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Ação coletiva de consumo contra tarifas abusivas de água

Ação coletiva de consumo contra tarifas abusivas de água

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Petição inicial de ação coletiva de consumo ajuizada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor do Rio Grande do Sul contra a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Foi requerida liminar para sustação da nova política tarifária, por ser considerada abusiva frente ao Código de Defesa do Consumidor. A alegação foi acatada em sede de agravo de instrumento pelo Tribunal de Justiça gaúcho. Peça remetida pelo promotor Alexandre Lipp João ([email protected]), um de seus subscritores.

          EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA __ VARA CÍVEL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE:

          DISTRIBUIÇÃO PREFERENCIAL PARA A 15ª OU 16ª VARA CÍVEL - PROVIMENTO N.º 39/93-CGJ

          O MINISTÉRIO PÚBLICO, por intermédio da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, localizada na Rua Andrade Neves, 09, centro, nesta Capital, com base no Inquérito Civil Público n.º 181/99, vem ajuizar AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra CORSAN – COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO, sociedade de economia mista, situada nesta Capital, na Rua Caldas Júnior, 120, 18º andar, centro, em razão dos fatos e fundamentos jurídicos que passa a expor:


1. DOS FATOS:

          A Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público, a partir da reclamação feita pelo consumidor Arthur Orlando Picoral, instaurou inquérito civil público - ICP(1) para investigar eventual aumento abusivo nas tarifas de água da CORSAN – Companhia Riograndense de Saneamento.

          Segundo consta, a tarifa de água do reclamante passou de R$ 5,56, no mês de agosto, para R$ 15,00, no mês de setembro, ambos do corrente ano, ocasionando um aumento de 169,78%.

          Logo após, novas reclamações foram juntadas aos autos, verificando-se que, em realidade, a requerida teria alterado sua política tarifária e, em decorrência disso, houve vultosos reajustes das suas tarifas em todos os municípios de sua área de atuação, utilizando os mais diversos percentuais de aumento.

          A partir do comparecimento espontâneo de funcionários da companhia requerida nesta Promotoria do Consumidor, Srs. Gilson Tarasconi, Agente Administrativo V, Nelson Viegas Vargas, Administrador, e Nilcar José da Costa Martins, Administrador da Área Comercial, realizou-se audiência (fls. 19/21 do ICP), onde foram prestados esclarecimentos sobre a chamada "nova estrutura tarifária" da CORSAN, inclusive com a juntada documentação a respeito (fls. 23/82 do ICP).

          Vieram aos autos, posteriormente, diversas reclamações de usuários inconformados com os novos valores das tarifas, oriundas de diversos municípios do Rio Grande do Sul.

          Designou-se, então, audiência para a oitiva de dois ex-presidentes da CORSAN: Deputado Estadual Berfran Rosado, e Sr. Paulo Michelucci Rodrigues. Ambos manifestaram-se de maneira contrária à nova política tarifária da requerida, alegando, de forma uníssona, que esta estabelece reajustes diferenciados, em alguns casos de 180%, muito acima da inflação atual, pela ausência de consulta à AGERGS, e por ser a nova política socialmente injusta, visto que os maiores reajustes incidiram sobre os pequenos consumidores, tanto na categoria social quanto nos pequenos comerciantes (fls. 108/111do ICP).

          Por fim, também foi designada audiência para oitiva do atual Diretor-Presidente da empresa-ré, Sr. Dieter Wartchow, o qual compareceu acompanhado pelo Assessor da Presidência, Sr. José Luiz Tassinari, e pelo Sr. Fernando Rossi, Superintendente Comercial da CORSAN, os quais teceram considerações sobre aspectos técnicos dessa reestruturação tarifária (fls. 256/257), bem como apresentaram documentos a respeito (fls. 258/318 do ICP). Referiram que, desde agosto de 1997, não havia qualquer reajuste nas tarifas da CORSAN, sendo que a inflação no período, segundo o IGPM, foi de 18,13%, e que a nova política tarifária baseou-se na relação empresa/consumidor. Esclareceram, ainda, que, até o ano de 2002, existe uma meta de alcançar o percentual de 80% das economias atendidas pela companhia com a colocação de hidrômetros.

          Por ocasião desta audiência, foi questionado sobre o interesse da CORSAN em firmar compromisso de ajustamento, a fim de adequar sua conduta aos ditames legais, em especial àqueles previstos no CDC, em face da abusividade dessa nova política tarifária, que importou em dano aos consumidores, mas a empresa-ré, por seu representante legal, foi taxativa em responder negativamente. Posteriormente, em diversas oportunidades a requerida, procurando evitar o ajuizamento desta ação, acenou com a possibilidade de firmar compromisso de ajustamento. Contudo, não trouxe propostas concretas que dissessem respeito ao cerne da questão, ou seja, com a possibilidade de revisão da política tarifária e redução de valores.

          Concluída a fase de investigação do ICP, e diante da posição sedimentada da Presidência da CORSAN em entender correta a nova política tarifária implementada, com a qual o Ministério Público não pode concordar, restou imperiosa a necessidade de propositura da presente ação, visando prevenir, de imediato, novos prejuízos, além de obter a devida reparação pelos danos já causados aos consumidores de água fornecida pela ré, em face das ilegalidades a seguir minuciosamente examinadas.


2. AS POLÍTICAS TARIFÁRIAS ANTERIORMENTE UTILIZADAS PELA CORSAN:

          Anteriormente à metodologia que a requerida passou a aplicar em agosto de 1999, outros critérios já foram utilizados desde a criação, em 1964, da CORSAN, (Lei n.º 5.167, de 21 de dezembro de 1965), para cálculo das tarifas, cabendo breve histórico e análise a respeito.

          Logo após sua criação, a CORSAN estabeleceu sua estrutura tarifária, cujos critérios vigoraram até outubro de 1992, nos seguintes moldes: (a) efetuou a classificação das economias de acordo com a natureza da atividade; (b) adotou tarifa mínima para consumos residenciais de 15 metros cúbicos mensais; (c) fixou patamares ainda superiores para as demais categorias,.

          Desde aquela época, cada município interessado, através da Chefia do Poder Executivo local, via Poder Legislativo Municipal, promulgou lei que autorizava a celebrar contrato com a CORSAN para a realização de obras de implantação, ampliação e melhorias dos serviços de abastecimento de água, bem como a concessão da exploração dos respectivos serviços.

          Contudo, a partir de novembro de 1992, a cobrança da tarifa passou a ser feita com base na chamada "tarifa-consumo", com a manutenção das mesmas categorias de economias. Estabeleceu-se, então, um serviço básico, que seria o custo da disponibilidade do serviço, aplicado a todas as categorias, e um preço base para o metro cúbico de água. Foi presumido um consumo mínimo de 10 metros cúbicos de água, com posterior cobrança do consumo excedente, ou o valor do consumo estimado para a categoria de uso, quando o imóvel não fosse hidrometrado.

          Nestes últimos anos, ocorreram apenas alterações nos valores do custo do serviço básico e no custo do metro cúbico de água, o qual foi linear e constante para todas as categorias, com a fixação de um valor a ser cobrado pelo custo da disponibilidade de serviço.

          Para exemplificar, na categoria BÁSICA, que é a do reclamante-consumidor, caso ele não apresentasse qualquer consumo de água, pagaria o valor de R$ 5,56. Se houvesse hidrômetro, seria somado a estes R$ 5,56 o resultado da multiplicação do preço base da categoria básica, que é de R$ 1,18, pelo número de metros cúbicos efetivamente consumidos. Assim, se tivesse usado 5 metros cúbicos de água, o cálculo seria igual a R$ 5,56 (serviço básico) + 1,18 X 5 metros cúbicos = R$ 11,46.

          Caso a residência do mesmo consumidor não tivesse hidrômetro, pagaria os R$ 5,56 do serviço básico, mais R$ 1,18 x 10 metros cúbicos de água, presumindo a companhia um consumo médio de 10 metros cúbicos, de maneira aleatória, já que não havia medição. O resultado seria R$ 5,56 + 11,80 (10 metros cúbicos) = R$ 17,36.

          2.1. Conseqüências da introdução da nova política tarifária em agosto de 1999:

          A administração atual da CORSAN alterou esta política tarifária e instituiu a chamada "tarifa mínima" para todas as economias, determinando, de forma aleatória e arbitrária, que ela seria de R$ 15,00, e corresponderia a 10 metros cúbicos de água, tivesse o consumidor hidrômetro ou não.

          Como resultado, ainda utilizando-se o exemplo dado, no consumo de 5 metros cúbicos de água, pela nova tarifa, seria inócua a medição, pois o consumidor, de qualquer forma, terá de pagar os 10 metros cúbicos PRESUMIDOS.

          Por outro lado, caso não tivesse hidrômetro, auferiria o consumidor vantagem decorrente de a tarifa mínima atual ter sido fixada em valor inferior ao anterior, o que será meramente passageiro, por ser ilusório, pois, uma vez instalados aqueles 80% de medidores prometidos pela empresa, só então o consumidor efetivamente saberá se, com o pagamento desses R$ 15,00, estava pagando mais do que devia (situação que decorre do fato de descobrir que realmente consome menos de 10 metros cúbicos) ou se estava pagando menos (situação que descobre que realmente usava mais de 10 metros cúbicos). Logo, como resultado da primeira situação descoberta, emergirá a sensação de injustiça, e da segunda, descobrirá que causou prejuízo à companhia, mas que, a partir do consumo de água agora medido, isto será corrigido.

          2.2. A fácil visualização do objeto da controvérsia:

          ESTRUTURA TARIFÁRIA DE AGOSTO DE 1997 A AGOSTO DE 1999:

TARIFA

CATEGORIA

PREÇO BASE

SERVIÇO BÁSICO

TARIFA COMPOSTA MÍNIMA

SOCIAL

BICA PÚBLICA

0,56

2,64

8,24

RESID. A

RESID. A1

Até 10 m

0,56

2,64

8,24

BÁSICA

RESID. B

COM. C1

1,18

5,56

17,36

EMPRESARIAL

COM.

1,34

9,91

36,71

PUB

1,34

19,8

46,6

IND

1,52

19,8

70,3

          ESTRUTURA TARIFÁRIA PROPOSTA:

TARIFA

CATEG.

MANUT.

11 a 20m3

21 a 30 m3

acima de 31m3

ESGOTO TRATADO

ESGOTO COLETADO

SOCIAL

Bica Pública

1,50

2,25

3,05

0,6

0,45

Resid. Social

7,50

RESID.

Resid. B

15,00

2,25

3,05

3,15

1,2

0,90

Com. C1

COM.

Com

27,00

1,72

2,26

3,00

1,38

1,03

INDUST

Ind. C/Insumo

45,00

1,72

2,26

3,00

1,38

1,03

Ind. S/Insumo

36,00

1,72

2,26

3,00

1,38

1,03

PÚBLICA

Pub

36,00

1,72

2,26

3,00

1,38

1,03

          Agora, através da Resolução n.º 05/99(2), a demandada voltou a adotar a chamada "tarifa mínima", implantada logo após a criação da CORSAN, e que tem por base a manutenção da cobrança através de um consumo estimado para as economias não hidrometradas e a cobrança mínima de um valor equivalente a 10 metros cúbicos de água para as economias residenciais, a título de remuneração dos custos de instalação e disponibilização do serviço, independentemente do efetivo consumo do usuário.


3. DAS CONSEQÜÊNCIAS DA POLÍTICA TARIFÁRIA
QUE A CORSAN BUSCA IMPLEMENTAR:

          A partir da Resolução n.º 05/99, a atual direção da CORSAN objetivou aplicar uma política tarifária que traz profundas alterações na estrutura de cálculo da tarifa de água e esgoto, a qual, em relação às economias e faixas de consumo, pode ser sintetizada, já neste momento, a partir dos histogramas de fls. 312/316 do ICP, apresentados pela empresa, da seguinte forma:

          a) houve redução das tarifas de água, e por conseqüência do serviço de esgoto(3), para todas as economias não hidrometradas, independentemente de categoria, e para aquelas que apresentam consumo entre 9 e 11 metros cúbicos de água por mês, desde que se enquadrem exclusivamente na categoria residencial;

          b) houve majoração das tarifas de água em todas as demais economias (residencial com consumo diferente do citado no item "a", comercial, industrial, pública e bica pública) com exceção daquelas da categoria residencial, unicamente, e que consomem 8 e 12 metros cúbicos de água por mês, as quais foram as únicas que não sofreram qualquer alteração no valor da tarifa, seja a maior ou a menor;

          c) segundo a nova estrutura tarifária aplicada pela requerida, as economias restaram divididas nas seguintes categorias, tomando-se por base as informações de fl. 263 do ICP:

          I) RA – residencial social com até 40 metros quadrados de área construída;

          II) RA1 – residencial social com até 60 metros quadrados de área construída;

          III) RB – residencial;

          IV) C1 – comercial com até 50 metros quadrados de área construída;

          V) COM – comercial;

          VI) IND – industrial;

          VII) PUB – pública;

          VIII) BP – bica pública.

          d) ainda restou criada a expressão "custo de manutenção do serviço (CMS)", que é um patamar de consumo presumido único para todas as categorias, equivalente a 10 metros cúbicos de água por mês, bem como houve a distribuição dos valores por patamares de consumo. Este, aliás, sendo um dos PONTOS DE ILEGALIDADE de maior vulto na presente ação.

          A nova estrutura, conforme informado na fl. 179 do ICP, pretende incrementar a receita da companhia em 11,82%.

          A partir do conhecimento de dados e informações acerca da política tarifária anteriormente vigente e da atual, é possível, de forma resumida, traçar-se a seguinte comparação:

ESTRUTURA TARIFÁRIA ANTERIOR

ESTRUTURA TARIFÁRIA ATUAL

Nas economias com hidrômetro, existência de um valor a título de serviço básico, equivalente a R$ 5,56, acrescido do valor de R$ 1,18 por metro cúbico de água consumida

Nas economias com hidrômetro, substituição do serviço básico pela expressão custo de manutenção do serviço, equivalente a 10 metros cúbicos de água, ou R$ 15,00

Economias não hidrometradas pagavam R$ 5,56, mais um consumo presumida de 10 metros cúbicos de água (R$ 11,80), totalizando R$ 17,56

Economias não hidrometradas pagam R$ 15,00, equivalente ao custo de manutenção do serviço

Exemplificando: residência com hidrômetro, com consumo de 5 metros cúbicos de água: R$ 5,56 + 5 X R$ 1,18 = R$ 11,46

Exemplificando: residência com hidrômetro, com consumo de 5 metros cúbicos de água: R$ 15,00


4. DA SÍNTESE DA ANÁLISE DOS QUADROS COMPARATIVOS,
ALÉM DOS DOCUMENTOS APRESENTADOS PELA CORSAN:

          Conforme se depreende das inúmeras reclamações existentes nos autos, a nova política tarifária da CORSAN, não obstante tenha reduzido(4), embora de forma mínima, a tarifa de boa parte dos usuários de seus serviços, provocou graves e profundas distorções no que tange aos demais usuários que não foram aquinhoados com a redução do valor da tarifa, o que pode ser facilmente constatado a partir dos dados e gráficos fornecidos pela própria requerida, dos quais alguns merecem ser de pronto destacados:

          a) Pela informação prestada em decorrência do cálculo de aumento tarifário conforme método do IEPE, constante na fl. 311 do ICP, verifica-se que 46,72% das economias atendidas pela requerida tiveram uma redução de 13,59%, o que equivale a uma redução nominal de R$ 17,36 para R$ 15,00, ou seja, R$ 2,36 a menos, aí incluídas, unicamente, as residências que não possuem hidrômetro e aquelas que consumiram dentro da média desejada pela CORSAN, entre 9 e 11 metros cúbicos de água por mês;

          b) Tomando-se por base essa mesma análise de fl. 311 do ICP, constata-se que 5,42% das economias não tiveram nem aumento nem redução do valor da tarifa, a qual permaneceu inalterada; este universo se resume àqueles usuários que consomem 8 ou 12 metros cúbicos de água mensalmente;

          c) Ainda, conforme se percebe no documento de fl. 303 do ICP, a requerida informa que, atualmente, "mantém 60,38% dos imóveis controlados por hidrômetros e 66,28% das economias, ainda assim, aparelhos com idade média de 10 anos pouco confiáveis." (grifo nosso).

          Pois bem, verifica-se, justamente, que a grande maioria das residências que tiveram redução do valor da tarifa são, incompreensivelmente, aquelas cujo consumo não pode ser medido, e por conseqüência, cujo eventual desperdício não pode ser de forma nenhuma controlado. Em síntese, aqueles consumidores que não têm nenhuma razão para evitar o desperdício da água, e que são, indubitavelmente, aqueles que oneram de forma mais gravosa a requerida pelo consumo exagerado e indiscriminado (já que consomem o quanto querem e só lhes é cobrada a taxa mínima de R$ 15,00 por não terem hidrômetro) é que foram justamente os beneficiados pela nova política tarifária, o que é uma cabal prova da falência e descabimento de todas as justificativas que embasaram a entrada em vigor do novo critério de cálculo da tarifa de água da CORSAN;

          Ora, a redução de R$ 17,36 para R$ 15,00 somente mascara ou maquia a história de incompetência da empresa de não colocar hidrômetros, dando singela aparência de que houve alguma vantagem para alguns consumidores (R$ 2,36), mas, em realidade, tal valor está sendo pago e acrescido na conta de outros consumidores, sendo exatamente por isso que houve majorações a estes de até 184% nas contas.

          Ou seja, é flagrante o estímulo ao desperdício, pois, na forma já dita, o consumidor pode naturalmente pensar o seguinte: "ora, se não tenho hidrômetro e por isso pago só R$ 15,00, posso gastar à vontade e desperdiçar o que quiser, pois os meus excessos estarão sendo pagos pelos demais (os consumidores sem hidrômetro que consomem menos de 10 metros cúbicos de água, mas que pagam os mesmos R$ 15,00 e os com hidrômetro que consomem comprovadamente menos de 10 metros cúbicos, mas que, pela cobrança do CMS – custo de manutenção do serviço, também são obrigados a pagar R$ 15,00). ESTE O GRANDE PONTO DE INJUSTIÇA. O CONSUMIDOR FICA CIENTE DE QUE CONSOME ÁGUA DE FORMA RACIONAL OU ATÉ MESMO ECONOMIZA E NÃO DESPERDIÇA ÁGUA, MAS ISSO NÃO É CONSIDERADO RELEVANTE PELA CORSAN, POIS, DE QUALQUER FORMA, TERÁ DE PAGAR OS R$ 15,00=10 METROS CÚBICOS DE ÁGUA, PRESUNÇÃO, ESTA, ILEGAL, ODIOSA E INACEITÁVEL.

          d) Prosseguindo-se na análise dos dados apresentados pela requerida, na fl. 312 do ICP, referente às categorias residenciais A e A1 (social), dados ainda mais estarrecedores podem ser ressaltados: em 16.674 economias que não apresentam qualquer consumo de água por mês foi aplicado um aumento de 184%!;

          e) Em seqüência: nas residências que apresentam consumo de 1 metro cúbico de água por mês (1.000 litros), ou seja, quase nada, foi aplicado um aumento de 134%!; Outro elemento fundamental, pois isto ocorreu com 4.092 economias, ou seja, em princípio, consumidores com poucos pontos de saída de água (torneiras, vasos, chuveiros, etc.), o que pode indicar a PEQUENA RENDA, O CONSUMIDOR HUMILDE. Isto, por si só, evidencia a existência de VEROSSIMILHANÇA, autorizadora da INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, nos termos do art. 6º, inc. VIII, do CDC, conforme mais adiante será objeto de análise;

          f) Nas residências com consumo ínfimo de 2 metros cúbicos de água por mês (2.000 litros), o aumento foi de 99%! Este aumento atinge 5.652 economias, valendo os mesmos argumentos do item anterior;

          g) Naquelas em que o consumo foi de 3 metros cúbicos, o aumento foi na ordem de 74%! Nesta faixa foram atingidas 8.364 economias, número EXPRESSIVO;

          h) Nos consumos que seguem, até 8 metros cúbicos de água, houve aumentos em índices regressivos em relação aos supracitados, de maneira que, como já salientado anteriormente, os mais penalizados foram justamente aqueles que apresentam menores consumos de água por mês, e também os mais frágeis econômica e socialmente;

          i) Posteriormente, a partir de um consumo mensal de 13 metros cúbicos de água, houve aplicação de um aumento progressivo nas tarifas de água, iniciando de um percentual de 2% até 46% de aumento alcançando até a altura de 31 metros cúbicos de água. Por fim, a partir deste ponto, de forma totalmente inexplicável, os percentuais de aumento que incidiram sobre as contas anteriores ora aumentaram ora diminuíram, sem manter um critério isonômico de progressividade ou de regressividade, que era a tendência até então verificada, conforme se observa pela análise literal da coluna "percentual de aumento" do comparativo de fl. 312 do ICP;

          j) As mesmas constatações, já explicitadas no comparativo de fl. 312 do ICP, são de inteira aplicação no comparativo de fl. 313 do ICP (categorias residenciais RB e C1), apenas com percentuais diversos, mas igualmente absurdos. Por exemplo: reajustes de 170% para quem apresentou consumo zero, 123% para quem apresentou consumo mensal de 1 metro cúbico de água, 89% para consumo de 2 metros cúbicos mensais, etc.

          l) No mesmo comparativo de fl. 313 do ICP, a mesma medida desigual no que tange às economias sem hidrômetro: 305.328 economias tiveram redução de R$ 2,36 em suas faturas de água, repisando-se, com o fito de evitar tautologia, os mesmos argumentos já expendidos no item "c" do presente tópico para frisar as distorções da nova política tarifária;

          m) Especial atenção merece a análise do comparativo referente à categoria comercial, constante à fl. 314 do ICP, em que se verifica que, com exceção das economias já costumeiramente premiadas na categoria residencial, no caso, as economias sem hidrômetro, todas as demais apresentaram aumentos percentuais, independente da faixa de consumo mensal, algumas (como sempre as que apresentaram menor consumo e que representam sem dúvida os pequenos comerciantes!) com aumentos da ordem de 172%, 140%, 114%, 94%, entre outros;

          n) Mesmo na análise da coluna "percentuais de aumento" da supracitada fl. 314 do ICP, verifica-se, a exemplo do já dito no item "i" do presente tópico, que os percentuais não guardaram qualquer coerência entre si, observando uma curva que ora aumentava ora diminuía, porém, sempre representando aumento no valor da tarifa, e jamais redução;

          o) Igual observação pode ser feita no comparativo da categoria industrial e que está na fl. 315 do ICP. Somente foram beneficiadas com reduções nas tarifas as economias sem hidrômetro, e agora com um índice totalmente diverso: 49% de redução, aplicado em 1.347 economias industriais não-hidrometradas. Aliás, causa inclusive perplexidade constatar que tão expressivo número de economias industriais não possuem o aparelho destinado a medição do consumo mensal, o que não encontra nenhuma explicação lógica!

          Todas as demais economias industriais apresentaram percentuais de aumento, como sempre pelo descriterioso método que prejudica as menores indústrias, e que apresentam consumos menores: 82% para quem apresentou consumo zero, 69% para quem consumiu 1 metro cúbico mensal de água, 58% para as economias industriais que consumiram 2 metros cúbicos de água por mês, seguindo-se com a planilha apresentando o mesmo "sobe e desce" das categorias já mencionadas anteriormente, no que tange aos diversos patamares de consumo mensal de água, o que é uma incoerência sempre presente na nova política tarifária;

          p) Finalizando, não poderia ser diferente o verificado no comparativo da categoria pública, e que está à fl. 316 do ICP: os 2.053 não-hidrometrados tiveram uma redução, sempre diferente das demais, de 23%, ao passo que todos os demais foram onerados com diversos índices de aumento, a partir de 82%, passando por 70%, 60%, 51%, 43%, entre outros, sempre penalizando os de menor consumo mensal, até chegar nos de consumo maior, onde os "altos e baixos" no percentual de aumento se verificam novamente, o que está a demonstrar que a política tarifária não apresenta uma metodologia que siga uma tendência gráfica uniforme.

          Sintetizando a análise de fls. 312/316 do ICP, as seguintes conclusões:

          1) As economias sem hidrômetro foram beneficiadas em todas as categorias, o que representa um total de 586.290 economias. Tal benefício é ilusório, pois quando forem colocados os necessários hidrômetros, os consumidores que consomem menos de 10 metros cúbicos de água (R$ 15,00 – custo de manutenção do serviço) irão perceber que pagaram indevidamente valores por água não consumida. Os que consumiam mais de 10 metros cúbicos, descobrirão que outros consumidores, indevidamente, pagaram os seus excessos.

          2) Em realidade, das economias hidrometradas (atualmente 1.152.648), somente 226.213 sofreram redução de tarifas, restando 926.435 destas com majoração, não impressionando como justificativa o argumento de que 46,72% das economias totais atendidas pela requerida (812.503), tiveram redução de tarifas, pois a grande parte destas (586.290) eram das residências não-hidrometradas, as quais, com toda certeza, são as que mais oneram a companhia-ré, justamente devido ao consumo exagerado e à ABSOLUTA FALTA DE FISCALIZAÇÃO PARA O DESPERDÍCIO DE ÁGUA;

          3) As economias mais penalizadas pela nova estrutura tarifária da CORSAN foram justamente aquelas que apresentam menor consumo, seja na categoria residencial, na comercial, na industrial ou na pública, o que é de todo injustificado, onerando, inclusive, aqueles que utilizam a água de forma racional, gastando menos do que 10 metros cúbicos de água mensalmente, ou consumindo acima de 12 metros cúbicos por mês, o que não configura nenhum exagero ou desperdício de água;

          4) Os percentuais de aumento aplicados pela requerida ora se elevam ora se reduzem, não seguindo uma seqüência lógica, e não sendo aplicado um critério de acordo com o consumo efetivamente medido, único parâmetro adequado para a fixação do percentual de aumento. Aliás, isto o que busca predominantemente esta ação. Que o critério do pagamento da água seja o EFETIVO CONSUMO, pois somente assim o usuário terá segurança e transparência na contratação;

          5) No momento em que houver instalação dos hidrômetros naquelas residências em que inexistem, conforme projeto dos gestores da requerida e um dos fundamentos da nova política tarifária, automaticamente, todos estes consumidores que ora estão sendo beneficiados (586.290) passarão a se enquadrar em alguma das categorias que tem seu consumo medido e, por via de conseqüência, sofrerão, por força do novo enquadramento, reajuste em suas tarifas nos mesmos esdrúxulos índices ora aplicados pela CORSAN, ocasião em que também passarão, sem qualquer dúvida, a ser reclamantes dos critérios de reajuste da companhia-ré.

          6) Também injustificáveis as PRESUNÇÕES que já existiam na política tarifária anterior a setembro de 1999.

          Com efeito, no item 3, alínea "c" desta petição foram transcritas as categorias de usuários, havendo alteração do valor de tarifa a ser pago, em decorrência da metragem das residências ou comércios, ou seja RA – 40 metros quadrados, RA1 – 60 metros quadrados e C1 – 50 metros quadrados, PRESUNÇÕES estas inaceitáveis, pois são incompatíveis com a realidade.

          Muitas pessoas moram em casas enormes, mas possuem baixa renda e, assim, não poderão suportar os abusivos aumentos. Outras moram em condomínios de baixa renda, mas, pela metragem elevada, acabam pagando valores como se fossem consumidores abastados. Pequenos comerciantes, com borracharias e outras atividades que somente possuem áreas de instalação elevadas, mas rendas humildes, igualmente são abarcados pelas descriteriosas PRESUNÇÕES DE ÁREAS, as quais o "Parquet" entende que devam ser extintas pela presente ação.

          Merece comentário, ainda que breve, o documento apresentado pela requerida na fl. 165 do ICP intitulado "Razões para Reestruturação Tarifária", o qual bem resume a ótica de gerenciamento totalmente distorcida da requerida.

          Nesse documento há expressa referência, por exemplo, à queda das receitas com a saída da Unidade de Saneamento de Novo Hamburgo, ao empobrecimento da população, à disparidade de faturamento, entre imóveis com e sem hidrometração e à medição deficiente, agravada pela retirada de 160 mil hidrômetros.

          Não se pode repassar aos consumidores em geral eventuais quedas de arrecadação geradas pela saída de determinadas unidades de saneamento do âmbito de atuação da CORSAN, o que pode ter sido acarretado, inclusive, por mau gerenciamento, tanto que há notícia nos autos de que a tarifa da requerida é a mais alta do país, sendo ilustrativa a comparação procedida pelo Jornal Zero Hora, edição de 8 de outubro de 1999, página 26 (fl. 16 do ICP), com relação a outras empresas do ramo de saneamento.

          Outra incoerência gritante é o fato de que, muito embora a demandada justifique como uma das razões da reestruturação o empobrecimento da população, é que justamente estes foram os mais penalizados pela nova política, já que aqueles que menos apresentam consumo de água foram os que sofreram os maiores reajustes. Até se cogita de eventual equívoco na fixação dos índices dessas economias em que o consumo é reduzido, já que há total contrariedade ao afirmado pela própria companhia, na fl. 306 do ICP, no documento intitulado "Considerações sobre a Estrutura Tarifária", onde consta expressamente no item "d":

          "Redução dos valores das tarifas, nos patamares iniciais de consumo, visando compatibilizar esta revisão estrutural com a atual conjuntura econômica".

          Ora, o procedimento da requerida foi justamente o contrário, penalizando-se em muito maior grau as economias situadas nos patamares iniciais de consumo!

          Pior ainda é o argumento que refere disparidade entre imóveis com e sem hidrometração, pois, como demonstrado no ICP, todos os imóveis sem hidrômetro foram beneficiados, independentemente de categoria a que pertençam, de modo que eventuais disparidades somente poderão ser acentuadas com a nova política. Ademais, a decisão sobre tal fato (a economia ser ou não hidrometrada) depende unicamente da atuação gerencial da própria companhia, e não pode ser considerada em desfavor do usuário dos serviços da demandada.

          Igualmente relevante a análise do documento constante na fl. 24 do ICP, oriundo da companhia requerida, especificamente no item "QUE OUTRAS VANTAGENS ADVIRÃO DA IMPLANTAÇÃO DESTA NOVA ESTRUTURA TARIFÁRIA?", onde está informado, e pasme-se, em negrito, de forma destacada:

  • Educar o usuário para o consumo racional da água potável
  • Com a finalidade de manter um controle sobre a sua produção
  • Corrigir as perdas por vazamento, que oneram substancialmente os custos da Companhia
  • Estabelecer mais justiça ao usuário que consome racionalmente a água potável."

          Ora, mas a partir desta "carta de boas intenções" da CORSAN, por que a insistência em fazer justamente o contrário? E a repetição por vezes se faz necessária:

          1) Por que diminuir o valor da tarifa justamente dos consumidores sem hidrômetro, o que induz, desde logo, à idéia de consumo não-racional de água, falta de controle com vazamentos, desperdícios, etc.? Na forma já dita, não havendo hidrômetro, aquele que sabe que de qualquer maneira pagará R$ 15,00, não se preocupará em economizar. Pensará: "os outros que paguem meus excessos."

          2) Por que penalizar precisamente aqueles que menos consomem, se, como dito pela própria demandada, se buscava "estabelecer mais justiça ao usuário que consome racionalmente a água potável"?

          Mais uma evidente incoerência, pois estes que menos consomem e que têm hidrômetro, com os aumentos de 180%, 154%, 136%, etc., pagam indevidamente a conta gerada pela INCOMPETÊNCIA DA EMPRESA DE NÃO INSTALAR OS MEDIDORES.

          3) Será que o consumidor com hidrômetro, que consome menos de 10 metros cúbicos de água preocupar-se-á em não desperdiçar, sabedor que, de qualquer forma pagará 10 metros cúbicos do CMS (R$ 15,00)?

          São os questionamentos irrespondíveis e que não querem calar, a demonstrar, além das ilegalidades já apontadas, também a falta total de justiça no alicerce da nova política tarifária da requerida!

          Finalmente restou a confissão expressa da direção da companhia de que a medição dos atuais hidrômetros é deficiente, fato que de forma nenhuma pode ser debitado aos usuários, pois, como já referido anteriormente, a modificação de tal circunstância depende única e exclusivamente da empresa-ré.

          Esta última assertiva, aliás, é verdadeira prova de que os mais comezinhos princípios e direitos básicos do consumidor foram e estão sendo desrespeitados pela ré, daí porque urge sejam restabelecidos de imediato pelo Poder Judiciário.


5. DA SÍNTESE DAS VÁRIAS RECLAMAÇÕES DE CONSUMIDORES:

          Constam nos autos do ICP inúmeras reclamações de consumidores inconformados com a nova política tarifária da requerida, dados que não podem ser desconhecidos ou mesmo desprezados. Tais consumidores dirigiram-se, via de regra, aos órgãos de defesa do consumidor com atuação nos municípios em que a CORSAN tem sua área de fornecimento (Procons e Promotorias de Justiça), o mesmo ocorrendo nesta Capital, inclusive junto a Ouvidoria da AGERGS, conforme demonstrativo inserido no item 1 "Dos Fatos" desta peça inicial.

          Até o presente momento, por município, são estas as reclamações chegadas ao Ministério Público, número, com certeza, apenas parcial:

  • Ijuí: 99 reclamações
  • Restinga Seca: 59 reclamações
  • Passo Fundo:13 reclamações
  • Rio Grande: 195 reclamações
  • Uruguaiana: 108 reclamações
  • Santo Ângelo: 51 reclamações
  • Canela: 2 reclamações
  • Nova Petrópolis: 3 reclamações
  • Carazinho: 9 reclamações
  • Capão do Leão: 7 reclamações
  • Viamão: 1 reclamação
  • Santa Rosa: 103 reclamações
  • Outros: 8 reclamações

          Destas reclamações, algumas, pela peculiaridade, merecem ser destacadas:

          Elisete Machado Kuhn, residente em Canoas, na fl. 104 do ICP:

          "... sem maiores explicações, a partir do mês de setembro de 1999, a CORSAN passou a cobrar da declarante aproximadamente o dobro do valor cobrado nos meses anteriores. Em razão do aumento excessivo, a declarante solicita providências deste órgão. Acredita que o aumento foi geral, pois suas vizinhas também reclamaram...".

          Na fl. 138 do ICP consta reclamação protocolada nesta Promotoria do Consumidor pela ASSOBRAEE – Associação Brasileira de Consumidores de Água e Energia Elétrica, que refere:

          "...vimos encaminhar a Vossa Senhoria, a Estrutura Tarifária Planejada, adotada e praticada pela CORSAN, sendo no nosso entendimento, lesiva e violenta contra os usuários...". (o grifo é nosso).

          Ainda, na fl. 374 do ICP, consta reclamação de Alvanir Luiz Zini, residente em Canela, que relata:

          "Que tem residência tipo residencial-comercial localizada na Rua Padre Cacique, 447, nesta cidade, sendo que pagava o valor de R$ 55,00 a título de taxa de água à CORSAN, e no corrente mês o valor passou para R$ 124,29, tendo, portanto, um aumento muito significativo, com o qual não concorda o declarante...".

          Além dos aumentos abusivos apontados pelos reclamantes Marli Domingues Ugoski e Ruy Rodrigues Peres, ambos do Município de Capão do Leão, ambos relatam que só recebem água no turno da noite, o que, sem dúvida, torna a situação ainda mais grave.

          Também o caso veiculado pelo SISTECON de Santa Rosa é importante de ser transcrito:

          "... destacamos a fatura de n. 1681427.182.794, em que é usuária a Prefeitura Municipal de Santa Rosa... em razão de que nessa conta está uma (1) BICA PÚBLICA DO ALTO DA TIMBAÚVA, relativa a 47 (quarenta e sete) economias do mês de setembro/99, vencida em 08.10.99, no valor de R$ 1.464,86 (Um mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais e oitenta e seis centavos), para um consumo de 486 metros cúbicos de água.

          Entendemos que houve um aumento abusivo no preço cobrado pela água, em razão de que, no mês anterior, ou seja, em agosto de 1999, a fatura correspondente... vencida em 09.09.99, a qual foi paga em 14.10.99, relativa a um consumo de 475 metros cúbicos de água, foi cobrado R$ 594,41 (quinhentos e noventa e quatro reais e quarenta e um centavos).

          Assim, para um aumento de apenas 11 metros cúbicos de água consumida, entre o mês de 08/99 e 09/99, houve uma cobrança a maior de R$ 870,45, ou seja, OCORREU UM AUMENTO REAL DE UMA FATURA E OUTRA NA ORDEM DE 146,43%." (fls. 481/482).

          Para que se tenha o reflexo individual dos abusos perpetrados, transcreve-se os depoimentos infra, de pessoas que vivem no Loteamento Altos da Timbaúva, em Santa Rosa:

          "Darci reside há dois anos no loteamento e sobrevive fazendo fretes. Sustenta a esposa e uma filha de 2 anos de idade, percebendo mensalmente R$ 400,00. Geralmente pagava em torno de R$ 12,00 a água que consumia. Com o atual aumento está pagando em torno de R$ 40,00." (fls. 521/522).

          "Francisco, reside com sua esposa no local, sendo ambos aposentados e recebendo, cada um, um salário mínimo de aposentadoria. Pagava em torno de R$ 12,00 o consumo da água, tendo agora que pagar em torno de R$ 40,00, comprometendo a sua subsistência, haja vista o valor que recebe. Tal situação é semelhante à maioria dos moradores do loteamento." (fl. 522).

          Na Vila Progresso, ainda em Santa Rosa, pode ser vista a seguinte situação:

          "Reside em casa própria há cinco anos, juntamente com mais duas pessoas da família. Na residência há hidrômetro. O senhor Setembrino é aposentado, recebendo em torno de R$ 500,00 por mês, sendo que gasta a maior parte de sua aposentadoria com medicamentos, eis que é cardíaco. Geralmente gastava em torno de R$ 20,00 de água, relativo ao mês de setembro pagou R$ 80,60..... registra que a companhia recentemente revisou o hidrômetro da residência não encontrando nenhuma alteração."

          O conhecido jornalista Paulo Sant’ana, em sua coluna diária no Jornal Zero Hora, em data de 14 de outubro do corrente ano, sob o título "Água pela Hora da Morte", e que está na fl. 95 do ICP, com a propriedade que lhe é peculiar assim escreve sobre o tema:

          "A julgar pelo imenso alarido protestativo que ecoa por todas as Redações da mídia, estamos diante de um tarifaço formidável da Corsan.

          É gente reclamando de contas que eram de R$ 44 e passaram para R$ 110 com o mesmo consumo, aumento de taxa mínima, uma troada geral, partida de todos os pontos do Rio Grande.

          Os abusos nas contas começam a assustar a população. Não é possível que se queira lucrar em cima da água, sob o pretexto de ‘corrigir distorções históricas’.

          Qual o povo que pode de uma tacada suportar a ‘correção de distorções históricas’ de preços cobrados pela água? Como é que toda a carga de cobranças defasadas vai agora, de uma única tacada, se derrubar sobre os consumidores?

          Por que essa fúria tributária, que começou com as multas de trânsito e agora se mostra furiosamente agressiva com a taxa da água?

          Divulgou-se anteontem que o metro cúbico de água é cobrado pela Corsan a preço quase em dobro de Santa Catarina e Paraná.

          Por que tudo tem de ser mais caro no Rio Grande do Sul, desde a cesta básica até o custo de vida em geral? E por que o governo recém-instalado quer resolver todos os seus problemas orçamentários em cima da população, onerando-a ainda mais nesta crise animalesca?

          Este aumento da Corsan atinge a todos. Preocupa que atinja as camadas mais humildes da população também, a julgar pela procissão de pessoas pobres que desatou os protestos.

          Mas não é justo também que a classe média tenha de pagar uma conta atrasada pela água, ninguém mais suporta os aumentos em geral, medicamentos, gasolina, alimentação, agora acrescidos de um inexplicável tarifaço na água.

          Está se desenhando um clamor geral pelos aumentos da Corsan. É caso para exame e atitudes pessoais do governador Olívio Dutra.

          Parem com os aumentos!"

          Este depoimento transmite bem o clamor social do evento.

          Há caso de pessoas desempregadas, que não percebem sequer um salário mínimo mensal, ou que possuem apenas um ponto de água em suas residências, e que se encontram na iminência de ver suspenso o fornecimento de água prestado pela requerida, o que é de uma total injustiça, já que indiscutivelmente se está diante de um serviço público essencial.

          Esta a síntese do sentimento de indignação que tomou conta dos usuários dos serviços de água da companhia requerida!


6. DA NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DA NOVA POLÍTICA DE ESTRUTURA
TARIFÁRIA À AGERGS - AGÊNCIA ESTADUAL DE REGULAÇÃO
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DELEGADOS DO RIO GRANDE DO SUL:

          O agente regulador instituído pela Lei Estadual n.º 10.931/97, a AGERGS – AGÊNCIA ESTADUAL DE REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS, é o órgão competente para apreciar qualquer preço público ou tarifa, mesmo aqueles cuja alteração ocorra por força de reestruturação ou adequação das políticas tarifárias, como alega ser a ora requerida.

          A referida lei prevê, de forma expressa:

          "Art. 3º - Compete à AGERGS, a regulação dos serviços públicos delegados prestados no Estado do Rio Grande do Sul e de sua competência ou a ele delegados por outros entes federados, em decorrência de norma legal ou regulamentar, disposição convenial ou contratual.

          Parágrafo único – A atividade reguladora da AGERGS será exercida, em especial, nas seguintes áreas:

          a) saneamento ..."

          No caso, a requerida sequer submeteu ao órgão regulador a reestruturação tarifária proposta nos municípios sob a sua área de ação. E o motivo para tanto, de todo insuficiente, restou evidenciado nos próprios depoimentos do Diretor-Presidente, Dieter Wartchow, e do Superintendente Comercial, Fernando Rossi, quando ouvidos nesta Promotoria de Justiça, nas fls. 256/257 do ICP, ao referirem, expressamente, que " ... Entendem que a AGERGS não possui competência para regular as tarifas, por tratar-se de serviço constitucionalmente delegado pelo município ao estado...".

          Posteriormente, através de nota mandada publicar pela CORSAN na Zero Hora, Correio do Povo e Jornal do Comércio, edições de 28.10.99, constantes na fls. 392, 396/397 do ICP a direção da empresa assim se manifesta:

          "A decisão tomada nesta quarta-feira (27), pelos conselheiros da Agergs, de condenar a Corsan pela Reestruturação Tarifária, é de cunho político e carece de legitimidade, pois desobedece à legislação vigente – Lei Estadual 10.931/97. A agência não detém qualquer competência para homologar reajustes ou proceder a revisão de tarifas dos serviços públicos municipais concedidos ao Estado..."

          Ora, o texto legal é por demais claro, e não pode ser ignorado por ninguém, muito menos por dirigentes de uma empresa como a requerida, os quais ainda invocam o mesmo diploma legal para, equivocadamente, entenderem como ilegítima a intervenção da Agergs.

          Antes mesmo do exame de detalhes técnicos da nova estrutura tarifária levada a cabo pela requerida, da análise de sua correção ou não, verifica-se que, necessariamente, tal proposta de modificação de tarifas deveria ter sido submetida à apreciação do órgão regulador, motivo suficiente, por si só, para a imediata suspensão da nova política tarifária, estando esta, ab initio, revestida de ilegalidade.

          O argumento trazido à baila pela CORSAN, de que, em realidade, o serviço de saneamento prestado pela companhia é delegado do Município ao Estado, com a devida vênia, é de todo descabido, sendo suficiente a leitura e a mera interpretação literal do dispositivo legal inserto no art. 3º, "a", da Lei n.º 10.931/97, para que reste afastado tal entendimento. É que consta expressamente caber à AGERGS a regulação dos serviços públicos delegados prestados no (o grifo é nosso), e não do Rio Grande do Sul, e não há qualquer divergência de que a CORSAN atua, unicamente, no território do Rio Grande do Sul.

          Também não resta qualquer dúvida de que o serviço de saneamento tem como poder concedente cada município em que a CORSAN atua, os quais, aliás, ao que parece, não foram sequer consultados acerca da modificação da estrutura tarifária, e como concedido o próprio Estado do Rio Grande do Sul. Pois o caput do mesmo art. 3º da Lei n.º 10.931/97 também menciona expressamente competir à Agergs a atividade reguladora dos serviços públicos a ele delegados por outros entes federados, precisamente o caso da demandada.

          O parágrafo único do mesmo artigo 3º igualmente é expresso ao dizer o que segue:

          "a atividade reguladora da AGERGS será exercida, em especial, nas seguintes áreas:

          a)saneamento;"

          Ou seja, não pode haver dúvida no sentido, pois serviço de saneamento é exatamente do que trata o presente feito.

          Ainda é relevante trazer à tona o que refere o Estatuto Social consolidado da companhia requerida (Ata n.º 009/97, com registro na Junta Comercial n.º 97/1599740 de 10/04/97), face às várias modificações aprovadas na Assembléia Geral de Acionistas, tendo, dentre outras alterações, a seguinte:

          "Art. 49 – Para atender as suas finalidades e objetivos institucionais, os planos da sociedade serão fixados pelo Conselho de Administração em conformidade com as diretrizes básicas traçadas pelo governo do Estado, no que se refere a:

          ...

          c- preços públicos e tarifas

          ..."

          Por fim resta ser referido que, em recente sessão da 1ª Câmara de Férias Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do Recurso de Apelação n. 70000016527, interposto pelo Ministério Público na Comarca de Pedro Osório, contra a própria CORSAN, restou inteiramente reconhecida a necessidade de sujeição de todos os serviços públicos relacionados no art. 3º da Lei n. 10.931/97, à AGERGS.


7. DA MANIFESTAÇÃO DA AGERGS – AGÊNCIA ESTADUAL DE REGULAÇÃO
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DELEGADOS DO RIO GRANDE DO SUL:

          Conforme consta nas fls. 370/371 do procedimento n. 000524 – 39.00/99 7, da AGERGS – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul, criada através da Lei Estadual n.º 10.931, de 9.1.97, em sessão do dia 27 de outubro de 1999, homologou através de seu Conselho Superior, integralmente o Parecer Jurídico n.º 05/99, oriundo de seu departamento jurídico, o qual analisou, de forma minuciosa, a nova estrutura tarifária aplicada pela CORSAN.

          Dito parecer, após enfatizar a necessidade de incidência da Lei de Concessões vigente (Lei n.º 8.987/95), do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), e da lei supracitada que instituiu o agente regulador com competências específicas na área de saneamento, notadamente por força do art. 3º, par. único, inc. I, concluiu que: " ... o ato praticado pela Companhia de Saneamento não possui nenhum respaldo legal, ensejando a declaração de sua absoluta nulidade." (fl. 436).

          O Conselho Superior da Agergs, através da Resolução n.º 54, constante nas fls. 370/371 do processo n.º 000524 – 39.00/99.7, em anexo, resolveu:

          "1. DECIDIR pela impossibilidade de homologação das tarifas alteradas pela CORSAN a partir de setembro de 1999, tendo em vista configurarem revisão tarifária efetuada em desacordo com a legislação vigente, com ausência de processo e procedimentos imprescindíveis;

          2. Além de assegurar a devida publicidade, com a veiculação da Resolução no Diário Oficial do Estado, com vistas a resguardar os direitos dos consumidores e dos municípios concedentes, ADVERTIR formalmente a CORSAN da ilegalidade das tarifas não homologadas para que suste a cobrança dos novos valores tarifários, bem como devolva as parcelas indevidamente cobradas, no menor prazo possível;

          ..." (fls. 470/471)

          Sendo assim, reveste-se de total ilegalidade, também por este motivo, a nova estrutura tarifária da requerida, o que enseja, desde logo, a declaração de sua nulidade através do Poder Judiciário, já que, conforme estampado em diversas manifestações na imprensa, inclusive através de nota oficial, a direção da CORSAN não reconhece legitimidade no órgão regulador do Estado do Rio Grande do Sul, recusando-se a cumprir suas determinações.


8. DO DIREITO:

          A Lei Federal n.º 6.528, de 11 de maio de 1978, que "dispõe sobre as tarifas dos serviços públicos de saneamento básico e dá outras providências" (fl. 36 do ICP) em seu artigo 4º, estabelece que:

          "A fixação tarifária levará em conta a viabilidade do equilíbrio econômico-financeiro das companhias estaduais de saneamento básico e a preservação dos aspectos sociais dos respectivos serviços, de forma a assegurar o adequado atendimento dos usuários de menor consumo, com base em tarifa mínima."

          Esta lei foi, posteriormente, regulamentada pelo Decreto n.º 82.587, de 6 de novembro de 1978 (fls. 37/39 do ICP), que, muito embora tenha sido um dos diplomas que serviu de sustentáculo legal para embasamento da nova política tarifária da CORSAN, conforme afirmado nas informações prestadas pelo Presidente da empresa requerida nas fls. 258/260 do ICP, foi totalmente revogado pelo Decreto de 05 de setembro de 1991, publicado no Diário Oficial da União de 06 de setembro de 1991, Seção I, página 18.758 (fls. 135/137), ou seja, há mais de 8 anos atrás!

          Não se discute neste processo sobre a possibilidade ou não de serem aplicados aumentos, o que até mesmo pode ser aceitável para que sejam resgatadas defasagens decorrentes da inflação.

          Todavia, não concorda o Ministério Público e, pelo que se constata, nem os usuários dos serviços da requerida e a sociedade em geral, com os AUMENTOS EVIDENTEMENTE ABUSIVOS e com a metodologia da POLÍTICA TARIFÁRIA utilizada pela empresa em implementá-la, a qual, a final, redundou em um incremento imediato de 11,82% de receita para a CORSAN. Diz-se imediato porque, e disto não resta qualquer dúvida, de que se forem equipadas com hidrômetros as 586.290 economias que deles não dispõem, ocorrerá o ingresso dessas economias em alguma das classificações de categorias já existentes e o incremento de receita será muitíssimo maior, restando, a final, alguns poucos consumidores que, com a vigência da política tarifária implementada, serão realmente beneficiados com reduções de tarifas.

          Ora, não é possível que sejam aplicados os mais diversos índices de reajuste em uma mesma categoria de economia ou em mesmas faixas de consumo e, muito menos, que sejam penalizados justamente aquelas economias que apresentam um consumo menor de água!

          Gize-se a manifestação do Sr. Egon Pedro Scherer, responsável pela diretoria de tarifas da AGERGS, na fl. 96 do processo 000524 – 39.00/99.7 daquele órgão regulador, em anexo, ao referir que "... os pequenos consumidores residenciais, com medidor, tiveram o maior aumento e que o patamar referente aos grandes consumidores residenciais, acima de 31 metros cúbicos de água, teve o menor aumento percentual, ou seja, 24,50%." (grifo nosso). Também na mesma análise técnica, na mesma folha antes referida, consta: "Os consumidores com serviço de esgoto tiveram um duplo reajuste, primeiro porque a taxa de esgoto que era de 70% do valor do metro cúbico de água consumida passou para 80% do valor básico do metro cúbico de água para serviço de esgoto tratado, segundo pelo reajuste do preço do metro cúbico de água, base de cálculo da taxa de esgoto."

          Ainda, não é possível a continuidade da "política da presunção do consumo" pela requerida, não só no presente momento como em outras épocas. Se existe o hidrômetro, que é o aparelho adequado para medir, com perfeita exatidão, o consumo de cada economia, não há porque continuar a se falar em consumo presumido.

          Segundo o Sr. Egon Pedro Scherer, na fl. 98 da análise técnica da AGERGS, em apenso, "... a fixação do valor da tarifa mínima em R$ 15,00, equivalente a um consumo de água de 10 metros cúbicos, não é justificada nas informações da CORSAN por um estudo técnico-financeiro." (grifo nosso).

          Somente este aspecto já autoriza a IMEDIATA CONTENÇÃO DA DESCRITERIOSA COBRANÇA DE PRODUTO TÃO ESSENCIAL À SOBREVIVÊNCIA.

          No presente caso, as normas do Código de Defesa do Consumidor são inteiramente aplicáveis, vez que, a toda evidência, se está diante de uma relação de consumo.

          O festejado doutrinador José Geraldo Brito Filomeno(5), assim comenta o art. 6º do CDC:

          "O Poder Público, enquanto produtor de bens ou prestador de serviços, remunerados não mediante a atividade tributária em geral (impostos, taxas e contribuições de melhoria), mas por tarifas ou ‘preço público’, se sujeitará às normas ora estatuídas em todos os sentidos e aspectos versados pelos dispositivos no novo Código do Consumidor, sendo, aliás, categórico o seu art. 22."

          O Código de Defesa do Consumidor, prevê também, de forma expressa:

          "Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

          ...

          III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

          ...

          V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

          VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

          ..."

          O artigo 31 também se aplica ao caso:

          "A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidades, composição, preço...dentro outros dados...".

          Ainda, o art. 81 deste diploma legal refere que:

          "A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

          Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

          I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

          II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

          III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

          O art. 82, por sua vez, dispõe que:

          " Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

          I – o Ministério Público;

          ..."

          No caso em tela, o Ministério Público está, através desta ação coletiva de consumo, defendendo interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, sendo que a correta distinção entre estes é fundamental para a correta fixação do objeto litigioso do processo, ou seja, o pedido e a causa de pedir.

          Interesses difusos, considerando que muitos dos consumidores atingidos são desconhecidos e cuja identificação e individualização é impossível, além do que, conforme preceitua o art. 29 do CDC, " ... equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas." Sendo assim, aqueles consumidores que possam vir a contratar serviços de água da requerida, e cuja identificação não pode ainda ser feita, também restarão protegidos pela presente ação, com a cessação da prática abusiva até aqui verificada.

          Os interesses coletivos stricto sensu foram desrespeitados, pois a correção da nociva política tarifária da requerida, através dos provimentos de obrigação e de não-fazer que serão pleiteados beneficiarão os consumidores determinados no ICP, possuindo estes, com a CORSAN, uma mesma relação jurídica base, e ainda outros que venham a ser identificados no decorrer do processo.

          Por fim, a ação visa também defender interesses individuais homogêneos que, no caso estão qualificados pelos requisitos do interesse público e da relevância social, levando-se em consideração que inúmeros consumidores lesados pela conduta ilegal da demandada (origem comum) deverão ser amplamente ressarcidos.


9) AS RECENTES DECISÕES DA 1ª CÂMARA DE FÉRIAS
CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO E
DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE RIO GRANDE:

          O Tribunal de Justiça do nosso Estado, pela sua 1ª Câmara de Férias Cível, sendo Relator o ilustre Desembargador Roque Joaquim Volkweiss, em recentíssima(6) decisão prolatada no recurso de apelação n.º 70000016527, na ação civil pública ajuizada pela Promotoria de Justiça de Pedro Osório (fls. 493/511), decidiu que a cobrança do valor do consumo de água deve ser baseada em efetiva, prévia e periódica medição, respeitada a tarifa social.

          Além disso, aspecto a ser relevado, porque de suma importância ao julgamento da presente ação coletiva, diz respeito à determinação de que a CORSAN, em todo o Estado, deva observar os critérios fixados pela política tarifária anterior, ressalvada a exclusão decorrente da presunção, agora afastada pelo Tribunal de Justiça, de consumo de 10 metros cúbicos para cobrança de valores daqueles consumidores sem hidrômetro.

          Note-se, desde logo, que a atual base sobre a qual se estrutura a atual política tarifária foi derrubada nesta decisão, pois, caso não possa ser procedida a medição, sob qualquer pretexto, a cobrança deverá resumir-se ao valor do custo básico do serviço (o chamado "preço mínimo"), ou seja, R$ 5,56, e não mais basear-se em estimativa de consumo de 10 m3.

          Aliás, em matéria de direito do consumidor, não se reconhecem presunções sobre consumo de serviço ou produtos a favor do prestador ou fornecedor, já que a relação de consumo deve ser a mais harmônica e equilibrada possível. As presunções, neste campo do direito, levam à injustiça, iniqüidade e abusividades na cobrança de valores, pois, no mais das vezes, estará se pagando por algo não efetivamente consumido, o que não pode ser permitido.

          Na paradigmática decisão da 1ª Câmara de Férias Cível, o Desembargador Roque Joaquim Volkweiss procurou restabelecer o equilíbrio nessas relações de consumo, ou seja, paga-se por aquilo efetivamente consumido. Caso não se possa aferir o consumo, então o consumidor pagará o preço mínimo, que é resultado da necessidade de que o serviço seja disponibilizado e, enfim, exista.

          A cobrança por presunção de consumo de 10 m3 cúbicos é, sem sombra de dúvida, o ponto nevrálgico e de partida de toda a abusividade trazida a juízo na ação ora proposta. Também não se pode concordar que a estimativa ou presunção de um consumo de 10 m3 seja incluído como custo fixo do serviço, fazendo com que os consumidores tenham, em situações de consumo pouco variável, uma diferença no valor expresso em sua conta a título de CMS (custo de manutenção do serviço) (7).

          Portanto, o reconhecimento da ilegalidade desta presunção, ocorrido no julgamento ora comentado, deve ser também considerado como argumento para a declaração de abusividade e ilegalidade da nova estrutura tarifária imposta pela CORSAN, objeto da presente ação coletiva de consumo.

          O consumo efetivo, fruto de periódica medição, é o único critério justo e legal para orientar a política tarifária de uma empresa como a ré. Observe-se que, mesmo na cobrança da chamada tarifa social, a medição do consumo efetivo também é relevante.

          Da ementa da decisão supracitada destaca-se:

          "... A cobrança do valor do consumo (preço) deve, como regra, resultar sempre de real e efetiva medição prévia e regular. Na falta, por qualquer razão, de prévia e regular medição do real e efetivo consumo individual, o preço a cobrar não poderá exceder o custo básico do serviço (preço mínimo), igual para todas as unidades prediais consumidoras, sem prejuízo da utilização da tarifa social, vedada sempre, em qualquer caso, a cobrança pela média de consumos anteriores. Sendo de adesão o contrato de fornecimento de água da CORSAN, impossível é sua alteração unilateral, inclusive no tocante à tarifa." (fl. 493).

          Conforme também consta nas notícias juntadas na fls. 476/480, foi deferida liminar pela Magistrada da 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Grande, em ação movida por 33 consumidores daquele município, tendo ficado suspensos os aumentos abusivos que seriam praticados.


10. A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A SER RECONHECIDA NESTA AÇÃO:

          Aspecto de suma importância, que ora se requer, diz respeito ao reconhecimento da inversão do ônus da prova nesta ação, pois é forma de assegurar em juízo a defesa dos consumidores vulneráveis e hipossuficientes, na forma prevista no art. 6º, inc. VIII, do CDC, a saber:

          "Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

          (...)

          VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências." (grifo nosso).

          É incontroverso que a INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA deve ser reconhecida pelo Julgador, uma vez que são defendidos interesses e direitos de consumidores notadamente HIPOSSUFICIENTES, circunstância esta que se soma ao reconhecimento ope legis da vulnerabilidade dos consumidores para que, em eventual hierarquização axiológica, penda o Magistrado para o acolhimento da parte mais frágil da relação de consumo.

          O Ministério Público, caso seja necessária a realização de perícia, não poderá custeá-la, pois não possui autorização legal orçamentária para tanto, situação esta que facilita o entendimento que a eventual carência de prova sempre deve ser atribuída à parte mais poderosa, inclusive sob os aspectos técnicos da matéria ora posta em juízo.

          Pede vênia este órgão para remeter a atenção de V. Exa. para o brilhante ensinamento de Adroaldo Furtado Fabrício(8) a respeito da inversão do ônus da prova e os novos poderes-deveres do Juiz no CDC:

          "...Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VIII, quando assegura a este, ipsis litteris: ’a facilitação da defesa de seus direito, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência’.

          Importa muito anotar, no texto legal citado, a reiterada ênfase posta no assim chamado `critério do juiz’. Primeiro, não se trata de inversão da carga da prova ope legis, mas ope iudicis, aí estando localizada a inovação relevante no âmbito deste estudo. As inversões diretamente decorrentes da lei não constituem novidade, pois outra coisa não ocorre nos tantos casos de presunção iuris tantum. Aqui, é nos limites e coordenadas de cada caso concreto, segundo suas específicas peculiaridades, que o juiz decidirá se inverte ou não o encargo. E essa vital decisão, que poderá ser a mais importante do processo porque em mais de um caso determinará inescapavelmente o rumo da sentença de mérito, é entregue por inteiro ao critério judicial, pois os marcos referenciais que o mesmo texto normativo oferece pouco ou nada têm de objetivos e correspondem a conceitos semanticamente anêmicos..." (grifo nosso).

          Também abordando o tema, Nelson Nery Júnior(9) assim se posiciona:

          "Todo e qualquer meio de prova permitido em direito pode ser utilizado nas ações propostas com base no Código.

          A regra geral sobre o ônus da prova é aquela do artigo 333 do CPC. Entretanto, nas hipóteses descritas no artigo 6º, inc. VIII, do Código, poderá o Juiz inverter o ônus da prova em favor do consumidor, carreando-o ao fornecedor de produtos ou serviços. Essa inversão se dá ‘ope judicis’ e não ‘ope leges’, devendo o Juiz pautar-se pelas máximas de experiência por inverter ou não o ônus da prova.

          Como a inversão do ônus da prova pode ocorrer em qualquer ação ajuizada com fundamento no Código, inclusive nas de indenização por fato do serviço dos profissionais liberais, cuja responsabilidade é subjetiva e aferível mediante culpa (artigo 14 parágrafo 4º).

          Em que momento e como deverá proceder o magistrado se for o caso de, em tese, inversão da prova?

          O Juiz, ao receber os autos para proferir sentença, verificando que seria o caso de inverter o ônus da prova em favor do consumidor, não poderá baixar os autos em diligência e determinar que o fornecedor faça a prova, pois o momento processual já terá sido ultrapassado. Portanto, caberá ao fornecedor agir no sentido de procurar demonstrar a inexistência do alegado direito do consumidor, bem como a existência de circunstâncias extintivas, impeditivas ou modificativas do direito do consumidor, caso pretenda vencer a demanda.

          As regras sobre a distribuição do ônus da prova são regras de juízo, de sorte que caberá ao Juiz, quando do julgamento da causa, agir de acordo com o procedimento autorizador, do artigo 6º, VIII.

          Elas orientam o magistrado quando há um ‘non liquet’ em matéria de fato.

          Caso haja nos autos prova dos fatos constitutivos do direito do autor, normalmente o Juiz deverá julgar a demanda a favor deste. Quando estes fatos não estiverem provados, cumprirá ao Juiz verificar se o consumidor é hipossuficiente ou se suas alegações são verossímeis. Em caso afirmativo, deverá verificar se o fornecedor fez a prova que elide os fatos constitutivos do direito do consumidor. Na ausência dessa prova (non liquet) julgará a favor do consumidor.

          Nada impede, entretanto, que o magistrado o faça já na oportunidade da preparação para a fase instrutória (saneamento do processo), alvitrando a possibilidade de haver inversão do ônus da prova, de sorte a alertar o fornecedor que deve desincumbir-se do referido ônus sob pena de ficar em situação de desvantagem processual quando do julgamento da causa." (grifo nosso).

          Portanto, justifica-se plenamente, na presente demanda, o reconhecimento da inversão do ônus da prova, a qual deve ser levada em consideração por parte da requerida, a fim de saiba desde logo que deverá desincumbir-se deste ônus.


11. BREVE SÍNTESE DA ARGUMENTAÇÃO CONTIDA NESTA PETIÇÃO INICIAL:

  1. pleiteia o autor que seja adotado um critério legal, justo, sério e definitivo, que esteja baseado no efetivo e periódico consumo medido por hidrômetro;
  2. pleiteia, em conseqüência, a adoção de medidas fortes do Poder Judiciário para que, de fato, seja compelida a CORSAN a, de uma vez por todas, passar a adotar uma política de colocação de hidrômetros;
  3. pleiteia o autor que sejam eliminadas as PRESUNÇÕES, tanto vigentes na política anterior (os 10 m3 para aqueles que não tinham hidrômetros, as metragens de residências e pequenos comércios), como na atual política instaurada (os mesmos 10 m3 para todos, tanto os que possuem hidrômetro como para os que não possuem);
  4. pleiteia o autor que o consumidor possa saber o que efetivamente utiliza de água, pois, somente assim é que poderá ser educado para evitar o desperdício de bem tão valioso e essencial à vida;
  5. pleiteia o autor que não sejam autorizados aumentos evidentemente abusivos, pois não é possível compactuar com as MAJORAÇÕES ILEGAIS, confessadas pela CORSAN (a análise técnica foi previdentemente feita em documentos apresentados pela empresa);
  6. pleiteia que seja respeitada a Lei que instituiu a AGERGS, entidade da qual, inclusive, participa como Conselheiro um representante idôneo dos consumidores;
  7. pleiteia que seja considerada a situação de VULNERABILIDADE dos consumidores de água da ré, eis que integram CONTRATO DE MASSA MONOPOLIZADO, o que, por si só, evidencia a disparidade de forças. Com a manutenção das ilegalidades, ainda mais desigual e injusta fica a relação de consumo, o que não pode ser aceito;
  8. pleiteia o autor que sejam respeitados os valores da tarifa mínima praticados antes da alteração da política tarifária, obedecidas as categorias de consumo (R$ 5,56 - BÁSICA; R$ 9,91, R$ 19,80 e R$ 19,80-EMPRESARIAL COM., PUB. E IND. – vide quadro de fl. 06 desta inicial), para os consumidores sem hidrômetro;
  9. a presente AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO objetiva também evitar que milhares de ações individuais sejam ajuizadas em todo o Estado, o que poderá causar abarrotamento dos Foros;
  10. pleiteia, por fim, que sejam respeitados os pilares da Lei Consumerista, qual sejam, O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE, DA HARMONIA DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E DA REPRESSÃO EFICIENTE AOS ABUSOS, fazendo com que seja concretizado, também, o PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, traduzido pela doutrina como DEVERES DE AMPLA COOPERAÇÃO, TRANSPARÊNCIA E AMPLA INFORMAÇÃO.

12. DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA:

          Os requisitos que ensejam o pedido de tutela antecipada, o fumus boni iuris e o periculum in mora, encontram-se presentes nos autos, inclusive de forma bem notória.

          O fumus boni iuris caracteriza-se pela farta documentação juntada aos autos e, ainda, notadamente, pela ausência de consulta ao órgão regulador para implementação da nova política tarifária, da contrariedade expressa a dispositivos de ordem pública e de interesse social assentados no Código de Defesa do Consumidor(10), que reveste de ilegalidade o procedimento da requerida, além, é claro, das várias reclamações de consumidores dos mais diversos municípios do Rio Grande do Sul, que insurgiram-se contra a modificação do valor das tarifas de água, gerando clamor público e social, que comprova, à saciedade, as lesões causadas aos consumidores.

          O periculum in mora está presente, diante da natural demora de tramitação de uma ação coletiva, a qual oportunizará a continuidade das práticas abusivas, trazendo como resultado a ocorrência de vários reflexos financeiros e sociais pelo inevitável inadimplemento das tarifas (multas) e dos "cortes" (com posterior cobrança de taxas de religação) do abastecimento de água, acarretando prejuízos evidentes e irreparáveis aos consumidores, principalmente tendo-se em conta o baixo nível econômico das pessoas atingidas, ainda mais considerando tratar-se de serviço público essencial.

          Assim, forte no art. 84, § 3º e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, que tem o escopo também de prevenir o dano e tornar eficaz as medidas de defesa do consumidor desde logo, requer o Ministério Público que:

          a) SEJA DETERMINADO à demandada:

          a.1- a suspensão, de forma imediata, de todos os efeitos gerados por sua nova política tarifária, retornando a proceder o cálculo das tarifas de água e de esgoto com a mesma metodologia vigente até o mês de agosto do corrente ano. Excepciona-se neste pedido o retorno às presunções de 10 metros cúbicos de consumo para as economias sem hidrômetro e eventuais fixações de preço com base na metragem das economias;

          a.2- proceda a imediata devolução, mediante desconto discriminado nas próximas duas faturas de água, dos valores cobrados a mais de consumidores com base na nova política tarifária;

          a.3- se abstenha, de forma imediata, de interromper qualquer suspensão do abastecimento de água que tenham sido motivados pelo não pagamento das faturas de água dos meses de setembro e outubro do corrente ano, e que tenham se utilizado da nova política tarifária para o cálculo do valor a ser pago pelo usuário;

          a.4- que providencie a religação, no prazo de 48 horas, dos serviços de água cujo corte tenha se originado do não pagamento das tarifas dos meses de setembro e outubro do corrente ano, isentando estes consumidores do pagamento de qualquer multa ou taxa de religação em função do corte;

          b) que seja submetida à AGERGS, em respeito à Lei n.º 10.931/97, qualquer eventual e futura modificação de política tarifária ou qualquer modificação do valor das tarifas da requerida;

          c) que veicule durante duas semanas, em dez dias intercalados, mas sem exclusão do domingo, em três jornais de grande circulação do Estado, COMUNICADO com dimensões de metade de página, na parte das publicações legais, informando sobre os provimentos liminares eventualmente deferidos, bem como que eles foram determinados pelo "Poder Judiciário em Ação Coletiva de Consumo intentada pela Promotoria de Defesa do Consumidor (Ministério Público Estadual)".

          Essa medida objetiva dar ciência aos consumidores e a sociedade em geral relativamente aos provimentos eventualmente deferidos, a fim de que a conduta ilegal da empresa pare IMEDIATAMENTE DE GERAR EFEITOS E PREJUÍZOS À COMUNIDADE.

          Objetiva, também, dar ciência erga omnes da decisão, para consumidores de outras Comarcas, vez que a área de atuação da requerida abrange diversos municípios do Rio Grande do Sul, a fim de que estes possam ter conhecimento de que existem caminhos para impugnar a conduta ilegal da requerida, oportunizando a fiscalização e o conhecimento, igualmente, de Promotores e Juízes.

          Visa, ainda, o ressarcimento do dano moral coletivo (art. 6º, inciso VI, do CDC), tendo em vista a notoriedade do clamor público e social da questão, a merecer um resposta eficaz no sentido de que os órgãos públicos e o Poder Judiciário estão atentos na defesa da cidadania e do respeito ao Estado de Direito.

          d) requer, ainda, a cominação de multa pecuniária por ocorrência no montante de 5.000 UFIR’s, ou outro índice legal que venha a substituir este, para o caso de descumprimento dos provimentos representados pelo item "a", sub-itens "a.3" a "a.4" (inclusive), que eventualmente sejam deferidos. Para o caso de descumprimento do pedido representado pelos item "a", sub-itens "a.1’’ e "a.2", e itens "b" e " c", todos anteriores, requer a fixação de multa diária equivalente a 5.000 UFIR’s.

          e) por fim, os provimentos ora requeridos tem cunho mandamental e executivo, devendo ser dito, entretanto, que as multas requeridas não prejudicam as eventuais sanções pelo crime de desobediência, sabido que os desrespeitos às ordens do Poder Judiciário caracterizam tal tipificação, bem como relevando as determinações do artigo 84, § 5º, do CDC.


13. DO MÉRITO:

          ANTE O EXPOSTO, requer o Ministério Público a procedência integral do pedido, tornando-se definitivos todos os provimentos postulados a título de tutela antecipada, bem como condenando-se ainda a requerida nos seguintes termos:

  1. no cumprimento da obrigação de fazer, consistente em suspender todos os efeitos da nova política tarifária, retornando à sistemática anteriormente vigente no que tange ao cálculo das tarifas de água e esgoto;
  2. no cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, consistente em não mais se utilizar de qualquer critério de PRESUNÇÃO de metros cúbicos consumidos ou de metragens de unidades de consumo, para o fim de fixação do preço final ao consumidor;
  3. no cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, consistente em não mais praticar qualquer alteração tarifária que atinja o consumidor direta ou indiretamente, sem que antes tenha havido autorização por parte da AGERGS;
  4. no cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, no sentido de que a empresa-ré respeite critério objetivo de aferição da condição de carência de determinadas economias (CATEGORIA SOCIAL), critério este a ser determinado pelo Poder Judiciário;
  5. à obrigação de indenizar (interesses e direitos individuais homogêneos de consumidores) na forma mais ampla e completa possível, os danos materiais e morais causados aos consumidores que, foram vitimados pela nova estrutura de cálculo das tarifas da requerida;
  6. ao pagamento de eventual perícia a ser realizada na fase de liquidação de sentença, na qual serão aferidos os prejuízos individuais dos consumidores, evitando a propositura de milhares de ações individuais de liquidação de sentença, na hipótese da alínea "e" acima;
  7. à obrigação de indenizar os danos, inclusive morais, causados aos interesses difusos, com base no art. 6°, VI, do CDC, revertendo o pagamento em favor do Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, nos termos do art.13 da Lei n.º 7.347/85;
  8. ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na instalação de hidrômetros em todas as economias de sua área de atuação, em prazo a ser fixado por Vossa Excelência, a começar pelas economias industriais, comerciais e residenciais;
  9. ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em publicar, às suas custas, em três jornais de grande circulação do nosso Estado, em dez dias intercalados, com dimensões de meia página, em uma das dez primeiras páginas de ambos os jornais, a parte dispositiva da sentença condenatória, a fim de que os consumidores tomem ciência da sentença, que deverá ser introduzida pela seguinte informação: "Acolhendo pedido veiculado em ação coletiva de consumo ajuizada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, o juízo da [__] ª Vara Cível condenou a CORSAN – Companhia Riograndense de Saneamento nos seguintes termos:[...]". O pedido, além de servir para recompor o dano moral coletivo sofrido pelos consumidores, também tem como objetivo restabelecer a harmonia e a confiança no mercado de consumo, relativamente a setor (saneamento básico) que tantos problemas tem causado a consumidores ultimamente;
  10. a imposição de multa diária à ré, em valor equivalente a 5.000 UFIR’s, ou índice que vier a substituir este, a incidir em cada caso de descumprimento das obrigações de fazer, representadas pelos itens "a" até "d"; "f", "h" e "i", todos acima, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, a ser recolhida ao Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados;
  11. a publicação do edital ao qual se refere o art. 94 do CDC;
  12. a citação da demandada para que, querendo, conteste a ação, sob as penas de revelia e confissão;
  13. a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive o depoimento pessoal dos representantes legais da requerida, a oitiva de testemunhas, a produção de prova pericial, caso necessário, e a juntada de novos documentos. Pleiteia-se, outrossim, o reconhecimento da inversão do ônus da prova, na forma já exposta nesta petição inicial.

          Dá-se à causa o valor de alçada.

          Porto Alegre, 8 de novembro de 1999.

Paulo Valério Dal Pai Moraes,
Promotor de Justiça.

Alexandre Lipp João,
Promotor de Justiça.

Alcindo Luz Bastos da Silva Filho,
Promotor de Justiça.


NOTAS

  1. A expressão "inquérito civil público" será utilizada ao longo da petição inicial apenas como ICP.
  2. Essa Resolução é de 1º de setembro de 1999 e "Dá nova redação aos Arts. 74 e 96 do REGULAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO e estabelece outras providências", estando juntada no ICP nas fls. 40/43.
  3. No serviço de esgoto o percentual é sempre variável de 80% a 60% do valor do consumo de água, conforme verse sobre esgoto tratado ou não, ou seja, coletado, respectivamente.
  4. A partir da colocação de hidrômetros nas economias que atualmente não o possuem, estes consumidores poderão estar consumindo mais do que 10 m3, o que importa em aceitar que tenham e que efetivamente venham a pagar mais, pelos mesmos critérios resultantes da atual política tarifária.
  5. "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", Ed. Forense Universitária, 6ª edição, 1999, p. 131.
  6. Sessão de julgamento realizada no dia 28.10.99.
  7. A respeito da variação do CMS, em decorrência do efetivo consumo de água pelos consumidores, pode-se exemplificar a situação da seguinte forma (ambos com hidrômetro): o consumidor "A" consome 3 m3, enquanto o consumidor "B" (localizado na mesma rua, ao lado da casa do consumidor "A"), consome 1 m3; o consumidor "A" terá um CMS de R$ 12,00 e o "B" de R$ 14,00. Ambos deverão pagar o mesmo valor expresso em suas contas d’água, o que, por si só, já é abusivo e enganoso. Como pode um custo fixo ser variável !?
  8. Revista Direito do Consumidor, vol. 7, Ed. RT, p. 33.
  9. Revista Direito do Consumidor, vol. 1, Ed. RT, p. 217/218.
  10. O art. 1º do CDC é claro neste sentido: "O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos do art. 5º, inc. XXXII, 170, inc. V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias." (grifo nosso).


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA FILHO, Alcindo Luz Bastos da; JOÃO, Alexandre Lipp et al. Ação coletiva de consumo contra tarifas abusivas de água. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 maio 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16036. Acesso em: 16 abr. 2024.