Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/15132
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A Lei nº 9.096/95 e a cláusula de barreira no ordenamento brasileiro.

Aspectos principiológicos e fáticos

A Lei nº 9.096/95 e a cláusula de barreira no ordenamento brasileiro. Aspectos principiológicos e fáticos

||

Publicado em . Elaborado em .

Resumo

Este trabalho tem por finalidade o estudo da cláusula de barreira criada pela Lei 9.096/95 (Lei dos partidos políticos), partindo de seus antecedentes históricos, observando a tendência do legislador brasileiro ao longo dos tempos em criar mecanismos que buscassem restringir a atuação dos partidos minoritários no processo político. Ao traçar este panorama será possível verificar a sua compatibilidade com os princípios emanados da Constituição da República Federativa de 1988 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim como os reflexos práticos de sua aplicação no contexto político brasileiro, colocando em relevo os partidos afetados pelo bloqueio e a conseqüência fática de limitar a relevância de determinados direitos defendidos por estas agremiações que perderiam importância política na formação da vontade nacional, seja no ambiente parlamentar ou ainda no processo eleitoral e nos futuros projetos de governo a serem aplicados. A partir do estudo da norma em questão será possível observar que não há como se aplicar uma nova cláusula de barreira nos mesmos termos, havendo uma possibilidade, no entanto, de ser válida em formatação diferente daquela proposta pela Lei 9.096/95, coerente com o ordenamento pátrio e os direitos humanos fundamentais.

Palavras-chave: Cláusula de barreira, Pluralismo político, Partidos Políticos.


1.Introdução

O grande número de partidos políticos em nosso país é algo facilmente constatado e é tema sempre permeado de diversas controvérsias, principalmente quando são postos em discussão os termos de uma reforma política há muito prometida e aguardada por diversos setores da sociedade. Alguns apontam o excesso de agremiações como algo prejudicial ao bom andamento do Estado brasileiro. Para outros, é impossível não perceber nitidamente a feição heterogênea e plural de nossa complexa sociedade, e os reflexos que isto ocasiona no modelo representativo (VIANA: 2008, pp.125-126). Em meio a posições divergentes, muitas foram as tentativas de implantar um mecanismo de bloqueio para restringir a atuação de partidos políticos com menor expressão.

Sintetizamos no presente artigo pontos relevantes a respeito desta temática tão atual, partindo de seus antecedentes históricos até chegarmos à cláusula de barreira contida na Lei 9096/95 (Lei dos partidos políticos). Ao analisarmos a norma em questão, procuramos compreender tanto as questões valorativas quanto os reflexos práticos de sua aplicação na estrutura partidária brasileiro, em especial no que diz respeito aos direitos humanos e sua representação no contexto político.


2. Antecedentes históricos da cláusula de barreira

Não é novidade alguma em nosso ordenamento a presença de mecanismos restritivos a partidos de menor relevo. Ainda no Império podemos detectar medidas neste sentido, como é o caso da Lei de 1876. É certo que, com a adoção do sistema proporcional em 1945 e o nascimento das coligações partidárias no inicio dos anos 50, houve uma maior possibilidade destes agrupamentos participarem de forma mais efetiva do processo político.

A tendência restritiva pôde ser notada mais uma vez no Código Eleitoral de 1950, em seu art. 148, que previa uma cláusula de desempenho para os partidos. Esta cláusula de exclusão trabalhava com uma quantidade mais flexível, porém com punições mais incisivas, pois exigia que o partido que não conseguisse eleger pelo menos um representante para o Congresso Nacional ou que não obtivesse a adesão de pelo menos cinqüenta mil votos teria o seu registro cancelado.

Durante o período da ditadura militar, a Lei nº 4740/65 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos) tratou do assunto novamente e posteriormente a Constituição de 1967 inseriu a exigência de 10% dos votos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles, bem assim dez por cento de Deputados, em, pelo menos, um terço dos Estados, e dez por cento de Senadores, para que houvesse o regular funcionamento do partido.

Após a Emenda Constitucional de 1969, modificou-se a regra contida no artigo acima mencionado, flexibilizando a norma e reduzindo o percentual anteriormente estabelecido para 5% do eleitorado que tivesse votado nas últimas eleições gerais, distribuídos em pelo menos sete Estados, com o mínimo de 7% em cada. Com a Emenda Constitucional número 11, de 1978, a regra foi novamente modificada, limitando para 5% do eleitorado que houvesse votado para a Câmara dos Deputados, distribuído em pelo menos nove Estados, sendo que em cada um deles deveria se atingir no mínimo 3%. 

Encerrando a série de modificações da cláusula de barreira no ordenamento brasileiro, a Emenda Constitucional número 25, de 1985, determinou que não teria direito a representação no Congresso Nacional o partido que não obtivesse o apoio de 3% do eleitorado das eleições gerais, distribuídos os votos em pelo menos 5 Estados, com o mínimo de 2% em cada um deles. Entretanto, esta Emenda Constitucional inovou ao prever a possibilidade de que os eleitos por partidos que não alcançassem os percentuais exigidos preservassem seus mandatos desde que optassem, no prazo de sessenta dias, por qualquer dos partidos remanescentes. Percebe-se que a regra foi sendo atenuada ao longo do tempo, diminuindo tanto os percentuais exigidos, como o número de Estados em que os partidos deveriam obter o percentual mínimo de votos. (BARBOSA: 2008 pp.8-9)

Vale ressaltar também que estas regras, relativas ao período militar, evidenciaram o caráter autoritário do governo brasileiro, que procuravam preservar o bipartidarismo e a manutenção do governo ditatorial. Esta é uma das possíveis razões que na Constituinte de 1988 não foi citada em momento algum normas que limitassem as agremiações partidárias. Isto tentou ser alterado efetivamente durante a Revisão Constitucional de 1993, por meio do Parecer número 36, do deputado Nelson Jobim. Objetivava-se, assim, alterar o conteúdo do artigo 17 da Constituição Federal para nele inserir uma cláusula de desempenho. Nesse Parecer, previa-se que apenas teria direito à representação na Câmara dos Deputados o partido que obtivesse o apoio de cinco por cento dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos, apurados em eleição geral e distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, atingindo dois por cento em cada um deles. O Parecer, contudo, nem chegou a ser votado.

Ainda no ano 1993, é editada a Lei 8.713/93, limitando a apresentação de candidatura para a eleição a ser realizada no ano de 1994 com base em desempenho eleitoral da eleição anterior, porém esta lei foi alvo que duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que lograram êxito e não permitiram a sua aplicação. Contudo, no ano 1995, a Lei 9.096/95, conhecida como a Lei dos Partidos Políticos, regulamentando aspectos relativos ao funcionamento parlamentar, o rateio do Fundo Partidário e a distribuição do tempo destinado a cada partido nos meios de comunicação, conforme o que positivou a Constituição de 1988 em seu artigo 17.

Foram propostas duas ADIs perante o Supremo Tribunal Federal (ADI1351-3 e a ADI 1354-8) com o objetivo de impugnar o artigo 13 da referida lei e dos demais dispositivos que fizessem menção a ela. É sobre esta última cláusula que iremos direcionar nossas reflexões.


3. A conflituosa questão principiológica da norma

Devido à norma de transição do artigo 17 da Lei 9.096/95, o julgamento final das ações ocorreu em 07/12/2006, declarando a inconstitucionalidade dos artigos que faziam referência ao mecanismo de barreira, que só seria aplicada nas eleições que ocorressem depois daquele mesmo ano. É na decisão do STF que podemos encontrar os principais problemas envolvendo este tipo de disposição e os princípios tutelados pela nossa constituição. Esta incompatibilidade foi declarada de forma unânime entre os ministros, ainda que Gilmar Ferreira Mendes tenha alegado que normas desta natureza não inconstitucionais, demonstrando que o problema está na forma inaceitável de limitação ao funcionamento do partido, além de impedir que os partidos concorram de forma isonômica, diferentemente do direito alemão.

O Estado democrático brasileiro tem como um de seus fundamentos o pluralismo político (artigo 1º da CF/88), mostrando uma clara e inquestionável disposição em favor da diversidade filosófica, ideológica, cultural e religiosa, vislumbrando este termo da mais ampla concepção possível (MENDES: 2009, pp.178). Este foi um dos princípios constitucionais citado pelos eminentes ministros como incompatível com um mecanismo que diminua a participação de partidos menores no processo político, restringindo a feição plural que o constituinte buscou imprimir ao regime democrático brasileiro.

Além disto, o pluralismo político é fruto da idéia que uma sociedade será mais bem governada na proporção em que seu poder é mais fracionado, impedido a centralização por parte dos grupos que o dominam de modo que se direcionem para uma perspectiva cada vez mais despótica, conseqüência da ausência de corpos intermediários entre o indivíduo e o poder central. Deste modo uma norma que centralize os recursos do fundo partidário e o tempo de propaganda gratuita nas mãos dos partidos maiores, não é compatível com este principio constitucional, que se opõe de forma veemente a toda forma de concentração de poder (BOBBIO apud BURGARELLI; KNEIPP: 1999, p.18).

Outro relevante argumento foi proferido pela ministra Carmem Lúcia, no sentido que ao limitar o funcionamento parlamentar também estaria violando o direito ao voto (artigo 14 da CF/88) que não se esgota com o termino das eleições, mas se faz valer mediante a representação feita pelo partido político. Este entendimento está em consonância com o artigo XXI da Declaração Universal dos Direitos do Homem que assim dispõe no sentido de que todo homem tem direito a tomar parte no governo de seu país, diretamente ou através de seus representantes, entendo esta participação como algo muito mais amplo que não pode se acabar com o fim do período eleitoral, mas configurando-se numa relação de representação que exige que o partido tenha condições de fazê-lo de forma eficaz, para que se cumpra este direito humano fundamental.

Esta participação nos rumos do estado brasileiro é feito de forma direta em algumas situações, mas nas maiorias dos casos ela ocorre por intermédio dos partidos políticos, de modo que podemos concluir que qualquer entrave ao regular e eficaz funcionamento destas agremiações e seus membros eleitos pelo voto livre e direito também afronta o regime democrático.

Ainda a respeito da democracia e de seus fundamentos, outra questão relevante citada por parte dos ministros diz respeito exatamente à relação da maioria com a minoria dentro da democracia para que esta ultrapasse uma simples concepção aritmética de valores e decisões e tenha um escopo de justiça, onde os grupos que são minoritários tenham espaço e não sejam subjugados pelo poder de uma maioria que tem poderes ilimitados. Uma maioria nestes moldes pode ser pior que um governo despótico (TOCQUEVILLE, 1998, pp.125-133). Assim sendo, não é saudável para o nosso regime democrático criar barreiras para que grupos minoritários possam se expressar e almejar uma perspectiva de crescimento e maior participação nos rumos da nação.

Diante de tantos princípios que se opõem a este mecanismo restritivo não é possível sua compatibilidade com os valores da constituição de 1988 e com o direito humano fundamental à participação no governo de seu país, pelo menos, não nos termos propostos pela lei 9.096/95.


4. Aspectos práticos acerca de sua aplicação no contexto político brasileiro

É interessante perceber que antes que fosse julgada a inconstitucionalidade dos artigos que se referiam à cláusula de bloqueio, muitas interpretações foram feitas acerca de como se iria auferir o coeficiente necessário para que o partido tivesse o funcionamento parlamentar de forma plena, e o numero de partidos que estariam nesta situação variava de acordo com cada interpretação, de 7 ao numero mínimo de 5 partidos. A forma de medição mais adequada, no entanto, é que foi feita em plenário durante a votação da própria Lei 9.096/95 e que resultaria no regular funcionamento de apenas 5 partidos: PT, PMDB, PSDB, PFL e PP.

Neste cenário, diversos outros partidos que defendem interesses legítimos e relevantes, além de muitos com vasta história no processo político brasileiro não teriam um regular funcionamento parlamentar, além de ter que dividir 1% do fundo partidário e ter inserções mínimas no horário eleitoral gratuito na TV e na radio, prejudicando o seu desempenho atual e conseqüentemente o vindouro.

De modo exemplificativo é valido observar a situação de dois partidos que seriam afetados por esta norma. O primeiro deles é o Partido Democrático Trabalhista (PDT), de militância histórica e que contou em seus quadros com políticos ilustres como Leonel Brizola. A ausência de um funcionamento eficaz deste partido prejudicaria de forma evidente as demandas no Congresso relativo aos direitos sociais, os chamados direitos humanos de 2º geração, aos quais o estatuto do partido faz referencia direta objetivando resguardá-los e lutando pelas conquistas e pelos direitos do trabalhistas.

Outro partido que merece atenção neste contexto é o Partido Verde (PV), que tem como principal bandeira a luta por um meio ambiente equilibrado, trazendo à tona questões ambientais de extrema relevância, como o tão atual debate acerca do desenvolvimento sustentável e problemas relativos ao aquecimento global e demais fenômenos climáticos, tudo incluso nos direitos humanos de 3º geração.

A participação destes partidos no processo de formação da vontade política é indispensável devido aos valores por eles defendidos e os benefícios que a sociedade tem quando estas questões são inseridas no ambiente político. Para reforçar esta idéia, é necessário imaginar quão importante seria um destes partidos participando do debate político em torno das eleições presidenciais que se avizinham, pois ainda que não haja grandes possibilidades de vitória nas urnas, eles têm o papel de inserir nos debates estas temáticas fazendo com os outros candidatos se posicionem e assumam posturas com relação a estes direitos. Como exemplos podem ser citados o caso do Senador Cristovam Buarque (PDT) e suas propostas de governo no campo educacional e da provável candidatura da também Senadora, Marina Silva (PV) que pode dar um relevo muito interessante à questão ambiental no debate político.


5. CONCLUSÃO

Ao observar a contínua disposição dos legisladores brasileiros na criação de mecanismo que sirvam de barreira para partidos de menor expressão quantitativa, é logicamente previsível que outras normas venham tentar implantar tais mecanismos, como efetivamente já acontece com a tramitação de duas propostas de emenda constitucional no Congresso Nacional (PEC 2/7 e 322/09).

Em decorrência de toda a análise traçada observando os aspectos principiológicos, tanto da Constituição quanto das normas supranacionais de direitos humanos, e as conseqüências fáticas da aplicação da cláusula contida na Lei 9.096/95, é cristalina a sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro em face dos princípios de Constituição Federal de 1988 A PEC 2/7, que é composta pelos mesmos termos do mecanismo anterior, também não é constitucional, pois leva em consideração o fato que o único empecilho à aplicabilidade da norma foi seu aspecto formal, quando o julgamento do SFT deixa claro que a problemática dos artigos da lei era de natureza não só formal, mas material. Entretanto, no que diz respeito à PEC 322/09, que trabalha com outros termos, é importante analisá-la à luz dos princípios constitucionais, dos princípios universais e de seus reflexos práticos, para verificar se ela se coaduna de forma efetiva com o Estado Democrático de Direito que a sociedade brasileira tanto almeja.


6. REFERÊNCIAS

BARBOSA, Rafaela Aparecida Emérito Ferreira. Cláusula de Barreira: Uma análise da jurisprudência do STF a partir da Constituição Federal de 1988. 2008. 40f. Monografia (Escola de Formação) – Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo, 2008. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/133_Rafaela%20Barbosa.pdf. Acesso em: 15 de março de 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 29 ed. Brasília: Câmara dos deputados, Coordenação de Publicações, 2008.

BURGARELLI, Bruno; KNEIPP, Albergaria. A pluralidade de Partidos Políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

TOCQUEVILLE, Alexis de. Do ilimitado poder da maioria nos Estados Unidos e suas conseqüências. In: Da democracia na América. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1998. pp 125-133.

VIANA, João Paulo Saraiva Leão. Fragmentação partidária e a cláusula de barreira:

dilemas do sistema político brasileiro. Pensar, Fortaleza, v. 13, n. 1, p. 125-135, jan./jun. 2008. Disponível em:http://www.proativa.vdl.ufc.br/~cicero/site/textos/JPV_FragmentacaoPartidaria.pdf Acesso em: 15 de março de 2010.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Gustavo Farias; RIBEIRO, Rodrigo Barros da Silva et al. A Lei nº 9.096/95 e a cláusula de barreira no ordenamento brasileiro. Aspectos principiológicos e fáticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2555, 30 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15132. Acesso em: 16 abr. 2024.