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Ação civil pública contra jetons irregulares para vereadores

Ação civil pública contra jetons irregulares para vereadores

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Ação civil pública por atos de improbidade administrativa causados por vereadores contra os cofres da Câmara Municipal, cumulada com danos morais e multa civil. A ação obstou o pagamento de parcela indenizatória que os vereadores recebiam por participação em reuniões tidas como extraordinárias.

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito a quem esta competir por distribuição - Comarca de Guaxupé / MG:

"Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível" (Constituição Federal, artigo 37, parágrafo 4º)

          O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, através da Curadoria do Patrimônio Público, forte nos ensinamentos da Constituição Federal (artigos 15, V; 37, § 4º e 129, III), que dá concreção à Lei Federal nº 8.429/92 (lei inibidora dos atos de improbidade administrativa), respeitosamente vem a esse H. Juízo para propor, pelo rito ordinário, a vertente

AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CAUSADOS EM DESFAVOR DOS COFRES DA CÂMARA MUNICIPAL DE GUAXUPÉ/MG, com pedidos, ainda, para condenação por dano moral e expedição de medidas liminares visando obstar os pagamentos e tornar indisponíveis os bens particulares do réus para garantia de futura execução,

          em face das pessoas abaixo identificadas:

          1 - xxxx, cccc, que para citação pode ser localizada na rua zzzz;

          2 - xxxxxxx, cccc, que pode ser citado na rua zzzzzz;

          3 - xxxxx, cccc, que para citação pode ser localizado na Av. zzz;

          4 - xxxxxx, ccccc, que pode ser citado na rua zzzzzz;

          5 - xxxxxx, ccc, que para citação pode ser localizado na Av.zzz;

          6 - xxxxxxxxxx, ccccc, que pode ser citado na rua zzzzzz;

          7 - xxxxxxxxxx, ccccc, que pode ser citado na Av. zzzzzz;

          8 - xxxxxxx, ccccc, que pode ser citada na Av. zzzzz;

          9 - xxxxxx, ccc, que para citação pode ser localizada na rua zzz;

          10 - xxxxxxxx, cccc, que pode ser citado na rua zzzzzzz;

          11 - xxxxx, ccc, que para citação pode ser localizado na rua zzz;

          12 - xxxxxxx, cccc, que pode ser citada na rua zzzzzz;

          13 - xxxxxxxxxx, cccccc, que pode ser citado na rua zzzzzz; e

          14 - xxxxxxxx, ccccc, que pode ser citado na rua zzzzzz;

          tudo em razão dos motivos fáticos e jurídicos adiante descritos e bem fundamentados:


          Entretanto, antes de alinhavar os pontos que dão azo à presente demanda, urge esclarecer que:

          A)- O cccc xxxxxxx não ostenta a condição de sujeito passivo desta eis que, ao contrário de seus pares, se recusa a receber qualquer verba que tenha conteúdo indenizatório por presença em reuniões tidas pelos Edis como extraordinárias (fls.85/87).

          B)- Para o manejo da vertente reparatória a legitimidade ativa do Ministério Público é pacífica e decorre do interesse público na punição, reparação e prevenção de atos que a lei considera como improbidade administrativa pois praticados contra o Erário público.

          Nessa esteira, prescreve o artigo 17 da Lei Federal nº 8.429/92 que "A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público..."

          Ou, "...incumbe, ainda, ao Ministério Público: promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem" (Lei 8.625/93, art. 25, IV, "b" ).

Doutrina e jurisprudência não discrepam e reconhecem a legitimidade do Ministério Público para o manejo de ação que tenha por escopo a proteção do patrimônio público. Nesse sentido:

          "...no sistema anterior, a tutela jurisdicional do patrimônio público somente era possível mediante ação popular, cuja legitimação ativa era e é do cidadão (art. 5º LXXIII) . O MP podia assumir a titularidade da ação popular apenas na hipótese de desistência pelo autor (LAP, art. 9º) . A Constituição Federal, no art. 129, III, conferiu legitimidade ao Ministério Público para instaurar IC e ajuizar ACP na defesa do patrimônio público e social, melhorando o sistema de proteção judicial do patrimônio público, que é uma espécie de interesse difuso . O amplo conceito de patrimônio público é dado pela LAP, art. 1º, "caput" e § 1º" (CPC Comentado, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery, 1994, RT, p. 1018).

          "Processual Civil – Ação Civil Pública – Defesa do Patrimônio Público – Ministério Público – legitimidade ativa – inteligência do art. 129, III, da CF/88, c. c. art. 1º da Lei 7.347/85" (STJ - REsp 31.547-9/SP – Min. Adhemar Maciel) .


Feitas as observações supra, urge expressar que o inquérito civil anexo (registrado sob nº 12/99), instaurado com apoio nas matérias jornalísticas de fls.04/21 e abaixo-assinado de fls.22/29 (numeração do MP), demonstra à saciedade que os agentes políticos ora demandados, com olhos vesgos aos Princípios da Legalidade e da Moralidade, estão obrando em causa própria e com abuso de poder pois, dolosamente escoltados numa unida e interna conspiração para interpretação gananciosa tanto do parágrafo 7º do artigo 57 da Carta Magna, com a redação que lhe emprestou a Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98, como da Lei Municipal nº 1.437/99, encontraram uma fórmula de enriquecimento ilícito às custas do Erário público municipal vez que, mês a mês, desde 08/03/99, ao argumento enganoso de que as sessões legislativas realizadas além daquelas previstas no Regimento Interno da Câmara Municipal devem ser indenizadas, estão recebendo os vencimentos mensais acrescidos de parcela indenizatória equivalente a 46% dos subsídios (ver fls.55/84), fato que, além de ilegal pois aos arrepio da lei que eles mesmos aprovaram, é reconhecidamente imoral.

          Com efeito: Informa o parágrafo 7º do artigo 57 da Lei Maior, com a redação da Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98, que "Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso Nacional somente deliberará sobre matéria para a qual foi convocado, vedado o pagamento de parcela indenizatória em valor superior ao do subsídio mensal".

De nada adiantou a sociedade soltar brados de irresignação - "Vereador ganhar R$ 400 em 15 minutos é imoral, diz xxxx" (fls.06); "Labéu com o dinheiro do povo" (fls.13); "Eu como cidadão recuso-me a aceitar que o meu dinheiro seja roubado para manter veleidades de abutres" (fls.18 - trecho grifado) - pois a maioria dos vereadores - alguns já conluiados para uma futura ganância e insensíveis aos reclamos da população -, sustentados pelo texto constitucional acima transcrito, primeiro aprovaram mudança no artigo 66 da Lei Orgânica Municipal para dar legalidade ao recebimento de parcela indenizatória por reunião extraordinária realizada (proposta de Emenda às fls.31) para, depois, aprovarem e, à inércia do Prefeito Municipal, eles mesmos promulgarem a Lei Municipal nº 1.437, de 12 de julho de 1999, com efeitos retroativos para 08 de março de 1999, cuja finalidade foi dispor sobre a fixação dos valores a serem pagos para cada Edil em decorrência de sua participação nas tais sessões extraordinárias da Casa (conferir em fls.37).

Referida lei municipal trouxe, no artigo 1º, que: "De acordo com a Emenda nº 1 de 08/03/99 da Lei Orgânica Municipal, os vereadores farão jus de parcela indenizatória proporcionalmente no valor de 46% (quarenta e seis por cento) dos subsídios mensal de vereador" (fls.37 - copiado como escrito, inclusive com os erros de português).

Por outro lado, o artigo 2º da mencionada lei enfocou que "Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo seu efeito a 08/03/99, revogando-se as disposições em contrário".

Assim explanado, os vereadores de Guaxupé/MG garantiram, para si mesmos, que as reuniões extraordinárias realizadas seriam compensadas financeiramente em 46% de seus subsídios.

Insta argumentar que alguns dos vereadores integrantes do polo passivo desta até que votaram contra essa horrorosa situação mas, derrotados em plenário, optaram, como os demais, pelo recebimento das tais extraordinárias (sic) ilegalmente hospedadas nos documentos de fls.55/84, inclusive deixando de lado aquele sentimento de revolta demonstrado por ocasião da votação, à exceção, como dito acima, do vereador Fernando Pasqua, que se recusa ao recebimento.

Na prática, porém, reputa-se fácil enxergar que toda a operação enganosa e gananciosa montada pelos Edis municipais tinha como endereço certo o recebimento ilegal de parcela indenizatória pelas esparsas reuniões legislativas acontecidas mensalmente em dias outros que não as duas quinzenais já previstas no Regimento Interno da Câmara Municipal, o que de regra ocorre por convocação do Presidente da Casa para continuação de uma discussão não terminada na sessão anterior ou mesmo para os primeiros passos e estudos sobre um projeto mais intrincado, daí a ilegalidade e imoralidade suso apontada posto que reuniões dessa natureza não se confundem com as extraordinárias que o texto constitucional (art. 57, § 7º, CF) autoriza o pagamento.

          É que, se por um lado a Lei Municipal nº 1.437/99 tomou beirada de assento no texto constitucional vigente, de outro lado não se descuida que as reuniões extraordinárias geradoras do direito ao recebimento de parcela indenizatória são aquelas sessões convocadas no período de recesso legislativo, ou seja, os Edis são chamados nos períodos de 1º a 31 de julho ou 15 de dezembro a 31 de janeiro de cada ano (art. 104 do Regimento Interno da Câmara - fls.88) para debates sobre matéria urgente e de interesse público relevante que não pode esperar a volta dos períodos normais de trabalho, o que acontece a partir de 1º de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 14 de dezembro.

          Tal afirmação exige traçar alguns comentários acerca da correta interpretação do § 7º do artigo 57 da Carta Magna.

A Emenda Constitucional nº 19/98, que Celso Antônio Bandeira de Mello denomina Emendão (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 11ª edição, 1999, p.07), alterou profundamente vários textos da Carta Republicana, dentre eles o inciso VI do artigo 29 que dita novas regras para cravar os vencimentos dos agentes políticos.

          Senão vejamos: "subsídios dos Vereadores fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, em razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Estaduais, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;"

Observa-se, pois, que a fixação do subsídio (nova nomenclatura para a remuneração dos vereadores) exige lei de iniciativa da Câmara Municipal, respeitadas as regras doutros dispositivos da Lei Maior, dentre elas as do parágrafo 4º do artigo 39, de seguinte teor: "O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI".

Da exegese dos dois textos soberanos alhures reproduzidos deflui que, enquanto o primeiro, porque menciona o artigo 57, § 7º, autoriza o pagamento de parcela indenizatória decorrente de sessão legislativa extraordinária, o segundo veda expressamente que o subsídio seja acrescido de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, emergindo daí, com hialina clareza já que na Constituição Federal não existem letras mortas, que a indenização consentida no art. 57, § 7º, é aquela que diz respeito às sessões extraordinárias realizadas no período de recesso legislativo.

E outro não poderia ser o entendimento supra eis que a regra constitucional permissiva do pagamento foi editada para o Congresso Nacional, cujos Parlamentares se reúnem diariamente, com folgas nos dias não úteis e no período de recesso legislativo (art. 57, da CF). Opiniões em contrário, data maxima venia, levaria ao absurdo de se permitir que Deputados Federais e Senadores, objetivando maior ganho mensal originário de falsas reuniões extraordinárias, fizessem alterações no Regimento Interno de suas Casas Legislativas e diminuíssem, para menos, o número de reuniões ordinárias semanais.

No concernente à indenização oriunda de sessão legislativa extraordinária, os Vereadores Municipais devem receber o mesmo tratamento dado aos Parlamentares Federais, sem qualquer distinção, ou seja, como os integrantes do Congresso Nacional os Edis locais serão indenizados apenas e tão somente quando participarem de sessão extraordinária realizada no período de recesso legislativo.

Doutrina Mayr Godoy (A Câmara Municipal, 4ª edição, LEUD, 1995, p.62) que "O funcionamento das Câmaras Municipais, agora, por imposição constitucional, obedece às sessões legislativas anuais ordinárias, em número de quatro, que formam a legislatura para a qual são eleitos os Vereadores. Fora da sessão legislativa ordinária, nos recessos, as Câmaras podem ainda se reunir, se convocadas extraordinariamente. Num, e noutro caso, o funcionamento se opera em sessões que podem ser ordinárias ou extraordinárias.

          O Congresso Nacional tem seu período ordinário de sessões de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro. Essa disposição constitucional é perfeitamente cabível a todas as Assembléias Legislativas, como as Câmaras Municipais, o que significa dizer que as Câmaras podem e devem adaptar seus Regimentos Internos a essa disposição.

[...]

O período ordinário de sessões, bi-partido pelo recesso do mês de julho, vai de 15 de fevereiro a 15 de dezembro.

[...]

          Cada legislatura tem quatro sessões legislativas ordinárias e tantos períodos extraordinários quantos vierem a ser convocados nos recessos do seu lapso de tempo de duração". (os grifos não constam do original)

          Noutra passagem, informa referido Jurista (Ob. cit., p.64/65) que "A falta de distinção entre "sessão legislativa ordinária" e "sessão ordinária" em levado a vários equívocos, dentre os quais, há de se ressaltar o referente do direito de convocação da Câmara pelo Prefeito. Inúmeras Leis Orgânicas de Municípios, sem precisão terminológica, levam ao absurdo de permitir que o Executivo convoque o Legislativo, para uma "sessão extraordinária", em plena "sessão legislativa ordinária". Isto é uma violação dos princípios legislativos. Se a Câmara está em período ordinário de sessões, isto é, não está em recesso, não há que ser convocada: ela está no curso normal de sessões.

          [...]

No correr da "sessão legislativa", no primeiro ou no segundo período, o Prefeito não pode convocar a Câmara, porque esta se encontra em período ordinário de sessões. Só nos períodos de recesso que esta oportunidade se lhe é aberta, de convocá-la extraordinariamente, como, igualmente, ao Presidente ou a requerimento da maioria dos Vereadores.

          As sessões da Câmara são numeradas, ordinariamente, a partir da primeira de cada sessão legislativa, separadamente, as ordinárias e as extraordinárias. Quando ocorre convocação extraordinária, só admissível durante os recessos, as sessões que vierem a ser realizadas tomarão número ordinal seguinte ao último do período ordinário precedente, seguindo sessões ordinárias e sessões extraordinárias, com sua própria série de números. (grifei)

Em arremate, ensina o percuciente doutrinador (Ob. cit., p.70) que "Dentro da simetria imposta pela aplicação constitucional, as Câmaras Municipais devem reunir-se de 15 de fevereiro a 15 de dezembro, com o recesso intermediário de 1º a 30 de junho e o outro, ao final da sessão legislativa ordinária, de 16 de dezembro a 14 de fevereiro.

          Qualquer outra reunião fora desse período exige convocação extraordinária.

          O funcionamento regular das Câmaras Municipais no mesmo período do Congresso Nacional é bastante para vencer o volume de trabalho decorrente da sua normal atividade, pelo que os recessos devem ser observados no âmbito local, para cumprirem idêntica finalidade dos demais Legislativos".

Ante as considerações supra, não se usa de lupa para enxergar que as tantas vezes citadas reuniões extraordinárias que conferem direito ao pagamento, conforme elencado no parágrafo 7º do artigo 57 da Lei Maior, são aquelas realizadas durante o período de recesso parlamentar, mediante convocação tanto do Prefeito Municipal como do Presidente da Câmara ou, ainda, pela maioria absoluta dos Vereadores. Insta acrescentar que a convocação encontra-se atrelada à existência de uma disciplina relevante a exigir deliberação urgente.

          Nessa esteira, qualquer chamada dos Edis para comparecimento em reuniões outras que não as quinzenais designadas de antemão no Regimento Interno da Câmara Municipal não poderão ser indenizadas posto que essas convocações, diante do texto constitucional vigente, já integram o subsídio percebido mensalmente. Lado outro, na forma do parágrafo 7º do artigo 57 da Carta Magna, c/c o inteiro teor da Lei Municipal nº 1.437/99, os vereadores terão direito ao recebimento de indenização quando convocados no período de recesso legislativo.

Com apoio, pois, nos recibos de pagamento de fls.55/84, reputa-se fácil entender que os agentes políticos em comento estão recebendo, ilegalmente e às expensas do Erário público, parcela indenizatória decorrente da presença em sessões legislativas que a lei não autoriza o pagamento, fato que, além de ilegal, também é imoral.

Assim explanado, dispõe o artigo 37, caput, da Constituição Federal que "A administração púbica direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...". (grifos meus)

          Ora, o recebimento de numerário não autorizado em lei ofende os Princípios da Legalidade e da Moralidade disciplinados no texto constitucional acima disposto, bem assim nos artigos 4º e 11 da Lei nº 8.429/92, daí ser visto como ato de improbidade administrativa.

          Com efeito: "Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pala estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos". (artigo 4º da Lei nº 8.429/92 - grifou-se)

          Ou, "Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições...". (artigo 11 da Lei nº 8.429/92 - grifou-se).

Resultou ofendido o Princípio da Legalidade pois "O administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

          A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.

          Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular, significa "pode fazer assim"; para o administrador público significa "deve fazer assim" (Direito Administrativo Brasileiro, RT, 1990, p.78/79).

Em comentários ao artigo 11 da Lei Federal nº 8.429/92, ensina Marcelo Figueiredo (Probidade Administrativa, Malheiros, 1995, p.60) que "O dispositivo determina e "define" hipóteses onde considera violados os princípios da administração pública. Assim, comete atentado à probidade administrativa todo e qualquer agente público ou equiparado que, por ação ou omissão (conduta positiva ou negativa), afronte, viole, cometa atentados aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade". (grifou-se)

          Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Marcelo Figueiredo (Ob. cit., p.59), ensina que "Violar um princípio é muito mais grave do que violar uma norma isolada, porque as conseqüências do ataque são, sem dúvida, muito maiores, devido à generalidade e raio de ação dos princípios".

Sobre a moralidade administrativa disserta Hely Lopes Meirelles (Ob. cit., p.78/79): "Além de atender à legalidade, o ato do administrador público deve conformar-se com a moralidade e a finalidade administrativas para dar plena legitimidade à sua atuação. Administração legítima só é aquela que se reveste de legalidade e probidade administrativa, no sentido de que, tanto atende às exigências da lei, como se conforma com os preceitos da instituição pública".

          Hely Lopes Meirelles (Ob. cit., p.79), agora citando Hauriou, se manifestou no sentido de que "... O agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: nom omne quod licet honestum est"...".

          Destarte, "A probidade é corolário do princípio da moralidade administrativa" (Marcelo Figueiredo, ob. cit., p.22)

          Noutro aspecto, pelo recebimento de numerário não autorizado em lei, importando enriquecimento sem causa, os Vereadores em questão, além de infringirem princípios constitucionais, transgrediram outras normas insertas na Lei Federal nº 8.429/92, verbis:

          Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função ou emprego, ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:

Marcelo Figueiredo (Ob. cit., p.37/38) ensina que "...infringe a norma todo agente que obtenha, receba, perceba, direta ou indiretamente, um "interesse" que afronte o padrão jurídico da probidade administrativa, tal como encartada na Constituição Federal e nas leis. Contudo, o legislador não pretendeu esgotar o rol das variadas formas que o enriquecimento ilícito pode assumir. O rol de condutas da lei é exemplificativo. Há outras formas de "obter vantagens patrimoniais indevidas". Assim, o favoritismo, a intenção de privilegiar "x", "y" ou "z", todas são condutas albergadas na lei".

          (Art. 9º) XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;

          "As rendas públicas também integram o conceito de patrimônio para o fim de proteção legal. Não importa se entradas provisórias ou definitivas (receitas), se originárias, derivadas ou transferidas, ou se créditos públicos. Todas submetem-se ao regime legal, não podendo o administrador dispor das mesmas ao seu talante e alvedrio. O patrimônio público pertence às entidades ou pessoas jurídicas de direito público ou privado (estatais ou paraestatais), não se confundindo com o patrimônio de seus eventuais diretores, presidentes ou gestores" (Marcelo Figueiredo, ob. cit., p.47)

          Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

          Doutrinam Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior (Improbidade Administrativa, Atlas, 1996, p. 70) que:

          "Em todas as espécies do art. 10, o agente público realiza condutas que ensejam o enriquecimento ilícito de terceiro, pessoa física ou jurídica. Não é preocupação do legislador, neste dispositivo, o eventual proveito obtido pelo agente público, direta ou indiretamente, mas tão somente seu agir ou não agir em benefício de outrem, contra o erário. É da subversão da atividade funcional que trata, quer dizer, do agente público que, inobservando o dever de zelar e proteger o erário, assiste ou colabora para que terceiro se beneficie, a dano dos cofres públicos".

          Sem contar que especificamente a cccc xxxxxx, DD. vvvv da Câmara Municipal local, está, de per si, infringindo as disposições contidas no artigo 10, inciso XI, da lei federal citada, por "liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular".

          Até porque, "Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano" (Lei nº 8.429/92, art.5º).

É sábia a lição de Marcelo Figueiredo (Ob. cit., p.31) no sentido de que "O patrimônio público deve ser protegido de quaisquer lesões ou ameaças de lesões; há uma série de instrumentos constitucionais e legais aptos à sua defesa. O conceito de "patrimônio público", para esse efeito, é o mais amplo possível, abarcando, inclusive, aquele empregado na forma do parágrafo único do art. 1º da lei comentada"

O fundamento constitucional da punição aos ímprobos encontra-se alocado no artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal, onde é visto que os atos de improbidade administrativa "importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

          A punição aos ímprobos está positivada no artigo 12 e incisos da Lei nº 8.429/92, que abaixo se transcreve:

          Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

          (Art. 12) I - na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

          (Art. 12) II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, se houver, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

          (Art. 12) III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

          Nota-se que os agentes políticos demandados infringiram mais de uma regra inserta na Lei Federal nº 8.429/92. Nesse caso, com apoio em Fábio Medina Osório (Fábio Medina Osório, Improbidade Administrativa, Síntese, 1997, p.170), reputa-se fácil a dosagem das penas pois "No caso de a um mesmo fato corresponderem várias normas jurídicas, o melhor caminho é a escolha da norma mais grave, a qual haverá de absorver as demais.

          Parece-nos que o melhor caminho, aqui, é o tratamento diferenciado do concurso de ilícitos, importando-se, nesse passo, as lições do direito penal, até porque, no campo sancionatório, semelhante procedimento não prejudicaria os autores da improbidade, mostrando-se tal solução plausível e respaldada no ordenamento jurídico"

          Sobre as sanções, "Decorre de expressa previsão constitucional a necessidade de suspensão dos direitos políticos (arts.15, inciso V, e 37, § 4º, CF), não havendo margem de liberdade para que o juiz opte pela não suspensão dos direitos políticos daqueles que são condenados por improbidade administrativa" (Fábio Medina Osório, ob. cit., p.173)

"O pagamento de multa civil é sanção prevista invariavelmente para qualquer espécie de improbidade administrativa, o que se ajusta à idéia de que tal prática acarreta, por força constitucional, indisponibilidade de bens (art. 37, § 4º, CF)" (Fábio Medina Osório, ob. cit., p.175)

A meu talante, porque o parágrafo único do artigo 12 suso transcrito anota que "Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente", entendo que, dentre as penalidades previstas no referido artigo 12 e incisos da Lei Federal nº 8.429/92, justifica-se plenamente a aplicação da implantada no inciso III, que prevê ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Ingressando na seara da multa civil, sugere-se - com apoio na lição supra de Fábio Medina Osório - sua aplicação no patamar máximo de trinta (30) vezes o valor da remuneração mensal de cada agente político, respeitado o patamar mínimo de vinte (20) vezes.


Da responsabilidade dos agentes políticos por danos morais à coletividade:

escreveu Hely Lopes Meirelles que "Sendo a Câmara um órgão despatrimonializado, todas as vantagens e encargos de ordem pecuniária, decorrentes do julgado, reverterão à Fazenda Municipal, ou serão por esta suportados" (Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 6ª edição, 1993, p.445), razão pela qual o ganho advindo da condenação por dano moral há que ser revertido em benefício dos cofres da Fazenda Pública Municipal de Guaxupé/MG.

Feitas as necessárias considerações acima, resta evidente concluir que os fatos descritos nesta não acarretaram somente danos de natureza patrimonial. Deles decorreram, também, um dano de natureza difusa, abstrata, resultante da grave ofensa perpetrada pelos agentes políticos demandados face à não observância da moralidade pública que obrigatoriamente deve nortear a conduta daqueles que tem o "dever público para com a coletividade que o elegeu como seu representante e que, por isso mesmo, o quer atuante em defesa dos interesses coletivos" (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 6ª edição, 1993, p.448).

Nessa linha de raciocínio, se antes a dignidade da comunidade guaxupeana já estava abalada apenas com a notícia de que os Edis locais haviam aprovado uma lei municipal para receberem verba indenizatória decorrente de presença em reuniões extraordinárias, agora o choque é ainda maior pois ficou demonstrado alhures que os agentes políticos em comento estão recebendo 46% (quarenta e seis por cento) a mais em seus contracheques por algo que não lhes é devido.

Os documentos de fls.04/21 (matérias jornalísticas) e 22/29 (abaixo-assinado) mostram a insatisfação da comunidade.

Inolvidável, pois, a reparabilidade do dano moral, cuja tese vem sendo construída ao longo dos anos, apontando irreversível tendência legislativa, doutrinária e jurisprudencial.

De fato, vários dispositivos do Código Civil enumeram, de maneira casuística, hipóteses em que o dano não patrimonial é reparável (sem excluir outras, por certo, tendo em vista as regras gerais dos artigos 159 e 1553). É o caso do artigo 1.543, que impõe pagamento do valor de afeição da coisa que não mais pode ser restituída ao dono, e também do artigo 1.547, parágrafo único, que manda indenizar o prejuízo imaterial de quem foi ofendido por injúria ou calúnia. Outros dispositivos dessa natureza, invocados pela doutrina, são os artigos 1.537, 1.538, 1.548, 1.549 e 1.550. (V. Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, vol. II, 1986, p.233); Yussef Said Cahali (Dano e Indenização, RT, 1980, p. 41/109)

Leis posteriores ao Código Civil também previram hipóteses de ressarcimento por danos morais causados.

Prevista na Lei Maior (art. 5º, V e X), a reparação dos danos morais é aceita sem reservas, sendo também isenta de dúvidas sua cumulatividade com a indenização resultante de prejuízos patrimoniais, conforme estagnado na Súmula 37 do STJ: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

Nessa caminhada, importa deixar consignado que os prejuízos de ordem moral, decorrentes dos atos de improbidade administrativa praticados pelos Vereadores supra identificados, enquanto não obstados, estão sendo experimentados não só pela própria Administração Pública mas, de maneira difusa, por toda a coletividade.

E nem poderia ser diferente eis que "...no exercício do mandato, o vereador deve atender aos preceitos regimentais e às praxes parlamentares, que impõem padrões legais de conduta e mínimos éticos de compostura e decoro funcionais, que geram encargos, deveres, sanções, prerrogativas e direitos de caráter político ou jurídico; aqueles (políticos) só são controlados pela própria corporação legislativa; estes (jurídicos) são invocáveis também perante o Judiciário, que lhes dará a proteção ou a sanção devida a todo direito individual e subjetivo" (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 6ª edição, 1993, p.450)

Importante lembrar que o adjetivo moral, como indica sua própria etimologia (moralis - relativo a costumes), também significa "relativo ao domínio espiritual, em oposição a físico ou material" (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Forense, 1975, vol. III, p.1037). Assim, a expressão dano moral aplica-se aos prejuízos causados a bens de natureza incorpórea, imaterial, não se restringindo, pois, à ofensa apenas aos valores subjetivos individuais.

Óbvio concluir que o raciocínio é aplicável ao Município, enquanto pessoa jurídica de direito público, pois "A pessoa jurídica pública ou privada, os sindicatos, as autarquias, podem propor ação de responsabilidade, tanto fundada no direito material como no prejuízo moral" (José de Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, Forense, vol. 2, 1994, p.937). De fato, como autêntica personificação dos valores éticos da polis, o Município também é portador de uma imagem e reputação a zelar, que nada mais é do que a projeção da honorabilidade e dignidade cívica de todos os cidadãos que o compõem, considerados em seu conjunto.

Com sobras de razão, pois, que o legislador constituinte estabeleceu a moralidade como um dos princípios regentes de toda a atividade estatal, inserindo-o na cabeça do artigo 37 da Constituição Federal e, hoje, dissipando qualquer dúvidas, prevalece manso e pacífico o entendimento anotado na Súmula 227, do STJ, a expressar que "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

Porque a Administração Pública é um ente abstrato, que representa politicamente a sociedade, constituída por todos e cada um dos cidadãos, são esses, na verdade, os titulares dos valores morais personificados naquela. Mais exato, então, será falar em prejuízo difuso à toda coletividade, que, in casu, é representada pelo Município.

O Professor Limongi França (Artigo publicado na Revista dos Tribunais, vol. 631, p.29 e seguintes) expressa claro a possibilidade da reparação de prejuízos morais difusos, causados a um número indeterminado de pessoas, ao definir o dano moral como "aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico de seus bens jurídicos".

Em arremate, acima se demonstrou que nosso sistema de direito positivo contempla, sem nenhuma restrição válida, a reparação por danos morais impostos à coletividade, mormente no caso vertente em que se comprovou os atos de improbidade administrativa praticados pelos agentes políticos colocados no polo passivo da lide, cujas ações feriram profundamente o sentimento de cidadania de toda a população guaxupeana e revelaram completo descaso à vontade popular, fundamento básico do poder estatal (art. 2º, CF).

Partindo do princípio que todo cidadão tem direito subjetivo a um governo honesto, não se descuida que o mandato outorgado aos Vereadores em comento pressupõe que estes se pautem por absoluta retidão de conduta, caracterizada por probidade, zelo e rigor no desempenho do munus público que a comunidade lhes conferiu. A inobservância desses elementos deveres deslustra as responsabilidades que lhes foram confiadas e gera na coletividade sentimentos de abandono, insegurança e descrédito. Em suma, a ninguém ocorreria negar, em casos tais como os dos autos, o enorme e autêntico desapontamento de toda a população, frustrados que foram nas suas justas expectativas por uma Edilidade pautada pelo estrito respeito aos princípios da moralidade e legalidade, conforme exigido no caput do artigo 37 da Lei Maior, que disciplina esse País e este sofrido Município.

É preciso fazer cessar esse círculo vicioso, em que a prática reiterada de atos de improbidade, sempre sem adequada punição, gera um sentimento popular de desalento nas instituições, levando a um afrouxamento dos meios de controle e fiscalização dos governantes e serve de incentivo à prática de novos atos ímprobos.

Provocada a lesão, de qualquer natureza, surge o dever de indenizar. É o que preceitua o artigo 159 do Código Civil.

E, embora os danos ora tratados sejam de natureza imaterial, sua reparação haverá de ser feita em dinheiro, "porque este é o denominador comum dos valores, e é nesta espécie que se estima o desequilíbrio sofrido pelo lesado" (Caio Mário da Silva Pereira, ob. cit., p.130).

Por outro lado, se é verdade que não é simples a tarefa de fixar o quantum necessário à indenização por prejuízos morais, não menos verdade que essa dificuldade, além de não ser motivo para deixar irreparado o dano, é perfeitamente vencível, lembrando-se que, nessa matéria, "a estimativa pecuniária não é fundamental" (Antonio Chaves, citado por Caio Mário, Responsabilidade Civil, Forense, 1997, p.55), pois o mais importante, certamente, é que "nenhuma violação de direito fique impune" (Caio Mário da Silva Pereira, ob. cit., p.55).

De tudo, resulta certo que, se a indenização por dano moral não pode ser fonte de enriquecimento para a vítima, tampouco pode ser inexpressiva ao ponto de sugerir impunidade.

Noutro aspecto, as regras de experiência comum e a observação do que ordinariamente acontece - critérios de análise admitidos pela lei (Código de Processo Civil, artigo 335) - autorizam afirmar que os prejuízos éticos e morais decorrentes de uma conduta ilícita, podem ser maiores do que sua repercussão patrimonial pois, como in casu, o grande número de pessoas ofendidas - correspondente a toda coletividade guaxupeana - é fator que exaspera a responsabilidade dos demandados e deverá ser considerado, na sentença, para fixação do pretium doloris.

O raciocínio supra permite atribuir o valor de 30 (trinta) salários mínimos como suficientes para atenuar os danos morais suportados pela comunidade guaxupeana, lançados para cada Edil.

          Com efeito: O valor sugerido para cada vereador a título de condenação por dano moral é justo quando se sabe que o Ministro Marco Aurélio, do STF, no RE 172.720-9/RJ, num simples extravio de mala em viagem determinou o pagamento de US$ 5.000,00 (cinco mil dólares) a título de dano moral, sem prejuízo do dano material.


As liminares mencionadas no preâmbulo:

da Lei Municipal nº 1.437/99, fórmula essa encontrada pelos agentes políticos demandados para fins de enriquecimento ilícito.

          Assim, urge necessário expedir ordem liminar, inaudita altera parte, endereçada à DD. vvvvvvv da Câmara Municipal, cccccc xxxxxx, para que, enquanto não julgada definitivamente a pendenga posta à apreciação judicial, se abstenha de efetuar pagamentos rotulados de reuniões extraordinárias realizadas, exceto nas convocações durante o recesso legislativo.

          Como segunda opção Vossa Excelência poderia determinar que as tais parcelas indenizatórias, ao invés de obstadas na Casa Legislativa, sejam depositadas em conta bancária à ordem judicial, muito embora essa prática não é das mais recomendáveis posto que o dinheiro, continuando em poder da Câmara Municipal, poderá ter outro destino, com possibilidades até de um melhor aproveitamento.

          2ª)- A segunda liminar pleiteada diz respeito à indisponibilidade dos bens móveis e imóveis dos agentes demandados para garantia de futura ação executória pois, em casos tais, face a lentidão da Justiça nas Instâncias Superiores, mormente no vertente caso onde por certo os vencidos baterão nas portas do STF, corre-se o risco de não se encontrar bens que garantam a execução do quantum que será apontado na sentença como sendo apto ao ressarcimento.

Foi por essa razão que o legislador inseriu na Constituição Federal (art. 37, § 4º) e na Lei nº 8.429/93 (art. 7º e parágrafo único) a possibilidade do Poder Judiciário tornar indisponíveis os bens do particular cuja ação ou omissão tenha sido maléfica à administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes, entre eles os da Câmara Municipal de Guaxupé/MG (art. 1º, Lei 8.429/92).

Para o sustento das duas liminares suplicadas, encontram-se presentes os requisitos legais exigidos, quais sejam: O fumus boni juris decorrente da demonstração cristalina de que os Vereadores ocupantes do polo passivo desta estão obrando em causa própria devido conspiração interna armada para interpretação enganosa e gananciosa dos textos legais acima mencionados e, não interceptados a tempo, os cofres municipais continuarão arcando com despesas não autorizadas sob o título de parcela indenizatória, equivalente a 46% dos subsídios mensais de cada Vereador, conforme demonstrativos juntados às fls. 55/84; enquanto o periculum in mora emerge claro face os passos lentos com que a Justiça cuida dos casos que envolvem improbidade administrativa, em especial quando envolve a figura de agentes políticos ou de pessoas influentes na sociedade brasileira.

          Demais disso, o deferimento das liminares não trará dano de espécie alguma para os requeridos vez que, quanto à primeira, apenas obstará os pagamentos até final decisão, enquanto a segunda trata-se apenas de uma medida acauteladora que colocará seus bens particulares em indisponibilidade para garantia de futura execução. Ad argumentandum, garantida a execução, o excesso deverá ser liberado do gravame e até mesmo ser apreciado um requerimento para alienação ou troca de alguns dos bens gravados.

O perigo crescerá caso negadas as liminares, tanto para obstar futuros pagamentos como para indisponibilizar bens garantidores de uma posterior execução. É que melhor prevenir do que remediar, ou seja, muito melhor evitar que o dinheiro continue saindo dos cofres públicos, do que fazê-lo retornar, levando-se em conta, ainda, o tempo gasto até decisão final em ações dessa natureza e a possibilidade até de uma insolvência que torne a devolução mera ilusão.

          Fumus boni juris, - no dizer de Enrico Tulio Liebmam, é "a provável existência do direito a ser tutelado" (Manual de Direito Processual Civil, vol.5, p.92) em razão do flagrante desrespeito às normas legais trazidas à colação, enquanto o periculum in mora, representando a "demonstração de inocuidade da tutela jurisdicional principal face a sua não imediatidade"(autor e obra acima citados) surge expressa pois, não garantida ao menos parte de uma futura execução, ao final da demanda certamente não serão localizados bens que a garantam.

A título de argumentação final, a presente busca decisão condenatória visando devolução dos valores mencionados nos documentos de fls.55/84, sob a descrição reunião extraordinária, aos quais serão acrescidos os valores já recebidos pelos agentes políticos até supressão dos pagamentos resultante do cumprimento da primeira das liminares supracitadas. A título de multa civil busca-se condenação no patamar máximo de trinta (30) vezes o valor da remuneração mensal de cada agente político, respeitado o patamar mínimo de vinte (20) vezes, e, a título de dano moral pleiteia-se o equivalente a 30 (trinta) salários mínimos lançados para cada Edil, visto esses como suficientes para atenuar os danos morais suportados pela comunidade guaxupeana.

          Tudo definido, requer-se:

1 - Como pedido imediato e Inaudita altera parte, a concessão das medidas liminares supra fundamentadas, a primeira endereçada à DD. Presidente da Câmara Municipal de Guaxupé/MG, Vereadora Olga Maria Gamero, para que cesse, de imediato, todos os pagamentos referendados sob a descrição reuniões extraordinárias, excetuando-se aqueles decorrentes de convocação durante o período de recesso legislativo (1º a 31 de julho e 15 de dezembro a 31 de janeiro), e a segunda para tornar indisponíveis os bens móveis e imóveis dos agentes políticos demandados para garantia de futura execução, cuja ordem para cumprimento deverá ser endereçada ao Cartório de Registro de Imóveis desta comarca e à Delegacia Regional de Segurança Pública, tudo para que façam as anotações e comunicações de praxe;

2 - Cumprida as liminares acima, que os requeridos sejam citados para oferta de defesa, pena de revelia e confissão;

3 - A citação do Município e da Câmara Municipal de Guaxupé/MG, aquele na pessoa de seu representante e esta na pessoa de um Curador nomeado, para, querendo, nos termos do art. 17, § 3º, da Lei 8.429/92, virem integrar a lide, suprindo as falhas e omissões desta;

3.1 – Fala-se na nomeação de um Curador tendo em vista a possibilidade de um conflito de interesses entre a Câmara Municipal, vista como ente sem personalidade jurídica mas com direitos e interesses a defender, e os agentes políticos que a representam, mormente sua Presidente, responsável pelos pagamentos indevidos;

4 - Pronunciamento jurisdicional definitivo para reconhecer que as reuniões extraordinárias aptas ao pagamento de parcela indenizatória, conforme elencado no parágrafo 7º do artigo 57 da Constituição Federal, c/c o inteiro teor da Lei Municipal nº 1.437/99, são aquelas realizadas durante o período de recesso parlamentar citados no artigo 104 do Regimento Interno da Câmara Municipal (fls.88);

5 - Pronunciamento jurisdicional definitivo com o fito de reconhecer que os pagamentos realizados até a presente data ofendem os princípios da legalidade, da moralidade e das demais regras alhures mencionadas, todas inseridas na Lei Federal nº 8.429/92, que as tipifica como atos de improbidade administrativa;

6 - Pronunciamento jurisdicional definitivo de cunho condenatório para determinar que cada um dos requeridos devolva, para os cofres da Câmara Municipal, os valores citados nos documentos de fls.55/84 sob a descrição reunião extraordinária, aos quais serão acrescidos outros valores recebidos sob a mesma rubrica até que a liminar supracitada determine a supressão dos pagamentos, que serão corrigidos monetariamente para a época do pagamento. Para a apuração desse quantum, antes da sentença final a DD. Presidente da Câmara Municipal deverá trazer para os autos todos os documentos demonstrativos dos pagamentos e que o inquérito civil não carreou.

7 - Pronunciamento condenatório para lançar, a cada um dos requeridos, a multa civil mostrada no artigo12, III, da Lei Federal nº 8.429/92, que, como sugerido acima, pode ser aplicada no patamar máximo de trinta (30) vezes o valor da remuneração mensal de cada agente político, respeitado o patamar mínimo de vinte (20) vezes;

8 - A procedência do pedido indenizatório por danos morais causados pelos requeridos à comunidade guaxupeana, levando-os a arcarem, individualmente e em prol do Município de Guaxupé/MG, com o pagamento de 30 (trinta) salários mínimos, que hoje perfazem, para cada um, a soma de R$ 4.080,00 (quatro mil e oitenta reais);

9 - Pronunciamento condenatório para lançar a todos os requeridos as demais penalidades insertas no artigo 12, III, da Lei 8.429/92, como a perda da função pública; a suspensão de seus direitos políticos e a proibição de contratarem com o poder público, prazos de lei;

10 - A produção de todas as prova cabíveis, mormente o depoimento pessoal dos requeridos e a juntada de outros documentos;

11 - Conseqüente condenação dos demandados nos ônus inerentes à sucumbência, devidamente rateados;

12 - À causa confere-se o valor de R$ 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais), que, até o momento, resulta da somatória entre a devolução do numerário ilicitamente recebido (fls.55/84) mais a multa civil e mais o pedido de indenização por dano moral.

Guaxupé, 26 de outubro de 1999.

Ariovaldo Tovani
Promotor de Justiça - Curador do Patrimônio Público


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOVANI, Ariovaldo. Ação civil pública contra jetons irregulares para vereadores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16132. Acesso em: 24 abr. 2024.