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A audiência de testemunha residente fora da comarca e sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri

A audiência de testemunha residente fora da comarca e sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri

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O artigo 422 do Código de Processo Penal estabelece que ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do quereleante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências.

Com base na expressão rol de testemunhas que irão depor em plenário algumas partes têm se insurgido contra despacho judicial determinando a expedição de carta precatória para outras comarcas com o objetivo de ouvir as pessoas ali residentes.

Os fundamentos precisos sobre os quais se ancoram são de que referido dispositivo não abre exceção para as testemunhas residentes fora da Comarca onde será realizado o julgamento, que a peculiaridade do Tribunal do Júri exige irrestrita obediência à imediatidade e que a interpretação literal do dispositivo conduz à necessidade de comparecimento de toda e qualquer testemunha na sessão de julgamento, observando-se é claro, o disposto no artigo 461 do Código de Processo Penal.

Referido posicionamento não se coaduna com a sistemática de colheita de provas regida pela legislação processual penal.

É certo que o Tribunal do Júri tem suas peculiaridades e os princípios da oralidade e imediatidade são sua tônica.

Por outro lado também, não se pode, em nome desses princípios, desprezar outros regramentos que são reflexos de princípio não menos importante e com status de constitucional como o do devido processo legal.

O artigo 222 do Código de Processo Penal, inserto no capítulo que trata das testemunhas e atinente ao título da prova, dispõe que a testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

Da análise de sua localização topográfica - inserto no livro I do Código, que trata do processo em geral - conclui-se que referido dispositivo irradia sua força normativa para todas as hipóteses, salvo disposição expressa em sentido contrário.

O artigo 422 do diploma processual não é, de forma alguma, disposição expressa em sentido contrário porque não deixou expresso que mesmo as testemunhas residentes fora da Comarca deveriam comparecer à sessão de julgamento e não poderia fazer isso mesmo.

Isso seria caro demais para o Estado, contraproducente ao julgamento, pois haveria mais um motivo para tentar adiar a sessão de julgamento, imporia sacrifícios e incômodos às pessoas chamadas à colaborar com o Judiciário e seria, sobretudo, desnecessário.

Por que desnecessário? Porque com a mesma eficiência e menos gasto público atinge-se o propósito legal que é o de alcançar a verdade real com o mínimo de resistência, e constitucional, que é tornar o Judiciário uma função do Estado eficiente (com duração razoável do processo) e de baixo custo quando possível.

Portanto, a melhor interpretação a ser dada no caso é a sistemática e não a literal ou gramatical, como também é conhecida. De fato, o artigo 422 do Código de Processo Penal não existe isoladamente no sistema processual. Ele deve ser interpretado em conjunto com outras regras, como no caso a do artigo 222, pertencente ao mesmo diploma e específico à matéria em debate.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Tocantins enfrentou recentemente a questão e assim se posicionou:

CORREIÇAO PARCIAL OU RECLAMAÇÃO CORREICIONAL – CORPAR - 1503/09 (09/0077604-8)

ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS

REFERENTE: (AÇÃO PENAL Nº 1.638/03)

RECLAMANTE: NOÉ SOARES DE ARAÚJO

ADVOGADO: Paulo Roberto da Silva

RECLAMADO(A): JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ARAGUAÍNA – TO.

PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA: Dr. JOSÉ OMAR DE ALMEIDA JÚNIOR

RELATOR: Desembargador MOURA FILHO

EMENTA: CORREIÇÃO PARCIAL. JÚRI. TESTEMUNHA RESIDENTE FORA DA COMARCA. CLÁUSULA DE IMPRESCINDIBILIDADE. INQUIRIÇÃO POR PRECATÓRIA.

ART. 222 DO CPP. - A testemunha residente fora da Comarca, ainda que arrolada com cláusula de imprescindibilidade, não está obrigada a comparecer ao Tribunal do Júri para depor. - Segundo a moldura do art. 222, do Código de Processo Penal, a testemunha que reside fora da jurisdição do Juiz será inquirida por carta precatória, não dispondo nosso ordenamento jurídico de qualquer preceito que determine o comparecimento à sessão do Tribunal do Júri de testemunha residente noutra Comarca. DJ 2394, de 08-04-2010, p. 10, votação unânime.

Recomenda-se, todavia, com o objetivo de não haver ofensa aos princípios da ampla defesa e contraditório, que a carta precatória tenha prazo inferior ao da data da sessão de julgamento e que seja expedida com antecedência razoável (trinta dias, por exemplo), a fim de que haja a possibilidade de a prova ser realizada e juntada nos autos com antecedência necessária para a utilização em plenário, não se olvidando, também, a intimação das partes de sua expedição.


Autor

  • Francisco Vieira Filho

    Francisco Vieira Filho

    Juiz de direito do Tocantins. Titular da Primeira Vara Criminal da Comarca de Araguaína. Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Araguaína. Pós-graduado "lato sensu" em Direito Constitucional pela UNITINS. Pós-graduando em Gestão do Judiciário pela Faculdade Educacional da Lapa - FAEL.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco. A audiência de testemunha residente fora da comarca e sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2484, 20 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14721. Acesso em: 25 abr. 2024.