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Dano moral trabalhista

Dano moral trabalhista

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É indiscutível o efeito pedagógico dessas condenações que, quando percebidas sob a expressão de penalizações indenizatórias, forçam o empregador a agir preventivamente, pois obrigam-no a dedicar maior atenção e respeito às normas legais.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. I.GENERALIDADES. 1.1.Dano Moral. 1.2.Responsabilidade Civil. 1.3.Responsabilidade Civil do Empregado. 1.4.Dano Moral Coletivo. 1.5.O Dano Moral no Direito do Trabalho. II-ELEMENTOS DE DIREITO DO TRABALHO. 2.1. Natureza do Trabalho Assalariado. 2.2. Princípios de Direito do Trabalho. 2.3. Contrato Individual de Trabalho. 2.3.1.Conceituação. 2.3.2.Formalidade. 2.3.3.A Formação do Contrato. III.O DANO MORAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO. 3.1. Assédio Moral. 3.1.1.Comentário inicial. 3.1.2.Desenvolvimento. 3.1.3.Estágio Atual. 3.2. Acidente do Trabalho e Doença Profissional. 3.2.1.Enquadramento legal. 3.2.2.Comunicação do acidente do trabalho e efeitos. 3.2.3.Da prevenção de riscos de acidente – obrigações legais. 3.2.4.O dano moral no acidente do trabalho. 3.3. O Dano Moral nas Obrigações Contratuais. IV.O VALOR DA INDENIZAÇÃO.4.1. Comentário Inicial. 4.2. O Princípio Constitucional da Proporcionalidade. 4.3. O Critério da Classificação do Dano. 4.4. O Critério da Eqüidade. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Até há pouco tempo o assunto Danos Morais era estranho à Justiça do Trabalho. Não se admitia que a sua natureza se amoldasse ao processo do trabalho, preso tradicionalmente às questões das verbas trabalhistas – originadas na execução e rescisão do contrato de trabalho. Nesse compasso, as reclamatórias trabalhistas tratavam do inadimplemento de direitos trabalhistas, suas diferenças e reflexos, FGTS, etc.

Com o advento da CF/88, clareava-se a questão da indenização por danos morais, timidamente restrita às questões que envolviam o acidente do trabalho e as doenças profissionais, inadequadamente apreciadas, contudo, por outra justiça, que não a especializada.

A partir da EC 45/2004, a falha foi finalmente reparada, com certo atraso. Essas ações passaram a ser apreciadas no foro competente, a Justiça do Trabalho. De sorte que, a ansiosa postulação da verba – presente em quase todas as reclamatórias atuais – se deve, em grande parte, ao que parece, a queda da barreira que lhe era imposta pela inadequação da forma. Essa postulação ansiosa, no entanto, acaba por expor uma série de problemas, dependentes de uma análise crítica, para que não progridam e nem criem um efeito multiplicador.

O resultado desse movimento suscita questões em dois extremos, que não estão a equilibrarem-se adequadamente. De um lado, é indiscutível o efeito pedagógico dessas condenações que, quando percebidas sob a expressão de penalizações indenizatórias, forçam o empregador a agir preventivamente, pois obrigam-no a dedicar maior atenção e respeito às normas de proteção e saúde do trabalhador, à qualidade do meio ambiente do trabalho e a necessidade de conservar relações mais respeitosas à dignidade do trabalhador. Por outro lado, porém, acinzentam o horizonte de possibilidades negativas a médio prazo. Dentre as questões que mais despertam preocupação, algumas merecem atenção:

- a postulação alucinada da verba pode levar à sua banalização, podendo levar alguém a crer que só é incluída nos pedidos pela facilidade em obtê-la;

- formação da idéia de que o emprego é algo perigoso, na medida em que toda rescisão contratual, discutida judicialmente, possa gerar os efeitos de dano moral;

- precarização do Direito do Trabalho, seu enfraquecimento, resultando no definhamento do emprego formal;

- recrudescimento de conflitos trabalhistas, na medida em que práticas comezinhas da relação de emprego se transformem, mesmo que artificialmente, em problemas geradores de indenizações judiciais.

No presente trabalho iremos abordar o tema sob a ótica do Direito do Trabalho, apresentando algumas idéias para reflexão. Influências de costumes ou de direitos estrangeiros que venham a insinuar-se ao tema não nos interessam; antes, interessa dedicar atenção ao que dispõe o nosso ordenamento jurídico e, através dele, encontrar as soluções para o problema.


I. COMENTÁRIOS INICIAIS

Dano moral é o que atinge com potencialidade o acervo de valores de uma pessoa, causando-lhe prejuízos que lhe afetem o íntimo, a personalidade. Dano capaz de alterar o comportamento da vítima; desestabiliza a pessoa, causando-lhe traumas, por vezes insuperáveis.

Dano moral é um prejuízo, classificado por Venosa como aquele "que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima (...); abrange também os direitos de personalidade, direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo, etc.", enfatizando: "será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo" [01].

O conceito, transportado para o ambiente do trabalho, adquire contornos mais restritos, pois ali as relações se desenvolvem segundo regras previamente estabelecidas, delimitadas por lei, diferente do que ocorre nas relações informais, cujas regras de conduta são inspiradas na liberdade individual. Compreender a diferença não é negar a existência desse tipo de dano no ambiente do trabalho. Ao contrário, sua gravidade tende a ser maior, na medida em que, para a sua ocorrência, maiores obstáculos devam ser vencidos (o regramento legal, o cuidado a preceitos éticos, a disciplina, etc). Nada, portanto, que diga respeito a contrariedades corriqueiras ou fatos do trabalho, estritamente considerados. Em conseqüência disso, a tarefa de reconhecer a sua ocorrência eleva-se a um patamar um tanto mais crítico.

Por outra medida, o ambiente do trabalho apresenta-se como terreno fértil ao surgimento de problemas que acabam por se configurar em dano moral, praticados pelo empregador ou por seus prepostos. Sendo a relação de emprego uma relação formal, cheia de regramentos e limitações, e inserida num mercado cada vez mais exigente por produtividade, é até natural que aconteçam uma série de problemas peculiares, influenciados por esse ambiente cada vez mais excitado.

A pressão e cobrança por resultados podem levar à prática de excessos, em geral classificados num quadro de assédio moral (ataques prolongados à vítima para, desestabilizando-a emocionalmente, fazer com que produza mais ou desista do emprego). São cada vez mais freqüentes as ocorrências em que empregados são submetidos a humilhações por não atingir metas de produção, de vendas, etc. [02]

Não há de esquecer-se, também, que ao descumprir uma obrigação contratual (legal, convencional ou habitual), o empregador pode gerar um dano ao empregado que vá além do prejuízo financeiro, causando-lhe sérios constrangimentos psicológicos, de difícil reparação.

1.2. Responsabilidade civil

Sendo o dano moral um dano pessoal, pressupõe autoria. E para que seja indenizável, "não será suficiente ao ofendido demonstrar sua dor. Somente ocorrerá a responsabilidade civil se se reunirem todos os seus elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal", pondera Humberto Theodoro Junior. [03] Elementos esses que são determinados pela lei (art. 186, Código Civil) como formadores do dano, inclusive o moral, suscetível de reparação (art. 927, CC).

O ilícito civil não guarda correspondência com o ilícito penal, ressalte-se. Na esfera civil sua natureza é peculiar, e não é preciso que se caracterize como o ilícito penal, cujo conjunto de condutas reprováveis são catalogados em lei.

A ilicitude, que gera o dever de indenizar, está na imputabilidade da conduta do agente, por dolo ("ação ou omissão voluntária") ou culpa ("negligência ou imprudência"), expressos no próprio comando legal (art. 186, CC). A culpa, pois, é o elemento subjetivo do ato ilícito que causa o dano. Nas palavras de Venosa, "a doutrina concorda que não é fácil estabelecer o conceito de culpa, embora não haja dificuldade de compreendê-la nas relações sociais e no caso concreto. Em sentido amplo, culpa é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar". E completa sua definição com um alerta de extrema importância para o nosso trabalho: "não podemos afastar a noção de culpa do conceito de dever." [04]

A culpa do agente causador do dano irá expressar-se tanto na forma intencional quanto involuntária (casos nos quais se caracteriza o ato pelo qual o dano foi causado, mas que, inicialmente, não fora previsto pelo agente). O dolo é a intenção, o ânimo do agente em prejudicar, em causar prejuízo, não apresentando maiores dificuldades conceituais para o seu enquadramento. É relativamente fácil percebê-lo, como quando a conduta é associada aos casos de assédio moral, por exemplo, ou quando o empregador age direcionado a descumprir determinada obrigação legal, visando auferir vantagens em prejuízo do trabalhador. Já a conduta culposa apresenta maior grau de dificuldade de enquadramento, por ser algo mais sutil. Mesmo não visando um resultado danoso ao trabalhador, a negligência ou a imprudência do empregador ou de seus prepostos podem ocasioná-lo. Daí a importância do conceito de dever, visto acima, para auxiliar-nos na compreensão de certas ocorrências de culpa. O dever de observar certas regras de segurança, por exemplo, que quando não são observadas podem gerar danos, responsabilizando o agente causador. O dever de fazer, de tomar providências, de observar recomendações, obrigações a cumprir, o dever de acompanhar, de controlar, e em tudo aquilo que a doutrina resolveu classificar nas modalidades de culpa in eligendo, in vigilando, in comittendo, in omittendo, etc., na investigação para a caracterização da culpa relacionada ao dano causado.

Nosso ordenamento consagra a tese da responsabilidade subjetiva pelo dano, ou seja, é necessário que o agente causador tenha agido com culpa, para que seja responsabilizado. É o teor literal do art. 186, CC. Parte da doutrina e da jurisprudência, contudo, inspirados em teses alienígenas, coloca-se a defender a responsabilidade objetiva, em que o elemento culpa passa a ser desconsiderado [05]. Significa que haverá a responsabilidade pelo dano, independentemente de culpa. Não é o melhor entendimento, data venia, e no Direito do Trabalho não há como prosperar, sobretudo quando aplicado aos casos de acidente do trabalho e doença profissional, em que a própria Constituição Federal/88, através do artigo 7º, inc. XXVIII, estabelece, verbis:

"seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;"

O dispositivo, como é claro, se refere em primeiro lugar ao custeio de acidentes do trabalho, cuja assistência é prestada pela Previdência Social, que as empresas recolhem mensalmente aos cofres da autarquia, em alíquota incidente sobre a Folha de Pagamento de salários dos seus empregados. Aí, sim, pode-se dizer que a responsabilidade é objetiva, pois ocorre a obrigação do recolhimento mensal, mesmo que não haja acidentes de trabalho no estabelecimento. Já a seqüência do dispositivo, claro também, diz respeito à responsabilidade subjetiva do empregador, ou seja, será responsável por eventuais indenizações ao acidentado, quando incorrer em dolo ou culpa para a ocorrência do infortúnio.

Forçar uma interpretação diferente, data maxima venia, é tentar levar o assunto a um outro tipo de discussão, que não nos parece o mais adequado no momento. Ademais, o dispositivo pelo qual se tenta basear uma argumentação desse tipo, o art. 927, § único, do Código Civil, quando dá azo à teoria do risco, somente o faz para os "casos especificados em lei", o que, evidentemente, não é o caso de assuntos inerentes ao Direito do Trabalho, sobretudo o acidente do trabalho, que já conta com dispositivo constitucional a cuidar-lhe.

Estas interpretações, curiosamente, parecem coincidir com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, inserida pela EC 45/2004, que alterou o conteúdo do artigo 114 da CF/88. Ora, ampliar a competência para julgar ações que antes eram julgadas por outra justiça não quer significar que, junto com essas ações, devam vir de lá outros princípios, e que esses princípios simplesmente revoguem aqueles próprios do Direito do Trabalho. Não significa que Direito do Trabalho deva reinventar-se apenas porque está a recepcionar um novo instituto. Esse movimento está equivocado.

Duas razões.

A primordial é que o Direito do Trabalho já conta com o preceito constitucional inserido no citado artigo 7º, XXVIII, CF/88, inspirado na teoria subjetiva do dano. Outra, porque é perigosa essa tentativa de transmudar o Direito através de discussões filosóficas – numa clara tentativa de incorporar teses exóticas, imaginando que podem ser assimiladas pelo ordenamento jurídico interno, assim, de maneira tão imprudente. É de lembrar, para respeitar, que o Direito do Trabalho já conta (aliás, desde 1943) com orientação jurídica própria, adequada, e que nada perdeu de contemporaneidade em sua essência.

Nem poderia ser diferente. Imagine-se a situação absurda em que todo acidente de trabalho resultasse na obrigação automática de indenizar por reparação de danos morais, que é como aconteceria caso fosse possível aceitar-se, passivamente, semelhante postulado. Com o passar do tempo, não seria estranho se acidentes do trabalho auto produzissem-se, pois assim seriam contemplados com indenizações, automáticas, repita-se. Em breve, pelo efeito multiplicador, teríamos por aí, acumuladas, um sem número de sentenças, a maioria impossíveis de cumprir. Isso após a ruína de empresas e empregos. Em quê se transformaria o Direito do Trabalho? A informalidade ganharia força, e mais forte ainda substituiria os empregos formais, soterrando-os.

1.3. Responsabilidade civil do empregado

Embora o foco principal de nosso trabalho seja a responsabilidade civil do empregador, tendo em vista a natureza do tema, ou seja, a forma pelo qual tem transitado na jurisprudência e na doutrina, cumpre-nos traçar breves considerações sobre a responsabilidade civil do empregado. Ora, pois, tratando-se de indivíduo inserto no meio econômico, com a força de seu trabalho, também tem o potencial ativo de praticar ilícito civil – e ser responsabilizado.

Mas é de difícil ocorrência. Isto porque, quando age com excesso, o empregado é punido com as penalidades funcionais já previstas na lei, em geral no art. 482, da CLT, cujas alíneas são capazes de enquadrar todas as ações e omissões, excessos, etc, as quais venham a ser praticadas pelo empregado em prejuízo de seu empregador, direta ou indiretamente. De modo que é praticamente impossível que algum ato praticado pelo empregado, entre aqueles que exceda o regular, que não possa ser enquadrado no formato legal.

Se o empregado causa prejuízos ao seu empregador, este já encontra na lei, portanto, a via de solução. Não significa que o empregado esteja imune à responsabilização civil, significa que responsabilizá-lo pode até ser mais simples. Contudo, a punição com o ressarcimento por danos morais não é muito usual, pois, no mais das vezes, a punição encerra-se com a perda do emprego pela prática da justa causa.

É de notar, por outro lado, que o empregado não costuma dispor da potencialidade de atos capazes de causar danos graves ao empregador, além do limite natural imposto pela sua condição na relação de emprego (certamente que estamos excluindo atos que descambem pela esfera criminal). Atos que demandariam uma indenização por dano moral ao empregador encontram obstáculos até mesmo naturais, tais como, por exemplo, o fato da hipossuficiência do empregado, a eventual simplicidade de suas tarefas, etc. Ademais, para chegar a esse ponto, talvez as causas que teriam gerado o problema não tenham sido adequadamente administradas pelo empregador e seus prepostos – a quem caberá, por isso mesmo, alguma parcela de culpa, o que excluiria parte substancial da responsabilidade do empregado.

Nota-se, portanto, que é muito difícil verificar-se, na prática, atitudes do empregado que resultem em obrigação de reparar por dano moral ao empregador. É difícil imaginar um empregado submeter seu patrão, regularmente, a ataques que possam agravar-se em dano moral, não sem antes sofrer uma série de punições por aquelas atitudes (advertências, suspensões do trabalho ou até mesmo a demissão, ainda que sem justa causa).

A responsabilização civil do empregado pode ocorrer, sem dúvida, mas é uma situação até certo ponto extravagante.

1.4. Dano moral coletivo

É a segunda espécie de Dano Moral Trabalhista. Configura-se quando o dano atinge a uma coletividade, e não apenas a um indivíduo. São típicas de condenações em que o empregador seja responsabilizado pelo descumprimento de obrigações legais que prejudiquem a uma coletividade de trabalhadores [06]; agressões ao meio ambiente do trabalho [07]; entre outras.

A culpa do empregador pelos danos será apurada através de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). A ação é precedida de inquérito civil, preparado pelo Ministério Público do Trabalho, que detém a legitimidade ativa para propô-la. O inquérito é aberto por denúncia, geralmente de sindicatos profissionais, ou de qualquer outro interessado. Do inquérito podem resultar: a) em um termo de ajustamento de conduta (vinculando o empregador às providências que devam ser regularizadas); ou, b) na própria propositura da Ação Civil Pública, dependendo da gravidade ou a urgência de solução dos problemas que motivaram a intervenção do órgão. Esse tipo de ação comporta Ação Cautelar, pendente à principal, que pode resultar de imediato: interdição de máquinas, setor ou estabelecimento (art. 161, CLT), multas (art. 626, CLT), multa judicial (art. 461, § 4º, CPC). Da ação principal podem vir a responsabilização criminal e/ou a responsabilização civil, com a condenação em danos morais coletivos, revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Note-se, pois, que a caracterização dessa espécie de dano moral é tratada de maneira mais técnica, oferecendo ao juiz elementos robustos para a formação de sua convicção. Isso acontece porque na fase do inquérito civil um amplo trabalho de investigação é realizado, inclusive com levantamento de dados por meio de perícias técnicas, caso se mostrem necessárias, de acordo com a natureza daquilo que esteja sendo investigado.

Em nosso presente trabalho, não nos ocuparemos dessa espécie de dano moral, porque sua natureza não condiz com as preocupações que nos dão motivo. Lembramos, todavia, que as vítimas do empregador nessas ações podem, individualmente, postular judicialmente pela reparação de seus danos pessoais, independemente do resultado – ou mesmo da existência – da Ação Civil Pública tratando do caso. Por este aspecto somos remetidos ao dano moral individual, que ora iremos tratar.

1.5. O dano moral no Direito do Trabalho

Mais que superada a questão do cabimento, ou não, do dano moral na Justiça do Trabalho, a partir da EC 45/2004 já não sobrou espaço para descrenças.

A questão atual é estabelecer parâmetros que atendam a realização da justiça, tão-somente, afastando os ares de sofisticação que se tenta imprimir ao assunto. É necessário saber, com certeza jurídica, se tal ou qual caso se enquadra no dispositivo e qual é a força de sua incidência. Mas não só isso, porque esse é apenas um lado do problema. É também necessário dimensioná-lo em seu aspecto social, para que se dêem mostras as formas pelas quais seja possível amenizar os seus efeitos nocivos.

Submetendo-se o novo direito à Justiça do Trabalho, é preciso, à guisa de preparar-lhe o terreno, realçar algumas particularidades do Direito do Trabalho, especialmente aquelas que irão interagir com o novo instituto. Nesse sentido, voltemos rápida atenção aos princípios que regem o Direito do Trabalho, bem como às peculiaridades do Contrato de Trabalho. Antes, porém, é conveniente que se trace uma delimitação genérica do tema dano moral trabalhista.

Dano moral é dano extracontratual, esta é a delimitação óbvia em que se insere o assunto aos contornos trabalhistas.

Não se pode conceber a idéia de que a regular consecução de direitos e obrigações possa gerar um dano dessa natureza, a ponto de ser necessária a reparação indenizatória.

O empregado é contratado para executar um conjunto de tarefas sob certas condições, às quais deve sujeitar-se. O vínculo de emprego atribui ao empregado um rol de direitos, todos regulados, legais, convencionais ou habituais, que o empregador deve honrar. O empregador deve cercar de cuidados a execução dessas tarefas, garantindo ao empregado integridade física, saúde e segurança, segundo as normas de ordem pública correspondentes.

Assim é a relação de emprego. Empregado e empregador devem satisfazer os termos do acordo que rege o vínculo do emprego; esse é o objetivo mútuo.

Tudo aquilo que se realiza sob a égide do contrato individual do trabalho, a rigor, não deveria produzir danos, pois danos não foram contratados. A celebração de um contrato individual de trabalho não visa a ocorrência de danos, quaisquer que sejam a sua natureza - materiais ou imateriais. E nem se argumente que determinadas atividades empresariais são essencialmente perigosas. Não. Entretanto, danos são inevitáveis; e, como fazem parte da natureza, acontecem.

Mas o objeto do contrato não é o dano, e é esta a premissa básica através da qual deva ser iniciada a discussão.


II. ELEMENTOS DE DIREITO DO TRABALHO

O trabalho assalariado tem a sua natureza jurídica inspirada pelos artigos 2º e 3º, da CLT, quando define empregador e empregado. O empregado subordina-se ao empregador que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços pelo empregado. Isso dá ao empregador o poder da iniciativa em estabelecer e zelar pelas regras de convivência, o que envolve o disciplinamento, a distribuição de responsabilidades, a cobrança por resultados, etc. Tudo aquilo, enfim, que é dado como direito ao empregador fazer e que não acarrete prejuízos ao empregado, observando-se, de um lado, o princípio do jus variandi, e de outro, o princípio da irrenunciabilidade de direitos pelo empregado (tendo ao fundo a luz dos artigos 9º e 468, da CLT). Resulta nas condições gerais a que o empregado deve aderir [08], caso queira o emprego, cumprindo, porém, com suas obrigações, da forma como lhe foram postas.

O Direito do Trabalho busca estabelecer uma relação de harmonia entre as partes, estabelecendo até mesmo um padrão de comportamento, por assim dizer, por meio do qual cada uma das partes deve pautar-se, para que o contrato se desenvolva com regularidade. A par de direitos e obrigações de lado a lado, concebe como ideal o manter-se por um caminho delimitado entre tudo aquilo que não proíbe. As linhas imaginárias são traçadas pelo art. 482, CLT, de um lado, e de outro pelo art. 483, da CLT. O empregado deve agir de acordo com o que não proíbe o art. 482, e o empregador, por sua vez, procurando não incorrer nas faltas do art. 483. Se ambos cumprirem suas obrigações dentro desse corredor desenhado pela lei, não praticando nenhuma daquelas faltas funcionais, o equilíbrio e a normalidade contratual estarão garantidos, até que a vontade de um ou outro interrompa o vínculo.

2.2. Princípios de Direito do Trabalho

O Direito do trabalho é ramo especializado do Direito, alicerçado em princípios próprios, específicos, e reveladores, inclusive, da sua natureza peculiar. A melhor compreensão que se pode ter desses princípios é pela nitidez como os define Süssekind: "são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou sanar omissões" [09]

O Direito do Trabalho, todo ele, funda-se em um princípio maior, cuja inteligência liga-se com intimidade ao tema que ora tratamos. É o princípio da proteção do trabalhador, que dá raiz a todos os demais princípios que servem de alicerce ao Direito do Trabalho.

O Estado estabelece as bases pelas quais devam se desenvolver as relações de trabalho. Nesse sentido, pode-se dizer que limita a autonomia de vontades dos contratantes, mas apenas o faz, para proteger a parte mais vulnerável no pacto, o empregado, em função de sua hipossuficiência econômica, sua posição de desigualdade frente ao empregador. Ou seja, dedica atenção especial ao desigual para igualá-lo na relação jurídica que se estabelece. Sendo assim, as partes podem contratar da maneira que melhor lhes convenha, todavia dentro daquelas delimitações imperativas.

Desse princípio maior, princípio protecionista, é que nascem outros, para dar-lhe efetividade. Dentre aqueles destacamos os que ora nos interessam:

- princípio da norma mais favorável – em Direito do Trabalho as normas não seguem a rigidez da hierarquia formal das leis, quando umas podem ser mais favoráveis ao empregado que outras. É prevalecente, no caso, a norma que melhor possa favorecer o empregado, independentemente de sua origem formal. Um regulamento de empresa pode preferir à própria Constituição Federal, por exemplo, caso seus dispositivos possa agregar maior benefício ao empregado;

- princípio da condição mais favorável – tem o mesmo sentido do princípio anterior, quando, em cotejo de normas, uma traga melhores condições ao empregado. Se uma norma coletiva oferece melhores condições econômicas para o empregado do que a lei, é aquela que obriga o empregador;

- princípio da primazia da realidade – em matéria trabalhista é mais importante o fato do que a forma. Documentos são produzidos com relativa facilidade pelo empregador, a eles podendo o empregado aderir, até por ingenuidade. Acerca desta realidade, Wagner D. Giglio esclarece: "o estado de subordinação em que se encontra o empregado, diante do empregador não lhe permite liberdade de manifestação da vontade, e sem liberdade a igualdade se transforma numa ficção jurídica formal que não se sustém, no mundo trabalhista, porque não corresponde à realidade." Numa circunstância dessas, o mau empregador pode aproveitar-se para fraudar a realidade. É o que ocorre, por exemplo, no cotejo da prova testemunhal frente a documentos duvidosos: o depoimento de testemunhas pode revelar uma realidade diferente daquela retratada no documento. Daí a advertência do jurista: "o Direito Processual do Trabalho deve desconsiderar ou, pelo menos, valorar com extrema cautela as manifestações de vontade do trabalhador em recibos de quitação, transações, renúncias, etc." ; [10]

- princípio "in dubio pro operario" – informa a escolha pela interpretação de determinado dispositivo legal ou convencional da forma que melhor favoreça ao trabalhador, quando posta em comparação com outra forma de interpretação possível;

- princípio da intangibilidade do salário – visa proteger a integridade do salário, destacando-o a uma posição privilegiada, em função de sua natureza alimentar. Assim, o salário recebe a proteção legal nos casos de falência da empresa (prefere aos demais créditos), é inalienável, impenhorável, etc.

- princípios constitucionais – vários princípios do Direito do Trabalho adquiriram status constitucional, ao ser inseridos pelo art. 7º, CF/88: não-discriminação (inc. XXX), continuidade da relação do emprego (inc. I), irredutibilidade do salário (inc. VI), proteção do salário (inc. X), todos derivados, igualmente, do princípio protecionista.

O princípio protetor cumpre seu desiderato pela forma que melhor atenda aos interesses do trabalhador, não conhecendo ordem de importância entre os dispositivos – legais, convencionais ou habituais – que estejam disponíveis ao intento. A única limitação possível se dá quando postos em confronto interesses particulares com interesses coletivos, pois é compreensível que interesses coletivos devam prevalecer sobre aqueles de ordem particular.

2.3.O contrato de trabalho

2.3.1. conceituação

O contrato individual do trabalho é conceituado pelo artigo 442 da CLT como sendo "o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego". É o acordo de vontades entre empregador (art. 2º, CLT) e empregado (art. 3º, CLT) que estabelece a relação de emprego. Nem sempre, contudo, a vontade do empregador se expressa de forma voluntária na formação do acordo (como espera a definição legal), e circunstâncias factuais passam a substituir essa vontade, levando determinadas relações jurídicas a ostentar natureza de vínculo empregatício. É o que se dá, por exemplo, quando se tenta mascarar a relação de emprego com terceirizações, cooperativas, etc. [11]; com a intenção de desonerar-se da carga tributária e do pagamento de direitos trabalhistas. Não houve a vontade do empregador em estabelecer uma relação de emprego no molde legal, mas que tal é existente de fato.

Orlando Gomes classifica o contrato individual de trabalho como sendo "bilateral, porque origina direitos e obrigações recíprocas para os contratantes; é consensual, porque está perfeito e acabado com o consentimento das partes; é oneroso, da classe dos comutativos, porque os contratantes auferem vantagens recíprocas, recebendo cada qual o equivalente do que dá, estando presumida a equipolência de prestações; é de trato sucessivo, pois, ao contrário dos contratos instantâneos, seus efeitos se prolongam no tempo." [12]

2.3.2. Formalidade

A lei não exige formalidade alguma ao contrato individual de trabalho, ditando que tal acordo pode se formar por escrito ou verbalmente, por prazo determinado ou indeterminado (art. 443, CLT). Tal disposição legal, como se vê, concede ampla liberdade de formas ao contrato individual de trabalho, como a lhe facilitar a existência. Assim, o aspecto formal do contrato não tem importância - pode ser escrito, pode ser verbal, pode ser por prazo certo ou indeterminado; tanto faz a forma pela qual as partes irão ajustar-se. O que de fato irá valer é a existência do contrato, as condições pelas quais o acordo irá desenvolver-se no tempo.

O aparente excesso de liberdade da forma, contudo, em nada corresponde com a realidade do vínculo de emprego, este cercado de rigores, fundados: (a) juridicamente, no princípio maior da proteção do trabalhador; (b) administrativamente, na burocracia estatal (previdência social, fiscalização do trabalho, etc); e (c) na representação sindical. A simples possibilidade de que o contrato se forme verbalmente, por exemplo, não há de significar que possa haver uma espécie de "vale-tudo" na relação de emprego, pois que, ao final, tanto pode ser prejudicial ao empregado quanto ao empregador. Daí porque não ser esta uma forma habitual de contratar.

Ao contrário.

As condições pelas quais o contrato será executado devem estar claramente consignadas, delimitadas, para que não causem surpresas desagradáveis de parte a parte (demandas judiciais desgastantes, abalos financeiros e morais; etc). Cláusulas contratuais devem ser documentadas sim, com precisão, em especial as cláusulas básicas - cargo, salário e horários - que constituem a fonte maior de postulações judiciais.

O contrato de trabalho, portanto, retrata um conjunto de direitos e obrigações a que se subordinam empregado e empregador, unidos em uma relação de emprego.

2.3.3. A formação do contrato

O conteúdo de um contrato individual de trabalho, o conjunto de direitos e obrigações, se forma através da lei, com a intervenção estatal, e das demais fontes que alimentam o Direito do Trabalho - acordos e convenções coletivas de trabalho, regulamentos de empresa ou setoriais, costumes, liberalidades, etc.

As condições de contratação, inicialmente, são dadas pela lei, através de dispositivos da CLT, legislação complementar e legislações específicas. Os requisitos gerais são os mesmos dos demais contratos (art. 104, do Código Civil). A este patamar básico se acrescentam os instrumentos normativos - acordos coletivos de trabalho (negociados entre a empresa, ou grupo de empresas, e sindicato profissional), convenções coletivas de trabalho (negociados entre sindicatos de representação patronal e sindicatos profissionais), sentenças normativas (acordos ou convenções submetidas a pronunciamento judicial) -, e outros instrumentos formais e informais (regulamentos, costumes, etc).

No cotejo entre normas coletivas, quando em uma empresa haja um aparente conflito de normas - acordo coletivo de trabalho e convenção coletiva de trabalho concomitantes -, não é de esquecer-se, todavia, do princípio do conglobamento, segundo o qual "as cláusulas do acordo coletivo não podem ser interpretadas de forma isolada, mas em seu conjunto." [13]

Dissemos há pouco, que cláusulas contratuais devem ser estabelecidas com precisão. Mas nem tudo é possível prever em um contrato individual de trabalho. Exemplo são os costumes. Há costumes locais, regionais, costumes formados em um local de trabalho, etc., todos eles impossíveis de consignar em contrato, por várias razões. Em determinado lapso de tempo, costumes podem impor-se silenciosamente, formarem-se, transformarem-se e desaparecer.

Visualizemos um exemplo. Determinado empregador permite aos seus empregados a prática de jogos de azar no recinto de trabalho. Faz vista grossa à prática, permitindo que os empregados se habituem ao longo do tempo. Em determinado momento, pretendendo livrar-se de um desafeto, demite-o de repente sob a alegação de justa causa pela prática de jogos de azar. Não terá razão o empregador, eis que, pelo costume que se criou, o empregado não estava praticando a falta funcional alegada.

O costume que se instala por iniciativa do empregador se equipara àquele que se instala por sua omissão em debelá-lo. Aceitação tácita. Diferente de algo que se concede por força de instrumento normativo, e que só por essa força é que existe. Aqui não há a formação de um costume, pois a obrigação não nasceu de forma espontânea. Nessa situação, terminada a validade do acordo coletivo, não mais existirá a obrigação [14]. Exemplo: empresa concede "lanche" por força de acordo coletivo, e o acordo não se renova. Nada mais, a partir de então, obriga a empresa em relação ao quesito. [15]

Certos direitos e obrigações nascem também de instrumentos que a empresa se utiliza na administração de seu pessoal, como os regulamentos internos. Esses instrumentos podem conter, além de regras de disciplina, alguns benefícios adicionais ao empregado, que, favorecendo-o, não podem mais ser retirados - unilateral e secamente - senão por negociação coletiva. Não raro esses instrumentos concedem ao empregado intervalos, condições favoráveis de trabalho, benefícios adicionais subsidiados, etc. Ora, se concedidos por liberalidade, de forma espontânea e adquirindo habitualidade, passam a integrar o conjunto de direitos do empregado, e, em função disso, já não poderão ser retirados sumariamente.

Outra forma de se estabelecer costumes em algumas empresas são circulares de avisos, informativos, etc., que trazem alguma alteração no sistema de trabalho ou remuneração, liberalidades enfim, igualmente integrantes do contrato de trabalho.

Estas, em geral, são as formas de estabelecer o costume em determinado local de trabalho por iniciativa do empregador, cuja concessão não tenha decorrido de uma obrigação formal. Quando adquirem habitualidade, passando a integrar a remuneração do empregado, mesmo por via indireta, sua cassação irá representar prejuízo. Nesses casos a atitude do empregador encontrará o óbice do art. 468, CLT.

Outras, ainda, são os costumes regionais: regras não escritas, seguidas por todos e nem por isso necessárias de formalização. Variam de acordo com a região, e seus exemplos são inumeráveis (festas regionais; etc.). Adquirem força e repercussão, e em determinados casos sua aplicação é inquestionável. Incorporam-se definitivamente ao contrato de trabalho. Exemplo de costume de abrangência nacional é o Carnaval - não é feriado legal; no entanto, em certos casos, impossível exigir o trabalho nesses dias.

Porquanto tratamos de concluir que o contrato individual de trabalho, em sua essência, deve receber a incorporação de todas essas condições, embora não tenham sido, inicial ou formalmente, acordadas.

O conjunto de direitos e obrigações de um contrato de trabalho se forma com a intervenção de todas estas fontes, em igual medida de importância. Todas, se aplicáveis, farão parte do rol das condições contratadas, sob as quais as partes se obrigam na execução do contrato.


III. O DANO MORAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Assédio moral é o termo pelo qual ficou conhecido um problema de degeneração na relação entre empregado e empregador, quando este avança sobre aquele, espezinhando-o. Na maioria dos casos, funda-se no desejo do empregador em livrar-se do empregado, levando-o a desistir do emprego, e com isso safando-se do custo do desligamento por sua iniciativa, que gera pagamentos de várias indenizações, ou até mesmo quando a demissão está impedida por alguma causa preventiva (estabilidade legal ou convencional, por exemplo).

Para lograr seu intento, o empregador coloca o empregado em situações as mais humilhantes, na intenção de que ele afugente-se do emprego. Assim, progressivamente, o empregador vai criando situações em que o empregado acaba se sentindo cada vez mais desconfortável, até que lhe sejam minadas as resistências. Chega-se, até mesmo, a lhe serem retiradas suas tarefas e responsabilidades, fazendo com que o empregado se sinta inútil, frustrado em sua dignidade (conduta do empregador que vem sendo conhecida pelo termo "inação compulsória").

Esta é apenas uma das causas que, em geral, dão azo ao assédio moral, de resto já suficientemente identificada. Basta ver, por exemplo, matéria apresentada no site do Tribunal Superior do Trabalho, cujo teor é bastante esclarecedor. [16]

3.1.2. Desenvolvimento

Alguns acontecimentos não muito remotos podem ter contribuído para que o assédio moral adquirisse a notoriedade que ostenta nos dias atuais.

As relações trabalhistas têm se modificado ao longo dos últimos tempos, ao passo que sofre interferências das modificações ocorridas na ordem política, econômica e social. O mercado de trabalho, naturalmente, reage às pressões externas, incorporando mudanças. Tal tem sido em relação ao açodamento do desemprego que se verificou em meados dos anos 90 do século passado. Aquele momento (marcado por uma mudança de rumos na gestão da economia, quando adotou-se o neoliberalismo como dogma) inaugurou uma valorização extraordinária do emprego. Por conta disso, o Estado tentou impor mudanças, algumas que degradavam vergonhosamente o Direito do Trabalho. Felizmente o ímpeto abrandou-se, mas a estocada deixou seqüelas. Parte do empresariado viu naquilo o incentivo necessário para avançar sobre os direitos de trabalhadores. Parte do movimento sindical, senão todo, enfraquecido pela conjuntura adversa, passou a aceitar certos acordos, certas práticas empresariais prejudiciais ao trabalhador, como normais. E a mídia, alegremente, cedeu voz e imagem para aqueles que falavam em "flexibilização da CLT", e outros eufemismos oportunistas, fazendo crer que tudo aquilo era normal.

Importa reconhecer que aquele conjunto de impropriedades refletiu duramente nas relações trabalhistas, dissipando o clima de relativa estabilidade em que vinham se equilibrando, após anos de lutas e conquistas. Avançou-se sobre o emprego e o ataque, algo mais requintado, perdura; de tal modo que o crescimento de condenações a título de dano moral na Justiça do Trabalho pode estar por representar, em certa medida, até mesmo uma reação natural àquele movimento hostil.

3.1.3. Estágio atual

Há uma atualização no cenário em que se desenvolvem as relações trabalhistas, onde um conjunto de práticas administrativas se destacam, notabilizando-se pela busca desenfreada por resultados. A questão de fundo é a pressão da nova conjuntura econômica, cujo paradigma é a competitividade, cada vez mais rigorosa, pela conquista e manutenção de mercado.

Essa atualização vem agregando um conjunto de práticas, onde o respeito por preceitos éticos não tem muito destaque. Favorecidas pelo excesso de mão-de-obra (desemprego) disputando um número cada vez menor de empregos (automação), constituem um movimento de causa e efeito, que alternam-se de posição, ora um, ora outro, dando causa ao efeito. Daí surgirem o que parecem ser paradoxos: empregos cada vez mais exigentes em requisitos de formação, especializações, idade, etc., mas cada vez pior remunerados – porque não lhe faltam candidatos. Exige-se o máximo de experiência e o mínimo de idade; exige-se o máximo de responsabilidades em contrapartida de menores salários; exige-se o máximo de conhecimentos, que nem mesmo serão utilizados; etc. (enfim, a mais-valia levada ao extremo).

Uma das espécies de praxes administrativas, que não se constitui propriamente em novidade, é a de copiar práticas estrangeiras de gestão, sobretudo os modismos estadunidenses. O mercado literário de gestão empresarial é eternamente inundado de livros que são, quando muito, apenas traduzidos literalmente, sem levar em conta diferenças culturais. Aquelas novidades acabam sendo aceitas por alguns como capazes de fornecer as mais milagrosas soluções empresariais. Acontece que por trás de toda a ostentação teórica, a necessidade imperiosa de resultados imediatos acaba por não prever conseqüências. Num ambiente assim é até natural que surjam problemas.

Outra espécie é a administração das empresas marcada pela busca selvagem de resultados, comuns em determinados segmentos, altamente competitivos (fabricantes de bens de consumo, por exemplo). Ora, frente à necessidade de vender os produtos sempre e mais intensamente, para auferir os resultados vitais, o ambiente tensiona-se, pois o interesse econômico imediato passa a ocupar todo o espaço na relação com os trabalhadores. Não sobrando espaço para os demais valores do trabalho (ética, respeito, etc.), há a deterioração, o desgaste, dessas relações.

O conjunto dessas práticas, em maior ou menor grau, é capaz de levar ao esgarçamento do tecido das relações trabalhistas, podendo dar causa, inclusive, às barbaridades que chegam aos tribunais: seres humanos sendo obrigados a imitar animais, pais de família tendo de dançar uma tal dança da "boquinha da garrafa", etc., eis que usados como um exemplo negativo para que outros do grupo possam se motivar, produzindo mais, melhorando o desempenho, pois do contrário também poderão ser tratados daquela forma.

O empregador que aceita esse tipo de deterioração no ambiente do trabalho, certamente não há de surpreender-se com condenações por dano moral. Afinal, ao permitir que seres humanos sejam tratados como objetos, sejam ridicularizados à custa de tolices do gênero, não deve mesmo estranhar-se com mais nada. Por todo o óbvio da situação, tampouco poderá alegar que não agiu com culpa.

Esse tipo de modernização, se assim aceitarmos, das relações trabalhistas, traz em seu bojo o assédio moral como uma de suas conseqüências naturais.

3.2. Acidente de trabalho e Doença profissional

3.2.1. Enquadramento legal

A Lei 8.213/91, em seu art. 19, define acidente do trabalho aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução da capacidade para o trabalho, permanente ou temporária. Equiparam-se ao acidente do trabalho as doenças profissionais e doenças do trabalho, constantes do Anexo II do Decreto 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social).

Equipara-se também ao acidente do trabalho o acidente ligado ao trabalho que, mesmo não tendo sido a causa única, contribua diretamente para a lesão que produza a morte, redução ou perda da capacidade para o trabalho. É a chamada teoria da concausa (art. 21, I, da Lei 8.213/91). Nessas condições incluem-se as doenças adquiridas no trabalho que, embora não sejam capazes de incapacitar, aliadas a uma condição qualquer de saúde do trabalhador, agravam a situação do indivíduo. [17]

Também são considerados acidentes do trabalho os acidentes sofridos pelo empregado em conseqüência de atos de terceiros, casos fortuitos ou força maior, doenças por contaminação acidental, os acidentes de trajeto (na ida ou vinda da residência para o trabalho e vice-versa), os acidentes ocorridos em trabalho externo e os acidentes ocorridos nos intervalos de refeição e repouso, estando o empregado nas dependências da empresa. Assim, podem os acidentes ser classificados em três tipos: tipo 1, acidentes típicos; tipo 2, doença profissional ou do trabalho; tipo 3, acidente de trajeto.

A lei exclui do conceito de acidente do trabalho as doenças degenerativas, as inerentes ao grupo etário, as que não produzam incapacidade laborativa e as doenças endêmicas, próprias de determinadas regiões geográficas ou eventuais.

3.2.2. Comunicação do acidente do trabalho e efeitos

O empregador é obrigado a informar à Previdência Social sobre a ocorrência de acidentes do trabalho através da emissão de documento oficial, "CAT – Comunicação de Acidente do Trabalho", até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência, ainda que o acidente não cause afastamento do trabalho ou incapacidade. A falta de comunicação, ou a comunicação fora do prazo, sujeita o empregador a multas.

O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, segundo as disposições do Decreto 6.042/2007.

O empregado que foi vítima de acidente do trabalho e afastou-se do emprego por mais de 15 dias, gozando o auxílio doença ou acidentário, tem garantia de estabilidade no emprego por 12 meses (art. 118 da Lei 8.213/91), a contar da data de retorno ao trabalho (alta médica).

3.2.3. Da prevenção dos riscos de acidente – obrigações legais

As empresas devem atuar na eliminação e prevenção de riscos de acidente de trabalho e doenças profissionais ou do trabalho.

Segundo o disposto na Norma Regulamentadora (NR) 9 da Portaria 3.214/78, a empresa deve implantar e manter o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais ("PPRA"), "visando a preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores através da antecipação, reconhecimento, avaliação e conseqüente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho."

No plano individual, devem ser concedidos aos trabalhadores equipamentos de proteção individual ("EPI´s"), que proporcionem segurança à integridade física no exercício de suas tarefas. Esses equipamentos devem cumprir o objetivo de manter o trabalhador a salvo da ação de agentes agressivos à saúde, porventura existentes no meio ambiente do trabalho. Assim, para protegê-lo da ação de agentes físicos (calor, ruído, umidade, etc) e químicos (poeiras, gazes, etc), a empresa deve equipá-lo de luvas, calçados próprios, protetores auriculares, respiradores e outros equipamentos apropriados ao desempenho seguro das atividades do cargo. Além de fornecer os equipamentos, compete à empresa treinar e fiscalizar o uso correto desses equipamentos pelo empregado.

No plano coletivo, compete à empresa investir em medidas de proteção coletiva visando neutralizar a ação de agentes prejudiciais à saúde, segundo uma hierarquia de providências exigidas pela lei: em primeiro lugar deve eliminar riscos; quando não for possível eliminá-los, deve prevenir; e quando isto também não for possível, deve reduzir riscos existentes no ambiente do trabalho.

Concomitante ao PPRA, deve também o empregador manter programa sistemático com o objetivo da promoção e prevenção da saúde do conjunto de trabalhadores. Trata-se do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional ("PCMSO"), objeto da NR 7 da Portaria 3.214/78.

Tal programa prevê a realização obrigatória de exames médicos e laboratorias nos eventos: admissional, periódico, de retorno ao trabalho (após afastamentos e férias), de mudança de função e demissional. O programa tem a coordenação do médico do trabalho, integrante dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT – das empresas, conforme enquadramento legal em função do número de trabalhadores e grau de risco da atividade empresarial (NR 4, da Portaria 3.214/78, que prevê a necessidade da contratação de pessoal especializado).

Interessante ressaltar que esses programas se interagem, e, junto aos demais dispositivos que a lei impõe ao empregador na área de segurança do trabalho (tal como a exigência de manter Comissões Internas de Prevenção de Acidentes – CIPA), representam um importante instrumento à disposição do empregador para a própria prevenção de problemas na esfera judicial, desde que utilizados segundo o seu real significado, cujos parâmetros e objetivos a lei oferece. Basta seguí-los e registrá-los, haja visto que o encargo de provar a ausência de culpa (pelos problemas que porventura venham a ser discutidos judicialmente) pode recair ao empregador, que somente poderá fazê-lo através dos registros que possua. [18]

3.2.4. O dano moral no acidente do trabalho

O evento acidente do trabalho (e doenças que a ele eqüivalem-se) suscita questionamentos judiciais em potencial. Daí a necessidade de documentar as providências todas que o empregador toma na área, a fim de comprovar o que for preciso. É certo que, a rigor, o ônus da prova deveria ser do empregado nesse tipo de postulação. Senão vejamos.

Tratando da responsabilidade do empregador no acidente do trabalho, Humberto Theodoro Junior assevera que "o ressarcimento de dano material e moral, na espécie, somente será imputado ao empregador se o autor da ação indenizatória cumprir, adequadamente, o ônus da prova quanto à infração praticada pelo réu, no fato configurador da causa do acidente." [19] Outro não deveria ser o entendimento, tendo em vista, até mesmo, a origem e a natureza do instituto responsabilidade civil de direito comum (cf. art. 186, Código Civil). Contudo, verifica-se a tendência em reconhecer a culpa presumida do empregador, decerto submetendo o novo direito ao princípio protecionista, já que incorporado ao Direito do Trabalho. Caminham nesse sentido alguns julgados recentes, o que quase nos permite concluir, inclusive, que, em alguns casos, o dano em si nem mesmo carece de prova. O ato ilícito e o nexo causal é que merecem ser caracterizados [20], ao que anda transparecendo.

O caminho tomado pela jurisprudência aponta em direção na qual a natureza processual de determinada lei se dá em função do seu objeto, e não do seu aspecto formal. Pouco importa se o objeto a que nos reportamos – dano moral – encontre suas fundamentações no ordenamento civil. Importa mesmo é que o assunto, agora, encontra-se nas cercanias do Direito do Trabalho, e por assim deve ser manobrado, mas sob todos os seus aspectos, ressalte-se. [21]

O ônus da produção de provas, no Direito do Trabalho, está previsto no art. 818 da CLT, que trata o assunto de forma insuficiente, rasa, requerendo a aplicação suplementar das regras do artigo 333, CPC. Aliás, comentando o artigo 818, Valentin Carrion constata: "a regra de que o ônus pesa sobre quem alega é incompleta, simplista em excesso." [22] Por esta razão, aceita-se a regra geral de que ao autor cabe provar o fato constitutivo de seu direito, e ao réu incumbe provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Em realidade, porém, o autor apenas alega seu direito, cabendo ao empregador a produção de provas, até mesmo pela facilidade de obtê-las, já que os documentos todos do contrato de trabalho ficam em seu poder. Fato é que esse sistema produz uma outra realidade, e a culpa do empregador, na prática, passa a ser como que presumida, como se tornou regra no Direito do Trabalho. [23]

Já há tempos, ao tratar do conceito de culpa presumida, Orlando Gomes observava: "um dos processos técnicos utilizados para dar maior plasticidade à concepção subjetiva da responsabilidade é o reconhecimento de presunções de culpa". E completava o raciocínio apresentando a razão principal para se alargar o conceito de culpa: "através desse recurso, facilita-se a prova, sem se deslocar o fundamento da responsabilidade." E o que vem ocorrendo atualmente na jurisprudência acerca do tema, quando ganha força e se impõe tal conceito, demonstra exatamente aquilo que o eminente jurista baiano vaticinava, em conclusão: "aceitando-se a idéia de culpa presumida, pode-se justificar a aplicação dos preceitos reguladores da responsabilidade extracontratual usando a noção de culpa, mas dispensando sua prova. Admitidas algumas presunções, a ação da vítima para obter a indenização é extremamente facilitada." [24]

Essa noção de culpa presumida, vigente no Direito do Trabalho, por óbvio, trata-se de presunção juris tantum, aceitando prova em contrário, sobretudo no caso de acidente do trabalho, [25] conforme temos tratado. Daí porque, em tópico anterior, reputamos da maior importância a providência de se manter registros de tudo aquilo que a empresa realiza, em termos de prevenção da segurança e saúde do trabalhador.

Postula-se verba indenizatória por danos morais aqueles que se acidentam, ou alegam ter desenvolvido alguma doença profissional, e que, por conta disso, se vêem reduzidos em sua capacidade laboral, com dificuldades de reempregarem-se, etc.

Nesse ponto, convém associar cada um dos elementos formadores da responsabilidade civil ao evento, ligando-os aos caracteres da culpa, vistos anteriormente. Vejamos. O ato ilícito deve ter a presença de culpa, causar dano, e entre eles deve haver uma relação de causalidade.

Ato ilícito. O acidente de trabalho ou a doença profissional, em si, não representam propriamente um ilícito (quanto menos ainda a mera ocorrência do afastamento do trabalho, como alguns imaginam), capaz de caracterizar um dano passível de indenização. Mas podem vir a caracterizar-se, se a causa se der por culpa exclusiva do empregador, gerando um dano real ao empregado, cujo alcance vá além dos prejuízos materiais. É assim, por exemplo, quando o patrão não lhe fornece equipamento de proteção adequado à realização de suas tarefas, ou o descuido com o meio ambiente é tal, que o empregado venha a desenvolver uma doença respiratória, uma perda auditiva, etc. A omissão do empregador é o elemento subjetivo, a culpa, que gerou – ou potencializou – o dano, a tal ponto de expressar-se em seu patrimônio moral, estético, etc. Por outro lado, se o acidente ocorreu por culpa exclusiva do empregado, responsabilidade alguma poderá ser atribuída ao empregador. [26]

Nexo causal. O dano alegado pelo empregado deve guardar relação entre o ato e a culpa do empregador. De nada adianta apresentar um dano de saúde, comprová-lo, mas que não guarde relação alguma com as atividades que o empregado exercia no emprego. [27] É o caso, por exemplo, do empregado que alega perda auditiva, mas não há a constatação de ruído expressivo em seu ambiente de trabalho; e mais tarde vêm-se a saber que, nas horas vagas, era guitarrista de conjunto musical que animava bailes.

Dano. O dano deve ser comprovado. A simples alegação ou a impossibilidade de comprovação, não são suficientes para compor uma obrigação de reparação civil. É preciso ter existência real e que não seja apenas presumido, para que lhe seja reconhecido o mérito.

3.3. O dano moral nas obrigações contratuais

Temos visto que o contrato individual de trabalho se desenvolve de maneira em que as partes cumprem com suas obrigações, satisfazendo o direito da outra, para manter o equilíbrio regular do pacto. Danos podem ocorrer, portanto, advindos do descumprimento das obrigações contratuais.

Inicialmente, porém, rejeitamos a idéia de que todo e qualquer dano sofrido pelo empregado possa resolver-se em obrigação de indenizar por danos morais, quando haja o descumprimento de uma obrigação pelo empregador. Não acreditamos que todas sejam capazes – ou tenham a potencialidade automática – de gerar o efeito de dano moral.

O abuso no exercício do direito, contudo, traz em si a potencialidade suficiente para causar danos de ordem moral ao empregado porque, o empregador, ao agir além dos limites do razoável, acaba por expor aquele a constrangimentos, ao ridículo, etc., que de outra feita poderiam ser evitados. A pretexto de exercer um direito que lhe parece legítimo, pode acontecer que determinadas práticas empresariais acabem por se configurar em abuso de direito, gerando danos. Às vezes, o resultado visado por algumas dessas práticas não justificam-nas, tornando-as inaceitáveis. É o que acontece, por exemplo, quando o empregador põe-se a revistar empregados, e o faz de forma humilhante, ferindo a intimidade do empregado (obrigando à nudez, contatos físicos, etc.). [28]

Por outra via, casos muito comuns, e que podem desvirtuar a idéia da causação de danos de ordem moral, dizem respeito às dispensas por justa causa. Ora, ao dispensar um empregado por justa causa, à luz do art. 482 da CLT, por exemplo, o empregador está exercendo um direito potestativo garantido pela lei. Se para o exercício dessa faculdade não agiu com abuso de direito, nada haverá para justificar uma condenação por danos morais. [29] Ainda que o mérito da dispensa não venha a se confirmar, não se poderá afirmar que o empregador agiu com culpa quando promoveu a dispensa, baseado nos elementos de que dispunha para tomar a decisão. Mais tarde, levada à juízo, o conjunto de provas que serão produzidas pode não confirmar o motivo da dispensa, levando o empregador a ser condenado nas indenizações que seriam devidas por uma dispensa imotivada, nada mais.

De maneira geral, os danos causados ao empregado pelo empregador quando descumpre alguma obrigação legal, já encontram na própria lei a forma pela qual irão ser penalizados. Quando o empregador promove certa alteração contratual que venha causar prejuízo ao trabalhador, essa alteração não terá validade jurídica, obrigando o empregador a restabelecer a situação anterior e reparar os prejuízos causados ao empregado. Se o empregado realiza horas extras habituais, estas não podem ser simplesmente abolidas sem antes o pagamento de uma indenização correspondente [30]. O atraso no pagamento de verbas rescisórias, por outro exemplo, dá ao empregado o direito de receber a multa prevista no art. 477, da CLT, e ainda a tutela do art. 467, se for o caso.

De modo que, a todo momento, é possível encontrar na lei, e mesmo na jurisprudência, as formas de reparação dos danos causados pelo patrão ao empregado, até pelo espírito protecionista em que é inspirado o ordenamento jurídico trabalhista.

Dessas considerações, podemos estabelecer, de plano, que são inconcebíveis as tentativas de fazer com que até mesmo os pequenos deslizes do empregador, no cumprimento de uma obrigação legal qualquer, possam se expressar, automaticamente, na obrigação de indenizar por danos morais. Dano moral é dano extraordinário, capaz de causar um considerável abalo psicológico na pessoa, e somente por essa razão é que deve levar à necessidade de indenizar, caso configure-se a responsabilidade civil. Significa reconhecer a real existência do dano, sua extensão e sua relação de causalidade com o ato ou a omissão do empregador.

Ainda o exemplo do atraso no pagamento das verbas rescisórias. Esta falta do empregador tanto pode dar causa à ocorrência de danos morais quanto não. Imagine-se que por conta daquele atraso, o empregado se viu obrigado ao pagamento de multa por atraso na dívida que iria saldar com o dinheiro da rescisão contratual. Mas não só isso. Por conta do atraso, teve também seu nome incluído no SPC (serviço de proteção ao crédito) pelo credor. Ora, é evidente que o empregado sofreu danos significativos não apenas materiais (pagamento de multa pelo atraso da dívida) como também morais (perda do crédito, que é um valor imaterial), e por eles deve ser ressarcido.

Destarte, não cabe apenas argumentar-se com a "possibilidade de sofrer danos", o "risco potencial" de sua ocorrência, etc. Logo, é necessário que o dano se comprove, seja clara a sua existência real, para que possa existir a responsabilidade civil pela reparação.


IV. O VALOR DA INDENIZAÇÃO

Superada a fase de reconhecimento da existência do dano, e a conseqüente necessidade de repará-lo, a questão toda que se põe, a esta altura, é atribuir um valor para cumprir a prestação jurisdicional requerida.

Esta, portanto, é a fase que irá dar sentido prático à realização da justiça, expondo o resultado da complexa equação que o tema instaura. E o grande desafio a ser vencido pelo julgador é a ausência de vinculação do direito a parâmetros predeterminados em lei que indicariam como quantificá-lo, como acontece com os direitos trabalhistas tradicionais. Para fixar um valor, o juiz já não conta aqui – como estava acostumado – com os elementos que tenham sido provados (por documentos, perícias, depoimentos, etc.), para indicar-lhe quais os direitos não satisfeitos – e por eles decidir.

Há um vazio entre a certeza da existência do direito e o valor que a ele deva ser atribuído. Preencher esse vazio, estabelecer o liame, enfim, já não requer a intervenção estatal apenas para restabelecer o equilíbrio, quebrado pelo descumprimento de uma obrigação qualquer, cuja satisfação se resolveria com o adimplemento das verbas eventualmente sonegadas.

Há agora, a necessidade de entregar a justiça que se veio buscar.

Antes, porém, é necessário entender que a justiça é um valor, uma virtude, e que não comporta escalonamento em unidades de medida, tampouco adjetivações – realiza-se, ou não. É perfeitamente compreensível, todavia, que para o autor a "medida" da justiça nunca será o bastante; para o réu, o contrário. Logo, realizar a justiça é equilibrar o que é devido com a dose certa, de um modo pelo qual as partes possam sentir que foram compensadas. Quanto mais próximo a pessoa (autor e réu) possa chegar a esse sentimento, tanto mais terá sido a realização da justiça.

O valor que se deva atribuir para a reparação, ou compensação, de danos morais é de competência indeclinável do juiz. Reconhecida a obrigação da ressarcibilidade pela CF/88, a questão que fica é esta – a falta de critérios ou parâmetros na lei, os quais poderiam dar a forma e os limites para as indenizações. Talvez por essa razão, e entendendo tratar-se de uma lacuna legal, é que existam projetos de lei tramitando pelo Congresso Nacional tratando de estabelecer critérios formais para a valorização do dano, na tentativa de suprir essa lacuna da lei.

Entre esses projetos, por exemplo, existe um que prevê a graduação do dano, distinguindo-o entre leve, médio e grave, para atribuir uma faixa de valores financeiros à escala. [31] A tentativa de padronização como solução, encontrada pelo projeto de lei, não nos parece ser a mais adequada. Simplista, só demonstra a real necessidade de dotar o instituto com critérios mais consistentes, se fosse o caso. Não é. Não há como vê-lo caracterizado sob forma tão superficial.

No ordenamento jurídico trabalhista, esparsa, a Lei 9.029/95 traz um parâmetro para um caso específico. Essa lei proíbe práticas discriminatórias de qualquer natureza na relação de emprego, para tipificar criminalmente o responsável pela exigência de exames médicos (admissionais, demissionais, etc) que comprovem o estado de gravidez da mulher, sujeitando-o a pena de detenção de 1 a 2 anos e multa. Configurado o crime, a lei impõe a obrigação de pagar ao ofendido valor correspondente ao dobro da remuneração do período de afastamento, certamente se referindo à gestante, cujo afastamento do trabalho se dá por 120 dias (auxílio maternidade). Ora, sendo esta verba destinada a reparar o atentado praticado contra a dignidade da pessoa (porque discriminando-a), só pode estar tratando de indenização por danos morais. Nesse caso específico, pode-se constatar que a lei utilizou como parâmetros para fixação do valor da indenização o salário da gestante e o período de afastamento, dobrando-o como gravame pelo dano causado. E para não perder a oportunidade arrecadatória (denunciando a índole do Estado que vê em tudo, inclusive na desgraça alheia, a oportunidade de arrecadar), a lei impõe ao responsável (empregador) multa correspondente a 10 vezes o salário do ofendido (no caso, a gestante), o que só faz demonstrar um grave defeito de leis como essa – a inoperância.

Não deixa, porém, de oferecer um critério, caso se queira utilizar como analogia, aplicando-se-lhe os parâmetros a casos que possam guardar alguma semelhança.

A jurisprudência, por sua vez, tenta buscar parâmetros para a fixação de valores de indenização, ora usando a analogia com as antigas regras de indenização por tempo de serviço, que previam 1 salário a cada ano que tenha durado o vínculo [32]; ora atribuindo um salário da vítima para cada ato ofensivo do empregador ou pela quantidade de meses que tenha perdurado o ataque [33]; ora fixando-o em quantidade de salários mínimos [34]. No mais, valores aleatórios, segundo o pedido inicial, consignado na reclamatória.

De nossa parte, posicionamo-nos sim, pela fixação razoável e justa, tanto quanto possível, do quantum indenizatório. Exatamente nos termos em que manifesta-se Humberto Theodoro Junior, quando aduz: "cabe, assim, ao prudente arbítrio dos juízes e à força criativa da doutrina e jurisprudência, a instituição de critérios e parâmetros que haverão de presidir às indenizações por dano moral, a fim de evitar que o ressarcimento, na espécie, não se torne expressão de puro arbítrio, já que tal se transformaria numa quebra total de princípios básicos do Estado Democrático de Direito, tais como, por exemplo, o princípio da legalidade e o princípio da isonomia." [35]

Propugnamos, dessa forma, por um arbitramento responsável, dentro dos princípios que regem o ordenamento jurídico, de maneira tal que não ocorram desacertos que venham a se revelar em tudo prejudiciais: à parte, ao instituto e à própria dignidade do Direito.

Como quer que sejam atribuídos esses valores, no entanto, algumas questões devem, sempre, ser levadas previamente em consideração. A elas.

4.2. O princípio constitucional da proporcionalidade

O dispositivo constitucional que dá abrigo ao dano moral trabalhista, por óbvio, reporta-se ao princípio da proporcionalidade previsto no art. 5º, V, CF/88, da mesma forma que o da ressarcibilidade, previsto no inciso X do mesmo artigo, reporta-se. Ambos são princípios constitucionais vigorosos, sendo necessário que se dêem mostras – objetivamente – de sua observância, em sua plenitude, quando se tratar da fixação desses valores. O dano é ressarcível, princípio constitucional. Mas o valor que se queira atribuir há de guardar proporcionalidade ao dano, à potencialidade de ressarcir do ofensor, às condições gerais do ofendido, enfim, deve haver uma correlação – justa e razoável – entre todos os aspectos que sejam possíveis de avaliar.

Não se pode desconhecer a importância de um princípio constitucional, qualquer deles. Paulo Bonavides pondera a importância dos princípios constitucionais nos seguintes termos: "fazem eles (os princípios) a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes." Para concluir com ênfase: "são qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição." [36]

Toda a questão do dano moral trabalhista, portanto, deve ser posta a luz dos princípios constitucionais, e não apenas parte dessa questão, como quer parecer em alguns casos. A ressarcibilidade vem sendo reconhecida, coerentemente ao princípio constitucional que lhe dá propriedade. Com força, também, a proporcionalidade deve ser reconhecida, em propriedade equivalente.

Somente se poderá afirmar que o princípio fora observado, se uma série de questionamentos puderem ser satisfeitos. Por exemplo: há proporcionalidade entre o dano e o valor da indenização? É proporcional o valor da indenização com as possibilidades econômicas do empregador? É proporcional ao salário do empregado, ao faturamento da empresa, ao tempo de serviço, às suas possibilidades de conseguir novo emprego, à natureza das funções do empregado? Nos casos de doenças do trabalho: qual é o histórico dessas doenças na empresa?; qual é a incidência dessas doenças em outros empregados? Como a empresa age na prevenção? Quais são, e qual a eficiência e abrangência, dos seus programas de segurança e proteção à saúde do trabalhador? Enfim, essas e outras questões, aplicadas ao caso prático em análise, devem restar satisfatoriamente esclarecidas ao final, para que se possa perceber, objetivamente, a observância ao princípio que tratamos.

Tomemos um exemplo. Recentemente, os meios de comunicação divulgaram o resultado de uma ação, em que o empregado obteve uma indenização no valor de R$ 500 mil [37]. Não nos colocamos a comentar decisões de Tribunais do Trabalho, mas como leitores de uma reportagem que surgiu nos meios de comunicação somos levados a certas conclusões, com base nos elementos apresentados. Uma delas é a de que seriam necessários cerca de 300 anos de trabalho para que o autor conseguisse auferir um ganho como aquele que "conseguiu" através da sentença. Somos levados a concluir, assim, que não houve a observância do princípio constitucional que ora tratamos, para a fixação daquele quantum. Senão vejamos. Informa-nos a reportagem que o empregado, auxiliar de motorista, recebia salário de R$ 137 mensais. Segue o relato da reportagem: "menos de um mês após a admissão, no dia 26 de agosto, estava sentado no banco ao lado do motorista quando o caminhão da transportadora chocou-se com outro veículo." E dá outras informações, mas todas insuficientes, contudo, para que se possa entrever as razões da fixação de um valor tão expressivo. Num caso como esse, muitas daquelas questões ficariam sem resposta satisfatória, levando à crença de que o princípio da proporcionalidade e razoabilidade não tenha sido efetivamente observado. Não só isso.

Essa repercussão social, de uma decisão judicial que se faz transformar em matéria jornalística, é algo muito negativo. Casos assim, além da surpresa e estranhamento que causam, nos faz compreender o seu lado cruel. Não guardando relação alguma com a realidade, são capazes de transformarem-se não em justiça, mas em um mal maior à própria vítima, impondo-lhe novas dores. Ora, veja-se. Ao buscar a reparação pelos danos morais que sofreu, por meio da provocação do judiciário, a vítima desenvolve uma expectativa (natural) em ver reconhecido o seu direito. Uma sentença dessas é capaz de causar-lhe uma alegria imediata – uma euforia! -, mas, na medida em que tal sentença vai, passo a passo, lentamente, mostrando-se impossível de ser cumprida, aquela expectativa inicial, inflada ao estouro, acaba por transformar-se em um terrível pesadelo, numa dolorosa frustração. Ao fim e ao cabo, pode reduzir-se, cruelmente, em simples desrespeito ao seu direito. E aí saem perdendo a vítima e o próprio judiciário; sai perdendo a justiça.

4.3. O critério da classificação do dano

Entre os danos praticados pelo empregador em face de seu empregado, uns podem ser considerados mais graves que outros, se analisados sob o prisma do animus, da intenção que lhe anima. A ausência ou a presença desse elemento causador do dano certamente poderá ser utilizado como fator de classificação. Um dano causado com a forte intenção de prejudicar, será tanto mais grave que outro, onde não houve a intenção. Embora ambos possam ser penalizados, um há que diferir de outro – senão pelas conseqüências, então pela gravidade.

O que se pretende expor é uma classificação do dano, segundo sua natureza, ligada ao ânimo do causador, resultado de um ato culposo ou de um ato doloso, utilizando-se para este intento de fundamentos do Direito Penal. Assim não estaremos tratando de uma excentricidade, mas de algo já presente em nosso ordenamento jurídico, onde aos crimes dolosos são atribuídas penas maiores do que aos crimes culposos. Distinguindo a teoria finalista da ação, Mirabete esclarece: "no crime doloso, a finalidade da conduta é a vontade de concretizar um fato ilícito. No crime culposo, o fim da conduta não está dirigido ao resultado lesivo, mas o agente é autor de fato típico por não ter empregado em seu comportamento os cuidados necessários para evitar o evento." [38] Tem-se, assim, que embora os resultados possam apresentar gravidade semelhante, a conduta, por sua vez, pode ser diferenciada, quando levada em consideração para efeitos de fixação do valor da indenização, a critério do juiz.

Consideremos o assédio moral. É evidente que, naqueles casos, há a presença clara da intenção do empregador em prejudicar o empregado, por qualquer razão. Empreende ele todo um conjunto de condutas, perniciosamente concebidas com o intuito mesmo de prejudicar – dolosamente portanto – visando alcançar o resultado perturbador.

Já em outros casos não se pode dizer que a culpa do empregador seja tão grave, a ponto de penalizá-lo com intensidade rigorosa, que pode revelar-se até mesmo desproporcional, como se o empregador estivesse com a intenção de produzir o dano, quando essa não era a sua intenção. O critério visa, justamente, separar os tipos de culpa para graduá-los, se assim for possível. Imaginamos de modo que a utilização desse critério, em uma equação mental junto a outros critérios, pudesse resultar na atribuição de valores o mais justo possível.

4.4. O critério da eqüidade

O critério da eqüidade – aplicado à fixação do quantum indenizatório – é o que de mais importante há para considerar, embora possamos percebê-lo distante, às vezes, das preocupações centrais que o tema suscita. A análise da questão da indenização do dano moral, todavia, torna o critério imprescindível.

Interessa-nos, aqui, a eqüidade segundo a significação dada ao vocábulo por De Plácido e Silva: "compõe o conceito de uma justiça fundada na igualdade, na conformidade do próprio princípio jurídico e em respeito aos direitos alheios." [39] É o conceito que melhor nos atende, pois sintetiza os elementos todos, capazes de inspirar o sentimento de justiça, quando utilizado como fundamento para decidir. Principalmente no caso presente, onde mais se requer a sensibilidade do julgador.

Quanto ao aspecto formal, lembra-nos Francisco Antônio de Oliveira: "a eqüidade em sede trabalhista não tem a restrição prevista no art. 127 do CPC, já que o art. 8º da CLT não restringe." [40] Note-se, pois, que o magistrado trabalhista não está impedido de decidir por meio da eqüidade. Aliás, no caso, há o estímulo por essa forma de decidir, haja visto que não encontramos na lei a forma concreta pela qual deva ser estabelecido o quantum indenizatório para reparação de danos morais. Segundo se depreende, aliás, é este, precisamente, o comando que sobressai do art. 8º da CLT, aplicável ao caso.

Pela eqüidade pode-se avançar um pouco mais (aproximando-se ao conceito da justiça como sentimento), desprendendo-se de eventuais amarras impostas por uma norma jurídica, qualquer que seja a sua origem. Isto se dá, por exemplo, caso firme-se jurisprudência no sentido de que a indenização devida para determinado caso seja a quantia equivalente a, digamos, 100 salários mínimos. Nesta hipótese, imagine-se que um empregador, pequeno empresário, venha a ser condenado a pagar uma indenização como tal. Ora, é evidente que não poderá pagar sem antes o sacrifício de seu próprio negócio e dos empregos que eventualmente mantinha para girar o empreendimento. Virtual derrocada. Isto é justiça? Observe-se: se aquele quantum é facilmente suportado por um grande grupo econômico, o mesmo não acontece aqui, neste exemplo hipotético. De sorte que, pelo comando do citado art. 8º da CLT, necessariamente o julgador deveria fundamentar-se pela eqüidade, e não mais pela jurisprudência, para garantir a realização da justiça.

O grande desafio que se apresenta é o equilíbrio de interesses, o equilíbrio na distribuição da justiça, estabelecido na relação entre o enriquecimento sem causa de um lado, e de outro a imputação de valores simbólicos, impotentes para alertar o causador do dano sobre a impropriedade de sua conduta. Em ambas extremidades não reside a justiça. De lado a lado é preciso que se tomem as medidas a fim de prognosticar a solução. É preciso conhecer as diferentes realidades nas quais as partes se inserem.

Nesse sentido, o que impediria o juiz, antes de decidir, requerer a ajuda de perícia para fornecer-lhe elementos objetivos para a formação de sua convicção? Conhecer, enfim, a realidade econômica da empresa – quando menos para não deixar o estranhamento frente a uma inevitável pergunta sem resposta: qualquer empresa pode suportar o pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 500 mil? [41] Servindo-se do que lhe faculta o artigo 145, CPC, argumentamos que o juiz, antes de proferir a sentença, poderia solicitar dados fiscais e contábeis do empregador, por meio de perícia técnica, para preservar-se de praticar uma injustiça. A razão de nossa argumentação se prende à constatação de que a natureza sensível do problema recomenda cuidados especiais, à exemplo do que ocorre quando o autor alega doença do trabalho: a perícia buscará indicar a possível existência do nexo causal entre a doença alegada e as atividades que eram desempenhadas pelo autor no emprego. A complexidade do problema, com o enorme conjunto de fatores a se relacionar (possibilidades financeiras do réu, a real existência do mérito do autor, grau de culpa, extensão do dano, etc.) e a repercussão social de tudo isso, apontam para a necessidade da produção de prova técnica que virá acrescentar importantes elementos para a formação do juízo. No extremo, ainda, pode valer-se o juiz da inspeção judicial como meio de prova (art. 440, CPC), para obter elementos que venham a complementar, ou dar respaldo, à formação de sua convicção acerca do caso que esteja sob sua apreciação. Ernane Fidélis dos Santos esclarece que esse meio de prova "consiste no exame direto que o juiz faz sobre pessoas ou coisas relacionadas com o litígio, para, pessoalmente, através dos próprios sentidos, conhecer o fato ou completar seu conhecimento sobre ele." [42] Em que pese tratar-se de recurso não muito prático para o uso cotidiano, não se pode desconsiderar sua relevância, sobretudo quando se percebe uma repetição de reclamatórias contra determinado empregador, sintoma que pode indicar a existência de problemas, interessantes ao conhecimento do juiz, para melhor decidir aquelas lides.

Enfim, a realidade do problema demanda a necessidade de cuidados especiais, inaugurando, talvez, a tomada de novas posturas para confrontá-lo, tendo em vista o cenário à sua volta. Insere-se numa conjuntura cheia de contrastes, como traço de nossa cultura, afinal, a desigualdade social. De um lado grandes grupos econômicos multinacionais, grandes grupos financeiros, etc, regados a lucros estratosféricos, sempre garantidos por governos diligentes. De outro, o mar do desemprego afogando cada vez mais; um oceano de empregos informais; um mundo de microempresários operando na clandestinidade, desassistidos das benesses concedidas ao grande capital, e assediados por um sem fim de assombros, obrigações, fiscalizações, etc. Uma realidade social fértil ao florescimento dos problemas que desarranjam as relações trabalhistas.

E em meio a esse emaranhado insano, é preciso separar e individualizar problemas. A despeito da falta de critérios técnicos que regulem o assunto, temos a sua natureza individual. Não há como padronizá-lo, por qualquer meio, sem o risco de perpetrar injustiças. Cabe ao judiciário tomar a iniciativa de dar o tom da sensatez, da lucidez, a essa questão tão delicada.

O entendimento que se deve ter do novo direito, a priori, é sobre esta natureza – subjetiva, pessoal – em cujo contexto se faz de extrema relevância a adoção do critério da eqüidade. Por esse critério se torna possível a realização da justiça, capaz de conciliar, equilibrar, a equação que o problema coloca para solução. O ofendido deve ser reparado, mas pela medida em que seja possível ao ofensor realizar. De nada adianta "classificar" o dano em 100, se o causador só for capaz de pagar 50. Insistir, nesses casos, em indenizações impossíveis (para não dizer absurdas) é premiar, afinal, o próprio agente causador do dano, pois que assim não irá pagá-la. É mais: é prejudicial ao próprio instituto, que será banalizado, uma após outra, até esvair-se em sua razão de ser.

Não estamos nos posicionando de forma a desmerecer o instituto; nem suavizando sua gravidade. Bem ao contrário. Ora, vejamos: certas mágoas não têm preços – esta é, pois, a idéia de que o dano moral não é reparável, mas apenas compensável. De modo que qualquer valor que a ele se atribua, restará insuficiente, afinal de contas, em maior ou menor grau. Contudo, nos parece, mágoa maior será não receber sequer a compensação pelo dano sofrido. Como bem observa Francisco Antônio de Oliveira: "a eqüidade é a busca do razoavelmente justo." [43] E o razoavelmente justo pode não ser o inteiramente justo, mas pode se tornar em algo factível, materializável, na justa medida da realização do direito.


CONCLUSÃO

O tema de nosso trabalho suscita questões preocupantes, que vão além, talvez, dos pontos que colocamos para considerações.

Em primeiro lugar, uma preocupação maior. Se o direito é o instrumento pelo qual há de realizar-se a pacificação social, a justiça, no que diz respeito ao assunto tratado, alguns desacertos podem frustrar o objetivo.

Permita-nos, respeitosamente, um alerta necessário. A tentativa de desfigurar princípios constitucionais, em favor de teses trazidas do direito estrangeiro é algo, no mínimo, perigoso. A responsabilidade civil, em nosso ordenamento trabalhista, não aceita a teoria objetiva do dano. Este é um ponto que sequer deveria merecer devaneios. Não pode, por causa disso, progredir. É preciso cautela diante de certos conceitos, sedutores sem dúvida, mas que podem afastar-nos de nossa realidade cultural, dando causa a danos maiores, inclusive os de natureza institucionais.

Outro ponto a considerar é a necessidade de observar princípios constitucionais no que se refere à fixação de valores da indenização para reparação de danos morais, e que essa atenção se expresse objetivamente. Não é possível que se levem em conta, para deferimento de valores, apenas os termos do pedido inicial, e só por eles, pautando-se. Há de considerar-se que esses pedidos nem sempre guardam relação com a realidade. Aliás, em algumas oportunidades, tal fato já se evidenciou. Tomemos o exemplo do Acórdão nº 20000137760, da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), publicado em 14/04/2000, Relator Francisco Antônio de Oliveira, cuja ementa é a seguinte:

"DANO MORAL. BANALIZAÇÃO. O instituto não pode ser banalizado com alegações sem conteúdo e que desmereceriam a sua seriedade."

Eis aí um exemplo sensato. À época, talvez, expressasse um alerta. A leitura atual, no entanto, expressa uma dúvida inquietante, mormente quando seja possível verificar a altíssima incidência de pedidos de indenização por danos morais.

Outra observação a acrescentar, finalmente, diz respeito à "lacuna" legal. Não há lacuna. De nada adianta lançar projetos de lei que só têm o mérito de preencher um vazio formal, mas de conteúdo inócuo, como o exemplo que apresentamos. Há de entender-se que o assunto tem forte conotação pessoal, individual, o que requer a presença indispensável da sensibilidade do juiz na determinação do valor da indenização reparatória. A solução deve se dar, pois, clinicamente, caso a caso, mas com o emprego da lei, princípios constitucionais próprios e tantos quantos critérios se queira utilizar para distribuir a justiça, como, por exemplo, o critério da classificação do dano e, necessariamente, o critério da eqüidade, de vital importância aqui.

Tudo, enfim, com a finalidade única da realização da justiça. Justiça, que para os romanos se expressava na vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu.


REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

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GOMES, Orlando. Obrigações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Consolidação das Leis do Trabalho Comentada. 2. ed. São Paulo: RT, 2000.

SAMPAIO, Aluysio. Dicionário de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1982.

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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SÜSSEKIND, Arnaldo, e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: LTr, 2005.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. 5. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007.

VENOSA, Silvio de Salvo. Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.


Notas

  1. VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 33/34.
  2. Nesse sentido, exemplos: Proc. Nº 00858-2006-007-03-00-6 RO e Proc. Nº 01339-2006-075-03-00-3 RO, ambos do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais).
  3. THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2007, p. 7.
  4. VENOSA, Sílvio de Salvo, ob.cit., p. 23.
  5. Nesse sentido, tome-se o exemplo do Proc. 00947-2003-002-21-00-0 RO do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (Rio Grande do Norte), publ. DJE/RN 08/08/2006.
  6. Nesse sentido: Proc. TRT-15ª Região: 00195-2006-086-15-00-6 RO, Rel. Juiz Samuel Hugo de Lima, publicado em 03/08/2007, on line, disponível em <www.trt15.gov.br> acesso em 16/08/2007.
  7. FRISCH, Felipe. "Ganha espaço na Justiça do Trabalho o ´dano coletivo´". Jornal Valor Econômico. 25/06/2007.
  8. Segundo a clássica definição de Evaristo de Moraes Filho, o contato de trabalho é do tipo de adesão, pois a ele o empregado adere, sem que, necessariamente, possa incluir cláusulas que seriam de seu interesse.
  9. SÜSSEKIND, Arnaldo, et. al. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 142.
  10. GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 90.
  11. Nesse sentido: Acórdão Unânime da 5ª Turma do TST RR-615.123/1999.2 – Rel. Min. Rider Nogueira de Brito – DJU 14/03/2003, p. 517.
  12. Apud SAMPAIO, Aluysio. Dicionário de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1982, p. 90
  13. Nesse sentido: Acórdão unânime da 1ª Turma do TST - RR-458.075/1998.1 - Rel. Min. Maria de Lourdes D''Arrochella Lima Salaberry. DJU de 07.03.2002, p. 175
  14. Súmula 277, TST.
  15. Nesse sentido: Acórdão unânime da 3ª Turma do TST - RR-506.544/1998.0 - Rel. Min. Eneida Melo Correia de Araujo - DJU 27.09.2002, p. 884/885
  16. FEIJÓ, Carmem. Matéria especial: assédio moral na Justiça do Trabalho. On line, disponível em <www.tst.gov.br>, acesso em 16/07/2007.
  17. V. nesse sentido: Processo nº 00102-2006-065-15-00.2 RO, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
  18. Para melhor compreensão sobre a importância da providência, em que a pretensão recursal possa encontrar óbice na Súmula 126 do TST, são exemplos os Acórdãos TST: AIRR-2923/2005-026-12-40.0 (DJ 16/03/2007) e AIRR-214/2003-004-15-40.5 (DJ13/04/2007). Em um a existência de provas favoreceu o empregador. No outro, a ausência frustrou-lhe a pretensão.
  19. THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. cit., p. 34.
  20. Nesse sentido: Acórdão unânime da 4ª Turma do TST – AIRR-37.515/2002-900-08-00.5 – Rel. Juiz convocado José Antônio Pancotti – DJ 22/10/2004, p. 690.
  21. Inclusive no que diz respeito à prescrição, aplicando-se a regra válida para o Direito do Trabalho (art. 7º, XXIX, CF/88). Aceitar de outra forma seria colocar em dúvida a compatibilidade do instituto ao Direito do Trabalho.
  22. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
  23. V. Sumulas 212 e 338, TST.
  24. GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 268/269.
  25. No exato sentido que propugnamos: Acórdão unânime 3ª Turma TST AIRR-1314/2005-086-03-40.7. Rel. Ministro Alberto Bresciani, publicado no DJ 15/06/2007.
  26. Nesse sentido: Proc. RO – 00839.2006.071.23.00-3, do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT), publ. 19/07/2007.
  27. Nesse sentido: Proc. RO – 00088.2006.153.15.00-5, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (SP), publ. 20/04/2006. E ainda: Acórdão Unânime da 3ª Turma do TST AIRR 33/2006-003-40.0 Relator Juiz Convocado Ricardo Machado, publ. DJ 29/06/2007.
  28. Nesse sentido: Acórdão Unânime 1ª Turma TST AIRR 755/2004-001-19-40.3 Rel. Juiz Convocado Guilherme Bastos, publ. DJ 08/06/2007.
  29. Nesse sentido: Proc. RO – 01145.2005.026.23.00-8 do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT), publ. 05/09/2006.
  30. Súmula 291, TST.
  31. Projeto de Lei nº 7124/2002, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE).
  32. Nesse sentido: Proc. RO 25942/92, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), publ. DORJ 10/02/1995.
  33. Nesse sentido: Proc. 20000561970, Acórdão 200110669773, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), publ. 26/10/2001.
  34. Nesse sentido: Proc. 00947-2003-002-21-00-0 RO do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (RN), publ. DJE/RN 08/08/2006.
  35. THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 37.
  36. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 294.
  37. "Trabalhador receberá indenização de R$ 500 mil". Revista Consultor Jurídico. On line, disponível em <http://conjur.estadao.com.br> Acesso em 10/07/2007.
  38. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 19.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 103.
  39. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005.
  40. OLIVEIRA, Francisco Antônio. Consolidação das Leis do Trabalho Comentada. São Paulo: RT, 2000 p. 54.
  41. V. nota 37.
  42. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2003 p. 520.
  43. OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Ob. cit. p. 54.
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HEFFNER, Cristovão Donizetti. Dano moral trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2496, 2 maio 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14735. Acesso em: 19 abr. 2024.