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Da greve no serviço público e da legitimidade dos descontos efetuados em razão dos dias não trabalhados, consoante atual jurisprudência dos tribunais

Da greve no serviço público e da legitimidade dos descontos efetuados em razão dos dias não trabalhados, consoante atual jurisprudência dos tribunais

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SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 APLICABILIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE CONFERE AO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL O DIRETO DE GREVE; 3 POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA LEGITIMIDADE DO ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE PROMOVE O DESCONTO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS PELOS SERVIDORES PÚBLICOS-GREVISTAS; 4 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

O presente estudo visa a apurar o atual posicionamento dos Tribunais Superiores acerca da eficácia da norma constitucional que assegura ao servidor público civil o direito de greve, bem como sua conseqüência no aspecto remuneratório.

Para alcançar o fim proposto, faz-se um apanhado das decisões sobre o tema e um breve passeio na classificação doutrinária da eficácia das leis constitucionais.


2 APLICABILIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE CONFERE AO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL O DIREITO DE GREVE

Pois bem, a questão que se coloca origina-se na auto-aplicabilidade ou não da norma constante do art. 37, VII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que prevê o exercício do direito de greve pelos servidores públicos, nos termos e nos limites a serem definidos por lei.

Sabe-se que na acepção mais tradicional da doutrina, na linha das lições de José Afonso da Silva, as normas constitucionais são divididas em normas de eficácia plena, contida e limitada. As primeiras são aquelas que têm aplicabilidade imediata, independem de qualquer regulamentação posterior para sua aplicação, muito embora possam ser modificadas por emenda constitucional. As normas de eficácia contida têm aplicação imediata, integral e plena, no entanto, o legislador ordinário pode restringir o alcance da norma por lei superveniente. As últimas, as de eficácia limitada, têm apenas eficácia jurídica, ou seja, não possuem aplicabilidade na seara fática, pois dependem de norma infraconstitucional para produzir efeito.

Percebe-se que a acomodação de uma norma dentro de uma dessas vertentes é de suma importância para definir o momento de sua incidência e o seu campo de abrangência. É com arrimo nestas guias que se segue este estudo.

O dispositivo constitucional em comento tem a seguinte redação: "o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica". Em leitura atenta não há como negar a eficácia limitada da norma.

Logo, por depender de normatização superveniente, não há, em princípio, o direito de greve e, conseqüentemente, tratando-se a paralisação do serviço conduta ilícita é de rigor o desconto dos dias faltosos pela Administração Pública.

Todavia, o assunto não pode ser analisado e encerrado em termos tão pueris.

A simples mora do legislador não pode escudar a posição da Administração, razão pela qual os servidores voltaram-se ao Supremo Tribunal Federal na busca da concretização de seu direito constitucionalmente reconhecido.

Em seu mister constitucional, o Supremo sempre se pautou pela eficácia limitada do direito de greve, cingindo-se a declarar a mora legislativa, como se vê nos MI n. 20/DF, Relator Min. Celso de Melo, DJ 22-11-1996, MI n. 585/TO, Relator Min. Ilmar Galvão, DJ 2-8-2002 e MI n. 485/MT, Relator Maurício Correa, DJ 23-8-2002.

Ocorre que, no julgamento dos Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712, experimentou-se grande avanço na matéria, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, reconheceu a falta de norma regulamentadora do direito de greve no serviço público e propôs, para a solução da omissão legislativa de duas décadas, a aplicação da Lei nº 7.783/89[01], no que couber.

Assim, ainda que não haja lei específica regulamentando o direito de greve dos servidores públicos, o direito pode ser exercido mediante a aplicação subsidiária da Lei n.º 7.783/99.

Portanto, tem-se que o Supremo Tribunal Federal, embora mantenha posição de que a norma do art. 37, VII, da CR/88, consiste em dispositivo de eficácia limitada, assegurou o exercício imediato do direito de greve e para tanto viu na Lei n. 7.783/99 o mecanismo legal para propiciar a cobertura jurídica desse direito[02].


3 POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA LEGITIMIDADE DO ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE PROMOVE O DESCONTO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS PELOS SERVIDORES PÚBLICOS-GREVISTAS

Assentado o direito de greve do servidor público, cabe verificar se o seu exercício autoriza a Administração Pública a descontar na remuneração dos servidores os dias faltosos, já que o movimento paredista foi considerado lícito.

Lançando mão do parâmetro indicado pelo Supremo Tribunal Federal, é de se reconhecer o direito da Administração Pública de glosar os dias de inatividade, isso porque o art. 7º da Lei nº 7.783/89, prevê a suspensão do contrato de trabalho na hipótese de greve, o que implica no não-pagamento dos dias parados, salvo negociação em sentido contrário. Vejamos:

Art. 7º. Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.

Essa é a jurisprudência do colendo Tribunal Superior do Trabalho, como se pode conferir da seguinte ementa:

RECURSO DE REVISTA. GREVE. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS RELATIVOS AOS DIAS DE INATIVIDADE.

De acordo com o entendimento da Seção de Dissídios Coletivos, o empregador não está obrigado ao pagamento dos salários correspondentes aos dias em que não prestado serviço pelo empregado que aderiu ao movimento paredista, independentemente da declaração de abusividade ou não da greve, visto que, nos termos da legislação vigente, há suspensão do contrato de trabalho. Recurso de revista a que se nega provimento (TST, 5ª Turma, processo TST-RR-1.138/2003-112-03-00.9).

E, de fato, não é razoável que o exercício do direito de greve não tenha nenhuma conseqüência, permitindo que o trabalho não seja prestado e a remuneração seja recebida, tornando o exercício do direito de greve algo sem nenhum risco ou conseqüência.

Pela pertinência, aponta-se recente decisão dada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em que foi confirmada a legitimidade dos descontos efetuados em razão dos dias não trabalhados. Ressalta-se que a referida decisão foi proferida em data posterior ao julgamento dos Mandados de Injunção de nºs 670, 708 e 712, pelo STF.

AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDORES PÚBLICOS. GREVE. DESCONTOS NOS VENCIMENTOS DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE. LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA CONFIGURADA.

O direito de greve é assegurado aos servidores públicos, porém não são ilegítimos os descontos efetuados em razão dos dias não trabalhados. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

Agravo regimental improvido.

(STJ, AGSS – 1765, Processo nº: 200701775011-DF, Relator: Ministro Barros Monteiro, data da decisão: 07/11/2007, data da publicação: 07/12/2007)

De mais a mais, é de se ressaltar que a jurisprudência majoritária do Tribunal Regional Federal da 1ª Região é no sentido da legalidade do corte dos dias parados. Confira-se:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. GREVE DE SERVIDOR PÚBLICO. DESCONTO DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA.

1. Não há direito líquido e certo dos servidores públicos, a míngua de amparo legal, ao recebimento da remuneração dos dias de falta ao serviço em virtude de adesão a movimento grevista. Precedentes desta Corte e do STJ (cf. TRF1, AMS 1999.01.00.060804-4/DF, Juiz Federal Manoel José Ferreira Nunes (conv.), 1ª Turma Suplementar, DJ de 29/07/2004, p. 30; TRF1, AMS 93.01.25930-3/MT, Rel. Juiz Federal Francisco de Assis Betti (conv.), 1ª Turma Suplementar, DJ de 17/10/2002, p. 114; STJ, AAGP 1347/RS, Rel. Ministro Edson Vidigal, Corte Especial, DJ de 09/02/2005, p. 165; STJ, RESP 676148/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, 5ª Turma, DJ de 17/12/2004, p. 594; STJ, ROMS 15662/PR, Rel. Ministro Vicente Leal, 6ª Turma, DJ de 07/04/2003, p. 338).

2. Apelação a que se nega provimento.

(AMS 1999.01.00.006874-4/DF, rel. conv. Juiz Federal Mark Yshida Brandão, DJ de 12.05.2005, pág. 106)".

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. GREVE. DESCONTO DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE.

I - Nos termos do artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal, é assegurado aos servidores públicos o direito de greve.

II - Todavia, a jurisprudência do colendo STJ parece concluir pela possibilidade de desconto da remuneração dos dias de paralisação, que é conseqüência própria da greve.

III - Agravo de Instrumento provido.

(AG 2004.01.00.016377-7/MG, Rel. Des. Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN, DJU 15/09/2005).

PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AUSÊNCIA DA VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO. DESCONTSO DE DIAS NÃO TRABALHADOS EM FUNÇÃO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE. SERVIDOR PÚBLICO. LEGALIDADE. INCISO VII DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EFICÁCIA LIMITADA. MANDADO DE INJUNÇÃO 20-DF. DECRETO 1.480/95. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.

1. Nos termos do § 1º do art. 293 do RITRF-1ª Região, não cabe agravo regimental da decisão que defere ou indefere pedido de efeito suspensivo.

2. O Supremo Tribunal Federal, por decisão proferida pelo Tribunal Pleno, ainda que por maioria, firmou entendimento de que o inciso VII do art. 37 da Constituição Federal é norma de eficácia limitada, dependente, portanto, de edição de lei específica para complementar o seu conteúdo normativo (MI 20-DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJU/I de 22/11/96).

3. Assim sendo, o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis somente se revestirá de legalidade após a edição de lei específica que defina os termos e limite desse direito, revelando, ainda, a legalidade do desconto dos dias não trabalhados pelos servidores em greve. Precedentes do STJ e do TRF-5ª Região.

4. Por outro lado, indefere-se pedido de provimento liminar se, em exame de cognição sumária, o fumus boni iuris não milita em favor da pretensão deduzida, mas sim da norma atacada. Não se mostra evidente a inconstitucionalidade ou ilegalidade do Decreto 1.480/95.

5. Ausente a verossimilhança do alegado, a antecipação de tutela não deve ser deferida.

6. Agravo provido para indeferir a antecipação da tutela. Agravo regimental não conhecido.

(AG 2002.01.00.021893-4/AP (DJ 29-10-02, p. 186), relator: Desembargador Federal Eustáquio Silveira)


4 CONCLUSÃO

Terminado esses apontamentos jurisprudenciais e doutrinários, percebe-se que o direito de greve dos servidores é norma constitucional de eficácia limitada e, portanto, condicionada à regulamentação pelo legislador ordinário para seu exercício. Todavia, em face da mora legislativa reiterada, o Supremo Tribunal Federal evoluiu sua posição e emprestou ao mandado de injunção característica concretista, suplantando a inércia do legislador mediante a aplicação analógica da lei de greve do trabalhador da iniciativa privada. Utilizando-se dessa norma, é inegável o direito da Administração Pública de proceder aos descontos dos dias parados daqueles servidores que aderiram ao movimento, posto que durante a greve considera-se suspenso o contrato de trabalho. Nesse sentido, são encontrados julgados do colendo Superior Tribunal de Justiça e do egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região.


REFERÊNCIAS:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal: atualizada até a Emenda Constitucional n. 52, de 8 de março de 2006. 7. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006.

BRASÍLIA. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 23 jul.2008.

BRASÍLIA. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 23 jul. 2008.

BRASÍLIA. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 23 jul.2008.

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

MARTINS, Sérgio Pinto. Greve do Servidor Público. São Paulo: Atlas, 2001. São Paulo: LTr, 2005.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

RAPASSI, Rinaldo Guedes. Direito de Greve de Servidores Públicos. São Paulo: LTr, 2005.


Notas

Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada.
  • Afigura-se pertinente registrar que o Supremo Tribunal Federal acenou pela possibilidade de decreto de Governador para disciplinar as consequências administrativas e disciplinares de greve dos servidores públicos, enquanto não houver edição da necessária lei. Confira-se a ementa do julgado a seguir colacioado: "Greve de servidor público: não ofende a competência privativa da União para disciplinar-lhe, por lei complementar, os termos e limites - e o que o STF reputa indispensável à licitude do exercício do direito (MI 20 e MI 438; ressalva do relator) - o decreto do Governador que - a partir da premissa de ilegalidade da paralisação, à falta da lei complementar federal - discipline suas conseqüências administrativas, disciplinares ou não (precedente: ADInMC 1306, 30.6.95).
    (ADI 1696, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/2002, DJ 14-06-2002 PP-00126 EMENT VOL-02073-01 PP-00142)"

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    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    FERREIRA, Thaís Chaves Pedro. Da greve no serviço público e da legitimidade dos descontos efetuados em razão dos dias não trabalhados, consoante atual jurisprudência dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2476, 12 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14666. Acesso em: 19 abr. 2024.