11.187/2005, poderá ser apreciado pelo Tribunal na hipótese de o agravante requerer, preliminarmente, nas razões de apelação; e o inusitado agravo encartado, interposto contra decisão que aplicar, especificamente, o novo parágrafo primeiro do art. 518 do CPC. Assim, quando o juiz deixasse de admitir a apelação por entender que a sentença está em conformidade com súmula do STJ ou STF, a parte inconformada poderia interpor o denominado "agravo encartado", perante o juízo a quo, que deveria, automaticamente, após a concessão de prazo para apresentação de contra minuta pelo agravado, remeter os autos ao Tribunal. (ANDRIGHI, 2006).

Discute-se também se a aplicação do art. 518, § 1.º, do CPC, integra o juízo de mérito ou de admissibilidade recursal. Afirma-se que a medida trouxe mais um pressuposto de admissibilidade recursal. No entanto, há os que entendem que ao analisar se a decisão em ataque foi prolatada ou não de acordo com enunciados dos tribunais superiores, o julgador está realizando verdadeira análise do mérito recursal.

Pela análise literal do texto da norma em questão, verifica-se que o legislador referiu-se ao juízo de admissibilidade, afirmando que o juiz "não receberá o recurso", deixando transparecer que a ele não caberá qualquer apreciação do mérito.

Em sentido contrário, Wambier, Wambier e Medina apud Nascimento (2009) lecionam que saber se uma sentença está ou não em consonância com súmula editada pelo STF ou pelo STJ é questão atinente ao juízo de mérito do recurso.

Na mesma esteira de pensamento, Didier Jr. e Cunha (2009, p. 132):

Na verdade, quando o juiz aplica o § 1º do art. 518 do CPC, ele está a negar seguimento à apelação por razões de mérito; pode-se dizer que se conferiu ao juiz, nesse caso, competência para julgar o mérito da apelação. O juiz, em outras palavras, estará negando provimento à apelação.

Liu Carvalho Bittencourt [23], em "O artigo 518, § 1.º do Código de Processo Civil – juízo indireto de mérito recursal no manejo das ‘súmulas impeditivas de apelação’", sugere a criação de uma nova figura processual – juízo indireto de mérito recursal - para explicar com melhor técnica a questão. Segundo o autor, o juiz apenas analisa a sentença proferida, no intuito de verificar sua consonância com os entendimentos sumulados pelos tribunais superiores, adentrando no mérito recursal apenas de forma indireta.

Assim sendo, conclui-se que o Juiz a quo não tocará o mérito das razões recursais pela própria ocasião do processamento da apelação, mas sim, pela realização da atividade de subsunção – que foi discricionária - realizada até o enquadramento da demanda à súmula do STJ ou STF, pois a matéria alegada nas razões de apelação (quando possível a aplicação do art. 518, § 1º) será necessariamente deduzida a partir da mesma argumentação que ensejou a aplicação pelo Juiz da súmula impeditiva de apelação naquele caso. (BITTENCOURT, 2007).

Independentemente de se tratar de pressuposto de admissibilidade ou não, o certo é que se a decisão recorrida estiver fundamentada em súmula do STF ou do STJ, o recurso de apelação não será recebido.

No entanto, a súmula impeditiva de apelação deixará de ser aplicada em algumas situações, tais como:

a) quando o apelante pretende invalidar a decisão por vício formal. Neste caso, o objeto recursal não estará levando em consideração se a decisão contraria ou não súmula dos tribunais superiores, mas sim, que houve um erro no procedimento do feito, que, por conseqüência, invalida a sentença;

b) a impossibilidade de incidência da súmula no caso concreto. Aqui talvez seja o ponto mais importante e que exige a máxima cautela do julgador. Ao proferir qualquer decisão baseada em súmula ou entendimento jurisprudencial, seja de tribunais superiores ou não, o julgador deve ter a cautela de examinar os precedentes, o contexto e as circunstâncias que ensejaram aquele entendimento, sob pena de fazer julgamento equivocado. Se o apelante entende que a súmula não se aplica ao caso concreto, o mérito recursal não será o conteúdo sumulado e, por conseguinte, inadmissível a aplicação do art. 518, § 1.º, do CPC;

c) a invocação de fundamento novo, não examinado pelos precedentes que ensejaram a edição da súmula. Consequência da falta de regular atualização, as súmulas podem enunciar entendimento ultrapassado e, neste caso, também não há possibilidade de aplicação da súmula impeditiva de apelação.

Segundo Didier Jr. e Cunha (2009, p. 130):

Chama-se na doutrina do common law, overruling a superação de um precedente, por se o entender equivocado ou ultrapassado (...) implica uma revogação expressa do precedente, podendo haver, também, a revogação implícita, quando simplesmente se decide contrariamente ao precedente anterior ou quando se argumentar que a decisão não se sustenta diante de uma decisão posterior de uma corte superior.

d) quando houver divergência de entendimento entre o STF e o STJ sobre o mesmo tema, tal como ocorre acerca da alegação de posse advinda de promessa de compra e venda, não inscrita no cartório de imóveis, ensejar embargos de terceiro, onde o STF entende que não cabem tais embargos, enquanto o STJ afirma sua possibilidade, ambos os entendimentos sumulados – 621 e 84, respectivamente. No mesmo sentido, se há um entendimento sumulado por uma Corte Superior e a outra possui jurisprudência dominante no sentido contrário, ainda que não sumulada, também não vai ser possível a aplicação do novo dispositivo legal. Como é evidente, se os tribunais superiores não chegaram a um consenso, não há como o juiz de primeiro grau impedir a apelação.

A súmula impeditiva de apelação surge como um paliativo para tentar diminuir a demanda recursal. Para alguns, a medida é mais eficiente do que a súmula vinculante, sob o argumento de que não oferece qualquer dano à independência e à criatividade jurisprudenciais. Por outro lado, uma análise superficial do dispositivo pode levar à conclusão equivocada de que, mesmo no sentido inverso, todas as súmulas do STJ e do STF passaram a ter efeito vinculante. No entanto, a diferença reside substancialmente na obrigatoriedade de sua utilização. Enquanto a invocação das súmulas persuasivas é faculdade para o julgador, as súmulas vinculantes são obrigatórias.

Por se tratar de uma reforma pontual do sistema recursal, é possível que a súmula impeditiva de apelação não gere os efeitos almejados. A possibilidade de recurso contra a decisão que não recebe a apelação é um dos pontos que revela um pouco da ineficácia da medida para reduzir o número de recursos nos tribunais superiores.

Há tempos existe uma enorme preocupação com a uniformização jurisprudencial, com o fundamento de que é através dela que se alcança a segurança jurídica tão almejada. Realmente, não há dúvidas de que o direito uniformizado, onde todos terão a mesma resposta para os mesmos conflitos, faz parte inclusive do ideal de justiça. O que não pode ocorrer é uma uniformização cega, sem análise das circunstâncias fáticas de cada caso concreto.

O mundo globalizado exige respostas rápidas e até mesmo imediatas, o que atinge também o meio jurídico. A uniformização de entendimentos jurisprudenciais parece atender a este reclamo. No entanto, o perigo reside no caso do mau julgador, que através de uma simples leitura da súmula ou da ementa do acórdão, já acha a resposta ideal para o seu caso concreto e, não raras vezes, resolve o processo e perpetua o conflito. "A preocupação maior é com a resolução da grande quantidade dos processos (não necessariamente dos litígios) e, em razão disto, o fundo hermenêutico fica prejudicado." (ALENCAR, 2009, p. 100).

A súmula impeditiva de apelação é uma das várias tentativas do legislador em unificar a jurisprudência para diminuir a demanda recursal e aumentar a celeridade processual. Como já dito acima, talvez não produza os efeitos desejados, mas possui aspectos positivos e, diante dos problemas da nossa realidade, onde a morosidade e os recursos procrastinatórios são uma constante, resta-nos empreender esforços para sua melhor aplicação.

O momento é de pragmatismo. A Lei entrará em vigor inexoravelmente e temos que aplicá-la. A mínima inteligência manda que usemos todos os esforços para a sua melhor aplicação. Uma atitude eu tenho certeza que a sociedade brasileira espera de nós, lidadores do Direito: parar de reclamar que não temos Lei, especialmente quando a temos, e, então, entendemos que ela tem muitos defeitos e se torna difícil sua aplicação. Misoneísmo e idealismo são excludentes, portanto mãos à obra, porque só a boa vontade de fazer o melhor é capaz de produzir verdadeiros milagres e, a humanização da Justiça passa inexoravelmente pelo uso da nossa melhor parte – a inteligência de cada um. (ANDRIGHI, 2006).


CONCLUSÃO

O ponto central da presente monografia girou em torno do resultado prático da aplicação da Súmula Impeditiva de Apelação. Diante dos estudos realizados, vários fatores impedem que a nova regra alcance os objetivos traçados quando de sua elaboração, quais sejam, impedir os recursos protelatórios e dar maior efetividade às decisões de primeiro grau.

Da decisão que inadmite o recurso de apelação por estar a sentença atacada em consonância com súmula dos Tribunais Superiores, cabe o Agravo de Instrumento. Sob o ponto de vista prático, a Súmula Impeditiva de Apelação não reduz a demanda recursal. Ao contrário, da forma como está disposta no Código de Processo Civil, duplica o número de recursos, visto que, ao invés de um único recurso – apelação, dois deverão ser apreciados pelo tribunal – apelação e o agravo.

Como se não bastasse, haverá um maior entrave no processamento da apelação. Ao ser interposto e inadmitido o recurso de apelação, nos moldes do art. 518, § 1.º, do CPC, a parte inconformada muito dificilmente silenciará diante da rejeição do seu apelo e providenciará a interposição de agravo de instrumento junto ao tribunal competente. Acaso provido o agravo, será determinado ao juízo a quo o processamento da apelação e sua posterior remessa ao juízo ad quem. E isso, é claro, significa mais demora na prestação jurisdicional.

No entanto, não se vislumbra a inconstitucionalidade da nova regra, como querem alguns doutrinadores, fundamentados na idéia de que a medida ofende garantias constitucionais. A primeira delas é o duplo grau de jurisdição, que antes mesmo da Súmula Impeditiva de Apelação, já causava discussões, mormente no tocante a ser, ou não, uma garantia constitucional. Se assim considerado, o duplo grau possui caráter absoluto, sem possibilidade de mitigação. Caso contrário, reconhecendo-o como princípio, há o afastamento desse caráter absoluto e, por conseguinte, ocorre a possibilidade de seu confronto com outros princípios.

No caso da Súmula Impeditiva de Apelação, a suposta ofensa ao duplo grau de jurisdição consiste no fato do juiz prolator da decisão analisar o mérito do recurso, uma vez que afirmando se está ou não sua decisão em consonância com súmula dos Tribunais Superiores, estaria examinando o próprio mérito recursal. Ocorre que considerar o duplo grau de jurisdição como uma garantia constitucional e, portanto, defender a impossibilidade de sua mitigação, é o mesmo que considerar a incapacidade dos juízes de primeiro grau, como que inabilitados a proferir uma decisão em caráter definitivo.

Ainda que se considere o duplo grau de jurisdição como garantia constitucional, o que efetivamente não é, a Súmula Impeditiva de Apelação não o desrespeita. A possibilidade de agravo da decisão que inadmite a apelação é suficiente para afastar a possível inconstitucionalidade da nova regra por afronta ao duplo grau de jurisdição, visto que a questão controversa será submetida à apreciação do tribunal.

Não se vislumbra também afronta ao princípio do contraditório. As súmulas, por serem o resumo da jurisprudência dominante dos tribunais e, desta forma, decorrentes de decisões reiteradas, não há como se imaginar que tenham sido enunciadas sem o devido contraditório.

Para alguns, o fato de o juiz negar, de ofício, o prosseguimento da apelação, consiste em ofensa a tal princípio. No entanto, não se visualiza qualquer prejuízo com tal decisão, uma vez que a parte recorrida é, em tese e na grande maioria das vezes, a vencedora e, portanto, sem interesse no eventual prosseguimento do recurso. Afirmar que tal procedimento despreza a possibilidade de reconhecimento do direito do réu pelo autor ou mesmo uma conciliação, é levar em consideração hipóteses remotíssimas. Portanto, inexiste qualquer desrespeito ao contraditório.

A Súmula Impeditiva de Apelação também não viola o direito de ação. Este resta plenamente resguardado, uma vez que não impede que a demanda seja levada ao Poder Judiciário, mas apenas nega o prosseguimento de um recurso inútil, já que a decisão atacada está conforme o entendimento sumulado dos Tribunais Superiores. E ainda, trata-se apenas de uma prorrogação da competência do relator do recurso, conforme previsto no art. 557 do Código de Processo Civil. Em outras palavras, se o juiz de primeiro grau admite o prosseguimento da apelação nessas circunstâncias (decisão conforme súmula dos Tribunais Superiores), o relator do recurso poderá negar seu seguimento.

Apesar de não se vislumbrar qualquer ilegalidade da nova regra, verificam-se alguns entraves. A desatualização das súmulas é uma realidade e pode colocar em xeque o novel dispositivo, sob o ponto de vista da concretização do direito. Os tribunais não revisam constantemente suas súmulas, podendo ocorrer enunciado com entendimento ultrapassado, que, utilizado pelos julgadores mais desavisados, pode acarretar prejuízo à parte, visto que só terá seu direito efetivado através da interposição de recursos. Lamenta-se que o processo de provocação para atualização/revisão de súmula não seja estendido aos jurisdicionados, que só podem fazê-lo através de recursos propriamente ditos.

Outra questão extremamente relevante é a tendência de vinculação das decisões dos Tribunais Superiores, que não é uma novidade no nosso ordenamento jurídico, mas restou efetivamente consagrada através do advento da súmula vinculante. O tema em estudo não possui o expresso caráter vinculativo, mas acaba sendo um incentivo à sua utilização. O efeito vinculante, por si só, não gera risco à concretização do direito. Pelo contrário, a uniformização das decisões confere maior credibilidade ao Poder Judiciário, uma vez que o jurisdicionado tem a previsibilidade de que as decisões serão iguais para os casos iguais.

O perigo que se avista é a forma como vem sendo realizada essa vinculação. A utilização de entendimentos jurisprudenciais, sumulados ou não, é uma prática constante no nosso meio jurídico. Há uma tendência natural de seguimento ao que vem sendo ditado pelos Tribunais Superiores. Porém, com o acúmulo de trabalho e consequente automatização dos serviços judiciários, infelizmente tornou-se comum o que Rosmar Alencar chama de "analogia frasal", onde o caso concreto é submetido a uma comparação com a ementa do acórdão ou com a súmula, prática esta adotada por maus julgadores, despreocupados e descompromissados com o ideal de Justiça, que é dar o direito a quem realmente tem. Não há qualquer cuidado em analisar os precedentes daquelas decisões e verificar se realmente se adequam ao caso concreto.

Tal problema também é extensivo aos tribunais, que, não menos sobrecarregados, podem deixar de atentar para as particularidades de cada caso e utilizar súmulas inadequadas em seus julgamentos ou até mesmo negarem seguimento a recursos dotados de razão.

A solução do problema parece estar no investimento na preparação dos magistrados e a busca pelo resgate da confiança no juiz de primeiro grau. Todas as inovações da Reforma do Judiciário possuem seu aspecto positivo e, se bem utilizadas, trarão resultados efetivos. As questões abordadas neste estudo levam a crer que está nas mãos dos julgadores o sucesso ou o fracasso das novas medidas legislativas. Apesar da rigidez dos concursos para ingresso na magistratura, vislumbra-se que não são capazes de impedir a entrada de profissionais sem a mínima vocação para a carreira e que, com certeza, apesar de grande bagagem teórica, não desempenharão bem a função.

É preciso atribuir ao juiz de 1.º grau o seu verdadeiro valor. É ele quem pode dar a melhor solução ao caso concreto, pois está diante da causa e da realidade dos fatos. Já a decisão recursal é baseada simplesmente na frieza dos papéis. É inadmissível essa cultura recursal hoje reinante em nosso meio jurídico, onde a resposta à questão só é aceita como correta se confirmada e reconfirmada pelos tribunais, ficando o juiz com o papel de preparar a causa para um futuro e certo recurso.

O fortalecimento dos órgãos de correição também é de suma importância para esse resgate da confiança nos magistrados. É por meio deles que deverão ser coibidos eventuais abusos e arbitrariedades, e não através de recursos, que, como já dito, só procrastinam a efetivação do direito de quem tem razão.

Por outro lado, é evidente que as reformas pontuais não são a solução. A Súmula Impeditiva de Apelação é uma delas e, como se viu, não trará a esperada redução da demanda recursal. E isso porque é necessária uma verdadeira reforma no sistema recursal, impedindo os recursos procrastinatórios, que só favorecem aos que não têm razão, adiando cada vez mais a concretização do direito de quem tem.

O presente estudo não teve o condão de esgotar o assunto, em face da sua complexidade, mas vem ressaltar o aspecto positivo da medida e, ao mesmo tempo, alertar para os entraves e perigos existentes na sua aplicação.


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Notas

  1. BAALBAKI, Sérgio. A reforma do Código de Processo Civil e acesso à justiça. Estudos doutrinários e jurisprudenciais acerca dos embargos de declaração e dos embargos infringentes. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 963, 21 fev. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8002>. Acesso em: 28 jun. 2009.
  2. Excetuam-se o agravo retido, o agravo de instrumento contra decisão do juiz de primeiro grau e o agravo de instrumento contra decisão denegatória de recurso especial ou extraordinário, em que o juízo de admissibilidade só é exercido pelo órgão ad quem.
  3. Didier Jr. e Cunha apontam que seria mais adequado considerar a tempestividade como requisito intrínseco do recurso, já que a perda do prazo implica na preclusão do direito de recorrer.
  4. Excetuam-se o agravo retido contra decisão prolatada em audiência e os embargos de declaração no âmbito dos Juizados Especiais.
  5. ASSIS, Carlos Augusto de. Nova Sistemática dos Recursos e Celeridade Processual. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n.º 16, Jan/Fev. 2007. CD-ROM.
  6. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O Poder Judiciário: Como torná-lo mais ágil e dinâmico; efeito vinculante e outros temas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 35, n. 138, p. 75-87, abr./jun. 1998.
  7. LEÃO, Elizabeth. O Judiciário e a Busca da Excelência. In: IV MOSTRA NACIONAL DE TRABALHOS DA QUALIDADE DO JUDICIÁRIO, 2002, Recife. Revista ESMAFE, Recife, PE, n. 5, nov. 2003, p. 12-18.
  8. RIOS, Rubens Cesar Gonçalves. Os princípios do duplo grau de jurisdição e da razoável duração do processo e as limitações ao direito de recorrer. BDJur, Brasília, DF, 23 jan. 2009. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/19475>. Acesso em: 28 jun. 2009.
  9. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Procedimento Ordinário e razoável duração do processo. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 395, a. 104, p. 251-280, jan.-fev. 2008.
  10. PAULSEN, Leandro. A Justiça Federal: uma proposta para o futuro. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995.
  11. CORTÊS, Oscar Mendes Paixão. Segurança Jurídica e Vinculação das Decisões Judiciais - Análise da Relação entre a Formação da Coisa Julgada e a Súmula Vinculante no Direito Brasileiro. 2007. Tese (Doutorado em Direito Constitucional)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4733>. Acesso em 28 jun. 2009.
  12. De acordo com o art. 853 do Código de Processo Civil de 1939, o recurso de revista era cabível para as Câmaras Civis reunidas, quando duas (2) ou mais Câmaras, ou turmas, entre si, divergiam em suas decisões finais, quanto ao modo de interpretar o direito em tese.
  13. Idem, Ibdem.
  14. MARINONI, Luiz Guilherme. Juiz não pode decidir diferente dos tribunais. Revista Eletrônica Consultor Jurídico, São Paulo, 28 jun. 2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-jun-28/juiz-nao-direito-decidir-diferente-tribunais-superiores>. Acesso em: 15 set. 2009.
  15. SILVA, Evandro Lins e. Crime de Hermenêutica e Súmula Vinculante. Disponível em: <http://campus.fortunecity.com/clemson/493/jus/m05-011.htm> Acesso em: 22 out. 2009.
  16. SILVA. Marcos Luiz da. A Súmula de Efeito Vinculante no Direito Brasileiro. Revista da AGU, Brasília, DF, ano V, n. 37, fev./05. Disponível em: <http://www.escola.agu.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2009.
  17. CARIBÉ, Karla Virgínia Bezerra. A Súmula Vinculante no Direito Brasileiro: uma incoerência do Sistema Jurídico. Revista da AGU, Brasília, DF, ano VIII, n.79, ago./08. Disponível em: <http://www.escola.agu.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2009.
  18. BRASIL. Senado. Projeto de Lei nº 140, de 2004. Modifica o artigo 518 da Lei nº 5869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, introduzindo a súmula impeditiva de recurso das decisões de primeiro grau, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=67711&p_sort=DESC&cmd=sort>. Acesso em 15 jul. 2009.
  19. NASCIMENTO, Marina Freitas do. Súmula impeditiva de recurso e a celeridade processual. BDJur, Brasília, DF, 4 maio 2009. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/20986>. Acesso em: 28 jun. 2009.
  20. ANDRIGHI, Fátima Nancy. LEI 11.276/06 - Inadmissibilidade da Apelação contra Sentença que se Conforma com Súmula do STJ ou STF. In: AS NOVAS REFORMAS DO PROCESSO CIVIL, 2006, Brasília. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/2299>. Acesso em: 20 out. 2009.
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Informações sobre o texto

Monografia elaborada sob orientação do Prof. Esp. Flávio Maria Leite Pinheiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA, Adriana Farias. Considerações acerca da súmula impeditiva de apelação (art. 518, § 1º, CPC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2398, 24 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14244. Acesso em: 18 abr. 2024.