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Representação contra lei municipal que desafetou diversos bens públicos

Representação contra lei municipal que desafetou diversos bens públicos

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Representação do Ministério Público, referente a lei municipal que promoveu a desafetação de inúmeros bens públicos do Município, para colocá-los à venda.

            Excelentíssimo Senhor

Procurador-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul:

Representação por inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2.000.

As Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, do Consumidor e da Habitação e Urbanismo desta Comarca de Campo Grande, órgãos de execução do Ministério Público Estadual, vêm à presença de Vossa Excelência, com supedâneo no que prescrevem os artigos 102, I, "a", 125, § 2º, 127, caput, e 129, incisos II e IV, da Constituição Federal; artigos 114, II, "e", 123, inciso III, 126, caput, e 132, incisos II e IV, da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul; artigos 25, inciso VI, e 27, inciso I e IV, da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); artigos 1º e 5º da Lei 7.347/85; e na Lei 8.078/90; fazer a presente REPRESENTAÇÃO visando a tutela da ordem jurídica e dos interesses sociais e difusos, nos seguintes termos:


I. Da invasão da competência legislativa da União e do Estado - inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.826/00:

Em relação a urbanismo (aí incluído o parcelamento do solo urbano), a competência legislativa dos municípios é supletiva à competência da União e dos Estados, de modo que as leis municipais não podem contrariar nem a lei federal nem a estadual nesta matéria, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade formal. A essa conclusão se chega pela leitura dos dispostos nos artigos 24, I e 30, II e VIII, da Constituição Federal e 17, II e VII da Constituição Estadual, cabendo salientar que o disposto nos incisos VIII da CF e VII da CE dos referidos artigos 30 e 17, que devem ser implementados conforme previsão contida no artigo 182 da Carta Magna, dizem respeito à competência administrativa do Município e não à competência legislativa.

Embora, em face do que dispõe os artigos 30, I, da CF e 17 I da CE, que dão competência ao Município para legislar sobre assuntos de interesse local, pareça que também em questão de Urbanismo sua competência seja ilimitada, assim não o é, em razão do que dispõe o já mencionado artigo 24, I, da Lei Maior e 30 II da Carta Estadual.

Eis, para conferência e análise, o teor dos referidos artigos:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e URBANÍSTICO;

(....).

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(....);

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, sub-utilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais".

Consta, por sua vez, da Constituição Estadual:

"Art. 17. Compete aos Municípios:

(....);

II - suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;

(...)

VII - promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano".

Pela leitura do artigo 17, em conjunto com os artigos 4º, 22 e 28(1), todos da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, chega-se a conclusão de que os bens de uso comum do povo (áreas verdes(2) e áreas institucionais: espaços destinados aos equipamentos urbanos(3) e equipamentos comunitários(4) e espaços livres, vias de comunicação, parques, jardins, praças(5), áreas de lazer ou recreio e de sistema de circulação de veículos, pedestres e semoventes, áreas destinadas a edifícios públicos) existentes em um loteamento urbano não podem ser objeto de desafetação e, portanto, não são suscetíveis de alienação ou de cessão de direito de uso ou cessão de direito real.

A proteção às áreas reservadas nos loteamentos para uso comum do povo é tradição no ordenamento jurídico pátrio. "Assim foi ao tempo do Decreto-lei 58/37, que tornava inalienáveis as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e planta, quando da inscrição do loteamento (art. 3º). Seu sucessor o Decreto-lei 271/67, no art. 4º, dispôs que as vias, as praças e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, com a inscrição do loteamento passavam a integrar o domínio público do município"(6).

Para demonstrar o acerto desta afirmação, traz-se à colação decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito de caso semelhante, "in verbis":

"O Excelentíssimo Senhor Ministro Adhemar Maciel (Relator):

Senhor Presidente, o recurso não merece prosperar.

Começo por analisar a pretensa violação do art. 17 da lei n. 6.766/79.

(....).

Os planos de urbanização e os planos habitacionais devem ater-se às diretrizes das normas de direito federal e estadual. Ademais, ao revogar seus atos, não pode a Administração assentar a decisão em conceitos vagos e imprecisos como "interesse público". Esse termo nada esclarece, nada motiva, nada acrescenta, pois, como é sabido, a finalidade imediata do ato administrativo deve ser sempre o interesse público.

Estatui o referido dispositivo legal:

´Art. 17. Os espaços livres de uso comum, vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade de licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta lei´.

Insurge-se recorrente contra a interpretação que considerou tal dispositivo aplicável também ao Município. Não se resta duvida que a norma se dirige prioritariamente ao incorporador. A questão de fundo está, no entanto, em saber-se se a finalidade da estatuição legal não revela alguns princípios que devem ser aplicados à Administração. Para tanto, creio que o problema se desdobra em duas questões: qual o espírito da norma em apreço, e a questão da autonomia da administração municipal para alterar a destinação do bem público, depois que fica incorporado ao patrimônio do Município.

O art. 17 não pode ser compreendido isoladamente. Ao contrario, impõe-se uma interpretação sistemática com os arts. 4º, 22 e 28 do mesmo diploma.

O Legislador determinou no art. 22 da lei n. 6.766;79 que:

´Art. 22 desde a data de registro do loteamento, passam a integrar domínio do município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto do memorial descritivo.´

Essa estatuição pretendeu, sem dúvida, vedar o poder de disponibilidade do imcorporador sobre essas áreas. Coloca-as, portanto, sobre a tutela da Administração municipal de forma a garantir que não terão destinação diversa. Este parece ser o espirito da lei. De outra forma, estaria a norma legalizando uma desapropriação indireta ou, pior, permitindo o confisco por parte do poder público. Por outro lado, visa, também, aumentar também o patrimônio comunitário, pois esta é a utilidade e função social dos bens públicos de uso comum do povo, a de servirem os interesses da comunidade.

Essa tese é reforçada por analise teleológica do art. 17 com o art. 4º mesmo diploma legal.

´Art. 4º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

I - As áreas destinadas a sistema de circulação, a implantação de equipamentos urbanos e comunitário, bem como espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista para a gleba, ressalvando o disposto no § 1º deste artigo.

II - Omissis

III - Omissis

IV - As vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

§ 1º A percentagem de áreas públicas previstas no inciso I deste artigo não poderá ser inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba, salvo nos loteamentos destinados a uso industrial cujo lotes maiores do que 15.000m2 (quinze mil metros quadrados), caso em que a percentagem poderá ser reduzida.

§ 2º Consideram-se comunitários equipamentos públicos de educação, cultura , saúde, lazer e similares.´

Esse dispositivo destaca os pressupostos mínimos do loteamento relativamente às áreas de uso comum, cuja fiscalização depende da municipalidade.

Exige, portanto, que o loteador destaque áreas mínimas, tendo em vista a comodidade da população, saúde e a segurança da comunidade. Portanto, embora a norma se dirija ao loteador, parece-me, mais uma vez, que a idéia que lhe é subjacente é a de proteger os interesses administrativos, outorgando ao poder público essa tutela.

Existe, em relação a esses bens, uma espécie de separação jurídica entre o sujeito de direito da propriedade, o Município, e o seu objeto, a comunidade. Assim, embora a norma jurídica em apreço se dirija ao loteador, retirando-lhe de forma expressa o poder de disponibilização sobre praças, ruas e áreas de uso comum, a razão de ser da norma, isto é, o seu espírito, cria limitações à atuação do Município, pois, a Administração que fiscaliza não pode violar a norma.

Como salientei, o objetivo da norma jurídica é vedar ao incorporador a alteração das áreas destinadas à comunidade. Portanto, não faz sentido, exceto, em casos especialíssimos, possibilitar à administração a fazê-lo. No caso concreto as áreas foram postas sob a tutela da administração municipal, não com o propósito de confisco, mas como forma de salvaguardar o interesse dos administrados, em face de possíveis interesses especulativos dos incorporadores. Ademais, a importância do patrimônio público deve ser aferida em razão da importância da sua destinação. Assim, os bens de uso comum do povo possuem função ut universi. Constituem um patrimônio social comunitário, um acervo colocado à disposição de todos. Nesse sentido, a desafetação desse patrimônio prejudicaria toda uma comunidade de pessoas, indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de vida do grupo. Dessarte, existe uma espécie de hierarquia de bens públicos, consolidada não em face do seu valor monetário, mas segundo a relação destes bens com a comunidade. Por isso, não me parece razoável que a própria Administração diminua sensivelmente o patrimônio social da comunidade. Prática, alias, vedada por lei, pois o artigo 4º impõe áreas mínimas para os espaços de uso comum. Incorre em falácia pensar que a Administração onipotentemente possa fazer, sobre a capa da discricionariedade, atos vedados ao particular, se a própria lei impõe a tutela desses interesses.

Não houve, no meu entender, violação do art.17 da lei 6.766/79.

Não conheço do recurso, também, sob a assertiva de violação do art. 1º, I, da Lei n.7.847/85. No recurso especial, a recorrente não impugnou o cabimento da ação civil pública como meio idôneo para atacar o ato administrativo municipal, questão de direito, mas a própria decisão de mérito. Ademais, o meritum causae envolve a apreciação de matéria probatória. Na verdade, ao decidir que a desafetação das áreas verdes e praças provoca o desequilíbrio na qualidade de vida dos moradores, o acórdão alicerçou as suas razões de decidir tendo em conta as provas acostadas nos autos. Ora, na apreciação do recurso especial, a matéria fática é oferecida pelas instâncias ordinárias . incide, in casu , a Súmula n. 07/STJ.

Com estas considerações, não conheço o recurso.

É como voto.(7)" (Recurso Especial nº 28.058 (92.025543)- São Paulo)

O direito da comunidade de não ter áreas de loteamento desafetadas é tão importante e as lesões daí oriundas são tão sérias e graves e os desmandos são tão freqüentes que o legislativo paulista, para colocar um basta em tão absurda lesão ao direito da população urbana, principalmente da mais carente e vulnerável, fez constar na atual Constituição Estadual, mais precisamente em seu artigo 180, inciso VII, que "as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter a sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados".

Estudo desenvolvido pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo do Estado de São Paulo e levado a público por meio do Artigo intitulado "BENS PÚBLICOS DE LOTEAMENTOS E SUA PROTEÇÃO LEGAL" (doc. em anexo e já citado acima), da lavra do eminente Promotor de Justiça do Ministério Público paulista José Carlos de Freitas, confirma, com grande percuciência, o que até aqui foi dito, tornando-se imprescindível a transcrição da parte que ora interessa:


NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE DOS BENS DE USO COMUM DO POVO ORIGINADOS DE LOTEAMENTOS

20. As áreas definidas em projeto de loteamento, que se transformam em bens de uso comum do povo quando surgem com a inscrição ou registro de um parcelamento do solo no ofício predial (art. 3º, Decreto-lei 58/37; art. 4º, Decreto-lei 271/67; art. 22, Lei 6.766/79), são inalienáveis e imprescritíveis por natureza (arts. 66, I, e 67 do Código Civil; art. 183, § 3º, Constituição Federal).

21. Para a doutrina de CARVALHO SANTOS ("Código Civil Brasileiro Interpretado", vol. II, 11ª edição, pág. 103), PONTES DE MIRANDA ("Tratado de Direito Privado", Parte Geral, vol. II, ed. Borsoi, 1990), PAULO AFFONSO LEME MACHADO ("Direito Ambiental Brasileiro", Malheiros Editores, 4ª edição, pág. 254) e HELY LOPES MEIRELLES ("Direito Administrativo Brasileiro", 20ª edição, Malheiros Editores, págs. 428/9), os bens de uso comum do povo pertencem ao domínio eminente do Estado (lato sensu), que submete todas as coisas de seu território à sua vontade, como uma das manifestações de Soberania interna, mas seu titular é o povo. Não constitui um direito de propriedade ou domínio patrimonial de que o Estado possa dispor, segundo as normas de direito civil. O Estado é gestor desses bens e, assim, tem o dever de sua vigilância, tutela e fiscalização para o uso público. Afirma-se que "o domínio eminente é um poder sujeito ao direito; não é um poder arbitrário" (HELY LOPES MEIRELLES - obr. cit., pág. 429).

22. Sua fruição é coletiva, "os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade - uti universi - razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes" (HELY L. MEIRELLES, ob. cit.,pág. 435).

23. Numa acepção de Direito Urbanístico, existem bens afetados a cumprir específicas funções sociais na cidade (habitação, trabalho, circulação e recreação), caracterizando-se como espaços não edificáveis de domínio público:

"Encontramos, assim, espaços não edificáveis em áreas de domínio privado, como imposição urbanística, e espaços não edificáveis de domínio público como elementos componentes da estrutura urbana, como são as vias de circulação, os quais se caracterizam como áreas ´non aedificandi´, vias de comunicação e espaços livres, áreas verdes, áreas de lazer e recreação" (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Direito Urbanístico Brasileiro" - Malheiros Editores, 2ª ed., pág. 242).

24. Assim, as vias urbanas visam à circulação de veículos, pedestres e semoventes. As praças, jardins, parques e áreas verdes destinam-se à ornamentação urbana (fim paisagístico e estético), têm função higiênica, de defesa e recuperação do meio ambiente, atendem à circulação, à recreação e ao lazer.

Pode-se dizer que as chamadas áreas institucionais (em que se incluem os espaços livres: JTJ-LEX 154/269), são afetadas para comportar equipamentos comunitários de educação, cultura, saúde, lazer e similares.

25. HELY LOPES MEIRELLES identifica os espaços livres e áreas verdes nos loteamentos como limitações do traçado urbano voltadas à salubridade da cidade ("Direito de Construir", Malheiros Editores, 6ª edição, 1994, pág. 102). PAULO AFFONSO LEME MACHADO acentua nas praças seu caráter sanitário, como elemento de direito urbanístico e instrumento de proteção à saúde ("Direito Ambiental Brasileiro", Malheiros Editores, 4ª edição, pág. 252) e JOSÉ AFONSO DA SILVA lembra que elas se prestam a exercitar o direito de reunião (art. 5º, XVI, CF), para fins religiosos, cívicos, políticos e recreativos ("Direito Urbanístico Brasileiro" - Malheiros Editores, 2ª ed, pág.181).

26. Enfim, são bens predispostos ao interesse coletivo e que desfrutam de especial proteção para que sua finalidade urbanística não seja desvirtuada por ação do Estado ou de terceiros (v.g. esbulho), pois qualificam-se pela:

a) inalienabilidade peculiar (art. 3º, Decreto-lei 58/37: vias de comunicação e espaços livres de loteamentos/arruamentos);

b) indisponibilidade e inalterabilidade de seu fim pelo parcelador (art. 17, Lei 6.766/79: espaços livres, vias e praças, áreas institucionais) ou pelo Poder Público (art. 180, VII, Constituição do Estado de São Paulo: áreas verdes e institucionais);

27. Bem por isso, já se reconheceu a impossibilidade de desafetação desses bens (Ap. Cível 205.577-1 - Presidente Venceslau - 3ª Câm. Civil TJSP, Rel. Des. Alfredo Migliore, j. 07/06/94, v.u. in JTJ/LEX 161/130; Aç. Dir. Inconst. 17.067-0 - São José dos Campos - Sessão Plenária do TJSP, Rel. Des. Bueno Magano, j. 26/05/93, v.u. in JTJ/LEX 150/270; Aç. Dir. Inconst. 16.500-0 - Quatá - Sessão Plenária do TJSP, Rel. Des. Renan Lotufo, j. 24/11/93, m.v. in JTJ/LEX 154/266), ainda que seja para fins de educação, como a construção de escola pública municipal (JTJ-LEX 152/273), posto que são inalienáveis a qualquer título (RT 318/285).

28. Recentemente, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO acentuou a impossibilidade de concessão de direito real de uso sobre áreas verdes e institucionais de loteamento, com base no princípio básico e protetivo do art. 180, VII da Constituição Estadual (Apelação nº 192.179-1/7 - Birigui - 1ª Câm. Civil, Rel. Des. Alexandre Germano, j. 03/08/93, v.u.; Apelação 201.894-1/8 - Birigui - 6ª Câm. Civil, Rel. Des. Melo Colombi, j. 03/02/94, v.u.; Apelação 223.202-1/2 - Birigui - 1ª Câm. Civil, Rel. Des. Roque Mesquita, j. 28/03/95, v.u; Apelação nº 270.573-1/3 - Dracena - 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ruy Coppola, j. 05/03/96, v.u.).

29. E mesmo que não tenham sido implantados os parques, jardins, áreas verdes e afins, "nada altera para eles a proteção criada pela legislação dos loteamentos, na medida em que a tutela ecológica se faz não só em relação à situação fática presente, mas também visando a implantação futura dos melhoramentos ambientais", pois, caso contrário, "estar-se-á em franca afronta à proteção do meio ambiente, no que ele tem de maior realce para a vida cotidiana das pessoas, isto é, o meio ambiente urbano, pondo por terra a garantia dos cidadãos, já tão frágil e incompleta, de viverem em condições mais favoráveis (ou menos desfavoráveis) de salubridade" (Ap. Cível 167.320-1/3, 5ª Câm. Civil TJSP, Re. Des. Marco César, j. 07/05/92, v.u., in RT 684/79-80 ou RJTJESP-LEX 138/26).

A Corregedoria Geral da Justiça, através do Desembargador José Alberto Weiss de Andrade, em sede de cognição registrária, deliberou que é vedada a averbação de desafetação dessas áreas públicas (C.G. 83/93 - Fernandópolis - j. 17/11/93; C.G. 130/93 - Sorocaba - j. 17/11/93).

30. Apenas para ilustrar o posicionamento da jurisprudência antes referida, reproduzimos ementas e fragmentos de julgados, alguns já citados:

Acórdão 01

"INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Propriedade destinada ao sistema de lazer transformada em área explorada pelo comércio, clubes de serviço e indústrias não poluentes, mediante concessão gratuita - Transferência do imóvel à categoria dos bens alienáveis - Violação do artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Norma constitucional estadual decorrente do Poder Constitucional Derivado - Área institucional - Suspensão da execução da lei - Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei - Votos Vencedores e Vencido.

BENS PÚBLICOS - Área destinada ao sistema de Lazer - Concessão para exploração do comércio, clubes de serviço e indústrias - Possibilidade de conversão em doação - Área originariamente destinada à implantação de um conjunto habitacional - Loteamento pertencente ao município desde a data de seu registro - Uso comum do povo- Lei 6766/79 - Configuração da área como equipamento comunitário - Área institucional - Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei - Votos vencedores e vencido.

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 16.500-0 - São Paulo Requerente: Procurador-Geral de Justiça

Requeridos: Prefeito Municipal de Quatá e outro.

Rel. Des. Renan Lotufo - j. 24/11/93 - JTJ, Lex, 154/266

Acórdão 02

"Ação Civil Pública. Lei Municipal que estabeleceu concessão de uso por tempo indeterminado e a título gratuito de imóvel previsto em loteamento como destinado a área verde. Inconstitucionalidade. Anulação dos atos decorrentes. Sentença mantida."

Loteamento "Novo Jardim Stabile" - Birigui

Associação de Senhoras de Rotarianos do Rotary Clube XIX de Abril de Birigui.

Apelação 223.202-1/2 - Birigui - 1ª Câm. Civil

Rel. Des. Roque Mesquita - j. 28/03/95 - v.u

Acórdão 03

"Ação civil pública movida pelo Ministério Público contra a Prefeitura Municipal de Birigüi e contra a Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas - Regional de Birigüi, julgada procedente pela sentença de fls. 107/123, que anulou lei municipal que concedeu direito real de uso, em favor da Associação, de área destacada de área verde dos loteamentos Jardim Stábile e Jardim Bela Vista. (...)

Acertadamente o d. Magistrado acolheu o pedido e anulou a concessão do direito real de uso outorgado pela Municipalidade de Birigüi em favor da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas - Regional de Birigüi, da área de 2.704,35 metros quadrados, destacada da área verde dos loteamentos Jardim Stábile e Jardim Bela Vista. Em face do disposto no art. 180, VII da Constituição do Estado e do art. 141, VII da Lei Orgânica do Município de Birigüi, não poderia subsistir a Lei Municipal nº 2.717, de 19.09.90, lei de efeitos concretos, lei sob o aspecto formal, ato administrativo sob o aspecto material, como enfatizado na sentença.

Com efeito, dispõe o citado preceito da Constituição Estadual, aliás repetido pela Lei Orgânica daquele Município, que no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão que "as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter alterados sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos".(...)

Não se trata de questionar os méritos e bons propósitos que a Associação possa reunir, para que a Municipalidade lhe faça a doação de uma área destinada à construção de sua sede. Em face da vedação constitucional, nenhuma entidade, pública ou particular, nem mesmo a própria Municipalidade de Birigüi poderia construir nesse local, o que importaria em alterar a sua destinação, com a conseqüente desafetação de área pertencente à área verde de loteamentos."

Apelação Cível nº 192.179-1/7 - Birigüi - 1ª Câm.

Rel. Alexandre Germano - j. 03/08/93

Acórdão 04

"Ação Civil Pública - Objetivo: compelir a Municipalidade a usar os meios judiciais e extrajudiciais para repelir a turbação, o esbulho e a indevida utilização de áreas públicas invadidas - Proteção ao patrimônio público - Preservação do meio ambiente - Sentença mantida - Recurso não provido."

Apelação 261.8OO-2/3 - São Paulo - j. 03/10/95 - 17ª Câmara - v. u.

Rel. Des. Ribeiro Machado

Loteamento: Altos de Vila Prudente

Entetra Engenharia e Territorial Trabulsi

Apelante: Municipalidade de São Paulo

Apelado: Ministério Público

Acórdão 05

INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Desafetação de áreas verdes definidas em projeto de loteamento - Inadmissibilidade - Violação ao artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade declarada.

A desafetação do bem e sua inclusão na categoria de bens alienáveis constitui operação legislativa normal, prevista no artigo 67 do Código Civil. Há necessidade, porém, de a lei subordinar-se à lei maior, para obter legitimidade.

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 17.067-0 - São Paulo

Requerente: Procurador-Geral de Justiça

Requeridos: Prefeito do Município de S.José dos Campos e outra

Rel. Bueno Magano - j. 26/05/93 - JTJ, Lex, 150/270

Acórdão 06

INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Desafetação de áreas verdes definidas em loteamento - Inadmissibilidade - Violação ao artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade declarada.

As áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fins e objetivos, originariamente estabelecidos, alterados."

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 18.103-0 - São Paulo

Rel. Des. Rebouças de Carvalho - JTJ, 161/170

Acórdão 07

"Implantados os loteamentos designados como Parque Residencial Nelson Calixto e Parque Residencial Américo, os espaços livres e áreas verdes e institucionais neles contidos, passaram a integrar o domímio público da Municipalidade de Birigui. Nos termos da regra contida nos arts. 17 e 22 da Lei 6.766/79, passaram a constituir-se em bens de uso comum do povo.

As áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes e institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originalmente estabelecidos, posteriormente alterados, nos termos do disposto no art. 180, VII, da Constituição Estadual vigente. (...)

Ademais, a Lei 6.766/79 proíbe a alteração da destinação das áreas verdes e institucionais, após a aprovação e registro de loteamentos urbanos (art. 4º, I, parágrafo 1º e 28).

Em consequência, as áreas verdes e institucionais dos loteamentos em questão, considerados como bens comuns de uso do povo não podem ser objetos de desafetação e alienação porque altera a destinação originariamente estabelecida nos projetos regularmente aprovados e registrados"

Apelação Cível nº 201.894-1/8 - Birigui

Rel. Melo Colombi - j. 03/02/94 - v.u.

Acórdão 08

"INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Desafetação de áreas de uso comum do povo para integrar a categoria de bem dominial - Inadmissibilidade - Hipótese de área institucional - Artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Ação procedente.

Destinada uma área para determinada finalidade, defeso é ao Município a alteração desta, ainda que tal se revista dos mais altos propósitos"

"Portanto, a área em questão transferida que foi para o domínio público do Município, passou a integrar o seu patrimônio, com destinação específica, classificada como entre os bens de uso comum do povo. Trata-se, pois, de área institucional.

Áreas com tal destinação são, evidentemente, áreas institucionais, posto que instituídas, por disposição legal, pelo loteador, com fim comunitário e de utilidade pública. São áreas reservadas para o fim específico de instalação de equipamentos de lazer, em prol da comunidade local.

Ora, a Constituição Estadual, no artigo 180, inciso VII, dispõe que "as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais, não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados"

Dessa maneira, destinada determinada área, com o fim específico, de forma regular, a determinada finalidade, defesa é ao município a alteração desta, ainda que tal, como no caso, se revista dos mais altos propósitos, por estar voltada para a educação, cujo projeto, entretanto, sempre se poderá valer de áreas não reservadas, das muitas que evidentemente possui o município."

Ação Direta de Inconstitucionalidade n . 15.893-0 - TJSP

Rel. Nelson Fonseca - j. 24/11/93 - JTJ, LEX, 152/273

Acórdão 09

Ação Civil Pública. Objetivo. Proteção ao patrimônio público. Viabilidade do instrumento processual utilizado. Artigo 5º da Lei Federal 7.347/85, artigo 117 da Lei Federal 8078/90 e artigo 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal.

Bens Públicos. Desafetação de área de uso comum do povo para área dominial. Concessão de direito real de uso, a título gratuito, a empresa privada, para construção de mercado. Destinação e fins específicos que não podem ser alterados.

Violação ao artigo 180, inciso VII da Constituição Estadual. Anulação da Lei Municipal que autorizou a cessão.

Inconstitucionalidade decidida incidentalmente.

Desnecessidade de ação direta.

Recursos improvidos

Apelação Cível nº 270.573-1 - Dracena - j. 05/03/96 - v.u.

1ª Câmara de Direito Público

Apelante: Município de Dracena

Apelado: Ministério Público

Recorrente: Juízo "ex officio"

Relator: Ruy Coppola

Acórdão 10

LOTEAMENTO - Áreas reservadas - Inalienabilidade - Bens de uso comum do povo - Desincorporação e doação a empresas para a construção de instalações industriais e comerciais - Alteração do meio ambiente - Objeto próprio da ação civil pública - Recurso provido para julgar a ação procedente.

Mesmo em se admitindo que a implantação real de jardins e praças ainda não tenha ocorrido, em loteamentos legalmente instituídos, nada altera para eles a proteção criada pela legislação dos loteamentos, na medida em que a tutela ecológica se faz não só em relação à situação fática presente, mas também visando à implantação futura dos melhoramentos ambientais.

Apelação nº 167.320-1/3 - Marília - 5ª Câm. TJSP - j. 07/05/92 - v.u.

Rel. Des. Marco César - RT 684/79

Acórdão 11

MINISTÉRIO PÚBLICO - Legitimidade de parte ativa - Ação civil pública - Preservação do patrimônio público - Artigo 129, inciso III, da Constituição da República - Preliminar rejeitada.

BENS PÚBLICOS - Desafetação de área - Doação para posterior loteamento - Inadmissibilidade - Destinação prevista em lei - Ofensa à Lei Federal 6.766, de 1979 - Ação procedente - Recurso não provido.

MUNICÍPIO - Obrigação de não fazer - Pena de preceito - Imposição - Desnecessidade - Fixação que só penalizaria os contribuintes - Recurso provido para esse fim.

Apelação Cível nº 205.577-1 - Presidente Venceslau - 3ª Câm. TJSP - v.u.

Recorrente: Juízo "ex officio"

Apelante: Municipalidade

Apelado: Ministério Público

Rel. Des. Alfredo Migliore - j. 07/06/94 - JTJ, Lex, 161/130"

Apesar da proibição contida no artigo 17 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, o Município de Campo Grande criou - em evidente e clara violação aos preceitos constitucionais supra declinados - a Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2.000, que "Autoriza o Poder Executivo a desafetar, desdobrar, alienar ou permutar as áreas de domínio público municipal que menciona", dentre as quais se encontram inúmeras áreas verdes e áreas institucionais existentes em loteamentos de Campo Grande.

Para comprovação do que se diz, transcreve-se desde já o teor dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da referida lei:

"Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar, parcelar e alienar, para fins de Loteamento Social, na forma da Lei Municipal 2.223, de 08 de outubro de 1984, as áreas ocupadas e localizadas nesta Capital, com as seguintes características:

(....).

Art. 2º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar, desdobrar e alienar os excessos de áreas públicas existentes em lotes de terrenos localizados na área do rocio do município, descritos neste artigo, com as seguintes características:

(....).

Art. 3º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar, desdobrar e alienar os remanescentes de áreas públicas, após a realização de infra-estrutura urbana, descritas neste artigo, com as seguintes características:

(....).

Art. 4º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar, desdobrar e alienar os remanescentes de áreas públicas, descritas neste artigo, com as seguintes características:

(....).

Art. 5º - Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar e/ou permutar os imóveis pertencentes ao Patrimônio do Município de Campo Grande, com as seguintes características: (....)".

Ora, se a competência legislativa do Município, em matéria de urbanismo, é supletiva à competência Federal, como já visto acima, a prefalada lei municipal é flagrantemente inconstitucional, na medida em que contraria o disposto no artigo 17 da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979.

Isso sem dizer que sobre ela pesa, como conseqüência inafastável, a inconstitucional por ofensa ao princípio da legalidade inserto no artigo 37, caput8, da Constituição da República e 25 da Constituição Estadual.

Outrossim, a existência de Lei nacional reguladora da matéria afasta a possibilidade de incidência da competência suplementar municipal (art. 17, II da CE e 30, II da CF), razão pela qual os atos legislativos municipais relacionados ao tema não se encontram devidamente alicerçados na repartição constitucional de competências e, por conseqüência, implicam lesão formal às Constituições Estadual e Federal.


II. Da necessidade de a desafetação ser feita por meio de lei e não por ato da Administração Pública Municipal - ofensa ao princípio constitucional da legalidade - nulidade da lei municipal:

Mesmo que se admitisse, por uma hipótese absurda, só pelo gosto de argumentar, que as áreas verdes e as áreas institucionais pertencentes a loteamentos urbanos fossem suscetíveis de desafetação, ainda assim a Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2000, seria inconstitucional e ilegal, posto que contraria também os artigos 67, 82 e 145, III e IV, da Lei Federal nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, mais conhecida como Código Civil e, por conseqüência lógica, ofende igualmente o princípio constitucional da legalidade, há pouco referido e transcrito em nota de roda pé.

Com efeito, prevêem os artigos 66 e 67 do Código Civil:

"Art. 66. Os bens públicos são:

I - Os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças.

II - Os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal.

III - Os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados, ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades.

Art. 67. Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever".

Ao comentar esse artigo, um dos autores do projeto do Código Civil, Clóvis Bevilaqua, assim se manifesta:

"1. - A fórmula do Codigo é defeituosa, neste artigo. Os bens dominicaes da União, dos Estados e dos Municípios não são inalienaveis, como poderia ser alguem levado a supôr, tomando a letra o disposto no artigo 67. Sómente se alienam segundo as fórmas e regras estabelecidas na lei, porém se alienam. Os bens publicos de uso commum, esses sim, são inalienáveis. São-no, também, os de uso especial, enquanto conservarem esse caracter."(9)

Apesar da lição de Bevilaqua, o entendimento pacífico atual da doutrina e dos tribunais é de que os bens de uso comum do povo podem sim ser alienados(10), desde que sejam, previamente, desafetados por expressa disposição de lei, sendo certo que sua posterior alienação, permuta ou cessão de uso dependem também de autorização legal. Assim, têm-se dois momentos. No primeiro, a lei retira do bem público sua condição de inalienabilidade, desafetando-o. No segundo momento, a lei autoriza a Administração Pública a aliená-lo, sendo certo que esses dois atos podem estar contemplados em uma única e mesma lei.

Eis como tratava a matéria o Administrativista Hely Lopes Meirelles:

"O que a lei quer dizer é que os bens públicos são inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins administrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja, destinação pública específica. Exemplificando: uma praça pública ou um edifício público não podem ser alienados enquanto tiverem essa destinação, mas qualquer deles poderá ser vendido, doado ou permutado desde o momento em que seja, por lei, desafetado da destinação originária que tinha e traspassado para a categoria de bem dominal, isto é, do patrimônio disponível do Município.

A alienação de bens imóveis do patrimônio exige autorização por lei, avaliação prévia e concorrência, sendo inexigível esta última formalidade para doação, dação em pagamento, permuta e investidura, por incompatíveis com a própria natureza do contrato, que tem objeto determinado e destinatário certo". (11)??

Claro está que, no presente caso, não existe qualquer espaço para a discricionariedade. A lei não pode delegar a atribuição de desafetar bens de uso comum do povo para a Administração Pública Municipal. Essa é uma atividade indelegável. Só a lei formal pode retirar desses bens sua inalienabilidade. Esse é um ato solene que só terá validade se praticado na forma prevista em lei (artigos 82 e 145, III e IV, ambos do Código Civil).

Pela simples leitura dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2000, supra transcritos, percebe-se que esta lei não desafetou qualquer bem de uso comum do povo, mas simplesmente AUTORIZOU o Poder Executivo Municipal a faze-lo.

Assim, quando a referida lei municipal, ao invés de desafetar as áreas públicas que menciona nos vários incisos dos artigos acima referendados, autorizou o Poder Executivo Municipal a fazer isso ela violou lei federal, sendo, portanto, por mais esse ângulo, inconstitucional (ofensa ao princípio da legalidade).

Essa não é a primeira vez que a atual Administração Pública Municipal age dessa forma. O mesmo ocorreu com a Lei Municipal nº 3.348/97, resultado do Projeto de Lei nº 18, de 24 de junho de 1997, enviada à Câmara pelo Senhor Prefeito Municipal. Aquela lei tinha por objetivo autorizar o Poder Executivo a desafetar e alienar ou permutar as áreas de domínio público nela mencionada e, para cumprir seu intento, o artigo 1º dispunha:

"Art. 1º - Fica o Poder Executivo AUTORIZADO a desafetar, permutar ou desdobrar as áreas descritas neste artigo, localizadas nesta Capital, com as seguintes características: (....)."

Em seguida, o referido artigo primeiro mencionou 267 áreas que deveriam ser desafetadas pelo Município.

Continuando suas previsões absurdas, a referida lei dispôs ainda:

"Art. 1º. (....):

(....).

§ 2º - Os proprietários de lotes lindeiros às áreas de que trata esta Lei, terão direito de preferência na aquisição das mesmas, devendo exercer o seu direito mediante manifestação expressa, no prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação.

§ 3º - Não havendo interesse por parte dos lindeiros, nos termos do parágrafo anterior, o Município poderá:

I - Permutar ou alienar para terceiro a área desafetada, desde que nao resulte em confinamento de lote.

II - Desapropriar a área confinada para, após sua Incorporação ao patrimônio do Município, permutá-la ou aliená-la para terceiro.

Art. 2º - (....).

(....).

§ 5º - Fica assegurado ao funcionário público municipal acesso a pelo menos 10% (dez por cento) dos lotes sociais, observadas exigências legais".

Mesmo que a desafetação pudesse ter sido levada a cabo pelo Poder Público municipal, isso não ocorreu, posto que, apesar de ter recebido delegação do Legislativo para tanto, o referido poder nada fez nesse sentido. O Decreto nº 7.512, de 02 de setembro de 1997, que regulamentou a predita lei, limitou-se em, no seu artigo 1º, estabelecer as destinações das áreas mencionadas pela objurgada norma municipal. Já o artigo 3º dispôs que "As áreas descritas no anexo III e IV, deste Decreto, serão (seriam) alienadas no prazo máximo de 01 (um) ano, devendo, se ultrapassado este prazo, retornar à sua condição original, através do envio de Projeto de Lei específico à Câmara Municipal".

O Anexo I do referido decreto relaciona as "áreas a serem desdobradas para alienação em programas habitacionais". O Anexo II lista as "áreas que retornarão à sua destinação original". O Anexo III cataloga as "áreas a serem alienadas aos lindeiros". O Anexo IV menciona as "áreas a serem alienadas na forma da lei".

Vê-se, assim, que toda alienação, permuta, doação, dação, cessão feita sob a égide da Lei Municipal nº 3.348/97 não passou de uma tremenda farsa. A mencionada lei autorizou o Município a desafetar, ele não o fez, contentando-se apenas em estabelecer as regras pelas quais as transferências seriam levadas a cabo e, a partir daí, muitas alienações e permutas foram feitas. Por ironia, dispõe o decreto que as áreas não vendidas deverão, por lei, voltar a sua destinação original. Mas como elas poderão voltar à condição anterior se elas nunca mudaram sua condição de áreas afetadas?

O mesmo caminho trilhado pela Lei nº 3.348/97 está sendo seguido pela nova lei de "desafetação", o que é uma lástima para a coletividade e para o sistema jurídico, mortalmente ferido com leis e decretos inconstitucionais e ilegais.

Assim, a lei municipal que autorizou o Poder Público municipal a desafetação de áreas públicas é ilegal e, por conseqüência, inconstitucional, por ferir o princípio da legalidade inserto no artigo 37 da Carta Política e 25 da Constituição Estadual.


III. Da inconstitucionalidade da lei municipal, por ofensa à Lei das Licitações e a competência da União para legislar sobre desapropriação:

A Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2.000, apesar de prevê em seu artigo 9º que "A alienação de área será procedida dentro dos parâmetros legais, sobretudo da Lei Federal n. 8.666/93", é ainda inconstitucional, porque contraria exatamente a Lei de Licitações por ela citada, posto que prevê algumas situações em que a concorrência pública não será possível ou será inócua. O próprio objetivo da lei (resolver o problema das áreas ocupadas), previsto em seu artigo 1º, já demonstra isso. Fica claro que o invasor será beneficiado pela Administração Pública, em prejuízo não só do direito de eventuais interessados como também da concorrência pública que deveria se estabelecer obrigatoriamente e de forma transparente e universal. Como alguém, a não ser o invasor, irá se interessar por um lote invadido? Mesmo que houvesse concorrência em relação aos terrenos ocupados, ninguém iria se habilitar para adquiri-los, o que demonstra que a alegada licitação constitui-se em um tremendo faz de conta.

Para que a concorrência em relação a esses terrenos fosse respeitada, os terrenos invadidos deveriam ser previamente desocupados, mas tal não se poderá esperar de um Administrador Público que se manteve omisso o tempo todo em relação a isso (com cometimento inclusive da improbidade administrativa prevista no artigo 11, inciso II, da Lei específica), e que busca resolver o problema das invasões não com a desocupação, mas com a premiação do violador da lei e dos direitos dos cidadãos que pagaram pelas áreas respectivas.

Outra disposição da lei que demonstra a inviabilidade da concorrência pública está contida no artigo 6º que prevê a possibilidade de as áreas desafetadas serem adquiridas pelos lindeiros, nos seguintes termos:

"Art. 6º. - Os proprietários de lotes lindeiros às áreas de que trata esta Lei, terão direito de preferência na aquisição das mesmas, devendo exercer o seu direito mediante manifestação expressa, no prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação.

A lei não só oportuniza o lindeiro a adquirir a área fronteiriça em prejuízo da concorrência que deveria se estabelecer de forma igualitária e universal, mas o força a fazer isso, posto que se não o fizer terá seu bem desapropriado. Isso é o que está, para todos verem, escarada e solenemente previsto no artigo 7º, inciso II da seguinte forma:

Art. 7º - Não havendo interesse por parte dos lindeiros, nos termos do artigo anterior, o Município poderá:

(....).

II - Desapropriar a área confinada para, após sua Incorporação ao patrimônio do Município, permutá-la ou aliená-la para terceiro.

Aqui também, ao prever tal tipo de desapropriação, o legislador municipal ofendeu igualmente a competência legislativa da União contemplada no artigo 22, II, da Constituição Federal, por estabelecer desapropriação que não obedece às condições estatuídas nos artigos 5º, XXIV, 182, § 4º, III, e 216, § 1º, todos da mesma Carta Magna, o que torna a lei igualmente inconstitucional.

É oportuno afirmar que a violação da Lei de Licitação nas vendas de lotes feitos sob a égide da lei municipal anterior (Lei Municipal nº 3.348/97) foi ainda mais escancarada. Como se viu no tópico anterior, pela transcrição dos §§ 2º e 5º dos artigos 1º e 2º, respectivamente, da referida lei, a concorrência pública, que deveria ter sido realizada em relação a cada alienação ocorrida, foi vergonhosamente desrespeitada, posto que os lindeiros e os funcionários públicos municipais foram beneficiados em prejuízo dos demais cidadãos, inclusive e de modo especial, dos funcionários públicos estaduais e federais, havendo aí também a violação do princípio constitucionais da isonomia.


IV. Da inconstitucionalidade da combatida lei municipal por ofensa ao princípio constitucional da propriedade:

É igualmente inconstitucional a referida lei municipal porque ofende o direito de propriedade disposto no artigo 5º, caput e inciso XXII, bem como no artigo 170, II, da Constituição Federal, quando as referidas alienações, dação, doação, permuta e concessão de uso recaem sobre áreas verdes e institucionais pertencentes a loteamento urbano, já que o preço de tais áreas integraram o valor dos lotes adquiridos, pelo que se conclui que tais áreas foram pagas pelo consumidor adquirente do respectivo lote, com a promessa de que tais áreas lhe iriam servir para construção de escolas, creche, áreas verdes, etc.

Vedado o confisco, todo avanço nos bens particulares do cidadão deve ser precedida da indenização devida. É por esse motivo que a Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, XXIV, que "a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição" ou que ainda dispõe, em seu artigo 182, § 3º, que "As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro".

Nada justifica a expropriação, sem qualquer retribuição, feita pela guerreada lei municipal.

A única desapropriação sem indenização prevista na Constituição Federal é a de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, a quais serão imediatamente expropriadas sem qualquer indenização (artigo 243/CF(12)). E, evidentemente, que as áreas a que se refere esta representação não se trata do tipo de áreas contempladas pelo referido artigo 243, não se lhes podendo aplicar as regras ali previstas quanto a não-retribuição por ocasião de sua desapropriação.

Essa posição ficou completamente clara na decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida no Recurso Especial nº 28.058, acima transcrita parcialmente. Com o fim de reforçar a posição assumida pelo Ministro relator, reproduz-se aqui, mais um vez, parte daquele acórdão, no que ora interessa:

"O Legislador determinou no art. 22 da lei n. 6.766;79 que:

(....).

Essa estatuição pretendeu, sem dúvida, vedar o poder de disponibilidade do incorporador sobre essas áreas. Coloca-as, portanto, sobre a tutela da Administração municipal de forma a garantir que não terão destinação diversa. Este parece ser o espírito da lei. De outra forma, estaria a norma legalizando uma desapropriação indireta ou, pior, permitindo o confisco por parte do poder público. Por outro lado, visa, também, aumentar também o patrimônio comunitário, pois esta e a utilidade e função social dos bens públicos de uso comum do povo, a de servirem os interesses da comunidade.

Como salientei, o objetivo da norma jurídica é vedar ao incorporador a alteração das áreas destinadas à comunidade. Portanto, não faz sentido, exceto, em casos especialíssimos, possibilitar à administração a fazê-lo. No caso concreto as áreas foram postas sob a tutela da administração municipal, não com o propósito de confisco, mas como forma de salvaguardar o interesse dos administrados, em face de possíveis interesses especulativos dos incorporadores. Ademais, a importância do patrimônio público deve ser aferida em razão da importância da sua destinação. Assim, os bens de uso comum do povo possuem função ut universi. Constituem um patrimônio social comunitário, um acervo colocado à disposição de todos. Nesse sentido, a desafetação desse patrimônio prejudicaria toda uma comunidade de pessoas, indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de vida do grupo. Dessarte, existe uma espécie de hierarquia de bens públicos, consolidada não em face do seu valor monetário, mas segunda a relação destes bens com a comunidade. Por isso, não me parece razoável que a própria Administração diminua sensivelmente o patrimônio social da comunidade. Prática, alias, vedada por lei, pois o artigo 4º impõe áreas mínimas para os espaços de uso comum. Incorre em falácia pesar que a Administração onipotentemente possa fazer, sobre a capa da discricionariedade, atos vedados ao particular, se a própria lei impõe a tutela desses interesses.".

O Doutor em Direito pela PUC/SP, Professor na UFJF e Juiz Federal José Wilson Ferreira Sobrinho, ao estudar a EXPROPRIAÇÃO que ocorre NO LOTEAMENTO, com o objetivo de demonstrar que a nomenclatura de "concurso voluntário" que se dá à desapropriação de que trata o artigo 22 da Lei 6.766/79 é inadequada, chegou, em seu artigo denominado "Expropiação no Loteamento"(13), a conclusão de que, salvo aquela prevista no artigo 243 da Constituição Federal, não existe desapropriação sem indenização, sendo certo que "A expropriação no loteamento é indenizável de forma indireta, ou seja, pelo aumento do lucro do loteador em virtude da realização de obras ou prestação de serviços pelo poder público".

O raciocínio levado a cabo pelo douto magistrado para chegar a conclusão supra é simples e compreensível e é a seguinte:

"Cabe averbar, contudo, que a constituição federal de 1988, em seu artigo 243, caput, introduziu uma novidade em termos de indenização na desapropriação: as glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas sem qualquer indenização ao proprietário. Tem-se hipótese de desapropriação sem indenização contemplada em nível constitucional. Isto obrigará a doutrina a refazer suas teses no tocante à indenização como requisito inarredável na expropriação.

A forma de expropriação que se presencia no loteamento não atende a esse requisito indenizatório. Não atende, pelo menos, direta ou tradicionalmente. Assim sendo, não se reputa inteiramente acertada a assertiva de que ela não é indenizável. Há uma indenização recebida pelo loteador expropriado, embora ela fuja aos padrões ortodoxos.

Deveras, quando o particular leva a cabo um loteamento ele tem em mira o lucro que esse empreendimento gerará para ele. E esse escopo lucrativo não advém tão somente do negócio em si mesmo considerado, senão que também dos benefícios recebidos da parte pública, seja realizando obras, seja prestando serviços urbanos.

O fato é que essa atuação do poder público é responsável pelo aumento na valorização do imóvel loteado, gerando, com isso, maior perspectiva de lucro para o loteador. Nada mais justo, portanto, que diretamente o poder público não se veja constrangido a indenizar a parcela de propriedade que se destacou do imóvel loteado e ingressou em seu patrimônio.

Indiretamente, portanto, o loteador é indenizado por esse sacrifício de direito. Essa indenização é representada pela possibilidade de mais valia auferida pelo loteador em virtude da execução de obras ou prestação de serviços feita pelo poder público. A maior rentabilidade econômica do loteamento daí decorrente poderá ser qualificada como indenização da expropriação procedida".

Apesar da clareza e coerência das razões apresentadas pelo nobre juiz federal, há de se acrescentar que o verdadeiro expropriado não é o loteador e sim o adquirente dos lotes, posto que não se admite que o empreendedor que, segundo o próprio autor, visa o lucro, não vá inserir na planilha de custo o valor das áreas expropriandas para, futuramente, lançar esse custo no preço de cada lote, a ser pago por cada consumidor adquirente.

Assim, vê-se, sem muito esforço, que quem paga pelas áreas expropriadas pelo Município é o consumidor-adquirente dos respectivos lotes. E isso todos aceitam porque sabem ou pelo menos têm a esperança de que aquelas áreas serão usadas em benefício deles mesmos e de toda a coletividade, em forma de áreas verdes, escolas, creches, postos de saúde, área de circulação, praças, parques, etc. Elas servirão a todos. É um sacrifício coercitivo que a todos beneficia.

É essa, ao ver desse Promotor de Justiça, uma das fortes razões por que a Lei de Parcelamento do Solo Urbano estabelece no seu artigo 17 que a destinação dessas áreas não podem ser mudadas. Agir de forma contrária é trair a coletividade que ali se implantou e realizar um confisco odioso não admitido pela Lei Maior. Seria, nesse caso, um outro exemplo de expropriação sem indenização, além daquele previsto no artigo 243 da Constituição Federal.

Nesse sentido, "a realização de obras ou prestação de serviços pelo Poder Público", de que fala o Dr. José Wilson Ferreira Sobrinho, não deve ser só motivo de maior lucro para o loteador, mas uma forma segura, justa e pronta de indenização dos adquirentes de lotes de um determinado loteamento.

Quando o município assim não procede, está violando os dispostos nos artigos 5º, caput e incisos XXII, XXIV, XXXII, 170, II, e 182, § 3º, da Constituição Federal. O pior ainda é quando ele nada realiza no loteamento, ainda permite invasões, fechamento de ruas, impedindo a livre circulação e, posteriormente, a título de resolver a situação caótica que criou com sua omissão ainda aliena essas áreas sem qualquer desafetação prévia. É o descalabro dos descalabros.


V. Da inconstitucionalidade da lei municipal por ferimento aos artigos 6º, 182, § 2º, da Constituição Federal e 204, inciso III, da Carta Estadual:

Quando o consumidor paga, juntamente com o valor do lote adquirido, o valor correspondente às áreas verdes e às áreas institucionais, ele está fazendo sua parte para dar a destinação social da sua propriedade e para que seja possível a prática do esporte e do lazer pela coletividade. A Administração Pública Municipal, pelo contrário, quando possibilita a transferência dessas áreas para terceiro, na maioria das vezes de forma gratuita, acaba por tornar impossível o cumprimento do disposto nos artigos 6º e 182, § 2º, da Carta Magna e 204, inciso III, da Lei Maior estadual, que dispõem:

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

(....).

Art. 182 - (....).

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor".

"Art. 204. O Estado, utilizando a rede oficial de ensino e em colaboração com entidades desportivas, garantirá, através de lei, a promoção, o estimulo, a orientação e o apoio à prática e à difusão da educação física e do desporto, formal e não-formal:

(....);

III - através da obrigatoriedade de reserva de áreas destinadas a praças e a campos de esporte nos projetos de urbanização e de unidades escolares e de desenvolvimento de programas de construção de áreas para a prática do esporte comunitário."

Vê-se assim que o Município que, por força do artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, deveria proteger consumidor, acaba por prejudicá-lo. Primeiro dispõe que determinada extensão de terra será destinada à coletividade adquirente dos lotes, como área verde e área de lazer, prática de esporte, para, num segundo momento, após os consumidores-adquirentes terem pago por aquela área, dar destinação diversa daquela originariamente estabelecida, lesando, assim, o cidadão-consumidor em seu patrimônio e no seu direito de cidadão a ter o lazer, a saúde, a educação, o descanso, a circulação, pelo qual colaborou economicamente para ocorrer.

Com isso, a destinação social da propriedade urbana fica seriamente comprometida, ou melhor, fica anulada por desídia, conivência, omissão e prevaricação do Poder Público Municipal.

A lesão aqui não é só ao patrimônio individual, mas também do patrimônio ambiental, cultural, de lazer, de circulação, de saúde da coletividade como um todo.

Segundo os termos da contestação do Senhor Prefeito Municipal à ação civil pública (nº 97.0015498-0, em curso pela 1ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos desta Capital - cópia em anexo) proposta pelo Ministério Público Estadual em caso semelhante, ele assim vem agindo para resolver o problema dos pobres e dos sem tetos. Se ele está mesmo querendo usar a propriedade particular para ajudar os menos aquinhoados pela sorte, por que não os leva para casa dele ou desaproprie sua própria fazenda ou as fazendas de seus secretários ou, então, retire parte dos jardins existentes nos grandes quintais dos bairros nobres de Campo Grande? Fazer salamaleque com o chapéu alheio é muito fácil. Devem os homens públicos achar o caminho da legalidade para trilhar na resolução dos problemas sociais e não ficar pisando e repisando na Constituição e nas leis, como se eles fossem Senhores absolutos do mundo e as leis de nada valessem. Não existe outro caminho para o administrador Público senão o da legalidade. Se eles vislumbrarem uma via melhor do que a indicada pela norma jurídica, devem primeiro pugnar pela mudança da lei, para depois agirem como querem e não o contrário. Isso só será possível se eles tiverem argumentos fáticos, lógicos e jurídicos para convencerem o legislador estadual e federal de seu ponto de vista. Caso tenham, que o façam, mas se não tiverem devem agir na legalidade e não à sombra da lei, quais marginais desordeiros.

Assim exposta a questão, percebe-se que igualmente por esse motivo a combatida lei municipal é inconstitucional, não podendo sobreviver no mundo jurídico, Afinal, "A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si(14)". É um aborto feito pelo Poder Legislativo que a aprova e pelo Poder Executivo que a sanciona.


VI. Da inconstitucionalidade da lei municipal por impossibilitar a construção de obra de infra-estrutura prevista em lei federal, inviabilizando, assim, o cumprimento dos dispostos no artigo 182 da Carta Maior e 213, 219, inciso II e 222, § 2º, incisos I, II, III e XXI da Constituição Estadual:

Há de se observar outrossim que muitas das áreas que o Poder Público Municipal recebeu autorização legal para desafetar (posto que desafetação não houve) são constituídas por terrenos que foram deixados pelo loteador e hipotecados ao Município para garantir a construção das obras de infra-estrutura, nos termos do item "A.4.2.2.II.e" da Lei Municipal nº 2.567, de 08 de dezembro de 1988, que trata do ordenamento de uso e de ocupação do solo do Município de Campo Grande. Ocorre que o Município não cobrou do loteador a feitura dessas obras nem ele próprio fez as obras pagas pelo consumidor adquirente, como seria de sua obrigação, nos termos do item "A.4.2.2.II.g" da Lei Municipal sobredita e do artigo 40, caput, da Lei Federal nº 6.766, de 19.12.79.

Dessa forma, a autorização para a alienação, doação, dação ou cessão de uso dessas áreas, sem a feitura imediata daquelas benfeitoria ou com a contemplação de garantias outras necessárias à sua execução, implica numa violação grave ao direito de todos os consumidores-adquirentes (ofensa ao direito coletivo), ao direito de toda coletividade e à postura urbanística da cidade (ofensa ao direito difuso). Aqui também, por culpa exclusiva das autoridades legislativas e executivas municipais, a função social da propriedade não é cumprida, com ofensa, de igual forma,ao parágrafo 2º do artigo 182 da Constituição da República.

A ofensa a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, por culpa exclusiva do Legislador e do Administrador público municipal, torna inviável a política constitucional do desenvolvimento urbano, o bem estar dos habitantes da urbe e a função social da propriedade, com violação dos disposto no caput e nos parágrafos 1º e 2º do artigo 182 da Lei Maior, assim como dos artigos 213, 219, II e 222, § 2º, I, II, III e XXI da Constituição do Estado.

Para clarificação do ora exposto, transcreve-se aqui os citados dispositivos constitucionais:

"Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor."

"Art. 213. A política urbana, a ser formulada e executada pelo Estado e pelos Municípios, terá como objetivos o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de sua população.

Art. 219. O Estado e os Municípios, com a colaboração da sociedade, promoverão e executarão programas de interesse social, que visem prioritariamente:

(...)

II - à dotação de infra-estrutura básica e de equipamentos sociais, especialmente aqueles relacionados à educação e à saúde;

Art. 222. Toda pessoa tem direito a fruir de um ambiente físico e social livre dos fatores nocivos à saúde.

(...)

§ 2º Incumbe ainda ao Poder Público:

I - distribuir equilibradamente a urbanização em seu território, ordenando o espaço territorial de forma a constituir paisagens biologicamente equilibradas;

II - prevenir e controlar a poluição e seus efeitos;

III - criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens, locais de interesse da Arqueologia, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação dos valores culturais de interesse histórico, turístico e artístico;

(...)

XXI - preservar os valores estéticos indispensáveis à dignidade das aglomerações humanas."

O disposto no artigo 3º da lei municipal impugnada não é o suficiente para dela retirar a inconstitucionalidade que neste item lhe é irrogada, mesmo porque trata de situação totalmente diferente.

Duas iniciais de ações civis públicas, cujas cópias seguem em anexo - uma delas inclusive da lavra de V. Exa e datada de 26 de julho de 1991 e que até hoje não trouxe uma resposta útil aos consumidores, aos cidadãos e a coletividade lesada - demonstram com clareza quais as injustiças que neste campo têm-se cometido contra os cidadãos humildes (considerados pela própria lei objeto desta representação como "favelados"(15)) que não têm padrinhos políticos e vivem da boa vontade de governantes e administradores politiqueiros que gostam de alimentar as chagas populares, para que isso lhes resulte dividendos políticos nas urnas, alto prestígio diante dos grã-finos da "gran monde"(16) e olhares furtivos e admirados nos salões de festins. É coisa requintada! Só quem dorme em berços de ouro e tem palacetes cercados de bosques verdejantes e jardins floridos os pode apreciar de bom gosto. Não é algo para plebeu, mas para nobre mesmo.

O vício ora apontado leva também a necessidade da declaração de inconstitucionalidade da norma municipal analisada.


VII. Da legitimidade do Ministério Público para tomar as medidas cabíveis em relação à matéria ora tratada:

A legitimidade do Senhor Procurador-Geral de Justiça para propor a reclamada ação direta de inconstitucionalidade é inquestionável, já que resulta de mandamento constitucional. Isso é mais que legitimidade. É um dever cívico, patriótico mesmo.

O próprio Senhor Prefeito municipal ao contestar a ação civil pública nº 97.15498-0, que já foi citada acima e cuja cópia segue em anexo, deixou clara a legitimidade de V.Exa para propor Adin. com o objetivo de anulação de Lei Municipa. E o fez nos seguintes termos:

"(....), pretende o autor via ação civil pública anulação de Lei Municipal e proibição dos vereadores de votarem ou aprovarem leis referente ao assunto da demanda.

Todavia, a via eleita pelo autor não é a via adequada, haja visto que busca provimento jurisdicional no sentido de anular a lei em questão, o que produzirá efeitos erga omnes, conseqüentemente, a via adequada para discussão do caso em questão seria a AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE, cuja ação o autor não tem legitimidade para propor, sendo de competência do Procurador-Geral de Justiça." (f. 391 dos autos da ação civil pública mencionada)

Tem também o Ministério Público Estadual, em relação aos desdobramentos e omissões que tiverem a lei municipal inconstitucional, inclusive responsabilidade por improbidade administrativa e indenização dos lesados, a legitimidade para propor a ação civil pública cabível. E é o que está sendo viabilizado, desde logo, nas áreas de atuação das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, Patrimônio Público, Consumidor e Habitação e Urbanismo, por meio da instauração de inquérito civil.

Neste último sentido, cabe a transcrição das lições insertas no Artigo "BENS PÚBLICOS DE LOTEAMENTOS E SUA PROTEÇÃO LEGAL", acima transcrito em parte, da autoria do preclaro Promotor de Justiça José Carlos de Freita, a respeito do tema. Embora trate de legitimidade para propor ação civil pública, tal estudo acaba, no presente caso, por demonstrar a necessidade de uma atuação mais rápida e eficaz do Ministério Público no que concerne a propositura de ação direita de inconstitucionalidade, com pedido de liminar.

Eis o excerto que interessa:

É necessário frisar que o descaso e/ou a inércia com a preservação e recuperação desses bens nega os fins da legislação urbanística, traduz desvio de finalidade ou abuso de poder por omissão, afrontando o princípio constitucional da legalidade que rege toda a atividade da Administração Pública (art. 37, caput, CF):

"Art. 37 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: (...)"

38. O dever de buscar sempre a finalidade normativa é inerente ao princípio da legalidade, porque todo comportamento administrativo que desatende o fim legal descumpre a própria lei (JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 1990, p. 562; HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, 17ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 1992, p. 95; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Elementos de Direito Administrativo, 3ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 1992, pp. 54-55; CAIO TÁCITO, O abuso do poder administrativo no Brasil - conceito e remédios, em Revista de Direito Administrativo 56/10; VÍTOR NUNES LEAL, Poder Discricionário e Ação Arbitrária, em Problemas de Direito Público, Forense, Rio de Janeiro, 1960, p. 285; AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder em Direito Administrativo, Coimbra Editora, 1940, p. 16; MARIA CUERVO SILVA E VAZ CERQUINHO, O Desvio de Poder no Ato Administrativo, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1979, pp. 18-19), pouco importando que consista em uma ação ou em uma omissão, pois as abstenções juridicamente relevantes também estão sujeitas ao controle de compatibilidade e conformação ao Direito (ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, Motivo e Motivação do Ato Administrativo, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1979, p. 34; EINSENMAN, "O Direito Administrativo e o princípio da legalidade", em Revista de Direito Administrativo 56/48).

39. Por isso que é defeso ao Município escudar-se em pretenso poder discricionário, que não tem lugar na espécie, como ensina a ilustre jurista e juíza federal LUCIA VALLE FIGUEIREDO, para quem "é dever do Município o respeito a essa destinação, não lhe cabendo dar às áreas que, por força da inscrição do loteamento no Registro de Imóveis, passaram a integrar o patrimônio municipal qualquer outra utilidade. Não se insere, pois, na competência discricionária da Administração resolver qual a melhor finalidade a ser dada a estas ruas, praças, etc. A destinação já foi preliminarmente determinada" ("Disciplina Urbanística da Propriedade", RT, pág. 41, 1980).

40. A indiferença do Poder Público ou a perpetuação dessa situação ofendem os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis, autorizando sua tutela supletiva judicial pelo Ministério Público, instituição vocacionada à defesa da ordem jurídica e do patrimônio público e social pela ação civil pública (arts. 127, caput, e 129, II e III da Constituição Federal; arts. 1º, IV, 5º e 21 da Lei 7.347/85; arts. 81, 82, 83, 110 e 117 da Lei 8.078/90; art. 25, IV, "a", da Lei nº 8.625/93), pois nenhuma lei exclui da apreciação do Judiciário a lesão a direitos (art. 5º, XXXV, CF), ainda que haja negligência (culpa) da Administração Pública Municipal na gestão dos bens públicos (tolerando invasões), pois sua omissão é geradora de responsabilidade civil aquiliana objetiva e subjetiva (arts. 15 e 159, Cód. Civil; art. 14, § 1º, Lei 6.938/81; art. 37, § 6º, CF).

41. Na omissão, deixa a Municipalidade de exercer, a tempo e modo, o poder de auto-executoriedade dos seus atos, já que "a utilização indevida de bens públicos por particulares, notadamente a ocupação de imóveis, pode - e deve - ser repelida por meios administrativos, independentemente de ordem judicial, pois o ato de defesa do patrimônio público, pela Administração, é auto-executável, como o são, em regra, os atos de polícia administrativa, que exigem execução imediata, amparada pela força pública, quando isto for necessário" (HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Administrativo Brasileiro", 20ª edição, Malheiros Editores, pág. 434)

42. O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS concebeu a ação civil pública como instrumento adequado para a manutenção e conservação do patrimônio público, que o Ministério Público é parte legítima ativa e que o Município é responsável pela sua omissão no dever de fiscalização, não sendo discricionária a proteção aos bens de uso comum do povo, mas, sim, vinculada à lei e sujeita à apreciação judicial (Ap. 35.404-6/188, 1ª Câm. e 3ª Turma, Rel. Des. Antônio Nery da Silva, j. 27/06/95, v.u. in RT 721/207-213). Assim também decidiram o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL acerca do cabimento de ação civil pública para a restauração de área livre de lazer do povo (RJTJERGS 139/70 - in "Código de Processo Civil" - Theotonio Negrão - nota ao art. 1º da Lei 7.347/85), e o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, sobre a legitimação ativa ministerial e a possibilidade de se impor judicialmente obrigação de não fazer ao Município (Ap. Cível 205.577-1 - Presidende Venceslau - 3ª Câm. Civil, Rel. Des. Alfredo Migliore, j. 07/06/94, v.u. in JTJ/LEX 161/130).

43. Portanto, deve o Parquet tutelar o patrimônio público e social, sob esse prisma urbanístico."

Além de defender e tutelar o patrimônio público e social, deve o Ministério Público, no caso presente, através da ação direta de inconstitucionalidade, defender a ordem jurídica, o regime democrático e todos os outros interesses sociais que estão sendo lesados.


VIII. Da necessidade da solicitação de liminar:

Tendo em vista: a) a grande quantidade de áreas envolvidas, tanto em número quanto em extensão; b) a rapidez com que o Município age nesses casos, já que essa situação representa uma grande fonte de votos para o Chefe do Executivo Municipal e para os vereadores que deram apoio ao projeto e aprovaram a lei atacada e, principalmente, o enorme e irreparável prejuízo que se dará não só à coletividade, mas também ao ordenamento jurídico, em virtude do ataque que se faz ao atual estado de direito e a ofensa ao princípio da legalidade, único caminho possível ao Administrador Público, presentes estão os pressupostos autorizadores do requerimento e da concessão da antecipação dos efeitos da tutela, nos termos dos artigos 84, § 3º, da Lei 8.098, de 11 de setembro de 1990; 12 da Lei 7.347/85; 273 e 461 do Código de Processo Civil.

Os órgãos ora representantes esperam de Vossa Excelência urgência no encaminhamento da presente REPRESENTAÇÃO, se deferida, em virtude dos prejuízos incorrigíveis que podem ser causados aos cidadãos desta cidade.

Todos estão certos da criteriosa e responsável análise que caracteriza Vossa Excelência - Chefe do Ministério Público Estadual e Procurador-Geral de Justiça - como é de notória sabença.


IX. Dos Pedidos:

Diante do exposto, requerem o recebimento desta representação para o fim de que seja interposta a ação direta de inconstitucionalidade cabível, com solicitação ao Colendo Tribunal de Justiça deste Estado da tutela antecipatória.

Requerem, ainda, os representantes que V. Exa. requeira, se possível em sede de Adin, que o Poder Judiciário declare nulo todos os atos que já tenham sido praticados com base na Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2.000, objeto desta representação.

Termos em que

pede deferimento.

Campo Grande, 4 de janeiro de 2.001.

Amilton Plácido da Rosa
Promotor de Justiça do Consumidor,da Habitação e Urbanismo
e em exercício na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente


Notas

1. Artigo 28 - Qualquer alteração ou cancelamento parcial do loteamento registrado dependerá de acordo entre o loteador e os adquirentes de lotes atingidos pela alteração, bem como da aprovação pela Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, devendo ser depositada no Registro de Imóveis, em complemento ao projeto original, com a devida averbação.

2. "As áreas verdes, não obrigatoriamente matas, podem se destinar a preservação da vegetação já existente ou reservadas ao lazer da população, com a implantação de gramados, bosques ou jardins. Desde que assim instituídas por lei, passam a ser, inequivocadamente, áreas institucionais, complemento do equipamento urbano" (JTJ-LEX 154/266-275, excerto retirado do voto vencedor proferido pelo Desembargador ALVES BRAGA, citado pelo 22º Promotor de Justiça da Capital Paulista José Carlos de Freitas em seu Artigo "Bens Públicos de Loteamentos e sua Proteção Legal - doc. em anexo).

3. São equipamentos urbanos: os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado (Artigo 5º, parágrafo único, da Lei 6.766/79).

4. Constituiem-se em equipamentos comunitários: os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares (Artigo 4º, § 2, da Lei 6.766/79).

5. "As praças, jardins, parques e áreas verdes destinam-se à ornamentação urbana (fim paisagístico e estético)" (Artigo "Bens Públicos de Loteamentos e sua Proteção Legal" de José Carlos de Freitas, já citado acima).

6. José Carlos de Freitas, 22º Promotor de Justiça da Capital e Assessor do CAOHURB, em artigo denominado "BENS PÚBLICOS DE LOTEAMENTOS E SUA PROTEÇÃO LEGAL".

7. Recurso Especial n. 28.058 (92.025543)- São Paulo

Relator: O Ex.mo Sr. Ministro Adhemar Maciel

Recorrente: Município de Rio Claro.

Advogados: Dr. Vilson A. Galdino e Outros.

Recorrida: Sociedade Rioclarense de defesa do meio ambiente-soridema

Advogados: Dr. Djalma Hofling e Outros.

Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo

Ementa

Administrativo. Ação Civil Pública Loteamento Urbano desafetação dos .espaços públicos. alegação de ofensa ao art. 17 da lei n. 7.347/85. inexistência do art. 1º da lei n 7.347/85. matéria probatória. Recurso não conhecido.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes acima indicadas.

Decide a segunda turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram de acordo os Srs. Ministros Ari Pargendier, Hélio Mosimann e Peçanha Martins, ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Júnior.

Custas, como de Lei.

Ministro Ari Pargender, Presidente

Ministro Adhemar Maciel, Relator

Recuso Especial n. 28.058 -São Paulo."

8. "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"

9. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado por Clóvis Bevilaqua, edição histórica, Editora Rio, 1977, p. 306, comentário ao artigo 67.

10. Apenas os bens de uso comum do povo constituídos por áreas verdes e áreas institucionais pertencentes a loteamento urbano são inalienáveis, posto que, como já visto acima, estes não são passíveis de desafetação.

11. Direito Municipal Brasileiro, Malheiros Editora, 6ª edição, 1990, p. 241).

12. "Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei."

13. Artigo retirado da internet no endereço: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/doutrina_showdoutrina.asp?tema=2&iddoutrina=113

14. Ação Direta de Inconstitucionalidade, publicada DJU em 21.11.97, pág. 60.585, tendo como Relator Ministro Paulo Brossard.

15. As áreas descritas nos incisos XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVII, XXXVIII do artigo 1º da Lei Municipal nº 3.826/00 pertencem a "Favela Guanabara - Região do Segredo". Existem ainda outras favelas prejudicadas, como a Favela Santo Eugênio, Favela Universitária, Favela José Maria e Favela Paulo VI. Afinal, para que favelado quer área verde? Esquece o Senhor Prefeito que não são os favelados que exigem área verde, mas sim a constituição, a lei, e a presente e a futura gerações e os cidadãos que naquelas áreas atualmente habitam. São esse seres humanos que exigem e precisam de área verde, para descansar e para esquecer as agruras da vida, ao contemplarem esse presente da natureza. E se esses locais estão abandonados, invadidos e sendo usado como depósito de lixos, cabe ao Município tomar as providências necessárias para que os pobres também tenham um local digno de morar.

16. Gran monde. A alta sociedade.


Autor


Informações sobre o texto

Representação do Ministério Público, referente a lei municipal que promoveu a desafetação de inúmeros bens públicos do Município, para colocá-los à venda no mercado. Peça enviada por Amilton Plácido da Rosa (<a href="mailto:[email protected]">[email protected]</a>), promotor de Justiça do Consumidor, da Habitação e Urbanismo, em exercício na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido da. Representação contra lei municipal que desafetou diversos bens públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16015. Acesso em: 23 abr. 2024.