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A mediação como fórmula de resolução de litígios

A mediação como fórmula de resolução de litígios

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Sumario:1. Aspectos conceituais – 2. RAD – Resolução Alternativa de Disputas - 3. O mediador 4. Vantagens e benefícios da mediação - 5. Novo campo de trabalho para o advogado 6. Remuneração do mediador


1. Aspectos conceituais

A mediação é um instrumento análogo ao da arbitragem, por ser também uma fórmula de resolução de controvérsias. Trata-se de uma técnica de solução de litígios, escolhida consensualmente pelas partes, em que elas discutem a solução de seus problemas, contando com a moderação do mediador, um terceiro imparcial. O mediador só interfere na discussão dos problemas para impedir o desvirtuamento das questões discutidas, ou para acalmar o ambiente. A missão do mediador é o de levar as partes à solução de seus problemas. Pode-se dizer que a mediação seja uma arte, exercida pelo mediador.

É bem diferente da arbitragem; nesta há o julgamento, como a sentença; naquela não haverá julgamento, razão pela qual não há vencido nem vencedor. O árbitro soluciona a questão, o mediador estimula as partes conflitantes para que elas próprias encontrem a solução.

A origem etimológica do termo "mediação" é latina, de "mediare", vindo de "meditationis", com o sentido de intervenção. Há a intervenção do mediador para que as partes busquem um acordo entre elas. A mediação valoriza as pessoas, dando a elas o controle da situação. Elas pedem a intervenção de um moderador, porquanto são incapazes de encontrar a solução por seus próprios meios. A possível ausência de meios próprios é causada pela natural agressividade de quem luta na defesa de seus interesses.


2. RAD – Resolução alternativa de disputas

Aspecto importante mas difícil é descrever o perfil do mediador, suas característi-cas pessoais e formas de atuação. Quem poderá ser mediador? Toda pessoa capaz, dotada de algumas características e inteligência, bom senso e domine as modernas técnicas de liderança de reuniões. Na regulamentação que se pretende adotar no Brasil, denominada mediação paraprocessual, a função fica reservada ao advogado. Realmente, a RAD é constituída de institutos jurídicos e portanto deveria mesmo ser reservada aos advogados. Como não há ainda lei regulamentadora deste assunto, embora haja projeto de lei aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional, e da atividade do mediador, qualquer pessoa juridicamente capaz pode ser mediador, mas se exige dele capacidade técnica para o exercício dessa função.

O advogado seria o mais indicado, pois a mediação procura solucionar problemas na ordem jurídica. Entretanto, o advogado sofre algumas restrições já levantadas para o exercício da arbitragem. Nossas faculdades de direito preparam o advogado para a luta, para o debate, para satisfazer á agressividade de seu cliente. Se alguém procura advogado, normalmente é para brigar e o advogado deixa-se influenciar por esse estado de ânimo. Nota-se esse espírito belicoso pelas próprias petições judiciais. É a "cultura do litígio". Muitos clientes proíbem seu advogado de entender-se com a outra parte para procurar acordo e tentar a moderação do conflito. Não aceitariam a RAD ou qualquer outra forma de solução que não os choques.

Nossos advogados sentem-se inibidos em propor formas mais suassórias de composição da lide. Identificam-se com seu cliente, como se fossem parte do litígio. Não assimilamos ainda a evolução da advocacia e a sofisticação da atividade advocatícia. O advogado brasileiro não recebe informações sobre as fórmulas da RAD ou as técnicas de negociação. Há tempos atrás a televisão exibia uma série de filmes sobre o advogado Perry Mason, uma figura emblemática, considerada um protótipo do advogado norte-americano e os filmes americanos demonstram a atividade advocatícia nos EUA com características bem diferentes da nossa.

O advogado habituou-se a defender o interesse das partes, enquanto o mediador é um terceiro imparcial. O advogado apega-se ao direito e à lei, desviando-se dos aspectos psicológicos e sociais. Por isso, ao que parece, a mediação seria também apropriada a um psicólogo, um sociólogo ou a u m comunicólogo.


4. Vantagens e benefícios da mediação

Houve sempre um clima de desconfiança entre os advogados a respeito do desenvolvimento da arbitragem em nosso país. Tinha-se a impressão de que a figura do advogado tornar-se-ia despicienda em vista de diminuir os litígios judiciais e o trabalho do advogado é essencialmente forense. Igual receio surge agora com referência à mediação que está em vias de se institucionalizar no Brasil. A tônica do movimento mediacionista centra-se na idéia de dirimir controvérsias antes que as partes pensem em procurar um advogado e recorrer à Justiça. Visa portanto a desafogar o Poder Judiciário de tantas demandas e, se as demandas diminuem, conclui-se que deva diminuir a atuação dos advogados.

Todavia, tivemos oportunidade de realçar a figura do advogado na instituição da arbitragem e repetimos agora na mediação; esta vai alargar o campo de trabalho do advogado, criando nova função a ser exercida por ele: a de mediador. O advogado terá nova seara, em que brotarão as oportunidades de trabalho. Ele será requisitado sempre que houver um litígio prestes a entrar na justiça, e será lembrado antes do processo e depois do processo, que terá duas figuras assistentes: o mediador e do advogado.

A mediação representa a valorização da advocacia, hoje transformada em atividade rotineira e administrativa, extremamente trabalhosa. A atividade advocaticia está sendo invadida por rábulas recém formados, e milhares deles são lançados anualmente no mercado de trabalho por mais de mil faculdades de direito, existentes em todo o país. Basta um exame da lei, consulta a modelos de petições e domínio das rotinas forenses, para se ver que a profissão está reduzida ao nível de mera mecânica. Nota-se que os advogados de peso estão sendo marginalizados, enquanto rábulas dominam o ambiente. Em conseqüência é baixíssimo o nível de ensino das faculdades de direito, transformadas em fábricas de doutores.

Vê-se que a mediação eleva o nível da profissão, fazendo do advogado um agente de resolução de problemas, pelo exercício da liderança.


7. A remuneração do mediador

Assim como o árbitro, o mediador deve ser remunerado pelas partes. Ele desenvolve um trabalho delicado e elevado, para a qual são exigidos muitos requisitos e treinamento constante. Urge pois que seu esforço encontre a contrapartida adequada. Se não for assim, não haveria motivação para o engajamento, na atividade, dos profissionais mais qualificados.

Apesar de ser um serviço remunerado, a mediação busca evitar despesas maiores, sendo portanto medida econômica. Será bem mais barato do que empreender uma demanda judicial. Argumentam alguns que iria encarecer o acesso à Justiça, com o aumento de custas judiciais. Por outro lado, afirmam outros que tudo que é gratuito é desvalorizado e só provoca descontentamento e reclamações, como é o caso da assistência médica do INSS. Além do mais, o pagamento valoriza o direito e dá mais seriedade às lides forenses. Veja-se o que acontece na Justiça do Trabalho, que é gratuita e dispensa até gastos com advogado, ensejando golpes e fraudes em proporções funestas. Milhões de processos abarrotam o fórum trabalhista, a maioria sem sentido, sem fundamento, revelando mera aventura.

A gratuidade da Justiça Pública é só balão de ensaio, pois o processo judicial acaba ficando mais caro do que seria o da arbitragem e da mediação. É proverbial o despacho do juiz: "Sim, pagas as custas". Muitos clientes revoltam-se contra seu advogado pelo alto custo judicial e acabam desistindo do processo por se sentirem lesados. Por outro lado. A demora na tramitação do processo causa desgaste emocional e financeiro e abate o ânimo de todos e no próprio direito reclamado judicialmente Esse desgaste, essas despesas excessivas poderiam ser minimizados ou eliminados ou eliminados pela mediação.

Por essas razões, o projeto de lei que deverá implantar a mediação paraprocessual no Brasil prevê que o mediador seja sempre remunerado. A forma dessa remuneração está em branco no projeto de lei, mas deverá ser regulamentada por provimentos judiciários, incluindo as bases dos valores. Se for concedido o benefício de justiça gratuita, deverá haver dotação orçamentária para cobrir os gastos da remuneração do mediador.


Autor

  • Sebastião José Roque

    Sebastião José Roque

    advogado, professor da Universidade São Francisco - campi de São Paulo e Bragança Paulista, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo, especialista em Direito Empresarial pela Universidade Panthéon-Sorbonne (Paris) e pelas Universidades de Bolonha, Roma e Milão, presidente do Instituto de Direito Brasileiro de Direito Comercial Visconde de Cairu

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROQUE, Sebastião José. A mediação como fórmula de resolução de litígios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2453, 20 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14494. Acesso em: 19 abr. 2024.