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Aumentos abusivos da prestação da casa própria

Aumentos abusivos da prestação da casa própria

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Ação civil pública do Ministério Público do Mato Grosso do Sul contra o Previsul (instituto de previdência do Estado), que alegando a ocorrência de reajustes abusivos das prestações do plano de aquisição de casa própria por ele financiada, em virtude da não-aplicação do plano de equivalência salarial. A peça foi enviada pelo promotor de Justiça do Consumidor de Campo Grande (MS), Amilton Plácido da Rosa (e-mail: [email protected]; home-page: http://pjccg.vila.bol.com.br). O processo atualmente se encontra parado, ainda na primeira instância.

           Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da __ Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos desta Capital:

           O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor desta Comarca, que ao final subscreve e que recebe intimações, pessoalmente, à Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta, com fundamento no artigo 129, III, da Constituição Federal, somado aos artigos 1º, II; 2º; 3º; 5º, caput; 11 e 12, da Lei 7.347, de 24.07.85, que disciplina a Ação Civil Pública; artigos 964 a 971 do Código Civil e, ainda, nos artigos 6º, VI; 42, § único; 81, parágrafo único e incisos I e II; 82, I; 83; 84, caput e parágrafos 3º e 4º; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90), e ancorado nos fatos apurados nos Procedimentos Administrativos 042/96, doravante denominado apenas de PA, em anexo, propõe nesse respeitável Juízo a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

           com preceito cominatório de OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER, com pedido de antecipação da tutela, em face do PREVISUL - Instituto de Previdência Social de Mato Grosso do Sul, Autarquia Estadual com personalidade jurídica de direito público, criada pela Lei estadual n.º 06 de 26 de outubro de 1979, com sede na Rua Cândido Mariano, n.º 2.019, nesta Capital, inscrito no CGC-MF sob n.º 15.462.856/0001-56, entidade integrante do Sistema Financeiro de Habitação - SFH, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:



I) DOS FATOS:


           A Lei n.º 4.380/64 criou o SFH - Sistema Financeiro de Habitação, com o objetivo precípuo de suprir o déficit habitacional da população de baixa renda, através do financiamento da casa própria, com reajuste das parcelas através da equivalência salarial, e concentrado na finalidade de interesse social, definindo a forma de captação, os agentes especializados, a remuneração específica, bem como a política de juros remuneratórios, na forma estabelecida em seu art. 1.º:

           " O Governo Federal, através do Ministro de Planejamento, formulará a política nacional de habitação e de planejamento territorial, coordenando a ação os órgãos públicos e orientando a iniciativa privada no sentido de estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda".

           O PREVISUL, como integrante do SFH, tinha exatamente a missão de suprir o déficit habitacional do Estado do Mato Grosso do Sul, propiciando às populações de baixa renda condições favoráveis para adquirir e quitar a casa própria.

           Contudo, constatou-se nos autos do predito PA, que o réu, desviando-se dos objetivos traçados pela Constituição Federal e pela lei, vem praticando irregularidades em todos os empreendimentos lançados neste Estado, no que se refere ao reajuste das prestações e do saldo devedor dos imóveis por ele financiados, de forma a impossibilitar aos mutuários a quitação de suas parcelas mensais e, conseqüentemente, de seus imóveis.

           Para alcançar seus objetivos escusos, o requerido alterou, unilateralmente, o índice de reajuste das parcelas. A princípio mudou a forma da correção do contrato, de equivalência salarial para TR. Posteriormente, com a condenação da Taxa Referencial pelo Supremo Tribunal Federal, passou a usar o Fundo de Compensação das Variações Salariais - FCVS, informado pelo Governo Federal, através do Sistema Financeiro de Habitação - SFH, sendo esta última forma de correção das parcelas a que vem sendo usada até a presente data.

           Isso é a realidade da correção das parcelas, posto que a correção do saldo devedor sempre foi feito mensal, ilegal e abusivamente pela Taxa Referencial.

           Deve-se repetir que a correção do saldo devedor é feita mensalmente e a correção das parcelas não obedece ao princípio da anualidade, estando ambas em total descompasso com a lei que criou o plano real, que prevê tão somente atualização anual.

           Em face dessas ilegalidades, que caracterizam a capitalização de juros sobre juros, surge uma situação absurda: quanto mais o mutuário paga, mais o saldo devedor aumenta, tornando, assim, impossível a quitação do imóvel. É a inversão de qualquer lógica. É o império da matemática do explorador e do capitalismo selvagem.

           O princípio da equivalência salarial não é respeitada. Igualmente o direito que o consumidor tem de fazer as revisões administrativa não é levada em conta. As respostas são sempre negativas, a menos que seja indicação de um político. Aí a coisa muda e os valores são sumariamente diminuídos. O réu não se norteia por um critério legal.

           O imóvel, de pequena dimensão (com área menor que 46m2), sem qualquer benfeitoria, vale três vezes menos que o saldo devedor, comprovam tal assertiva a avaliação feita pelos respectivos municípios para cobrança do IPTU.

           Outra irregularidade que deve ser revista, é aquela que diz respeito aos valores que se usa para se transferir os imóveis para terceiro. Nunca se procede uma avaliação para se ver o real valor do imóvel, na forma como ele foi originalmente vendido, mas se faz a transferência pelo saldo devedor, o que não deixa de se constituir e mais uma absurdo.

           Isso sem dizer que o Previsul, além de dificultar ao mutuário a transferência do imóvel adquirido, cobra um valor altíssimo (R$ 1.200,00 - f. 316) para permitir que o mutuário-cedente possa transferir os direito que tem sobre o imóvel, sendo certo que esse valor não representa qualquer prestação de serviço ao mutuário por parte do réu. O Previsul deve condenado, portanto, a se abster dessa prática e a devolver os valores cobrados indevidamente, na forma estabelecida pela lei protetiva.

           As informações aos mutuários são minguadas e o tratamento que lhes é dispensado é completamente arbitrário e injurioso. No dizer dos reclamantes, eles recebem tratamento que não se dispensa nem sequer aos animais irracionais.

           Como se não bastasse, os números das parcelas são aumentadas unilateralmente pelo réu. Mutuários que contrataram pagar o imóvel em apenas 287 parcelas viram esse número subir, sem nenhum justificativa, para 300 parcelas.

           Não existe também, no Previsul, respeito ao princípio da isonomia. Há mutuário com bom poder aquisitivo que pagam valores insignificantes pelo imóvel e outros de pequeno poder aquisitivo que pagam valores altíssimos.

           Diante dessa situação, há mutuário que já tem comprometida mais de 60% de sua renda, o que os levou a atrasar o pagamento, por impossibilidade de fazer frente a esses valores. Em conseqüência, vem a intranqüilidade, noites mal dormidas e danos morais irreparáveis. Estão os mutuários sempre sobressaltados com a idéia de perder seu imóvel. Criou-se, em todos os empreendimentos do Previsul, no estado todo, uma situação de insegurança total, o que tornou necessário, premente e inadiável a tomada de providência por parte do Ministério Público, inclusive com a interposição desta ação civil pública.

1) DO REAJUSTE DAS PARCELAS


           A cláusula décima segunda do contrato particular de compra e venda, com financiamento, pacto adjeto de hipoteca e outras avenças estabelece que:

           "Os financiamentos concedidos com base no Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional PES/CP serão reajustados no segundo mês subsequente à data da vigência do aumento salarial decorrente de lei, acordo ou convenção coletiva, de trabalho ou sentença normativa da categoria profissional do DEVEDOR ou, no caso de aposentado, pensionista e de servidor público ativo ou inativo, no segundo mês subsequente a data da correção nominal de seus proventos, pensões e vencimentos ou salários das respectivas categorias."

           Tal disposição se adequa ao que estabelece o Decreto-lei 2.164 de 19 de setembro de 1984, que instituiu em seu art. 9º, o PES/CP - Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional, prevendo que o reajuste das prestações dos contratos firmados através do SFH corresponderia ao mesmo percentual e periodicidade do aumento do salário da categoria profissional do mutuário, norma que continua plena e eficaz em nosso ordenamento jurídico, posto que não contraria os princípios da Constituição Federal de 1988, sendo portanto recepcionada por esta.

           Em todo e qualquer plano de aquisição da casa própria pelo SFH, o índice indicado pelo legislador, pela doutrina e jurisprudência e aceito pelos contratantes, para atualizar as parcelas, é sempre aquele que reflita o poder aquisitivo do adquirente.

           Com a edição da Lei 8.177, de 1º de março de 1991 - que revogou as disposições do art. 6º da Lei 7.738/89 - a equivalência salarial para a feitura dos reajustes passou a ser desrespeitada, ante a disposição de que as prestações, os saldos devedores, as obrigações assumidas pelo FCVS e as Letras Hipotecárias que viessem a ser emitidas por entidades integrantes do SFH, deveriam ser atualizadas, a partir de fevereiro de 1991, pela taxa aplicável à remuneração básica dos Depósitos de Poupança (art. 18, §§ 1º e 4º), ou seja, pela Taxa Referencial - TR, criada pelo art. 1º da citada lei.

           Aproveitando o teor dessa lei arbitrária e completamente desfavorável ao consumidor, o réu mudou, de forma unilateral, o contrato para que, a partir daquele momento, as parcelas e o saldo devedor fossem corrigidos pela TR. E, após essa lei ser considerada inconstitucional pelo STF, inaplicável, portanto, ao Sistema Financeiro de Habitação, o réu não fez as alterações devidas nos contratos, continuando a fazer as correções mensais da forma condenada. Vê-se que o requerido está a agir com desmedida má-fé e em total desrespeito aos direitos do consumidor, fazendo e mantendo modificações unilaterais iníquas, com ofensa ao preceituado no artigo 51, XIII do Codecon.

           Segundo entendimento do STF, a TR acaba por não se constituir em um referencial que reflita a variação do poder aquisitivo do mutuário, razão pela qual a utilização da referida taxa foi terminantemente vedada para qualquer reajuste de prestações da casa própria.

           Em resposta a notificação 322/96, o Diretor-Geral do PREVISUL, Sr. Jorge Oliveira Martins, informou que no reajuste das parcelas do financiamento é utilizado o índice dos Fundo de Compensação das Variações Salariais - FCVS, informado pelo Governo Federal, através do Sistema Financeiro de Habitação - SFH, quando não se tem como comprovar a renda dos mutuários, de forma que a TR não é mais aplicada no reajuste das parcelas.

           Essa explicação se mostra evidentemente equivocada, por dois motivos. O primeiro, porque a maioria dos mutuários são funcionários públicos estaduais, que são os que mais estão sendo prejudicados, não tendo como aceitar que o Direitor-Geral do Previsul desconheça a situação financeira desses servidores, que não tem seus salários corrigidos há anos. Na verdade, boa parte dos adquirentes reclamaram do valor atribuído às prestações e solicitaram a revisão, mas ela, quando ocorre, em nada modifica a situação do mutuário. Ele apenas perde tempo, tendo que continuar a realizar enormes esforços com o fim de pagar as prestações e conservar seu patrimônio. Note-se, ainda, que na maioria dos casos, os consumidores nem sequer sabem da existência do direito de pedir revisão, posto que essa informação não lhes é fornecida. O segundo, porque a tabela do FCVS não reflete a realidade do poder aquisitivo do mutuário, posto que a tabela é feita como se o salário do servidor tivesse aumentado, quando na realidade tal aumento não ocorreu. Peca ela por fazer uma correção das parcelas da casa própria com base em um reajuste salarial fictício.

           Faz-se necessário que os consumidores sejam melhor informados acerca de seus direitos, por força do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor que consagrou o princípio da informação em seu corpo:

           "Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

           III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, preço e garantia..."

           O réu, deliberadamente, despreza tal princípio, desrespeitando, assim os direitos dos mutuários.

           Inúmeras são as reclamações que chegaram ao conhecimento desta Promotoria de Justiça em face do réu.

           A seguir, com alguns casos, será feita a demonstração do abuso que os mutuário vem sofrendo:

Antônio Flozindo Duarte Pagava em 30/08/96 R$ 13,62Em 30/09/96 o valor saltou para R$ 73,87 (pág. 11). Paga atualmente R$ 76,79 (pág. 667). Cidade Campo Grande

           Este mutuário é funcionário da Prefeitura Municipal de Campo Grande desde 23 de março de 1993. Conseguiu junto à Prefeitura uma declaração, datada de 10 de setembro de 1997, que revela em seu corpo que os funcionários municipais não tem aumento salarial desde março de 1995 e que na atualidade não há data base para a categoria (fl. 665). De posse desta declaração o mutuário compareceu ao PREVISUL para solicitar a revisão do valor de sua parcela, não logrando êxito em sua tentativa, sendo este, o primeiro reclamante a comparecer a este órgão ministerial.

           Observe-se que o aumento imputado ocorreu em 30 de setembro de 1996, e foi de aproximadamente de 542,36%, revelando-se extremamente abusivo, e totalmente fora da realidade. Mesmo diante dos apelos do adquirente, não houve acordo, sendo que este passou a recolher as parcelas no preço determinado pelo réu PREVISUL para não correr o risco de perder o imóvel.

           Em momento posterior, o mutuário teve um novo incremento no valor de sua parcela, sendo que esta subiu para R$ 76,79, perfazendo 3,95% de reajuste. A justificativa do aumento foi o fato do mutuário ter ascendido na carreira, e ter sido aumentado em cerca de R$ 4,00, o que corresponde a 3,03% de aumento em seus rendimentos.

           O salário base do mutuário na época em que ocorreu este aumento era de R$ 125,00, permanecendo até hoje no mesmo valor. Se o valor de R$ 73,87 já comprometia cerca de 59,08% da renda do mutuário, o valor de R$ 76,79 mostra-se insano, posto que compromete 61,43% do salário.

           Legalmente, o valor das prestações não podem comprometer mais que 30% da renda do mutuário, preceito este, procrastinado pelo réu.

           Para fins de comprovação de que o valor cobrado pelas parcelas é abusivo, note-se que a avaliação do imóvel realizada pela Prefeitura Municipal é de R$ 11.466,43 (fl. 679), valor que dividido por 300 parcelas, resultaria R$ 38,22 por parcela, o que corresponderia a 30,5% do valor da renda do mutuário. Se este fosse o valor que estivesse sendo cobrado, embora menos exorbitante, estaria errado da mesma forma, posto que o mutuário deve ter o reajuste de suas parcelas de acordo com a equivalência salarial, e já que o reajuste não veio, o valor de suas parcelas nunca deveria ter saído dos R$ 13,62.

           Seguindo esta mesma linha de raciocínio, já que o mutuário pagou em 30 de julho de 1997 a parcela 111 de um total de 300, em fevereiro este mutuário deverá estar pagando a parcela 118. Se continuar a pagar o valor de R$ 76,79 nas 182 vincendas, somente nestas pagará um total de R$ 13.975,78, valor este que já ultrapassa em muito o valor de seu imóvel, de forma que todos os valores que o réu recebeu anteriormente, ou seja, as 118 parcelas servirão somente para contribuir com seu locupletamento ilícito.

Lucy Meire M. Manvailer Garcial Em 30 de abril de 1997 pagava R$ 43,13 Em julho de 1997 pagou R$ 66,42em agosto de 97 pagou 114,62 Cidade
Amambai

           Esta mutuária é funcionária pública estadual e, da mesma forma que os funcionária públicos federais e municipais, não recebe aumento salarial a cerca de três anos.

           Como está demostrado acima, no primeiro momento, o aumento imputado foi na ordem de R$ 53.99%. Um mês após o primeiro aumento, foi feito um segundo aumento, o qual incrementou a parcela em 72,46%, que incidiu sobre a parcela já aumentada, fazendo com que o total do aumento chegue a 165,75%.

           Não há como imaginar que cálculo foi feito pelo réu para chegar a este valor absurdo de R$ 114,62. Os comprovantes de rendimentos da adquirente demostram que ela não recebeu aumento salarial no período em que houve o reajuste das parcelas, permanecendo seu vencimento efetivo em R$ 43,02 do ano de 95 até os dias atuais.

Maria Salete de Mattos Em 30 de março de 97 pagava R$ 33,16 Em 30 de junho de 97 pagava R$ 35,63 em 30 de julho de 97 pagou R$ 94,47 Cidade Amambai

           Esta mutuária é servidora pública federal e não teve aumento salarial algum no período em que foram promovidos os reajustes, mantendo-se o seu vencimento básico em R$ 202,46.

           O primeiro reajuste foi de 7,44% e o segundo na ordem de 165,14%, já incidindo sobre o valor reajustado, totalizando um aumento de 184,89%, em se considerando o valor de R$ 33,16.

           Este reajuste não guarda consonância com nenhum dispositivo legal, aliás, muito pelo contrário, ele contribui para o aumento da inflação, contrariando a atual política governamental, dificulta o pagamento das parcelas pelo mutuário e faz com que os objetivos visados pelo plano de financiamento da casa própria não sejam alcançados, posto que inviabiliza ao adquirente manter em dia as prestações de suas residência.

Elizabeth Zago PiccoliEm 06 de junho de 97 pagou 23,71 Em agosto de 97 o valor passou para R$ 94,41 Cidade Amambai

           Esta mutuária também é funcionária pública estadual e não recebe aumento a muito tempo, como comentado alhures.

           Mesmo assim, o valor de sua parcela foi acrescido em 289,18%, aumento inconcebível e irracional, que deve ser revisto.

Longuinho Henrique IbanhesEm 15 de fevereiro de 95 pagou R$ 13,81 Em 15 de março de 95 pagou R$ 23,23 (fl. 608). em 15 de novembro de 97 o valor a ser pago saltou para R$ 332,80 (fl. 616). Cidade Campo Grande

           Este mutuário é militar da reserva, sendo que seu soldo não sofreu reajuste algum desde 1995, como demonstrado através de declaração fornecida pelo Ministério do Exercito, datada de 26 de novembro de 1997 (fl. 657), mantendo-se seu soldo em R$ 178,20.

           Claro está que o aumento imputado é ilegal, não podendo prevalecer.

           Para fins de demonstração, revela-se que o primeiro aumento foi de 68,21% e o segundo foi de 1332,63%. Como demonstrado acima, os aumentos forma feitos em um momento que não poderia ocorrer, posto que o mutuário não recebeu aumento algum neste período, devendo suas parcelas serem reconduzidas aos valores anteriormente estabelecidos. Cite-se que medida judicial de consignação em pagamento já foi acolhida pelo Juízo da 2º Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos desta Capital (f. 660 a 664).

2) SOBRE O SALDO DEVEDOR


           Com o advento da Lei n.º 8.177, de 1º de março de 1991, que revogou as disposições do art. 6º da Lei 7.738/89, o princípio da equivalência salarial passou a ser desrespeitado ante a disposição de que as prestações, os saldos devedores, as obrigações assumidas pelo FCVS e as Letras Hipotecárias que viessem a ser emitidas por entidades integrantes do SFH, deveriam ser atualizadas, a partir de fevereiro de 1991, pela taxa aplicável á remuneração básica dos Depósitos de Poupança (art. 18, §§ 1º e 4º, ou seja, pela Taxa Referencial "TR", criada pelo art. 1º da citada lei.

           Ocorre que este desrespeito foi logo contido pelo Supremo Tribunal Federal.

           De fato, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional, dentre outros, o art. 18, "caput" e §§ 1º e 4º da Lei 8.177, de 1º de março de 1991. A Corte Suprema proibiu que os saldos devedores dos contratos habitacionais celebrados até o dia 31 de janeiro de 1991, no âmbito do SFH, passassem, a partir de fevereiro de 1991, a serem atualizados pela taxa aplicável à remuneração básica dos depósitos de poupança (rural ou não) com data de aniversário, respectivamente, no 1º dia de cada mês e, no dia da assinatura dos respectivos contratos conforme se trata de convenção celebrada até 24 de novembro de 1986, e/ou 25 de novembro de 1986 a 31 de janeiro de 1991.

           Ao julgar a ADIn. N.º 493-0/DF, publicada em 04 de setembro de 1992, condenou o uso da TR como índice de reajuste das parcelas e do saldo devedor da casa própria, isto porque a Taxa Referencial deveria ser usada apenas como índice para reajustar os depósitos de caderneta de poupança.

           O fato do saldo devedor dos mutuários do PREVISUL ser reajustado mensalmente pelo índice da poupança é maquiavélico, posto que o reajuste da poupança é a "TR" mais 1%. Vê-se de pronto, a ocorrência de ilegalidades: uso de TR acrescido de capitalização de juros, que é vedada pelo Decreto n.º 22.626, de 7 de abril de 1933.

           Para exemplificar, toma-se a situação do Sr. Dário José Guimarães, que no mês de julho de 94, tinha como saldo devedor R$ 10.632,94 e mesmo depois de ter pago 38 parcelas, seu saldo devedor aumentou, perfazendo em setembro de 97 R$ 21.326,55 (anexos da f. 345 do PA). São R$ 10693,61 de aumento, o que corresponde a 100,57% de aumento no saldo devedor.

           Outro exemplo é o caso do Sr. Décio de Moura Carvalho, que, em setembro de 94, tinha de saldo devedor o equivalente a R$ 9.814,02 e, em setembro de 97, esse valor saltou, miraculosamente, para R$ 19.608,39 (f. 390 a 392).

           O aumento do saldo devedor foi na ordem de R$ 9.794,37, perfazendo 100,13%.

           Note-se que este percentuais absurdos, que constituem um anatocismo irracional, foram insertos no decorrer de três anos. Tomando-se por base os valores acima mencionados e dividindo-se os percentuais de 100,57% e 100,13% por três, ter-se-ia aproximadamente 33,37% por ano, o que não está de acordo com nenhum reajuste autorizado pela legislação em vigor, caracterizando-se um reajuste usurário e andando na contra mão do plano de estabilização proposto pelo governo federal.

           Mesmo que se pudesse cobrar algum juro, além da equivalência salarial, este não poderia ser superior a 12%, dado que a constituição proíbe percentuais mais elevados e a inflação, nos últimos anos, não tem ultrapassado a casa de 7% ao ano.

           Como visto, a aplicação da Taxa Referencial gera um aumento abusivo do saldo devedor, fazendo com que o mutuário passe a se responsabilizar por um passivo muito maior do que o normal. Isso atinge diretamente o equilíbrio econômico e financeiro do contrato, pois além de empobrecer o mutuário, enriquece indevidamente o réu, que lucrará não só com os juros estipulados em contrato e com a abjeta diferença que a "TR" produz na correção da dívida.

           Diante da gravidade de tais fatos, que só fazem alimentar ainda mais a crise social que assola milhões de brasileiros, faz-se necessário extirpar, por completo, a aplicação da "TR" embutida no índice de reajuste das cadernetas de poupança, como índice de atualização dos saldos devedores dos contratos firmados até 1º de março de 1991, que vem sendo efetuada pelo réu.

           Faz-se necessário ainda, que o réu use, para atualizar as parcelas devidas e o saldo devedor, apenas os índices de reajustes salariais.



II) DO DIREITO


           A Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964, foi recepcionada pela constituição vigente como lei materialmente complementar, criando-se o Sistema Financeiro Nacional, preconizando, em seu artigo 5º, que todas as vezes que o salário-mínimo fosse alterado, haveria o reajustamento das prestações mensais de amortização com a conseqüente correção do valor monetário da dívida, ou seja, do saldo devedor do financiamento.

           O §1º do artigo 5º estabelece o seguinte:

           "§ 1º. O reajustamento será baseado em índice geral de preços mensalmente apurado e adotado pelo Conselho Nacional de Economia que reflita adequadamente as variações no poder aquisitivo da moeda nacional."

           Com a expedição do Decreto-lei n.º 19/66, a norma do art. 5º só foi revogada em parte, no sentido de autorizar o antigo BNH a expedir instruções reguladoras de atualização monetária afastando então a atribuição do Conselho Nacional de Economia, não afetando, no entanto, a regra de que os saldos devedores dos financiamentos seriam corrigidos por índice que refletisse adequadamente as variações no poder aquisitivo da moeda.

           Assim, verifica-se que até 1991, os saldos devedores deveriam, por imposição legal, serem corrigidos por índices oficiais, tais como a ORTN, OTN, UPC, IPC, e outros, que sempre refletiram a depreciação do valor da moeda frente ao processo inflacionário que atingia o país.

           Houve um avanço na forma de corrigir as prestações da casa própria com a edição do Decreto-lei 2.164, de 19 de setembro de 1984, que instituiu, em seu art. 9º o PES/CP - Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional, estabelecendo que o reajuste das prestações dos contratos firmados através do SFH - Sistema Financeiro de Habitação, devem ser proporcionais à periodicidade e aumento salarial da categoria profissional do mutuário, norma esta que está em plano vigor em nosso ordenamento.

           Assim dispõe o artigo 9º do Decreto-lei 2.164/84:

           "Art. 9º - Os contratos para aquisição de moradia própria, através do SFH, estabelecerão que, a partir do ano de 1985, o reajuste das prestações neles previsto corresponderá ao mesmo percentual e periodicidade do aumento de salário da categoria profissional a que pertencer o adquirente".

           A partir do Decreto-lei supracitado, a jurisprudência se firmou no sentido que o único reajuste capaz de se impingir ao trabalhador que adquire a casa própria através do SFH, é o da equivalência salarial. Nesse sentido vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça:

           Ementa: "RECURSO ESPECIAL - MUTUÁRIOS DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DA CASA PRÓPRIA - REAJUSTAMENTO DAS PRESTAÇÕES - ADOÇÃO DO PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL - PRECEDENTES DO TRIBUNAL"

           Consoante interpretação emprestada à legislação pertinente, os contratos destinados à aquisição da moradia própria, através do Sistema Financeiro Habitação, devem seguir o plano de equivalência salarial, reajustando-se as prestações no mesmo percentual e periodicidade do aumento de salário da categoria profissional do mutuário. (S.T.J. Resp nº 19.238-0-DF - Relator SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN - DATA: 25.03.92)

           Ainda decisões do STJ:

           "SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL - APLICAÇÃO

           É pacífica a jurisprudência deste Tribunal no sentido de admitir, em casos como o presente, a aplicação do Plano de Equivalência Salarial para o reajustamento da prestação da casa própria. precedentes do STJ

           Ofensa ao art. 7º, do Decreto-Lei nº 2.291, de 21.11.86, ao artigo 1º do Decreto-Lei nº 19, de 30.08.66, e ao art. 1º da Lei nº 6.423, de 17.06.77, não caracterizada. Dissídio pretoriano não configurado." (S.T.J. Resp nº 39.435-0 - ES - j. 24/11/93).

           "Ementa: "SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - PRESTAÇÃO DA CASA PRÓPRIA - CRITÉRIO DE REAJUSTE - ÍNDICE DE CORREÇÃO DOS SALÁRIOS - PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL"

           Com a instituição do Sistema Financeiro da Habitação pela Lei nº 4.380/64, foi adotado o princípio de que a prestação da casa própria deve ser reajustado por índices equivalentes aos adotados para a correção dos salários dos mutuários.

           Tal critério, imprescindível à manutenção do equilíbrio econômico do contrato e previsto expressamente em sucessivas resoluções do Banco Nacional de Habitação e no Decreto-Lei nº 2.283/86, não foi afastado pela legislação superveniente - DL nº 19/66, Lei nº 5.107/66, Lei nº 6.205/75 e Lei nº 6.423/77.

           Este Tribunal tem consagrado o pensamento de que a tese adotada pelo Supremo Tribunal no julgamento da Representação nº 1.288-DF não afasta a equivalência dos índices de correção da prestação da casa própia com os percentuais de reajustes dos salários dos mutuários."(no mesmo sentido: Emb. Divergência no Resp. nº 3.279/AM) (S.T.J. - Resp nº 38.327-7 - ES - j.24.10.93).

           Não é outro o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

           "RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA LEGAL - PREQUESTIONAMENTO - CONTRATO DE FINANCIAMENTO DA CASA PRÓPRIA - REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES"

           O extraordinário, cujo processamento busca-se alcançar, foi interposto com alegado fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra o acórdão de folhas 13 a 18, assim sintetizado:

           "SFH - REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES - CRITÉRIO.

           1. O entendimento da Turma é o de que as prestações dos mútuos hipotecários deverão ser reajustadas segundo a variação salarial de cada mutuário;

           2. Apelação do Agente Financeiro e Remessa Oficial improvidas. Provido o apelo do Impetrante." (S.T.F. - Agravo de Instrumento nº 188.963-2-RS - Relator MINISTRO MARCO AURÉLIO - de 18.09.96).

           "ADMINISTRATIVO - S.F.H. - CONTRATO DE FINANCIAMENTO DA CASA PRÓPRIA - ÍNDICE DO REAJUSTAMENTO DAS PRESTAÇÕES - DECRETO-LEI Nº 19/66 - LEI Nº 4.380/64 (ART. 5º) - LEI Nº 5.107/66 (ART. 1º) - DECRETOS-LEIS NºS 2.065/83, E 2.164/84"

           I - A revogação das normas do art. 5º, da Lei nº 4.380/64, pelo Decreto-Lei 19/66 (STF - Representação nº 1.288-3/DF), não impedia o BNH, por meio de atos normativos, adotar o sistema de reajustamento das prestações com base na variação do salário mínimo (Decreto-Lei 19/66, art. 1º).

           II - Os Decretos-Leis nº 2.045/83, 2.065/83 e 2.164/84, embora aparentassem benefícios ao mutuário, a rigor, desvirtuaram o Plano de Equivalência Salarial - PES.

           III - persistência, conforme contratualmente estabelecido, do reajustamento das prestações dentro do plano de Equivalência Salarial.

           IV - Precedentes da Corte

           V - Recurso Improvido".

           Conforme conclusão tirada de brilhante estudo desenvolvido pelo Ministério Público Paulista, através do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça do Consumidor, é totalmente improcedente a aplicação de outro índice de reajuste a não ser a equivalência salarial.

           Apesar da existência de todos esses entendimentos legal e jurisprudencial, a ré continua a fazer o reajuste das prestações pelo FCVS e a majoração do saldo devedor pela TR.

           No que se refere ao saldo devedor, o que se busca é bem demonstrado pelo Ministro Paulo Brosard, no julgamento da ADIn. 493-0/DF:

           "Ora, não é necessário exame profundo para concluir que a remuneração em causa não será equivalente à correção monetária, mas há de ser superior a ela.

           Por conseguinte, aplicar a TR como sucedâneo da correção monetária (...) importaria em agravar as obrigações pactuadas de maneira unilateral. Tenho como certo que a TR, prevista no art. 1º da Lei 8.177, não pode ser tomada como índice de correção monetária. É claro que na taxa referencial estará contida a correção, mas, à evidência, transcenderá o seu índice, por isso não pode ser sucedâneo da correção".

           Ressalte-se que a Ação Direta de Inconstitucionalidade, ataca o vício da lei em sua raiz, e tem o condão de expurgar do sistema jurídico os efeitos do elemento legislativo defeituoso. A coisa julgada material tem autoridade "erga omnes", obrigando o Poder Judiciário como a todos dos demais poderes - Legislativo e Executivo - sendo que nem o próprio STF pode modificar seus efeitos ulteriormente.

           Fato é que o réu continua livremente a calcular o saldo devedor pela "TR" incorporada na caderneta de poupança nos contratos firmados até 1º de março de 1991, desrespeitando os direitos dos mutuários que foram reconhecidos pelo STF, quando do julgamento da ADIn. 493-0/DF.

           A aplicação mensal do índice da poupança (TR + 1%) para fazer o reajuste do saldo devedor, resulta na capitalização de juros sobre juros, por força do reajuste ser feito mensalmente, o que é vedado pelo ordenamento jurídico vigente, como dispõe o artigo 4º, do Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, "in verbis":

           "Art. 4º. É proibido contar juros dos juros (...)."

           No mesmo sentido é a súmula 121 do Supremo Tribunal Federal:

           "É vedada a capitalização de juros ainda que expressamente convencionada".

           Quanto a mudança unilateral do contrato, que ocasionou o desequilíbrio contratual, cita-se o artigos 6º, IV e VI; 39, X e XI; e 51, IV, X e XIII, os quais deixam claro que a postura da ré é abusiva e que as modificações por ela propostas não tem nenhuma eficácia jurídica, são cláusula tidas como não escritas, posto que são consideradas nulas de plano direito:

           Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor:

           (....);

           IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

           V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

           Artigo 39 - É vedado ao fornecedor de produtos e serviços:

           (...)

           X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços

           XI - aplicar índice ou fórmula de reajuste diversos do legal ou contratualmente estabelecido;

           Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

           (...)

           IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

           X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação de preço de maneira unilateral;

           XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou qualidade do contrato, após sua celebração;

           Na verdade, a atitude da ré constitui crime previsto na Lei n.º Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.

           Art. 6º. Constitui crime da mesma natureza:

           I - vender ou oferecer à venda mercadoria, ou contratar ou oferecer serviço, por preço superior ao oficialmente tabelado, ao fixado por órgão ou entidade governamental, e ao estabelecido em regime legal de controle;

           II - aplicar fórmula de reajustamento de preços ou indexação de contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente;

           III - exigir, cobrar ou receber qualquer vantagem ou importância adicional de preço tabelado, congelado, administrado, fixado ou controlado pelo Poder Público, inclusive por meio da adoção ou de aumento de taxa ou outro percentual, incidente sobre qualquer contratação; Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, ou multa."

           O mínimo que a ré poderia ter feito era respeitar o contrato original, não tomando atitudes que não se coadunam com o Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido manifesta-se Maria Helena Diniz:

           "Isto é assim porque o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu. Á idéia da auto-regulamentação dos interesses dos contratantes, baseada no princípio da autonomia da vontade, sucede a da necessidade social de proteger a confiança de cada um deles na observância da avença estipulada, ou melhor, na subordinação à lex contratus. O contrato é intangível, a menos que ambas as partes rescindam voluntariamente ou há escusa por caso fortuito ou força maior (Código Civil, art. 1.058, parágrafo único). Fora dessas hipóteses, ter-se-á a intangibilidade ou imutabilidade contratual. Esse princípio da força obrigatória funda-se na regra de que o contrato é lei entre as partes, desde que estipulado validamente (RT, 543/243, 478/93), com observância dos requisitos legais" (Maria Helena Diniz, in Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, 9ª ed. 3/30).

           Oportuno é o comentário do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello:

           "Não se compreende uma lei, não se entende um norma, sem entender qual o seu objetivo. Donde, também não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer de sintonia com o escopo por ela visado. Implementar uma regra de Direito não é homenagear exteriormente sua dicção, mas dar satisfação a seus propósitos. Logo, só se cumpre a legalidade quando se atende sua finalidade. Atividade administrativa desencontrada com o fim legal é invalida e por isso prejudicialmente censurável." (in Elementos de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 1992, 3ª. Ed., p. 27)."

           A Carta Política de 1988, ao tratar em seu Título VII, da Ordem Econômica Financeira, é clara ao estabelecer quais são as finalidades que deverão nortear a política econômica nacional.

           O art. 170, "Caput", estabelece o seguinte:

           "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre concorrência, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, (....)."

           Deve-se lembrar que o projeto financiado pelo réu é um projeto social, que visa o financiamento da aquisição da casa própria para a população de baixa renda, não um financiamento particular para a construção de uma residência.

           O Estado brasileiro garante a todos os direitos sociais, ressaltando-se que o artigo 7º, IV da Constituição Federal, estabelece o seguinte:

           "IV - o salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e as de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim".

           Depreende-se deste inciso da Lei Maior que o salário do trabalhador deve ser suficiente para supri as suas necessidades de moradia, e este é o objetivo da Lei n.º 4380/64, que através de seus recursos financeiros o trabalhador possa satisfazer suas necessidades básicas de moradia.

           Note-se que mesmo em sendo feito o reajuste do saldo devedor por um índice que reflita as perdas inflacionárias, ainda assim o mutuário estaria sendo lesado, posto que se houver uma inflação, por mínima que seja, incidindo sobre o saldo devedor estaria colocando em desequilíbrio o contrato, em razão do fato do salário do mutuário sofrer qualquer reajuste acerca de 3 (três) anos.

           Evidente é o fato de que há um desequilíbrio econômico dantesco nos contrato firmado entre o PREVISUL e os mutuários, de forma que a desestruturação do sistema, prejudica os direitos dos mutuários, inviabilizando a solução para o problema da carência de moradias no país.

           Cabe salientar finalmente que os reajustes tanto das parcelas quanto do saldo devedor, se não estivesse presente a necessidade de se obedecer a equivalência salarial, só poderiam ser feitos anualmente, vedada a ocorrência de resíduos, como dispõem a lei e a jurisprudência atual.

           A Lei 9.069 de 29/06/1995, que dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, Estabelece as Regras e Condições de Emissão do REAL e os Critérios para Conversão das Obrigações para o REAL e a Medida Provisória 1.171 de 27 de outubro de 1995, estabelecem de forma clara a referida proibição em seus artigos 28, § 1º, e 2º, § 1º, respectivamente, "in verbis":

           "ART. 28 - Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual.

           § 1 - É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetário cuja periodicidade seja inferior a um ano."

           "Art.2º - É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

           § 1 - É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano."

           A jurisprudência a respeito do resíduo dispõe:

           "AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Construção civil - Resíduo inflacionário - Nulidade da cláusula que o estabeleceu. (TJRJ, Proc. N. 7.305/96 - 1.ª Vara de Falências e Concordatas, Rio de Janeiro, j. em 05.07.1996, Juiz Hélio Augusto Silva de Assunção").

           Em relação ao mau atendimento do mutuário e a falta de informação, deve-se dizer que o consumidor, nos termos do Artigo 4º, "caput" do Código de Defesa do Consumidor, tem direito ao respeito a sua dignidade, bem como é seu direito a informação precisa a respeito do preço e qualidade do produto e serviço, sendo vedado qualquer método coercitivo ou desleal e cobranças vexatórias, que exponha o consumidor a ridículo (Artigo 6º, incisos III e IV; 55, § 1º; e 66, "caput").

           No que concerne a imposição de obstáculo, inclusive com cobrança abusiva de taxa de transferência, por parte do réu para que o mutuário transfira o seu imóvel para terceiro, há de se deixar claro que o Poder Judiciário pode e deve impedir a continuidade desse ato sumamente lesivo ao consumidor.

           A exigência de qualquer valor em virtude de transferência de imóvel para terceiro constitui-se em cobrança abusiva, posto que a toda contra-prestação pecuniária deve corresponder a uma prestação de serviço ou produto, o que não ocorre no caso em análise. Essa cobrança só vem prejudicar, ainda, mais o consumidor, que, em geral, quer transferir o imóvel porque se encontra em grave situação financeira e não mais consegue fazer frente aos pagamentos das prestações.

           É essa uma forma clara de enriquecimento ilícito e um meio de impedir o direito legal do mutuário de usar, gozar e dispor do que é seu. Tal obrigação é daquelas que o inciso IV do artigo 51 do CDC considerada iníqua, abusiva e que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo incompatível com a boa-fé e com a eqüidade.

1) DA COMPETÊNCIA DESSE JUÍZO
PARA CONHECER E JULGAR A PRESENTE CAUSA:


           Em sendo os danos e prejuízos aqui tratado de âmbito regional e tendo o réu sua sede nesta Capital, competente é o Juízo desta Comarca para conhecer e julgar a presente causa. É nesse sentido que dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

           Artigo 93 - Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

           I - (....);

           II - no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

2) DO CABIMENTO DE LIMINAR


           Prescreve o § 3º do Artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor que

           "Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu."

           Frente a ilegalidade que ora se instala, devido ao fato do reajuste das parcelas das casas não respeitarem o princípio da eqüivalência salarial, inviabilizando o pagamento das mesmas por parte do mutuário e diante da aplicação do art. 18 "caput" e §§ 1º e 4º da Lei 8.177/98 para a feitura do reajuste do saldo devedor das casas, em total desconsideração à declaração da inconstitucionalidade feita pelo Supremo Tribunal Federal, através da ADIn. n.º 493-0/DF, de 25 de junho de 1992, e à previsão do § 5º do Artigo 27 da Lei n.º 9.069, de 29/06/1995, não resta dúvida sobre a relevância do fundamento da demanda, que tem por finalidade exigir que o réu reveja o valor das parcelas de todos os mutuários e refaça os cálculos do saldo devedor das casas.

           Evidencia-se também, no presente caso, o risco da ineficácia do provimento jurisdicional, se a tutela não for concedida liminarmente. Como é natural, o desfecho final da ação demandará tempo relativamente longo, suficiente o bastante para que inúmeros consumidores sejam levados à inadimplência, sejam despejados, não consigam mais pagar suas prestações, ter seu saldo devedor por demais alto e não consigam reaver os valores pagos a mais. Não se podendo esquecer que muitos estão pagando as prestações de sua casa com prejuízo da própria subsistência e de seus filhos, para não serem chamados de caloteiros pelo sistema selvagem que se implantou.

           A concessão imediata da antecipação da tutela daria sono tranqüilo a muitas famílias que a muito não dormem, com medo de não conseguirem honrar seus compromisso ou com medo do vexame de terem contra si um mandado judicial de despejo. A sua negação, ao contrário, daria a oportunidade de serem jogados ao vento muitos anos de esforços, trabalho, luta e sacrifício de muitos trabalhadores para se manterem honestos e cumpridores do seu dever.



III) DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS:

1) DO PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA:


           Assim, presentes os requisitos legais, o Ministério Público requer a concessão liminar da tutela, "inaldita altera pars", no sentido de ser determinado que o réu:

  1. faça a revisão dos valores das parcelas de todos os mutuários do Previsul, com base na equivalência salarial, a partir de março de 1991, quando ocorreu a alteração unilateral dos contratos, em prejuízo dos consumidores, dado que o índice que se passou adotar foi, inicialmente, a TR e, posteriormente, FCVS, em total desconformidade com o contrato e com a lei;
  2. proceda a imediata revisão das parcelas de todos aqueles que estão ocupando casas financiadas pelo requerido, embora não sejam mutuários de direito, mas que em virtude de exigências absurdas feitas pelo réu não conseguiram transferir os imóveis para seus nomes, revisão esta que deve ser feita nas mesmas condições do item anterior, levando em consideração os salários do mutuário-cessionário e não do mutuário-cedente;
  3. notifique todos os mutuários do Estado do Mato Grosso do Sul, para comparecer às respectivas repartições regionais do Previsul, levando consigo seus comprovantes de renda, para que seja providenciado o recalculo imediato do valor de suas parcelas, levando em conta os aumentos dos salários ocorridos desde março de 1991, uma vez que os reajustes das parcelas devem obedecer a equivalência salarial;
  4. proceda, de imediato, para que se possa estabelecer um parâmetro para os reajustes das parcelas e do saldo devedor, a transferência dos imóveis para o nome dos consumidores que os detêm de fato, sem cobrança de qualquer valor;
  5. suspenda a aplicação da Taxa Referencial (TR) embutida no índice de reajuste dos depósitos da caderneta de poupança, como índice de correção monetária dos saldos devedores de todos os contratos habitacionais firmados, aplicando-se em seu lugar a equivalência salarial;
  6. apresente planilha demonstrativa da situação do saldo devedor de cada mutuário, constando o índice de indexação que foi utilizado para se proceder os reajustes, bem como discriminando separadamente os contratos com reajuste em UPC e com base na Caderneta de Poupança, apresentando como elementos de identificação da predita planilha o nome, em ordem alfabética, e o CPF do mutuário, número do contrato e a data da Escritura. Devem constar, ainda, em cada planilha, para fins de estudos comparativos, o saldo devedor atualizado do contrato, tanto pelos índices de poupança, quanto pela equivalência salarial e pelo INPC, a partir de 1º de março de 1991 até a data da efetivação da liminar, discriminando-se também o quantitativo de contratos atingidos pela Medida Liminar e o somatório do saldo devedor apurado;
  7. traga, juntamente com a contestação, relação completa de todos os empreendimentos realizados pelo Previsul, especificando a localidade e o número de casas ou de apartamentos incorporados e construídos;
  8. a partir do mês subseqüente ao deferimento da liminar, insira mensagem nas mensalidades de cada mutuário, informando a alteração de indexação do reajuste das parcelas e do saldo devedor para o da equivalência salarial, por força de decisão concedida nos autos desta Ação Civil Pública;
  9. apresente a esse Juízo a atualização resultante do cumprimento dos itens 1, 2 desta petição, bem como demonstre, documentalmente, o cumprimento das determinações judiciais que forem feitas em virtude dos requerimentos constantes nos itens 3 e 7; e
  10. suspenda qualquer ação eventualmente proposta em face de qualquer mutuário do Estado de Mato Grosso do Sul, que tenha por objeto qualquer um dos fundamentos fáticos e jurídicos debatidos e combatidos nessa petição inicial, bem como proibir a rescisão contratual ou o despejo de qualquer consumidor, sob os mesmos fundamentos aqui tratado;

           Sem prejuízo da responsabilidade penal, pelos crimes de desobediência (Cód. Penal, art. 330), requer que seja fixada multa de 1.000 UFERMS - Unidade Fiscal Estadual de Referência do Mato Grosso do Sul, por descumprimento, diário, de cada medida concedida liminarmente, contando o prazo do dia da intimação do representante do réu da decisão concessiva da medida, sendo que o valor referente a multa acima referida deve ser recolhido ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor - FEDDC, criado pelo Artigo 8º da Lei Estadual n. 1.627, de 24 de novembro de 1995.

2) DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS FINAIS:


           O Ministério Público Estadual requer, também, que V. Exª julgue procedente os pedidos contidos nesta Ação Civil Pública, no sentido de que seja confirmada a liminar, em sentença de mérito, e para que o réu:

  1. refaça, ab initio, o cálculo do saldo devedor, bem como recalcule as parcelas devidas por cada mutuário, desde março de 1991, não podendo o saldo devedor ser superior ao valor venal do imóvel;
  2. seja condenado a, de maneira genérica, consoante estabelece o art. 95 do Código de Defesa do Consumidor, restituir os valores cobrados a maior, em dobro, devidamente corrigidos e acrescidos de juros e multa legais ou, alternativamente e nas mesmas condições, condenado a fazer o abatimento devido, do que foi cobrado a maior, nas prestações futuras;
  3. abstenha-se de transferir o imóvel pelo saldo devedor, mas seja condenado a reavaliar o imóvel antes de transferi-lo, levando em conta para proceder essa nova avaliação as condições originais do imóvel, sem considerar as benfeitorias introduzidas pelo desistente ou cedente;
  4. trate com urbanidade e respeito os mutuários, abstendo-se de tomar qualquer atitude agressiva, desleal e de má fé que exponha a ridículo o consumidor, sob pena de caracterização de danos morais, passíveis de indenização e crime de injúria ou difamação, cobrança abusiva e de informação enganosa.

           Sem prejuízo da responsabilidade penal, pelos crimes de desobediência (Cód. Penal, art. 330), requer que seja fixada multa de 1.000 UFERMS - Unidade Fiscal Estadual de Referência do Mato Grosso do Sul, por descumprimento, diário, de cada determinação judicial, contando o prazo do trânsito em julgado da decisão judicial definitiva, sendo que o valor referente a multa acima referida deve ser recolhido ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor - FEDDC, criado pelo Artigo 8º da Lei Estadual n. 1.627, de 24 de novembro de 1995.

           Requer, ainda, a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto nos artigos 18, da Lei 7.347/85 e 87, da Lei 8.078/90.

           Requer, outrossim, a publicação de edital no órgão oficial, nos termos do art. 94 da Lei 8.078/90, sem prejuízo da ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte deste Órgão de Defesa do Consumidor.

           Requer, igualmente, a citação do demandado, na pessoa de seu representante legal como a autorização de que trata o artigo 172, § 2º, do Código de Processo Civil, no endereço inicialmente referido, para, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes.

           Requer, finalmente, a condenação do réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes a serem recolhidos ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor.

           Embora esta ação seja de natureza economicamente inestimável, dá-se à causa, meramente para efeitos legais, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

           Protesta provar o alegado pelos meios de prova em direito permitidas, notadamente por perícias, juntada de novos documentos, oitiva de demandados e testemunhas, cujo rol será oferecido oportunamente.

           Termos em que

           pede deferimento.

           Campo Grande, 10 de março de 1998.

Amilton Plácido da Rosa
Promotor de Justiça do Consumidor



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido da; ARINOS, Alessandro A. dos S.. Aumentos abusivos da prestação da casa própria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16021. Acesso em: 26 abr. 2024.