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Caso fortuito exclui culpa por desabamento

Caso fortuito exclui culpa por desabamento

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Sentença do juiz da 29ª Vara Cível do Rio de Janeiro, declarando a inexistência de responsabilidade civil, tanto por parte do locador quanto do locatário, na hipótese de caso fortuito (tempestade) que causa o desabamento do prédio.

29ª Vara Cível
Proc.nº 15.998/94

ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
VIGÉSIMA NONA VARA CÍVEL


S E N T E N Ç A

VISTOS ETC...

MARCELO BRANDÃO RIBEIRO propôs em face de GUIDO SAUL a presente ação de responsabilidade civil, pedindo seja este obrigado a indenizar-lhe pelos prejuízos materiais e morais sofridos em razão do destelhamento e da inundação verificados na unidade autônoma que do réu aluga, desde 01/03/1988, com verba destinada a atender os lucros cessantes, na base de 5% sobre o capital investido, além do reconhecimento da inexibilidade da cobrança de aluguéis a partir de abril de 1991, quando se deu o evento danoso. A título de dano moral quer 300 salários-mínimos.

Como causa de pedir, alegou ser locatário da sala 301 e cobertura do prédio situado na Rua Marcílio Dias 18, RJ, de propriedade do réu, onde estabeleceu um estúdio fotográfico para desenvolver suas atividades profissionais, ocorrendo no mês de abril de 1991 o destelhamento de parte do imóvel seguido de inundação, motivado por uma tempestade, dando causa a perda de materiais de seu uso e a deterioração de equipamentos que compunham o estúdio, resultando na paralisação total de suas atividades de fotográfo.

Disse mais que, "apesar do razoável índice pluviométrico que se verificou na Cidade naquela data (...) as avarias não teriam ocorrido se a construção do prédio tivesse sido feito de forma correta". Atribui o resultado danoso ao desleixo do proprietário, a quem compete por Lei, todas as reparações de que o prédio necessitar.

Instruiu a inicial com procuração e cópia do laudo pericial produzido na ação cautelar em apenso (proc. nº 12061), estando as custas recolhidas conforme guias de fls. 10, 60 e 61.

Citado, o réu contestou, sustentando em preliminar que o contrato estabelece limite à indenização por acaso devida, e, no mérito, a improcedência do pedido, ao argumento de que o evento se deu em virtude das obras de modificação da coisa locada realizadas pelo autor e da má conservação desta, pondo em seguida em destaque a imprestabilidade da prova pericial antecipada, levada a efeito dois anos após.

Com a contestação vieram os documentos de fls. 80/94.

Reconvenção às fls. 96/98, em que o réu-reconvinte postula do autor-reconvindo perdas e danos por não ter este, quando finda a locação, em 19/07/94, restituído o bem nas condições de habitabilidade em que recebeu.

A resposta do autor-reconvindo se encontra juntada por linha, a despeito da revogação da decisão que a considerou intempestiva (fls. 125). Por ela, o autor-reconvindo nada acrescenta, reportando-se apenas à perícia antecipada.

Designada audiência de conciliação (fls. 159), a conciliação restou frustrada, levando ao saneamento do processo, lançado no mesmo ato, em que o exame da preliminar, de limitação de responsabilidade, argüida na constestação, é diferida para o mérito (fls.163/164).

Às fls. 190, exibe o réu-reconvinte cópia de vistoria, tendo por objeto o estado do imóvel locado, feita nos autos de medida cautelar de produção antecipada de provas ajuizada pelo mesmo em face do fiador da locação.

Atendendo às indagações requeridas pelas partes, o Sr. Perito prestou os esclarecimentos de fls. 267/274, sobre os quais se manifestaram os interessados (fls. 276/288).

Audiência de Instrução e Julgamento conforme termo de fls. 297/299.

Alegações finais às fls. 303/319 e 321/326.

É o relatório do necessário. DECIDO.

O próprio autor-reconvindo, na inicial, reconhece que o resultado danoso se deu em razão de uma tempestade, fato este confirmado pelo réu-reconvinte em sua defesa.

Tempestade é a violenta agitação da atmosfera, acompanhada de meteoros como chuva, granizo, relâmpago e trovões (1). A tempestade não se confunde com ventos fortes, nem com tornados: enquanto aqueles têm velocidade do vento entre 7 e 44 km/h, a tempestade varia de 60 a 90 Km/h, pelo que nos informa a ESCALA DE BEAUFORT, causando inevitavelmente danos às construções e ao meio ambiente em geral.

Partindo da premissa de que a origem dos danos aqui debatidos foi um fenômeno natural, independentemente da vontade das partes, o dever de indenizar não surge para qualquer uma delas. É que o efeito do caso fortuito ou da força maior é isentar o devedor de qualquer responsabilidade pelo descumprimento de sua obrigação.

CLÓVIS, comentando o art. 1058 do CCB, é de uma objetividade ímpar. Disse ele:

"Uma seca extraordinária, um incêndio, uma tempestade, uma inundação produzem danos inevitáveis (...) Nesses e em outros casos, é indiferente indagar se a impossibilidade de o devedor cumprir a obrigação procede de força maior ou de caso fortuito (...) O caso fortuito e a força maior excusam o devedor de responsabilidade pelos prejuízos".

Portanto, dada a imprevisibilidade e a inevitabilidade do fato gerador dos danos apontados, tanto pelo autor-reconvindo, quanto pelo réu-reconvinte, dispensável a apuração da diligência a que estavam obrigados: o locador - no dever de conservar, durante a locação, as condições de habitabilidade do prédio, e o locatário - em seu dever de restituir a coisa no estado em que a recebeu.

Reforça a minha convicção o fato de o telhado haver resistido por treze anos (2), idade da construção, o que afasta a teoria, defendida pelo Sr. Perito, da má execução da obra.

A experiência indica que o acréscimo à construção produzido pelo autor-reconvindo, somando um segundo telheiro em ambiente novo, como o Sr. Perito mesmo admite na resposta ao quesito 03 do réu-reconvinte, em seus esclarecimentos de fls. 270, pode ter contribuído para o resultado danoso, mas a prova produzida não autoriza tal conclusão.

Nesse sentido, tem sido a orientação de nossos tribunais de que é exemplo a decisão proferida pela 9ª Câmara Cível do 2º TAC/SP, na AC 444.186, sendo relator o Juiz EROS PICELI, publicado no DJ de 20/12/95:

"LOCAÇÃO. DANO NO IMÓVEL. INDENIZAÇÃO. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. RESPONSABILIDADE DO LOCADOR PELOS PREJUÍZOS DO LOCATÁRIO. INEXISTÊNCIA. O evento, caracterizado como caso fortuito ou força maior, afasta a responsabilidade do locador, não se podendo falar em indenização por danos dele decorrente".

Por outro lado, não era dado ao locatário restituir a coisa ao locador no estado em que a recebeu, sobrevindo o acontecimento excludente de sua responsabilidade.

DAÍ PORQUE JULGO IMPROCEDENTES TANTO A PRETENSÃO AUTORAL, QUANTO A DEDUZIDA NA RECONVENÇÃO. CUSTAS E HONORÁRIOS NA FORMA DO ART. 21 DO CPC.

P.R.I.

RIO DE JANEIRO, 04 DE MAIO DE 1998

ANDRÉ CÔRTES VIEIRA LOPES
Juiz de Direito



NOTAS

(1) Dicionário de Geografia, de ERASMO ALMEIDA MAGALHÃES E OUTROS.

(2) Resposta ao quesito 06 do réu nos esclarecimentos de fls. 272.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Caso fortuito exclui culpa por desabamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16332. Acesso em: 19 abr. 2024.