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"O estrangeiro".

Uma visão absurda do Direito em Camus

"O estrangeiro". Uma visão absurda do Direito em Camus

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SUMARIO. 1. Introdução. 2. O contexto histórico: o século XX. 3. O que é o absurdo. 4. A reflexão jurídica camusiana. 5. Camus e a pena de morte. 6. O Estrangeiro: um direito absurdo. 7. Conclusão.

RESUMO. Abordagem de um direito absurdo na obra O Estrangeiro de Albert Camus. Contextualiza-se historicamente o autor da obra e a sua linha de pensamento. Explica-se o que significou, no contexto filosófico e literário, o absurdo para Camus, dentro do contexto da filosofia existencialista. Faz-se uma relação entre o absurdo, caracterizado pela inconsciência do homem em relação à sociedade e ao Estado, e a reflexão jurídica camusiana. Fala-se a respeito de Camus e a pena de morte. Faz-se uma leitura, na obra, do direito como instituição responsável pela perpetuação do absurdo.

Palavras-chave: Absurdo, Direito, Literatura, Sociedade, Existencialismo.

"I can turn and walk away

Or I can fire the gun

Staring at the sky

Staring at the sun

Whichever I choose

It amounts to the same

Absolutely nothing

I''m alive

I''m dead

I''m the stranger

Killing an arab" [01] (The Cure)


1. INTRODUÇÃO

A obra literária de Albert Camus é, em sua essência, uma obra filosófica voltada para a preocupação da situação do homem como ser no mundo. Segundo Camus, para quem este homem deveria ser sempre o sujeito de sua história, as instituições sociais devem existir com a função precípua de conferir ao ser humano a sua realização e felicidade, em vez de subjugá-lo a um sistema explorador que o esmague.

Albert Camus (1913-1960) representou uma influência decisiva na história do pensamento humano, sobretudo do século XX, devendo-se a ele importantes reflexões a respeito do papel desempenhado pelas instituições sociais, inclusive as judiciárias, em relação aos direitos e à vida humana. Ele participou ativamente de movimentos que tiveram como objetivo a conscientização do homem a respeito da importância de seu papel como agente de transformação da história.

Nascido a 7 de dezembro de 1913, na Argélia, Camus passou a infância no bairro pobre de Belcourt, em Argel, onde viveu sob condições simples. Seu pai, bretão, agricultor, foi morto durante a Primeira Guerra Mundial em 1914, sua mãe, argelina, desde então, trabalhou duramente para sustentar a família. Ligado a um ambiente familiar que influenciaria profundamente a sua obra, desde cedo, teve que se deparar com situações que lhe ofereceram consciência real do mundo em que vivia.

Para se compreender o pensamento e a vida de Camus, é preciso inseri-lo em seu contexto histórico, momento em que teve lugar um movimento literário que foi marcante, pela expressividade e participação na vida das pessoas. Camus participou de movimentos antifascistas contra o governo de Hitler, fundou movimentos culturais com o intuito de elevar o nível intelectual das pessoas. Em consequência da II Guerra Mundial, mudou-se para Paris, onde trabalhou como jornalista, participando ativamente do movimento de resistência clandestina contra o nazifascismo.

Neste estudo, será abordada uma visão absurda do direito a partir da obra O Estrangeiro, um de seus principais romances, onde o seu conceito de absurdo é retratado a partir da vida e das ações dos personagens.

Em O Estrangeiro tem-se a história de Meursault, um homem comum, habituado a um cotidiano que não lhe permite qualquer reflexão a respeito de sua realidade, de seu papel na sociedade. Alienado, ele realiza mecanicamente o seu trabalho, decide aspectos importantes de sua vida ao acaso, e se mostra alheio às convenções da sociedade em que vive. O comportamento de Meursault destaca-se pela frieza e quase ausência de sentimentos que o descrevam interiormente.

A vida deste personagem é marcada pela monotonia de sua rotina até o dia em que ocorre um fato que a mudará para sempre – Ele mata um árabe, é preso, julgado e condenado à morte. A partir de então tem inicio outra fase na vida de Meursault, a fase da descoberta, do despertar para a consciência a respeito de sua real situação e do significado da liberdade.

Para Camus, o homem é o responsável pela determinação de seus próprios atos, ele é que construirá a sua vida e, consequentemente, a sociedade em que vive. Assim sendo, a ele caberão somente dois papéis: o de agente das transformações, que será o responsável pelas mudanças; ou o de alguém passivo, que apenas sofrerá as consequências destas transformações.

Para Camus, liberdade e consciência são conceitos inseparáveis, uma vez que um implica o outro. Enquanto a consciência possibilita ao homem ser livre, a inconsciência, ao contrário, condena-o a ser uma vítima das instituições e da violência do poder. Desta forma, pode-se considerar que a reflexão jurídica acerca do pensamento camusiano é uma reflexão acerca da liberdade e da dignidade humana.


2. O CONTEXTO HISTÓRICO: O SÉCULO XX

Não há como entender a obra de Albert Camus, sobretudo O Estrangeiro, sem inseri-lo em seu contexto histórico, uma vez que sua filosofia foi fruto da realidade e das necessidades presentes no ambiente por ele vivenciado. A geração de Camus presenciou os principais acontecimentos históricos do século XX, entre eles, conforme enumerou Barreto:

A I Guerra Mundial, a depressão econômico-financeira de 1929, os expurgos dos processos de Moscou em 1936, a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), a defecção da democracia liberal burguesa diante de Hitler em Munique (1938), os massacres e destruição de populações inteiras na II Guerra Mundial, culminando as suas experiências históricas com a destruição cientificamente controlada de Hiroshima e Nagasaki. Todos esses acontecimentos viriam alterar fundamentalmente a vida e a obra de toda uma geração. [02]

No inicio dos anos 40 o mundo encontrava-se inserido no contexto da II Guerra Mundial, época que se caracterizou por apresentar um clima de insegurança sem precedentes na historia da humanidade.

O absurdo da guerra disseminou o caos político, social e econômico; a miséria e a violação aos direitos individuais e coletivos.

As consequências da guerra difundiram no espírito do homem do século XX a incerteza com relação ao futuro da civilização humana, das instituições sociais e do homem enquanto individuo portador de uma consciência e protegido por um ordenamento jurídico.

Filosoficamente, passou-se a questionar o sentido da existência humana, do homem enquanto ser e da irracionalidade do mundo.

O horrível espetáculo da morte descortinou aos olhos dos homens um mundo que se amparava em instituições que, acreditavam-se, sólidas, e em uma hierarquia de valores que variava de acordo com os interesses dominantes. A crença na ausência de uma ordem axiológica prévia à existência do individuo, e de um Deus capaz de garanti-la, ao que se junta a inevitabilidade da morte retira o sentido do mundo.

Até o momento em que o homem acreditou explicar o mundo a sua volta, este lhe parecia familiar, racional, mas ao deparar-se com um mundo "sem ilusões", irracional, ele passa a tomar consciência da absurdidade, passando a se sentir estrangeiro em seu próprio meio.

Neste contexto, tem-se um movimento literário marcado pela grande expressividade e participação na vida das pessoas, procurando atender aos questionamentos que aí eram levantados.

O ideal da literatura romântica do século XIX quanto à natureza essencialmente boa do ser humano, e a ideia de que a racionalidade e o progresso trariam necessariamente a felicidade ao homem, cedia lugar a um pessimismo histórico e à crescente desvalorização destes conceitos. Os pensadores do inicio do século XX passaram a questionar valores sociais impostos e a destacar as desigualdades existentes entre os antigos discursos e a prática que então se efetuava. A dura realidade cotidiana vivenciada passou a ser retratada cruamente em suas obras a fim de proporcionar consciência real sobre esta mesma realidade. Nas palavras de Raimon:

Camus a donné, avec L’Étranger, une ‘expression mythique’ de la sensibilité moderne. Meursault est une incarnation de l’homme absurde, comme le René de Chateaubriand est une illustration de l’homme romantique. L’homme absurde était, bien sur, l’expression d’un temps de désarroi. L’Étranger avait été conçu et écrit à la veille de malheurs collectifs, et trouvait sous l’occupation, lors de sa publication, des échos particulièrement favorables. Le héros de Camus n’incarnait pas seulement la sensibilité d’un temps ; il était un double de l’auteur. [03]


3. O QUE É O ABSURDO

O que comumente se denomina de existencialismo não se trata de uma doutrina única, mas de um conjunto de doutrinas que seguem caminhos singulares e particulares. Surgido como uma crítica à tradição racionalista e idealista, o existencialismo ocupa-se do homem enquanto existência humana única e subjetiva.

Jean Paul-Sartre foi o que teve mais repercussão entre os existencialistas e que divulgou suas teses para um público maior através de sua arte literária, em romances e peças teatrais.

Sartre afirma que, de acordo com a tese existencialista "a existência precede a essência", ou seja, o homem primeiro nasce, surge no mundo, para só depois se determinar a ser isto ou aquilo, ele não é definível ao nascer uma vez que aí ainda não é nada como realidade humana. Deste modo, a essência não determina o homem, pois este, como um eterno "vir a ser", não possui uma essência, mas ele é que se constrói na medida em que passa a agir de forma livre, fazendo escolhas e assumindo os riscos de viver e a responsabilidade por estas escolhas. [04]

Para Sartre o homem começa, não quando é concebido, mas quando se determina a ser alguma coisa. Então, neste sentido, a dignidade maior do homem em relação às demais coisas está no determinar-se, no realizar-se, pois ele, como as demais coisas, existe no mundo, mas somente o homem pode construir-se no mundo [05]

Então, se verdadeiramente a existência precede a essência e o homem pode determinar-se em ser isto ou aquilo, então, consequentemente, ele é responsável por aquilo que é, por aquilo que determina ser. Assim, os existencialistas atribuem ao homem toda a responsabilidade por sua existência. No entanto, a determinação do homem não é válida somente para ele como o é, também, para os demais homens e para a sua época.

Tal responsabilidade social do indivíduo gera em seu interior uma angústia existencial. A total liberdade de escolher ser, esbarra na responsabilidade direta em relação aos outros homens. Deste modo, se existir é escolher, existir é sofrer angústia.

Esta liberdade de escolher o próprio rumo a ser tomado lança o homem em uma situação de desamparo, pois não há mais um Deus mandando nos acontecimentos nem um destino preconcebido. Ele deverá, sozinho, buscar a realização do seu ser, do contrário, tudo resultara em frustração e angústia. Assim, não existe nenhuma certeza para o homem em relação à sua existência a não ser uma: a morte, este encontro com o desconhecido, esta possibilidade inevitável, ou, o fim de todas as possibilidades.

Esta única certeza que é a morte conduzirá este homem na busca de um sentido para sua existência enquanto ser no mundo, portador de uma consciência, do contrário tudo resultará em um absurdo, em uma vida desprovida de propósitos. O absurdo é o sentimento dessa realidade – o homem perante uma existência sem objetivos que o satisfaça.

Ao contrário de autores como Sartre, Camus não se considerava um existencialista, afirmando que sua obra era mais influenciada por Kafka e Dostoievski que propriamente pelos existencialistas. De acordo com Barreto seu pensamento filosófico é formado sobre dois pilares principais: o conceito do absurdo e o da revolta. A sua definição de absurdo diz respeito ao confronto da irracionalidade do mundo com o desejo de clareza e racionalidade que se encontra no homem. Quanto à ideia de revolta, ela está vinculada em ultima análise, à busca inconsciente de uma moral. [06]

Na obra O homem revoltado Camus questiona a legitimação do homicídio no mundo, se ela deveria ou não ser aceita, e, se não, como transformá-la. Para Camus, o homem e o mundo são duas realidades alheias e ininteligíveis uma vez que o homem tem uma sede inesgotável de absoluto, pois quer compreender o mundo, esmiuçá-lo, reduzi-lo a uma teoria que possa explicá-lo, como acredita explicar muitos fenômenos físicos de sua realidade. Porém, tanto de si quanto do mundo, o homem só conhece fragmentos, estilhaços que de forma alguma lhe proporcionarão um verdadeiro conhecimento. [07]

Para Albert Camus "o absurdo nasce deste confronto entre o chamamento humano e o desrazoavel silêncio do mundo". É, pois, este desejo de clareza, de unidade, contraposto ao mutismo do mundo que significam o próprio absurdo. [08]

Entretanto, todo este universo de angústia, impotência e desejo de unidade não são tão originais de Camus. Muitos filósofos e pensadores já enveredaram por esta temática: Kierkegaard, mais do que descobrir o absurdo, viveu-o intensamente, com desespero; Jasper defendeu o nada como única realidade e o desespero como única atitude, enquanto Heidegger afirma-nos uma existência humilhada. Porém, tanto Kierkegaard como Jasper e Heidegger, apesar de se situarem num contexto absurdo, onde não havia esperança, acabaram por divinizar tudo que os oprimia, encontrando, por fim, a esperança. [09]

Para Camus, a revolta é uma das principais consequências do absurdo, uma vez que surge de sua aceitação, e aceitar o absurdo é manter viva a evidência que despertou o homem de seu sono tedioso e cotidiano, é não vislumbrar a esperança de uma vida eterna, futura e transcendente como solução, mas buscar, aqui e agora, em seu próprio mundo o sentido, agindo racionalmente, de maneira a buscar a felicidade. [10]

A revolta é o resultado da não aceitação da esperança, da necessidade e disponibilidade, pelo homem, da ação. Partindo-se desta ideia, pode-se considerar que a revolta camusiana é uma forma de liberdade, pois o homem revoltado é aquele que age racionalmente transformando sua realidade, sem esperar que outros fatores, que não ele próprio, venham proporcionar esta mudança.

Assim, de acordo com este pensamento, para Camus a felicidade não deve ser algo atribuído a uma existência vindoura, pertencente a um plano espiritual, distante da realidade humana, mas ela deverá ser buscada e vivenciada pelo homem neste plano material, fato notadamente destacado na obra Núpcias, onde Camus descreve um banho de mar como uma relação de intensa intimidade e prazer entre o homem e a natureza:

É preciso que eu fique nu e, depois, mergulhe no mar e que, ainda perfumado de essências da terra, possa lavá-las nas águas desse mesmo mar, estreitando em meu corpo o abraço pelo qual suspiram, lábio a lábio, há tão longo tempo, a terra e o mar. Uma vez dentro d´água, é o sobressalto, a subida de uma viscosidade fria e opaca, depois o mergulho no zumbido dos ouvidos, o nariz a pingar e a boca amarga — o nado, os braços polidos de água, saídos do mar para se dourarem ao sol e de novos abaixados, numa torsão de todos os músculos, a corrida da água sobre meu corpo, a posse tumultuosa da onda pelas minhas pernas — e a ausência de horizonte. Na praia, é a queda na areia, abandonada ao mundo, uma vez mais de volta a meu peso de carne e osso, embrutecido de sol, lançando de longe em longe um olhar para meus braços, onde as poças de pele seca deixam a descoberto, à medida que a água escorre, a penugem loura e a poeira de sal [11]

Neste sentido, Camus é fortemente influenciado pelo filosofo alemão Friedrich Nietzsche. Uma vez que possuía um profundo amor pela vida, defendia que o grande desafio do ser humano era buscar nesta vida, o máximo de prazer e alegria em vez de esperar esta recompensa numa vida vindoura.

Nietzsche igualmente acreditava que o divino não era algo separado do humano. Ao anunciar a morte de Deus referia-se ao fim, ao declínio da formulação do Deus que a metafísica clássica ocidental construiu – a de um ser absoluto, supremo, diante do qual o homem deveria inclinar-se em obediência cega, inquestionável. Mas este homem, ao contrário, deveria ele mesmo conduzir os seus próprios desígnios, fazendo suas próprias escolhas, não importando serem elas boas ou más, o que este filósofo denominou de "a transvalorizaçao de todos os valores". [12]

Por conta desta influência, a obra de Camus, conforme destaca Barreto, tem como característica fundamental o rompimento com as diferenças tradicionais entre o bem e o mal, o certo e o errado. [13]

Camus acusa o cristianismo de dar maior importância à história que à natureza, mudando a relação humana para com a mesma de uma relação contemplativa para uma relação de sujeição. Uma vez que amava mais a natureza que a história, este autor a considerava como a representação do lugar do prazer do corpo, e, ao mesmo tempo, a sua mediação com o sagrado.

Entretanto, para o homem, quanto mais a vida lhe valer, maior será o absurdo trazido por ela, pois a consciência da morte o acompanha em todo o seu trajeto, como um fim, como algo que porá termo à sua felicidade. Assim sendo, felicidade e absurdo vivem em parceria, e um pertence ao outro. Neste sentido, quanto mais o homem buscar a vida, mais se deparará com o absurdo.


4. A REFLEXÃO JURÍDICA CAMUSIANA

O momento histórico abordado neste estudo corresponde ao período mais intenso da criação literária de Camus em que ele produziu as obras O Estrangeiro (1940) e O Mito de Sìsifo (1941), uma analise sobre o absurdo. Na verdade, todo o percurso intelectual de Camus é marcado pela preocupação com o problema da liberdade humana, desta forma, pode-se dizer que a reflexão jurídica acerca do pensamento camusiano é essencialmente uma reflexão acerca da liberdade.

Para Camus, um dos grandes inimigos da liberdade humana é a inconsciência e a violência do poder. A consciência é a percepção que o homem passa a ter no momento em que entende sua situação como ser no mundo, diferente das demais coisas à sua volta, uma vez que é portador da capacidade de criar-se, de modificar-se a si e ao mundo em que está inserido. Assim, conforme afirma Correia:

... a única realidade do domínio moral é a ‘subjetividade’ humana, é o homem ‘em situação’ escolhendo soberanamente e por aí criando a sua vida. Como eu sou a série dos meus atos e não existe uma natureza humana, como eu existo sempre neste instante, aqui e agora, e não encontro outra regra das minhas ações fora do meu ato gratuito de escolha, como legislador supremo, nesta liberdade absoluta, eu devo assumir a liberdade total de minha existência. Eu faço dela o que entender e por mim escolho a humanidade inteira. Porque não há valores que se imponham a mim antes da minha atitude, nada está escrito num ‘céu inteligível’, como diz Sartre. [14]

Por outro lado, a inconsciência condena o homem a uma vida desprovida de propósitos, de um verdadeiro sentido que a justifique, absurda.

Essa liberdade defendida por Camus, através de sua obra, implicará para o homem uma igual responsabilidade face à sua realidade, uma vez que a liberdade não existe somente para ele como também para os demais homens que com ele convivem. Assim: "a liberdade do homem é o que o obriga a fazer, em vez de ser, e neste sentido é absoluta, pois é ela que dá sentido às determinações que poderiam vir de fora ou do passado" [15]

A inconsciência humana gera um outro grande inimigo da liberdade que é a violência do poder. Para Camus o homem primeiro nasce, surge no mundo, para só depois se resolver a ser isto ou aquilo. Da mesma forma, o mundo com as suas instituições não é nada sem a existência do homem que irá criar e conduzir este mundo, instituindo-o de acordo com as suas necessidades e vontades. Assim, a limitação do poder do Estado é uma consequência lógica desta reflexão uma vez que

O sujeito existe antes mesmo dele, e o autoriza, bem como o legitima, a ele atribuindo nascimento e morte, de modo que se pode afirmar que o sujeito é sempre o autor das instituições. A limitação dos poderes do Estado é decorrência lógica dessa reflexão. Mais ainda, o Estado só se autoriza se sua busca perene não for outra senão a justiça [16]

No romance O Estrangeiro Camus identifica em Meursault o homem inconsciente enquanto ser no mundo. Ele parece, a todo o momento, se deixar levar pelo acaso, não cria os acontecimentos, mas apenas é vítima deles sendo conduzido irrefletidamente, por seus atos, a um destino trágico que bem pode significar a tragédia humana face ao totalitarismo do poder.

O julgamento e condenação do protagonista à pena de morte trazem a reflexão a respeito do Direito como instrumento de legitimação e perpetuação do absurdo, uma vez que o homem inconsciente torna-se presa fácil de um sistema que pretende manter a dominação, criando no homem a falsa impressão de estar protegido por um ordenamento jurídico sólido, infalível. No entanto, se esquece que a hierarquia de valores defendida pelo direito não é algo estanque, podendo mudar de acordo com o interesse considerado primordial, e este, nem sempre é a vida humana.


5. CAMUS E A PENA DE MORTE

Segundo Camus, para quem a morte representava o fim definitivo da existência, uma vez que ele não acreditava em nenhuma forma de vida após a morte, morrer significava a suprema injustiça e o supremo absurdo, pois com a morte desaparece toda a oportunidade que o homem possa ter de ser feliz.

De todos os tipos de morte, segundo ele, merecia especial destaque a pena de morte, pelo seu primitivismo e barbarismo, uma vez que representava a institucionalização do absurdo refletindo o anti-humano que representou o inicio do século XX.

Ao longo da história humana a tendência da civilização ocidental foi sempre a de regulamentar e até banir a pena de morte. Na antiguidade e na idade média, os donos de terra tinham o direito de aplicar a justiça dentro de seus territórios, utilizando-se dos diferentes tipos de penas, inclusive da pena capital, para crimes que variavam muito em suas gravidades.

A Idade Média foi marcada por execuções: delinquentes comuns eram executados na roda ou por enforcamento, hereges queimados vivos, nobres e militares decapitados e criminosos políticos esquartejados. A Inquisição eliminava todo aquele que representasse um perigo para a manutenção de sua instituição. Este representou um período negro na história humana, em que a crítica e a reflexão filosófica ficaram obscurecidas. A Idade Contemporânea é caracterizada pela presença de diversos filósofos e pensadores. Montesquieu e Voltaire (e os enciclopedistas) condenaram a tortura e os julgamentos sumários. Cesare Beccaria, humanista italiano, em seu famoso tratado "Dos Delitos e das Penas" (1764), pede simplesmente a anulação da pena de morte, por considerá-la bárbara e inútil.

Entretanto, a reação contra a pena de morte começou a surgir no século XVIII com o movimento de libertação contra o Direito Penal antigo e o Antigo Regime. Beccaria foi o mais importante dentre os escritores que se voltaram contra a pena capital, no entanto, ele ainda a considerava legítima em dois casos, como se observa em seu tratado a respeito dos Delitos e das Penas:

Nos instantes confusos em que a nação está na dependência de recuperar ou perder sua liberdade, nos períodos de confusão quando se substituem as leis pela desordem; e quando um cidadão, embora sem a sua liberdade, pode ainda, graças às suas relações e ao seu crédito, atentar contra a segurança pública, podendo a sua existência acarretar uma revolução perigosa no governo estabelecido [17]

Beccaria, baseado no princípio de que o Estado não tem o direito de dispor da vida humana, princípio do qual se valeria Camus anos mais tarde, defendia que a função deste mesmo Estado era, antes, a de proteger e não a de suprimir a vida humana, a não ser para proteger o inocente diante da agressão injusta.

O único trabalho teórico de Camus sobre a pena de morte, de acordo com Barreto, foi o ensaio intitulado "Reflexions sur la guillotine" publicado na "Nouvelle revue française" e depois como capítulo do livro "Reflexions sur la peine de mort" escrito em conjunto com Arthur Koestler. [18]

Para Camus a grande importância do escritor estava no fato de a ele pertencer a responsabilidade de despertar a imaginação popular para as injustiças do mundo. Com relação à pena de morte caberia a ele desmistificá-la, desnudá-la diante da sociedade para que ela adquirisse a consciência do que estava sendo realizado em seu nome.

A respeito do primeiro argumento em favor da pena capital alegado por seus defensores, o de que a pena de morte era um castigo exemplar, Camus o considerava como falso, uma vez que para surtir este efeito ela deveria ter uma ampla publicidade, em vez de se realizar em uma madrugada diante de alguns poucos funcionários encarregados da execução.

Beccaria, a respeito de tal argumento, vai além, na defesa da vida ao afirmar que:

O espetáculo atroz, porém momentâneo, da morte de um criminoso, é um freio menos poderoso para o crime, do que o exemplo de um homem a quem se tira a liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que paga com trabalhos penosos o prejuízo que causou à sociedade. Essa íntima reflexão do espectador: ‘se eu praticasse um delito, estaria toda a minha existência condenada a essa miserável condição’ – essa idéia terrível assombraria mais vivamente os espíritos do que o temor da morte, que se entrevê apenas um momento numa obscura distância que diminui o seu horror [19]

A segunda justificativa apresentada pelos defensores da pena capital é a de que a execução tem como consequência a diminuição do numero de crimes. Camus, baseado em estatísticas verídicas, contesta este argumento, alegando que as paixões humanas não podem ser disciplinadas por textos legais. Para ele segundo afirma Barreto:

O homem não deixa de matar para evitar ser condenado. O medo da morte pode ser superado pela paixão, pela honra, pela vingança. Toda a história da moderna criminologia mostra como a pena deixou de ser um castigo, uma vingança da sociedade, e passou a constituir um instrumento de correção para aperfeiçoar o homem. A pena de morte é a eliminação de qualquer possibilidade de recuperação. Esta porta fechada para a recuperação do homem representa de fato o aspecto mais negativo da pena capital. [20]

Além disso, é considerado o fator psicológico e a complexidade da personalidade do criminoso para se deixar impressionar pela morte. Camus adverte que, considerando-se os crimes que deixariam de ocorrer com a morte do criminoso se estaria considerando fatos não palpáveis, dos quais a justiça não deverá se valer para apresentar suas conclusões. Neste caso, a morte que é algo muito concreto e verificável, estaria sendo aplicada por alguma coisa não verificável. Assim, o criminoso seria condenado menos pelo crime que realmente cometeu do que pelos crimes que poderiam ter sido cometidos.

A crítica de Camus à pena de morte está mais ligada à sua fidelidade ao homem e à sua ideia de felicidade. No entanto, tal crítica nada tem a ver com uma crença na bondade natural humana, como defendia Rousseau, mas a abolição desta pena era defendida como consequência de um pessimismo racional diante da falibilidade humana. A tudo isso se aliava sua profunda confiança na força do homem em recuperar-se, por isso ele defendia um tipo de instituição que fosse adaptável à natureza humana e que possibilitasse o desenvolvimento do homem como pessoa.

O efeito desumanizador da pena de morte, segundo Camus, era o mais sinistro e também o mais desconhecido pelo público. Por ele o criminoso deixa de ser uma pessoa tornando-se um objeto nas mãos do carrasco, além de cumprir uma pena extra, representada pela tortura que é a espera pela morte durante meses ou anos. Desta forma, o condenado anula-se como homem, pois não tem nem mesmo o direito ao instinto de autodefesa. Assim, continuando Barreto:

Camus descreve as formalidades que cercam a cerimônia de execução do condenado à morte. Enquanto o próprio boi nega-se ao comer quando vai para o matadouro, o homem condenado não se pode dar a este luxo. Ele é obrigado a fazer a ultima refeição para que a máquina judiciária esteja certa de que o condenado encontra-se no gozo de suas faculdades físicas e mentais. Existe em todo o processo uma injustiça fundamental, que aparece no constante tripudiar da maquina judiciária sobre o condenado, que vai desde as pequenas humilhações até o sofrimento da família do réu [21]


6. O ESTRANGEIRO: UM DIREITO ABSURDO

Em O Estrangeiro Camus questiona muitos aspectos da vida e dos valores humanos que passaram a ser vistos de uma maneira relativizada a partir do século XIX, entre eles merece especial destaque o funcionamento do sistema judiciário, tido para o autor como uma instituição absurda, uma vez que vem moldar o comportamento social de acordo com os preceitos morais dominantes.

No romance o protagonista, Meursault, é um homem habituado a uma vida monótona e cotidiana, que parece desprovido de toda curiosidade e sensibilidade, que não obedece a nada senão aos seus instintos mais elementares, determinando-se ao acaso e vivendo uma vida sem grandes acontecimentos. Meursault, ao longo do romance, relata como ele se torna, em questão de minutos, o assassino de um árabe em uma praia na Argélia. Após o crime ele é preso, julgado e condenado à morte.

O protagonista do romance, após levar uma existência que revela o seu total alheamento em relação à realidade que o cerca, não demonstra, em momento algum, uma posição a respeito do que quer que seja. Meurseault é o homem ao qual não pertencem os acontecimentos de sua própria vida, tal é a sua indecisão, ou, alienação.

Durante os interrogatórios o personagem age de forma incomum para quem deseja a absolvição. Meurseault demonstra frieza, certa despreocupação em relação ao resultado do julgamento, ele não apresenta qualquer argumento a seu próprio favor, nem ao menos se defende. Ao longo do seu processo ele parece não ter consciência de seu crime, tornando-se um objeto de escândalo para o procurador, o juiz e até para o seu próprio advogado. Como um estrangeiro àquele universo das leis e da justiça ele ignora os valores convencionais que dão "sentido à vida".

Em sua obra O Estrangeiro, Camus, como Kafka em seu romance O processo, provoca este confronto entre o leitor e sua realidade, que passa a ser vista de um ângulo diferente. Porém, Camus, ao contrário de Kafka, não se utiliza de situações absurdas, sobrenaturais, mas ele vai buscar dentro da própria realidade, ou melhor, dentro do próprio homem, este novo ângulo de visão.

O relato em primeira pessoa apresenta os acontecimentos registrados pela ótica de Meurseault, o condenado. O leitor é forçado a, influenciado por esta narrativa, perceber os fatos de forma diversa da de um espectador comum, a ver com a visão de Meurseault, ou seja, com a visão de alguém que, embora viva nesta sociedade, desconhece completamente as suas regras.

Meurseault é um estrangeiro à realidade do funcionamento de uma sociedade cujas instituições jamais poderão sondar, em seu interior, os verdadeiros motivos que o levaram a cometer um assassinato. Ele não entende e nem aceita o rigor de sua pena, uma vez que em sua própria visão, ele não tinha a real intenção de matar o árabe. É por meio dessa estranheza que se estabelece entre o mundo dos homens, com suas instituições, e o personagem é que se trava o confronto do leitor com a sua realidade.

Alheio à realidade em que vive, Meurseault não conhece outro mundo senão aquele dos sentidos, o qual invocava constantemente como a invocar a sua verdadeira pátria, distante das realidades das convenções e dos costumes de uma sociedade à qual ele não dava a mínima importância, onde as situações e não as sensações é que determinavam as atitudes.

Por ocasião do julgamento, este alheamento da realidade sobressai. Em seu pensamento tudo era muito simples, pois quisera acabar com tudo aquilo que bem lhe parecia uma farsa, um teatro onde dois homens, que muito pouco sabiam a seu respeito, podiam descrever-lhe o caráter, as intenções e até a alma. De um lado, o seu advogado, e do outro, o procurador, ambos deveriam resolver sobre o seu destino enquanto, a ele, caberia acompanhar a tudo como um mero espectador:

Uma coisa me incomodava vagamente. Apesar das minhas preocupações, às vezes, eu ficava tentado a intervir, e meu advogado me dizia, então, ‘cale-se, é melhor para o seu caso’. De algum modo, pareciam tratar deste caso à margem de mim. Tudo se desenrolava sem a minha intervenção. Acertavam o meu destino, sem me pedir uma opinião. De vez em quando tinha vontade de interromper todo mundo e dizer : ‘mas afinal quem é o acusado. [22]

A cada argumento das partes o protagonista se via cada vez menos no processo, porque desconhecia na sua ingenuidade, ou na sua "doença", os artifícios de oratória utilizados nos tribunais, onde o réu é pintado de tal forma que disso dependerá o convencimento do júri, e, às vezes, até mais disto que dos fatos propriamente ditos, a ponto de afirmar: "Mas a mim parecia-me que me afastavam ainda mais do caso, reduziam-me a zero e, de certa forma, substituíam-me. Mas acho que eu já estava muito longe desta sala de audiência.". [23]

Destes artifícios se valeram as partes durante todo o processo, a ponto de em nenhum momento considerarem a perda de uma vida humana (a vida do árabe) como o fato principal do processo. Apelou-se mais para os "crimes" de Meursault contra as convenções sociais, contra as instituições estabelecidas e contra os costumes. Era alegado o fato de não ser casado com a mulher com quem dormia, de ter fumado durante o velório de sua mãe, de não ter chorado no enterro, entre outros. A sua principal desumanidade residia no fato de haver mantido, durante anos, sua mãe em um asilo, sem ao menos visitá-la durante este período, o que é observado quando o procurador, no clímax do seu discurso, no momento em que pede a pena de morte ao réu, afirma ser este culpado, não somente de seu crime, como também do crime que seria julgado no dia seguinte - referindo-se a um famoso caso de parricídio - conforme observado no seguinte trecho:

« ainda na opinião dele, um homem que matava moralmente a mãe, devia ser afastado da sociedade dos homens, exatamente como o que levantava a mão criminosa contra o autor dos seus dias » [24]

Ao ser inquirido pelo procurador, representante da justiça, percebe-se que este dá pouca importância ao caso que está sendo tratado e à vitima, preferindo ressaltar hábitos nada convencionais de Meursault, considerados imorais, insensíveis e desrespeitosos para provar a sua culpa perante o júri.

Para Camus uma das principais características do homem absurdo era a falta de iniciativa, o não determinar-se que fez de Meursault um joguete nas mãos de um sistema judiciário cujo funcionamento ele ignorava completamente. Diante do juiz, ao ser interrogado a respeito de seu advogado, ele diz:

Depois quis saber se eu já escolhera um advogado. Admiti que não, e perguntei-lhe se era absolutamente necessário ter um advogado.- por que – perguntou ele. Respondi que achava o meu caso muito simples. Sorriu ao dizer : - é uma opinião. No entanto, a lei existe. [25]

A inconsciência de Meurseault o leva a confiar ingenuamente sua defesa nas mãos de pessoas que ele nem ao menos conhecia, e a uma justiça cujos caminhos ele igualmente ignorava. Este desconhecimento é reforçado por Camus em determinados trechos do romance onde os procedimentos judiciais aparecem para o personagem como algo obscuro, quase irreal

: "Recebeu-me numa sala guarnecida de cortinas, tinha em cima da mesa um única lampião, que iluminava a poltrona onde me fez sentar, enquanto ele mesmo ficava na sombra. Já tinha lido descrições semelhantes em livros e tudo isso me pareceu um jogo ». [26]

Meurseault entrega-se sem nenhum questionamento a este mundo onde prevalece o formalismo e as verdades cuidadosamente articuladas. Ele desconhece que neste universo da justiça a verdade é algo que se pode inventar, questionar, adaptar da melhor maneira possível a fim de convencer o júri. Meurseault ignora este artifício. Como um estrangeiro ao mundo em que vive ele ignora, ou simplesmente, não liga para a existência de convenções sociais, deste jogo que o homem costuma fazer de apresentar-se diante da sociedade não como realmente é, mas como melhor lhe convém ser, a exemplo de seu diálogo com o advogado quando este tentava convencê-lo a encontrar argumentos para a sua absolvição, onde ele diz:

"perguntou-me se ele poderia dizer que, no dia, eu controlara os meus sentimentos naturais. – não, não é verdade – respondi. Olhou-me de modo estranho, como se eu lhe inspirasse uma certa repulsa. » [27]

Após sua condenação Meurseault passa a refletir a respeito de sua existência e de conceitos sobre os quais nunca havia pensado antes, a considerar a importância de sua liberdade e a arrepender-se de sua inconsciência, uma vez que passa a ter longe de si tudo o que significava de fato esta liberdade: os amigos, a namorada, o banho de mar, enfim, a realização da vida dos sentidos que para ele significava a própria felicidade.

Ao longo de todo o processo de Meurseault, Camus critica um Direito baseado em conceitos superados e em uma moral decadente. Em nenhum momento ele questionará a culpa ou inocência do personagem, pois o que pretende ressaltar é a forma como se desenrola esta justiça.

Meurseault simplesmente é condenado, não porque matou um árabe, pessoa humana, em uma praia na Argélia, mas por não conseguir se adequar aos valores morais de uma sociedade conservadora, em outras palavras, por ser ateu, por não dar nenhuma importância à instituição do casamento, por não chorar durante o enterro de sua mãe, entre outros motivos.

Observa-se que a valoração atribuída às instituições sociais aparece acima da valoração que é atribuída à vida da pessoa humana, uma vez que em nenhum momento a pessoa do árabe é mencionada durante o julgamento.

Assim, Camus passa a considerar a verdadeira finalidade das instituições jurídicas de seu tempo que será, a seu ver, não a de buscar a realização, a felicidade do homem, explorando as suas potencialidades e adaptando-se à sua natureza, mas a de manter a ordem vigente, adequando este homem às necessidades de um sistema socioeconômico que determinará a cada um o seu devido lugar na sociedade.


7. CONCLUSÃO

De acordo com a visão camusiana o absurdo nasce do silêncio do mundo como resposta ao questionamento humano a respeito do sentido da vida. Entretanto, para Camus, até para se ouvir o silêncio é necessário ter consciência dele.

Segundo este autor, a liberdade humana é, antes de tudo, consciência, ou seja, é a capacidade que o homem adquire no momento em que entende a sua situação como ser no mundo, e, a partir daí, parte em busca de novas perspectivas que possam modificar a sua realidade.

O contrário do homem livre é o homem inconsciente, aquele que não é, de forma alguma, sujeito de sua história uma vez que não tem condições de se determinar a transformá-la. Ele apenas é uma vítima dos acontecimentos.

O papel das instituições sociais, segundo Camus, é o de proteger os seres humanos, garantindo-lhes a sua felicidade e realização como indivíduos, e não a de perpetuar uma ordem vigente determinada pelo sistema socioeconômico.

Desta forma, considerando-se a visão camusiana a respeito das instituições jurídicas, e do direito, é necessário ressaltar a importância do individuo, não somente como um mero receptor das normas, mas também como um agente de transformação, como alguém que ira pensar a respeito destas leis, que irá refletir sobre possíveis mudanças que venham diminuir as injustiças e os desmandos praticados em nome do Estado.

Para Camus, é o homem que deverá determinar as instituições, e não o contrário.


REFERÊNCIAS

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NOTAS

  1. "eu posso voltar atrás / ou eu posso abrir fogo com a arma /olhando fixamente para o céu / olhando fixamente para o sol /qualquer escolha que eu faça / tem a mesma importância / absolutamente nenhuma / eu estou vivo / eu estou morto / eu sou um estrangeiro / matando um árabe"
  2. BARRETO, Vicente. Camus: vida e obra. 2 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, s/d. p. 10
  3. Camus deu, com O Estrangeiro, uma « expressão mística » da sensibilidade moderna. Meursault é uma encarnação do homem absurdo, como o René de Chateaubriand é uma ilustração do homem romantico. O homem absurdo era, acima de tudo, a expressão de um tempo de aflição. O Estrangeiro foi projetado e escrito na véspera de infortúnios coletivos, e encontrava, sob a ocupação, quando da sua publicação, ecos particulamente favoraveis. O herói de Camus não encarnava somente a sensibilidade de um tempo ; ele era uma cópia do autor. (tradução própria). RAIMOND, Michel. Le Roman Depuis la Revolution. Paris : Armand Colin, 1981. p. 235.
  4. SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
  5. Id. Ibid.
  6. BARRETO, op cit, p.17
  7. CAMUS,Albert. O homem revoltado. Tradução de Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro: Record, 1997.
  8. Id. Ibid., p.41
  9. MAIA, Isabel. A Revolta em Albert Camus. Disponível em: <http://www.consciencia.org/camusisabel2.shtml >Acesso em: 15 de fev. 2006.
  10. CAMUS,Albert. O homem revoltado. Tradução de Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro: Record, 1997.
  11. CAMUS, Albert. Núpcias, o verão. Tradução de Vera Queiroz da Costa e Silva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.p.13
  12. NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2003
  13. BARRETO, Op. cit., p. 15
  14. CORREIA. C. O existencialismo e a Consciência Contemporânea. São Paulo: Abril S.A., 1949. p. 5.
  15. GUIMARÃES. Yves José de Almeida. Direito Natural: Visão Metafísica e Antropológica. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 1991. p. 157.
  16. BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis. Curso de Filosofia do Direito. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 370
  17. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. trad. de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 52
  18. BARRETO, op.cit., p. 190
  19. BECCARIA, op. cit., p.53
  20. BARRETO, op. cit., p. 192
  21. Id. Ibid., p. 194-195
  22. CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Trad. de Valerie Rumjanek. 26 ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
  23. Id. Ibid., p. 107-108.
  24. Id. Ibid., p. 106.
  25. Id. Ibid., p. 67
  26. Id. Ibid., p. 68.
  27. Id. Ibid., p. 69

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Silvia Cristina Costa. "O estrangeiro". Uma visão absurda do Direito em Camus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2524, 30 maio 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14931. Acesso em: 16 abr. 2024.