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Internação psiquiátrica: tratamento, cárcere privado e constrangimento ilegal

Internação psiquiátrica: tratamento, cárcere privado e constrangimento ilegal

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Discute-se a desvirtuação do papel da internação psiquiátrica, sobretudo no que diz respeito à mudança de suas reais funções na modernidade, sobretudo em razão do medo que parece estar embutido no conceito de tratamento psiquiátrico.

1. Introdução

O presente estudo tem por objetivo discutir a desvirtuação do papel da internação psiquiátrica, sobretudo no que diz respeito à mudança de suas reais funções na modernidade. Busca discuti-la sob um viés crítico, sobretudo em razão do medo que parece estar embutido no conceito de tratamento psiquiátrico.

Tal discussão se mostra necessária, posto que a internação psiquiátrica possui fins terapêuticos em favor do internado, e não um caráter punitivo para com o desprovido de discernimento.

Entretanto, em que pesem os objetivos sejam diversos, muitas vezes a internação psiquiátrica, no plano pragmático, acaba por se confundir com o cárcere, o que gera um descompasso no caráter teleológico do instituto.

Desta forma, buscar-se-á trazer algumas questões atinentes ao paradigma da internação como forma diversa das funções imposta pelo cárcere, em que pese a semelhança de tais procedimentos quando da prática na vida social.


2. A institucionalização da loucura

A internação psiquiátrica possui ligação umbilical com a ideia da institucionalização da loucura.

Tal expressão foi utilizada por Manuel Desviat [01], em sua obra intitulada "A reforma psiquiátrica". Com efeito, o enclausuramento de pessoas em asilos e demais instituições se deu, conforme Desviat [02], como forma de dar respostas aos acontecimentos registrados no século XVII.

De fato, as revoluções liberais ocorridas nos séculos XVII e XVIII, das quais a que mais se destaca é a Revolução Francesa, assinalaram a conclusão do processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Do ponto de vista cronológico, tais revoluções constituem o marco final da Idade Moderna. Todavia, se as sociedades modernas forem consideradas nas suas bases estruturais, o que se verificará, de fato, é que tais revoluções representaram a afirmação de novos valores até então contidos pela estrutura feudal, que, apesar de todas as transformações ocorridas, predominava nas sociedades da Europa ocidental.

A partir das revoluções dos séculos XVII e XVIII, o modo de produção capitalista, que vinha sendo esboçado desde o final da Idade Média, tornou-se predominante nas sociedades da Europa ocidental e, a partir delas, passou a influenciar na organização de praticamente todos os povos do mundo. Do ponto de vista social, a burguesia assumiu, de forma inquestionável, o lugar de classe dominante. As revoluções sociais foram burguesas e, a partir delas, se estabeleceu a compatibilização entre poder econômico, status social e predomínio da burguesia. Desta forma, os valores burgueses passaram a dar o tom nas relações sociais, em detrimento dos valores da nobreza, estando essa ainda identificada com a vetusta classe feudal.

Surgiram, pois, valores como o liberalismo, a propriedade privada e os direitos do homem. Aliado a isso, a visão burguesa de uma sociedade dividida em classes sociais compunha todo esse cenário. Essas classes se hierarquizavam a partir de condições econômicas, segundo as quais os mais pobres deveriam "aceitar" sua condição de natural predomínio das classes mais abastadas.

Dentre as revoluções do século XVII, podemos destacar as revoluções na Holanda [03] e Inglaterra [04], sendo que o Iluminismo [05], a Revolução dos Estados Unidos da América [06], a Revolução Industrial [07] e a Revolução Francesa [08] destacaram-se como os acontecimentos que notabilizaram o século XVIII.

Assim, desse breve apanhado histórico, é possível imaginar a necessidade dos governos da época no sentido de querer "esconder" a miséria que rodeava o meio social, sobretudo nas pessoas de pobres, mendigos e doentes mentais.

Karl Dorner, citado por Desviat, enumerou uma lista que descrevia os tipos de pessoas que estariam sujeitas à internação. Dentre elas, verbis:

[...] os mendigos, os vagabundos, as pessoas sem domicílio, sem trabalho ou sem ofício, os rebeldes políticos e os hereges, as prostitutas, os libertinos, os sifilícios e alcoólatras, e os loucos, idiotas e maltrapilhos, assim como as esposas molestas, as filhas violadas ou os filhos perdulários, foram, através desse procedimento, convertidos em iníquos, e até transformados em invisíveis [09].

Mostra-se, com isso, que o estigma dos "menos abastados socialmente" é antigo, estigma esse que não se encontra cicatrizado até os dias atuais, em especial na pessoa dos doentes mentais [10] [11].

Afastando-se um pouco do viés histórico até aqui postulado, tem-se na Reforma Psiquiátrica, operada a partir da década de 1980 no Brasil, um dilema muito importante. Para compreendê-lo, deve-se considerar que os manicômios foram fechados, visto que não estavam respondendo à sua função de tratar e reinserir os pacientes que lá estavam no seio da sociedade. Até então, os pacientes eram catalogados e tratados como verdadeiros "restos" da sociedade. Foi então criada em seu lugar uma legislação de proteção, garantindo os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais com um redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental (Lei nº. 10.216/01), cujo objetivo foi exatamente o de criar mecanismos que fizessem cumprir o que os manicômios não cumpriram, agregando aos pacientes um status digno de seres humanos, com um tratamento condizente à sua doença para, ao final, reinserí-los (quando possível) à sociedade. O dilema, então, é por que esse último modelo, assim como o primeiro, não está dando certo?

Atualmente, falar sobre a Reforma Psiquiátrica [12] é falar mais sobre um movimento que deu certo apenas na teoria, movimento esse, inclusive, que acabou por fazer parir mais uma legislação programática no Brasil.

Sem dúvida houve uma mudança teórica no conceito de institucionalização. Aquela imagem do louco no hospício deixou de ser comumente falada, criticada e desenvolvida. O deficiente mental foi levado à sua condição de ser humano, posto que, em algum momento passado, de fato parecia ter deixado de sê-lo.

Enfim, a Reforma Psiquiátrica trouxe benefícios teóricos para o sistema, mas acabou gerando problemas que hodiernamente se mostram sem solução (ou talvez falte vontade política de se agir positivamente para buscar uma solução).

Os estabelecimentos de saúde mental (ex-manicômios) deixaram de ser um depósito de "desprovidos de discernimento". Assim também é possível dizer que os pacientes que hoje estão internados nesses estabelecimentos são tratados de forma "mais humana" que outrora. Todavia, não foi somente essa a ideia da proposta pela Reforma Psiquiátrica.

O sistema político, com suas artimanhas pelo poder a qualquer custo, cujo objetivo central é buscar todos os meios possíveis e inimagináveis para a manutenção e perpetuação desse mesmo poder, acabou por deixar a saúde pública num segundo plano. Assim, os estabelecimentos de saúde, depois da reforma, continuaram a não possuir estrutura adequada para tratar a todos os necessitados de forma digna [13].

Os leitos são escassos. A remuneração do profissional da saúde é baixa e a estrutura é decadente. Como querer atender, a longo prazo, de pessoas que precisam de uma atenção e de um tratamento imediato? Os recursos físicos e técnicos devem se somar a profissionais capacitados para agir conforme os preceitos de dignidade humana, preceitos esses previstos na própria Constituição Federal. O que ocorre, de fato, é a falta vontade política dos governantes.

O doente mental, mesmo com a Reforma Psiquiátrica, continua sendo excluído, recluso e asilado. E pior: tratado ainda muitas vezes como um "não-sujeito". A sua internação acaba por gerar medo não só para si, mas também para seus familiares, em razão da imagem que os ex-manicômios deixaram ao longo da história. Sem dúvida que essa não foi a intenção da Reforma Psiquiátrica, todavia é a realidade que parece estar presente no Brasil.

Para obter um tratamento "digno" para o doente mental, deve-se, necessariamente, socorrer-se a clínicas particulares. Para isso, ou se tem um plano de saúde que cubra as despesas, ou se têm recursos financeiros elevados para pagar o tratamento. Em outras palavras: se o paciente é pobre, não tem tratamento; se é abastado, tem tratamento. Ocorre que, pela letra da Constituição Federal, ambos têm direito de ser tratados de forma digna. Todavia, os recursos são escassos. Assim, como alocar os recursos limitados para saúde frente a um sistema que é cada vez mais caro?

Não se deve esquecer que

[...] a realidade da alocação de recursos no Brasil requer maiores considerações. Necessitamos privilegiar a saúde em detrimento da doença. Os poucos investimentos na promoção da saúde tendem a acarretar maior incidência de doenças passíveis de prevenção e por conseguinte o aumento dos custos com investigação e tratamento e um maior número de casos [14].

As pessoas não podem ser avaliadas pelo que têm, mas, sim, pelo que são. O problema da deficiência mental, pragmaticamente falando, não é levado em conta. O que realmente conta, de fato, é se o paciente ou seus responsáveis possuem condições financeiras para arcar com o tratamento. Entretanto, é praticamente impossível uma família possuir condições financeiras necessárias para o tratamento de um doente mental se levarmos em conta o padrão de vida da sociedade brasileira.

Além disso, não há como se desinstitucionalizar de forma irresponsável. É uma utopia pensar que os doentes mentais que ingressam em clínicas mantidas pelo Poder Público sairão de lá melhores do que entraram. Isso se constata até porque o Poder Público sequer tem condições de custear o tratamento adequado, tamanho os desvios de verba que são utilizadas para cobrir os escândalos políticos. O Estado não se faz presente nesses casos.

Se a questão crucial da desinstitucionalização [15] "[...] é uma progressiva devolução à comunidade da responsabilidade em relação aos seus doentes e aos seus conflitos", estamos pecando nessa rubrica em específico.

O que se observa é que, na prática, existem dois discursos diferentes: um fala de como deve ser, e o outro de como efetivamente é. Assim, a Reforma Psiquiátrica não funciona no plano pragmático. O problema do tratamento do doente mental, com o fito de tentar reinserí-lo à sociedade como um sujeito saudável ou, pelo menos, apto a conviver pacificamente e de acordo com os regramentos sociais (superego [16] bem definido) é, atualmente, uma questão programática, e não prática.

Assim, para tentar resolver o problema do doente mental no Brasil, com o fito de sustentar que a Reforma Psiquiátrica possui um viés positivo, criaram, além de mais uma legislação específica (Lei nº. 10.216/2002), instituições como as Unidades Básicas de Saúde (UBS), os Ambulatórios de Especialidade (ASM) e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Lógico que a criação de tais instituições corrobora duas idéias centrais e históricas no Brasil: a saúde só é tratada como prioridade nas campanhas político-partidárias e, mais uma vez, a perspectiva da saúde no Brasil é curativa, e não preventiva.

A promulgação da Lei nº. 10.216/02 não teria sido suficiente para se resolver o problema do deficiente mental? Tal questão é abordada por Itiro Shirakawa e Eliana Gonçalves. Eles afirmam que

[...] a criação desse sistema de atenção à saúde mental exige o funcionamento de uma rede, na qual o paciente encontre uma porta de entrada e um fluxo que permita o trânsito no sistema de forma adequada às suas necessidades. Esta rede depende da existência de políticas de saúde bem definidas, formação de equipes de atendimento bem preparadas, financiamento de estrutura física e recursos humanos [17].

Ocorre que a posição acima mencionada, quando levada ao campo prático, não funciona. Como querer tratar de um depressivo agudo ou um paranóide com idealização suicida em um ambiente ambulatorial? Dar-se-á, de forma paliativa, uma medicação para o mesmo, sendo que, depois do efeito, o doente mental voltará ao estado depressivo, talvez com resquícios de agudização e cronicidade. Então, o que se necessita é uma eficaz qualidade da assistência ao deficiente mental.

Na mesma linha, os mesmos autores encerram, no sentido de que

[...] não há a menor dúvida, que a direção da reforma de assistência devesse ter sido conduzida para fora do hospital, mas devemos levar em consideração as dificuldades existes na construção de uma rede de qualidade que deve oferecer não somente atendimento, mas o suporte psicossocial. O direito à liberdade, individualidade e sociabilidade está preservado na permanência dos pacientes fora do hospital. Entretanto, é dever do médico questionar se a eles tem sido garantido "o melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades" [18].

É indiscutível que a internação psiquiátrica é necessária para o tratamento do doente mental. Contudo, é muito importante que ela funcione de forma efetiva, e não apenas no plano teórico.

Apesar dos problemas relacionados à internação psiquiátrica, em especial quando à falta de recursos financeiros oriundos do Estado para o cumprimento efetivo de seu papel, a internação em hospital psiquiátrico protege o deficiente mental. É melhor termos um deficiente mental asilado e tratado diuturnamente a ter esse mesmo deficiente mental fora do hospital, sem nenhum tratamento e cuidados necessários.


3. Internação X Cárcere

A norma do art. 148 do CP [19] tutela a liberdade física individual de locomoção, de modo que se liga diretamente à norma do art. 5º, XV, da CF [20]. Assim, aquele que priva a liberdade de ir e vir de outrem, mediante sequestro ou cárcere privado, sofrerá pena prevista no tipo penal mencionado [21].

Para Isaiah Berlin,

[...] a liberdade de locomoção, assim impropriamente chamada, pois é o direito de ir, vir e também de ficar – jus manendi, ambulandi, eundi ultro citronque -, é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para o outro, ou em permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça [22].

Na verdade, o sequestro consiste em privar uma pessoa de sua própria liberdade, ao passo que o cárcere privado é o confinamento de um sujeito em um cômodo isolado particular. Com efeito, o CP equipara as duas modalidades, sendo que ambos os crimes podem se dar por comissão, no caso de detenção do sujeito, ou por omissão, quando se retém o sujeito.

O sujeito dos crimes de sequestro e cárcere privado é comum. Se praticado por funcionário público, por exemplo, caracterizar-se-á, em tese, o cometimento do crime de abuso de autoridade. O sujeito passivo, assim como o ativo, também pode ser qualquer pessoa, sem nenhuma restrição, incluindo, dentre esse rol, os doentes mentais.

Tratam-se de crimes permanentes, que se perduram no tempo, cuja consumação se dá com a mera privação da liberdade (crime material). O exaurimento se dá no mesmo momento da consumação, diferentemente do crime de extorsão mediante sequestro (crime formal), que se dá em momentos diferentes, na medida em que somente em eventual recebimento de valor ou objeto que represente pecúnia por parte do sujeito ativo é que se desencadeará o exaurimento.

Para Nelson Hungria, são elementos essenciais do crime de cárcere privado "[...] a detenção ou retenção de alguém em determinado lugar; o dissentimento, explícito ou implícito do sujeito passivo; a ilegitimidade de retenção ou detenção e o dolo [23]."

Evidente que pessoas paralíticas, estropiadas e com doenças graves também se enquadram como sujeitos passivos de tal crime, mesmo que, aparentemente, a sua liberdade de ir e vir esteja afastada da tutela jurisdicional.

Ainda o jurista Nelson Hungria apresenta posição antagônica, diversa da proposta por Von Liszt, para quem, nos casos acima mencionados, o crime de cárcere teria como fundamento a liberdade de locomoção. O jurista brasileiro entende que a liberdade de locomoção não é somente aquela liberdade de mover-se por si mesmo, mas também o de fazer-se mover ou poder ser movido por outra pessoa [24].

Ressalte-se, ainda, que sujeitos que não detêm capacidade de compreensão ou entendimento são tidos como sujeitos passivos do crime, como, por exemplo, crianças, embriagados inconscientes, pessoas que dormem em estado de torpor e os enfermos mentais.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) já decidiu sobre o tema: "Sujeito passivo do delito de cárcere privado é todo aquele que sofre privação de sua liberdade - inclusive a criança. E o delito se consuma ainda que a vítima seja restituída do local do cárcere pelo acusado, por se tratar de crime permanente [25]."

No mesmo contexto, Nelson Hungria prescreve que pode

[...] replicar-se, com vantagem, que, ao proteger a liberdade física do indivíduo, a lei não leva em conta o grau de sua maturidade ou saúde mental e, quando se segrega uma pessoa, mesmo a son insu, tirando-lhe a possibilidade de ser ajudada ou socorrida por outrem, não há de se negar que está sendo privada ou restringida na sua liberdade pessoal [26].

Para Alberto Silva Franco e Rui Stocco,

[...] a ação consiste em privar alguém de sua liberdade física ou de locomoção, vale dizer, despojar, impedir o exercício do direito de se mover no espaço, não se exigindo uma privação absoluta total [...]. Pode se comissiva ou omissiva, compreendendo, assim, tanto o que seqüestra como o que encarcera, impedindo a locomoção, como o que omite a restituição à liberdade, por exemplo, do enfermo mental que recuperou a saúde [27].

O tipo omissivo, na visão de Hungria, é claro na medida em que "[...] se deixa de pôr em liberdade um louco restabelecido [28]."

Os meios de se manter um sujeito em cárcere privado são diversos. Engloba-se desde o uso de narcóticos induzidos até a violência propriamente dita. O que deve ficar presente é que o ato, para fins de tipicidade, deve necessariamente tolher, mediante cárcere privado, a liberdade de movimento.

Vê-se que, neste delito, não se questiona a capacidade do sujeito passivo. A sua autonomia gerencial dos próprios atos da vida em sociedade não é questionada para a consumação do delito. O bem jurídico protegido é a liberdade, sendo que essa é atributo de todos, independente se sujeitos autônomos ou não.

O dolo, no crime de cárcere privado, é elemento subjetivo essencial. Deve-se ter, de uma certa forma, consciência da ilicitude do fato, todavia não requerendo dolo específico para a consumação.

Destaque-se que a internação de um sujeito em hospital psiquiátrico de forma indevida é a maior tradução da má-fé e maldade humanas. Conforme diz Cezar Bitencourt, "[...] é indiferente que a internação ocorra em casa de saúde ou em hospital, pois não é a natureza do local que agrava o crime, mas sua destinação de cura e tratamento [29]."

O que deve ficar claro é que a punibilidade é extinta, por total ausência de dolo, se o sujeito ativo pensava que o sujeito passivo efetivamente necessitava de tratamento em hospital psiquiátrico.

Conforme ensinamento de Magalhães Noronha,

[...] a internação em casa de saúde ou em hospital é prescrição que se avizinha da do Código Penal Suíço, art. 182, nº. 2, segunda parte, mais ampla, já que esse se limita à internação por doença mental. Vê a lei no fato maior periculosidade do agente, revelada na fraude empregada, pois difícil seria a consecução sem artifício ou ardil [30].

É importante mencionar que o crime de cárcere privado praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital o torna qualificado, conforme estabelecido na norma do art. 148, parágrafo primeiro, II, do CP [31].

O médico ou diretor de hospital que consente na internação criminosa responde pelo crime como coautor [32].

Além do questionamento criminal, o médico que eventualmente for chamado a responder por uma internação involuntária efetivada em desobediência aos ditames legais, estará sujeito a defender-se perante o Conselho Regional de Medicina (CRM), posto que a conduta pode configurar infração a diversos artigos do CEM, ensejando punição ético-disciplinar.

Ademais, conforme preceitua a norma do art. 42 [33] do CEM, é expressamente vedada ao médico a prática de atos proibidos por lei, sendo-lhe proibido limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre o seu bem-estar, conforme preceituado na norma do art. 48 [34].

Ao exercer sua profissão, em instituições nas quais o paciente esteja recolhido independentemente de sua vontade, o médico não poderá desrespeitar-lhe o interesse e a integridade, conforme reza a norma do art. 53 [35] do mesmo Código.

Pode se dar, entretanto, a presença de duas qualificadoras ao mesmo tempo. Neste caso, segundo lição de Guilherme Nucci, "[...] a segunda passa a valer como circunstância legal (agravante), se houver, ou como circunstância judicial (art. 59, CP) [36]."

Se, todavia, esse alguém consentiu no encarceramento para submeter-se a um tratamento psiquiátrico, o fato não será um ilícito penal, pois a ilicitude se exclui pelo consentimento do ofendido.

Existe a possibilidade, inclusive, de quem já estiver detido se tornar sujeito passivo de tal delito, como por exemplo no caso de uma pessoa que esteja cumprindo medida de segurança. Apesar de estar detida, pode a mesma passar a sofrer alguma espécie de restrição quanto à sua liberdade do local onde cumpre a medida, visto que sofreria uma limitação maior de sua liberdade dentro de um ambiente já limitador da própria liberdade.


4. Considerações finais

Pelo estudo aqui desenvolvido, verificou-se que a nossa sociedade optou por fazer uma classificação expressa de atos de sujeitos considerados "normais" e "anormais", como se isso fosse possível de ser delimitado ou conceituado.

O legislador simplesmente criou regras, todavia não explicou como as mesmas deveriam funcionar, muito menos como deveriam interagir com as demais ciências afins. Esse mesmo legislador legislou sobre conceitos extremamente complexos, interpretando-os com irresponsável simplicidade.

Para os "anormais", criou os manicômios judiciários, que, depois da reforma psiquiátrica, restou travestido pelo nome de hospitais de custódia e tratamento. Quis se construir a idéia de que, nos hospitais de custódia e tratamento, os "loucos" seriam recuperados e reinseridos no seio da sociedade. Para galgar esse intento, foi criada uma lei específica, no sentido de proteger esses "anormais" (Lei nº. 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispôs sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionou o modelo assistencial em saúde mental).

Criou-se, com isso, mais uma lei, no sentido de "valorizar" aqueles que os próprios seres humanos ditos "normais" rotularam como "anormais". Ao fazerem nascer tal lei, os legisladores entenderam que as normas nela contidas seriam capazes de alterar os aspectos e vícios culturais carcomidos em uma sociedade com a brasileira. Assim, supostamente, a lei teria o papel mágico de solucionar os problemas culturais da sociedade brasileira!.

Na verdade, a sociedade direciona a discriminação no deficiente mental (identifica). Depois, o exclui do âmbito de convívio social, enclausurando-o num ambiente totalmente desprovido de condições de tratamento (exclusão) e, posteriormente, o estigmatiza perante os demais membros da sociedade (rotulação).

Esse discurso é necessário, para manter a falácia de que o tratamento do doente mental, na saúde pública do país, funciona. De fato funcionaria, se as leis fossem efetivamente aplicadas e se a nossa cultura fosse outra, que não a que perdura desde a criação do Estado brasileiro.

Assim como o Código Penal não possui o condão de fazer com que os crimes diminuam, a Lei nº. 10.216 também não tem o poder de fazer com que o deficiente mental seja incluído, visto que esse já nasce e perdura pela vida inteira como um excluído, um invisível, um sujeito desprovido de direitos que lhe garantam o mínimo de sociabilidade, diante dos ditos "normais".

Num sistema de saúde pública como o brasileiro, onde o caos é presença onipresente, o papel do profissional da saúde se mostra importantíssimo. Esse mesmo profissional, contudo, cujo papel se mostra imprescindível, não pode resolver os problemas do sistema de saúde pública, se esse próprio sistema não possui condições de ser resolvido. A situação acaba por se configurar como um círculo vicioso, que atinge sobremaneira o deficiente mental, visto que, além de já estar excluído, ele sequer terá as mínimas condições de tentar ser incluído na sociedade, pois o redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental nunca aconteceu.

Evidentemente que, sem um sistema público de saúde sólido, não há como falar em ambiente terapêutico adequado, visto que esse também nunca existiu. Tampouco seria possível considerar, no plano pragmático, a recuperação da saúde mental do deficiente, visto que, na remota hipótese de isso acontecer, a sociedade, por questões culturais, iria excluí-lo de qualquer forma, sobretudo em razão do medo que a internação proporciona aos seus internados.

Para que esse redirecionamento, de fato, ocorresse, seriam necessários dois acontecimentos: vontade política e mudança de atitudes.

A vontade política, para mudar esse estado caótico seria verificada na medida em que as verbas destinadas à saúde fossem efetivamente aplicadas na saúde, e não desviadas por uma minoria política que legisla em causa própria, com o único objetivo de buscar alguma vantagem pessoal.

Já a mudança de atitude deveria envolver a própria sociedade, que se diz democrática e igualitária. Nesse sentido, fazer com que as leis fossem, de fato, cumpridas, e não relevadas ao plano teórico, já seria um bom início. Igualmente, garantir que os princípios constitucionais fossem realmente aplicáveis também se mostraria como uma atitude positiva e destinada a um fim lúcido.

Tentar, nesse mesmo contexto, fazer com que nasça uma nova perspectiva cultural nas gerações vindouras, no sentido de se criar, através de programas de inclusão social, o convívio daqueles "descartados" arbitrariamente pela própria sociedade, seria uma forma de resolver o tormentoso problema da inclusão do "diferente" na sociedade atual.

O verdadeiro respeito à dignidade da pessoa humana exige de todos, sobretudo aos membros do Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como da própria sociedade em geral, esforços no sentido de se fazer cumprir as disposições constitucionais vigentes.


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Notas

  1. DESVIAT, Manuel. A reforma psiquiátrica. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. p. 15-23.
  2. DESVIAT, 1999. p 15.
  3. A revolução na Holanda se revestiu de um caráter sui generis: foi o primeiro movimento burguês a obter êxito. Firmou-se como luta de independência nacional e ainda acabou por se constituir numa das principais lutas religiosas, entre as que se deram na Europa no período Moderno.
  4. Os wighs e os tories se uniram na luta contra o rei e, em 1688, fizeram a Revolução Gloriosa, assim denominada porque dela não haviam participado as massas populares, não havendo, pois, nenhum tipo de "desordens sociais". Destaque-se, ainda, que os ingleses entregaram o trono em fevereiro de 1689 a Guilherme de Orange. Todavia, a monarquia teria seus direitos limitados, legal e constitucionalmente, pela Declaração dos Direitos – Bill of Rights – estabelecida pelo parlamento no mesmo ano. Sobre a Revolução Gloriosa, HILL, Christofer. A revolução inglesa de 1640. 2. ed. Tradução: Wanda Ramos. Lisboa: Presença, 1981.
  5. O desenvolvimento intelectual trazido pelo Iluminismo caracterizava-se pelo que poderia ser chamado de uso da razão, como princípio fundamental para a compreensão de todos os fenômenos. A razão seria a luz que iluminaria os pensamentos do homem, possibilitando a elaboração de idéias que explicariam e impulsionariam as ações humanas. Resulta daí o fato de se chamar o século XVIII de o Século das Luzes.
  6. A luta dos Estados Unidos representou um marco fundamental no processo de formação da sociedade capitalista burguesa, assentada nos princípios liberais e individualistas impostos pelo Iluminismo. Além disso, o surgimento da primeira nação americana representou o início de um processo que tendeu a deslocar da Europa o centro hegemônico mundial. GODECHOT, Jacques. As revoluções. Tradução: Erothildes Millan Barros da Rocha. São Paulo: Pioneira, 1976; APTHEKER, Herbert. Uma nova história dos estados Unidos: a era colonial. Tradução: Maurício Pedreira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
  7. Caracterizou-se como o conjunto de transformações ocorridas a partir do século XVIII, especialmente na Inglaterra, sendo considerada como revolução, em razão das transformações econômicas e profundas mudanças na ordem social e política da sociedade da época. HOBSBAWM. Eric. A era das revoluções. 2. ed. Tradução: Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
  8. A Revolução Francesa pode ser considerada como uma revolução burguesa típica, e a ela estão ligados dois conceitos fundamentais: o conceito de revolução como transformação social, e o conceito de luta de classes, entendido como o processo pelo qual as mudanças estruturais se realizaram. Tal revolução foi, na verdade, a luta na qual a burguesia se apresentou como classe revolucionária, de cuja vitória resultou no aniquilamento da sociedade feudal do antigo regime e a afirmação da sociedade liberal burguesa, de forma basicamente capitalista. SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa. Tradução: Rolando Roque da Silva. 3. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1979.
  9. DORNER, Klaus. Ciudadanos y Locos. Madrid: Taurus, 1974. Edição original: Frankfurt: Burges und Irre, 1969. p. 29, apud DESVIAT, 1999. p. 15.
  10. Ainda sobre a historicidade da reforma, importante se destacar as idéias da obra de Cesare Beccaria, "Dei Delitti e Della Pena", de 1764, propondo que nobres e plebeus, de forma igualitária, respondessem sobre os seus atos; que a pena correspondesse à gravidade do delito e que os Magistrados recorressem à Lei e não aos seus valores pessoais quando da aplicação de uma pena. Tais proposições formaram o baluarte do Direito Penal Moderno.
  11. No ambiente do ideário da Revolução Francesa (Igualdade, Fraternidade e Liberdade) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, inaugurava-se o período Humanitário do Direto Penal, que perduraria até a segunda metade do século XIX.
  12. O psicanalista Augusto Cesar de Farias Costa, em trabalho intitulado "Direito, Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica", entende que "[...] o processo conhecido como Reforma Psiquiátrica vai além de uma mera "reforma da assistência psiquiátrica". Ao emitir uma Lei que "Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental", Governo e sociedade assumem o esgotamento do modelo assistencial vigente. As razões desse esgotamento já são por demais conhecidas. Contudo, vale lembrar que por ser asilar, manicomial, institucionalizador, violento, desumano, ineficaz, iatrogênico e caracterizado por uma prática assistencial balizada no silenciamento dos sintomas e na repressão da expressão da subjetividade, esse modelo não merece mais nenhuma chance. Determinar a criação de um modelo assistencial que ao objetivar a substituição do modelo atual por uma rede de Serviços Substitutivos ao hospital psiquiátrico, aberta, inserida na comunidade e voltada para a reinserção psicossocial, que além de superar o paradigma da assistência manicomial, recupere a dignidade do usuário, constitui-se em um desafio eterno. Está claro que isso representa o próprio caminhar da sociedade e que o modelo ideal nunca será alcançado pois, da mesma forma como a sociedade se transforma, as necessidades também vão se transformando e essa é a própria essência da vida: o inusitado, o desconhecido e a coragem de desvendá-lo [...] Partindo do olhar epistemológico, não é possível consumar a Reforma Psiquiátrica sem que certos conceitos e métodos, desenvolvidos no percurso secular da Psiquiatria, sejam revistos. Por exemplo, o texto e a cura da loucura. Se a loucura é um texto incompreensível, que sejam aprimorados os métodos existentes e desenvolvidos novos instrumentos de leitura desse texto. O que costuma acontecer é a desvalorização do conteúdo do sintoma frente a própria existência do sintoma. Quanto a cura da loucura, o que a Psiquiatria faz de fato é cura ou "normalização" da pessoa que apresenta uma diferença? Finaliza afirmando que o norteamento da Reforma Psiquiátrica brasileira encontra-se voltado para a busca diuturna da recontextualização dos portadores de Transtornos Mentais por meio do asseguramento dos seus direitos e cidadania. Contudo, sabemos que a situação adversa em que se encontram as populações excluídas do processo de desenvolvimento econômico implementado desde a última década são fatores de vulnerabilização da capacidade humana de resistir à insegurança provocada por esse estado de coisas." SAUDEPUBLICA. Disponível em: www.saudepublica.bvs.br/itd/legis/curso/pdf/a10.pdf. Acesso em: 04 set. 2008.
  13. Conforme Dora Sadigurzky e José Lucimar Carvalho, a luta anti-manicomial, vem traduzindo os anseios dos profissionais da área, em reinserir o doente mental na sociedade e devolver-lhe a cidadania por tanto tempo negada. Essa luta, tem encontrado uma série de obstáculos que vêm impedindo a sua efetiva implementação no território brasileiro, não sendo raro, ainda nos deparamos com hospitais psiquiátricos, nos quais o modelo asilar predomina. Esses hospitais, geralmente apresentam estruturas adaptadas, obsoletas, com um grande número de pacientes por unidade, elevada taxa de permanência hospitalar, favorecendo a muitas reinternações e pouca resolutividade. A assistência baseia-se numa terapêutica medicamentosa abusiva visando, sobretudo, o lucro, mantendo a continuidade do sistema de afastamento e de segregação do doente mental da sociedade. SADIGURZKY, Dora; CARVALHO, José Lucimar. Algumas considerações sobre o processo de desinstitucionalização. Revista Latino Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 6, n. 2, p. 23-27, abr., 1998.
  14. ÁVILA, Gerson Antônio de; ÁVILA, Gustavo Noronha de; GAUER, Gabriel José Chittò. Distribuição de recursos limitados em saúde. In: GAUER, Gabriel José Chittò; ÁVILA, Gerson Antônio de; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Ciclo de Conferências em Bioética I. Rio de janeiro: Lúmen Júris Editora, 2005. p. 107.
  15. DELGADO, Pedro Gabriel. Perspectivas da psiquiatria pós-asilar no Brasil (com um apêndice sobre a questão dos cronificados). In: TUNDIS, Silvério Almeida; COSTA, Nilson Rosário (orgs.). Cidadania e loucura: políticas de saúde mental no Brasil. Petrópolis: Vozes/ABRASCO, 1987.
  16. Segundo Freud, o Superego, também inconsciente, faz a censura dos impulsos que a sociedade e a cultura proíbem ao Id, impedindo o indivíduo de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. É o órgão da repressão, particularmente a repressão sexual. Manifesta-se à consciência indiretamente, sob a forma da moral, como um conjunto de interdições e de deveres, e por meio da educação, pela produção da imagem do "Eu ideal", isto é, da pessoa moral, boa e virtuosa. O Superego ou censura desenvolve-se em um período que Freud designa como período de latência, situado entre os 6 ou 7 anos e o início da puberdade ou adolescência. Nesse período, forma-se nossa personalidade moral e social. FREUD, Sigmund. O Ego e o Id. Edição standard brasileira da obras completas de Sigmund Freud. Tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996/1923. v. XIX.
  17. SHIRAKAWA, Itiro; GONÇALVES, Eliana Cristina. Assistência psiquiátrica e desinstitucionalização. In: ALVES, Luiz Carlos Aiex (Coord.). Ética e psiquiatria. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2007. p. 183.
  18. SHIRAKAWA; GONÇALVES In ALVES, 2007. p. 185.
  19. A norma do art. 148 do CP estabelece, verbis: Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 1º. A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos: I - se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente; II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias. § 2º. Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
  20. A norma do art. 5º, XV da CF estabelece, verbis: Art. 5º, XV - É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
  21. O ECA estabelece dois tipos penais especiais para o delito em questão. Encontram-se previstos, nas normas dos arts. 230 e 234, que estabelecem: "Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais. Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação da criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão: Pena - detenção de seis meses a dois anos".
  22. BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade. In: BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre a liberdade. Tradução: Humberto Hudson Ferreira. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981. p. 136.
  23. HUNGRIA, Nelson, FRAGOSO, Heleno. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 192.
  24. Nesse sentido: HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro, Forense, 1959. p. 193.
  25. BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível. Relator: Desembargador Gonçalves Sobrinho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n. 560, p. 307, 2001.
  26. HUNGRIA, 1959. p. 193.
  27. FRANCO, Alberto Silva; STOCCO, Rui. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2366.
  28. HUNGRIA, 1959. p. 194.
  29. BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. p. 446.
  30. NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 165.
  31. O TJRS já decidiu, recentemente, a respeito da matéria: APELAÇÃO-CRIME. SEQÜESTRO E CÁRCERE PRIVADO DUPLAMENTE QUALIFICADO. VÍTIMA MAIOR DE SESSENTA ANOS E CRIME PRATICADO MEDIANTE INTERNAÇÃO EM CASA DE SAÚDE. CONDENAÇÃO. APELO DEFENSIVO VISANDO ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. INADMISSIBILIDADE. A existência do fato restou demonstrada por meio das comunicações de ocorrência policial e dos documentos juntados ao feito, assim como pela prova oral colhida. Quanto à autoria, outrossim, é inequívoca. Dois dos denunciados a sobrinha da vítima e seu convivente, em acordo de vontades com a irmã do ofendido mãe de sua referida sobrinha, entraram em contato com um médico psiquiatra, e apesar de possuírem ciência da boa saúde mental da vítima a qual restou incontestavelmente comprovada mediante os dois laudos psiquiátricos juntados ao feito, sendo um destes inclusive de lavra do departamento médico judiciário relataram-lhe, dolosamente, com o intuito de forçar sua internação involuntária, que o ofendido estava com comportamento diferente do habitual, portando-se de modo agressivo e inconveniente. Neste contexto, foi determinada a remoção do suposto paciente, de sua cidade para a Clínica Pinel, que fora realizada de modo clandestino, visto que o médico particular da vítima, que lhe tratava há vinte anos, bem como os demais familiares, não foram comunicados acerca da aludida internação, que foi descoberta por mero acaso, em razão da suspeita de uma familiar que, para a sorte do ofendido, esteve em sua propriedade pouco após seu internamento e desconfiou da estória que uma das denunciadas irmã da vítima lhe contou acerca de sua ausência naquele momento, assegurando que seu irmão estava internado em face de problemas de saúde. Após investigações os outros familiares (excluídos os imputados) descobriram que o ofendido havia sido internado contra sua vontade no citado manicômio, resgatando-lhe. Desse modo, é impositiva a manutenção da condenação proferida em primeiro grau. APENAMENTO. CONCESSÃO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PARA UM DOS CONDENADOS. Com relação ao condenado que teve a permuta de sua sanção prisional denegada, de acordo com sua certidão de antecedentes criminais mais recente juntada ao feito, sequer ostenta condenação provisória, respondendo apenas a dois processos, sendo que no primeiro, verificando o acompanhamento processual disponibilizado no site deste Egrégio Tribunal, extraio que já fora prolatada sentença absolutória, sendo baixado o feito, e no segundo, trata-se de crime de ameaça, de baixo potencial ofensivo, além de ter ocorrido após o fato sub judice, cuja vítima possui iniciais semelhantes a de um dos familiares do ofendido, que relatou ter sido ameaçado. Desse modo, julgo não haver óbice para a permuta do castigo carcerário, razão pela qual a realizo nos termos em que operada para os demais condenados. DECLARADA, DE OFÍCIO, EXTINTA A PUNIBILIDADE DE UMA DAS CONDENADAS. Levando em consideração a pena concretizada para uma das apelantes dois anos de reclusão, o prazo prescricional é de quatro anos, conforme dispõe o art. 109, inc. V, do Código Penal. Ocorre que na época da sentença aquela era maior de setenta anos, razão pela qual, nos termos do art. 115, in fine, da Lei Penal, o prazo prescricional é reduzido pela metade restando em dois anos. Assim, tendo em vista que a denúncia foi recebida 05/10/2005, e a sentença publicada dia 11/10/2007, verifico que o lapso temporal necessário fora superado, ocorrendo a referida causa de extinção da punibilidade. Apelo defensivo parcialmente provido. De ofício declarada extinta a punibilidade de uma das recorrentes. BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70023119845. Primeira Câmara Criminal. Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira. Julgado em 30 de abril de 2008.
  32. Nesse sentido: COSTA JUNIOR, Paulo José da. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: DPJ Editora, 2005.p. 452.
  33. A norma do art. 42 do CEM dispõe: Art. 42. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação do País.
  34. A norma do art. 48 do CEM dispõe que é vedado ao médico: Art. 48. Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar.
  35. A norma do art. 53 do CEM dispõe que é vedado ao médico: Art. 53. Desrespeitar o interesse e a integridade de paciente, ao exercer a profissão em qualquer instituição na qual o mesmo esteja recolhido independentemente da própria vontade.
  36. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte especial. 2. ed. Revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 638.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DRAGO, Guilherme Dettmer. Internação psiquiátrica: tratamento, cárcere privado e constrangimento ilegal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2404, 30 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14284. Acesso em: 5 maio 2024.