Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/jurisprudencia/16337
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Transgênicos

sentença em ação civil pública

Transgênicos: sentença em ação civil pública

Publicado em . Elaborado em .

Nova sentença sobre transgênicos, em ação civil pública também impetrada pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que é a ação principal em relação à cautelar na qual já havia sido deferida liminar e sentença favoráveis.

PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
SENTENÇA N° /2000
PROCESSO N° 1998.34.00.027682-0 CLASSE 7100
REQUERENTE: IDEC - INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
ADVOGADOS: Dra. Andréa Lazzarini Salazar e outros
REQUERIDOS: UNIÃO FEDERAL E OUTROS
ADVOGADOS: Dr. Aldir Guimarães Passarinho e outro
PROCURADOR: Dr. Valtério Magalhães Nogueira


            I

            Vistos, etc.

            O IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, entidade civil sem fins lucrativos, com sede em São Paulo (SP), ajuizou, através de suas advogadas, a presente ação civil pública contra a UNIÃO FEDERAL, por dependência à ação civil pública n 1997.34.00.036170-4, visando, com as razões de fls. 02/47 e os documentos de fls. 48/198, a) a condenação da União Federal a exigir da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio a elaboração das normas a que está obrigada por lei, relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos, normas estas que devem estar em conformidade com todo o ordenamento jurídico, especialmente a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor e a legislação ambiental, antes de apreciar qualquer pedido atinente a produto geneticamente modificado; b) a exigir a realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental da MONSANTO e de todos os outros pedidos à CTNBio formulados; c) a obrigar a CTNBio, posteriormente à elaboração de normas, a emitir novo parecer técnico conclusivo, relativo ao pedido da MONSANTO; d) a condenar a CTNBio na obrigação de não emitir parecer técnico conclusivo a nenhum pedido antes do cumprimento de todas as exigências legais; e) a declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2, XIV, do Decreto n 1.752-95, bem como das Instruções Normativas ns. 03 e 10, no que se referem à possibilidade da CTNBio dispensar a exigência do Estudo de Impacto Ambiental, condenando-se a requerida nos ônus da sucumbência (custas e honorários advocatícios).

            Os presentes autos foram remetidos da 11° Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo à 3° Vara Federal desta Seção Judiciária (fls. 197), cujo douto Juízo declinou de sua competência para este da 6 Vara Federal, nos termos da decisão de fls. 236/289 destes mesmos autos.

            A autora alega, em síntese, que (I) a CTNBio emitiu parecer favorável ao pedido de desregulamentação da soja Round up Ready feito pela Monsanto do Brasil Ltda, sem dar qualquer resposta às relevantes considerações de impugnação desse pedido feitas pelo IDEC e outras entidades (item 2 da inicial) e sem adotar atitude prudente quanto à solicitação da Monsanto; (II) o próprio parecer técnico da CTNBio favorável ao pedido da Monsanto está eivado de ilegalidade, já que é uma confissão de que ainda há riscos não identificados, ao afirmar que pode haver alterações significativas para a biossegurança; (III) até o presente, não foram elaboradas as normas mínimas necessárias à regulamentação da segurança alimentar, comercialização e rotulagem dos alimentos transgênicos; (IV) não existem estudos de impacto ambiental em solo brasileiro, decorrente do uso de organismo geneticamente modificado, bem como é completo o desconhecimento das conseqüências, na saúde do consumidor, do consumo de alimentos contendo tais alterações genéticas, conforme manifestações de cientistas, de sociedades civis organizadas voltadas à proteção do consumidor e do meio ambiente, de juristas e mesmo de fornecedores conscientes, de representantes do Ministério Público e da própria SBPC, que, a respeito, afirmou: a desregulamentação da soja transgênica resistente ao herbicida Roundup, com o atual grau de informação disponível sobre seus riscos à saúde humana e ao meio ambiente, será decisão lesiva aos interesses da população brasileira; (V)descumpre, em conseqüência, a CTNBio o art. 10 da Lei n 6.938/81, que define a política nacional do meio ambiente, assim como as Resoluções 01/86 e 237/97, do CONAMA, que explicitamente exigem a licença ambiental em caso de introdução de espécies geneticamente modificadas no meio ambiente, (VI) descumpre, também, a CTNBio o princípio da precaução, norma de direito internacional, estabelecida na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio/92; (VII) deve a CTNBio exigir que, nos rótulos dos produtos contendo OGM, conste essa informação, em cumprimento ao Código de Defesa do Consumidor, arts. 6, I, III, 9 e 31; (VIII) as disposições contidas no art. 2, XVI do Decreto n 1.752/95 e nas Instruções Normativas ns. 3 e 10, atribuindo á CTNBio o poder de decidir sobre a necessidade de solicitar estudo de impacto ambiental ao Ministério do Meio Ambiente, quando se tratar de manipulação, plantio e liberação de organismos geneticamente modificados, violam o art. 225, 1, inciso IV, da Constituição, que obriga o Poder Público a promover a EIA e dar-lhe publicidade.

            Atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

            Regularmente citada, a União Federal apresentou a contestação de fls. 305/316, seguida dos documentos de fls. 317/369, argüindo, preliminarmente, carência de ação, eis que o ato atacado há de ser danoso aos bens e interesses da comunidade e não aos bens e interesses individuais, como na espécie. No mérito, pugna pela improcedência da ação, por falta de amparo legal.

            A Monsanto do Brasil Ltda, que já figurava, como listisconsorte passiva, nos autos do processo cautelar n 98.34.00.027681-8, preparatório desta ação, ingressou, neste feito, com a contestação de fls. 371/402, alegando, preliminarmente, impossibilidade jurídica do pedido de condenação da CTNBio a não emitir qualquer parecer técnico conclusivo, na espécie e a ilegitimidade ativa ad causam do IDEC, por tentar impedir atividade agrícola, que não se inclui na fase de consumo. No mérito, requer a improcedência da ação, por entender que a soja round up ready não tem efeitos nocivos à saúde humana, sendo desnecessários o EIA/RIMA e a rotulagem dessa soja, para fins de segurança alimentar. Atesta, finalmente, sobre a constitucionalidade do Decreto n 1.752/95 e das Instruções Normativas ns. 03 e 10, impugnados pelo Instituto-autor.

            O IDEC replicou as contestações referidas, com as razões de fls. 682/727, anexando a documentação de fls. 728/762.

            Considerando que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e a Associação Civil Greenpeace já integram a relação processual da Ação Cautelar n 98.34.00.027681-8, ordenei suas manifestações, no prazo legal, nestes autos (fls. 763), os quais, apesar de regularmente intimados (fls. 765 v), restaram silentes (fls. 766).

            No mesmo despacho de fls. 763, determinei a citação da empresa MONSOY Ltda, na condição de litisconsorte passiva necessária, uma vez que a mesma integra, também, a relação processual da referida ação cautelar.

            Regularmente citada, a MONSOY LTDA apresentou a contestação de fls. 779/812, repisando na preliminar de impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, alega que houve respeito ao princípio da precaução, na espécie, e a soja round up ready é perfeitamente segura do ponto de vista ambiental e alimentar, bem como não sofrem eiva de inconstitucionalidade o Decreto n 1.752 nem as Instruções Normativas ns 03 e 10 da CTNBio. Requer, assim, a improcedência da ação.

            O IDEC apresentou a réplica de fls. 822/840, amparada nos documentos de fls. 841/935.

            O douto Representante do Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 939/943, pugnando pelo dever de proceder-se ao EIA/RIMA, pelo direito do consumidor à informação e pela inconstitucionalidade da norma regulamentar que permite à CTNBio tangenciar obrigação constitucional e legal.

            Juntou-se, às fls. 945/1.006, cópia da sentença proferida por este Juízo, nos autos do processo cautelar n 98.34.00.027681-8, que, ora, se encontra, em grau de recurso, no egrégio TRF/1 Região.

            Este é o relatório.

            Decido.


I

            A espécie dos autos reclama o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC c/c o art. 19 da Lei n 7.347, de 24/07/85.

            A preliminar de carência de ação, arquitetada pela União Federal, sob o frágil argumento de que a presente ação visa a proteção de interesses individuais e não de bens e interesses da comunidade, não tem pertinência com a realidade dos autos, pois, nesta ação, a pretensão do IDEC é de defesa, exatamente, dos interesses coletivos e difusos de toda comunidade (possíveis consumidores da soja e de outros produtos geneticamente modificados) e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações, enquadrando-se, assim, nos objetivos da Lei n 7.347/85, que busca evitar e responsabilizar os causadores de possíveis danos ao meio ambiente e ao consumidor, dentre outros (art. 1, incisos I e II).

            No que tange à preliminar de ilegitimidade ativa ad causam do IDEC, argüida pela Monsanto do Brasil Ltda, sob a anêmica afirmativa de que aquele Instituto tenta impedir atividade agrícola, na espécie, a qual não se inclui na fase de consumo, além de ignorar a extensão do pedido inicial, que reclama da CTNBio a elaboração de normas relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos, de conformidade com as exigências da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor e da legislação ambiental, olvida-se da legitimação legal do IDEC, como associação civil de finalidade social, sem fins lucrativos, apartidária, constituída, desde agosto de 1995, por prazo indeterminado, com a missão de defender o consumidor brasileiro (cfr. art. 1 de seu Estatuto), a legitimar-se, para esta ação civil pública, nos termos do art. 82, inciso IV, da Lei n 8.078, de 11/09/90 (Código de Proteção do Consumidor) e do art. 1, inciso II, da prefalada Lei n 7.347/85.

            Por último, a enganosa preliminar, desenhada pela Monsanto e pela Monsoy, de impossibilidade jurídica do pedido de condenação da CTNBio a não emitir qualquer parecer técnico conclusivo, na espécie, não tem respaldo, também, na realidade dos autos, pois o pedido corretamente formulado na inicial, na compatibilidade conseqüencial de outros, ali, expostos, é no sentido de condenar-se a CTNBio na obrigação de não emitir parecer técnico conclusivo a nenhum pedido antes do cumprimento de todas as exigências legais.

            Afigurando-se, assim, sem sustentáculo fático ou jurídico, as preliminares referidas, rejeito-as todas, de plano.


II

            No mérito, a presente ação procede, in totum, garantindo-se o resultado útil deste processo, pela eficácia da tutela cautelar já deferida por este Juízo, nos autos do processo n 98.34.00.276681-8, com natureza mandamental-inibitória e que, ora, se subsume e fica absorvida pela eficácia que resultará deste ato sentencial de mérito.

            Quanto à exigência de realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental da MONSANTO e de todos os outros pedidos à CTNBio formulados, nesse sentido, adoto, ainda, aqui, as razões expendidas pelo ilustre Representante do Ministério Público Federal, Dr. Aurélio Veiga Rios, nos autos do processo cautelar referido, nestas letras:

            O EIA não é uma formalidade de menos; uma faculdade, arbítrio ou capricho que possa ser dispensada no exame tão delicado das conseqüências do descarte de OGM no meio ambiente. A exigência constitucional não pode ser, evidentemente, limitada por um decreto regulamentador.

            O art. 225, inciso IV, da Constituição Federal exige, na forma da lei, estudo prévio de impacto ambiental, para instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, incluindo-se nesse rol a liberação de organismo geneticamente modificado. Nos termos da Lei n 6.938/81 e da Resolução n 237, de 19/12/97, do Conselho nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que expressamente exige a licença ambiental em casos de introdução de espécies geneticamente modificadas no meio ambiente;

            Não se pode esquecer que o Estudo de Impacto Ambiental é de suma importância para a execução do princípio da precaução, de modo a tornar possível no mundo real a previsão de possíveis danos ambientais ocasionados pelo descarte de OGM no meio ambiente com todos os riscos já ditos aqui.

            Além disso, o dispositivo previsto no art. 2, inciso XIV do Decreto 1752/95, que torna facultativo o EIA, inicialmente previsto no art. 6 do projeto de lei aprovado na Câmara, foi vetado pelo Exmo. Sr. Presidente da República, sob a alegação de que a matéria deveria ser melhor examinada posteriormente, uma vez que a criação, estruturação e atribuições de órgãos públicos somente se realiza por meio de projetos de lei de iniciativa do Presidente.

            Portanto, em razão de veto presidencial não constou da Lei 8.974/85 o dispositivo que tornou o EIA, uma formalidade burocrática que o ilustre Presidente da CTNBio pode ou não requerer. A barbaridade cometida pela assessoria jurídica do Gabinete Civil da Presidência da República deve ser fulminada pela Justiça, pois ela fez ressuscitar no Decreto aquilo que tinha sido afastado no veto presidencial por se tratar de matéria que deveria estar contida em outro projeto de lei, de iniciativa do Presidente da República.

            Se a lei não poderia limitar o alcance da norma prevista no art. 225 da Constituição, muito menos poderia o Decreto, que criou a CTNBio, que sequer faz parte do ISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente; que não é órgão licenciado ambiental, dispensar a obrigatoriedade do EIA/RIMA.

            Ressalte-se que a exigência do EIA para avaliar os riscos decorrentes do descarte de OGM no meio ambiente não retrata a opinião pessoal deste órgão. Esta é, em verdade, posição institucional do Ministério Público Federal compartilhada, aliás, pelos ilustres professores e doutrinadores do direito ambiental: Paulo Affonso Leme Machado, Edis Millaré, Antônio Hermann Benjamin e Paulo de Bessa Antunes.

            Portanto, mais do que nunca o Ministério Público Federal manifesta a sua convicção de que é inconstitucional o art. 2, inciso XIV, do Decreto n 1752/95 que, ao regulamentar as atribuições e competência da CTNBio, dispensou aquele órgão da obrigação legal de exigir das empresas de biotecnologia o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), de projetos que envolvam a liberação de OGM (organismo geneticamente modificado) no meio ambiente, desobrigando a MONSANTO de apresentar o EIA referente ao cultivo da soja round up em território brasileiro;

            A respeito dos aspectos relacionados à Biossegurança, ocasionados pela introdução no meio ambiente de sementes de soja transgênica Round up Ready para o plantio, inclusive em escala comercial, no território brasileiro, a ilustre Dr. Eliana Fontes, juntamente com o Professor Edvaldo Vilela, redigiu um precioso Parecer sobre o assunto secundando algumas conclusões levantadas pela Dr Maria Conceição Gama.

            Concordamos com a Dra. Conceição Gama em sua argumentação na consultoria que prestou no que diz respeito à ausência de informações relevantes relacionadas à interação planta/ambiente nas condições do Brasil. Especialmente, consideramos relevante que sejam fornecidas informações sobre o comportamento e características das cultivares de soja Roundup Ready plantadas no ambiente brasileiro, particularmente fatores que influenciam a sobrevivência e a mortalidade das plantas transgênicas, tais como ação de pragas e patógenos, e possível ocorrência de dormência induzida, como duração, término e intensidade, nas diferentes condições ambientais prevalentes no Brasil, considerando toda a área geográfica que, potencialmente, será cultivada com esta soja.

            O dossiê apresentado pela proponente contêm apenas e tão somente informações sobre a soja em questão quando cultivada nos Estados Unidos. As experiências relatadas para o Brasil dizem respeito a testes de comprovação de eficiência das variedades visando o registro do herbicida Round Up neste país, tratando, basicamente, de questões agronômicas e não aquelas de segurança ambiental. Não abordam assim, aspectos relevantes para a biossegurança de linhagens transgênicas. Consideramos este nível de informação insuficiente para uma tomada de decisão para o que se pode chamar de desregulamentação deste produto no Brasil.

            (Pareceres juntados aos autos às fls. 519/526).

            Desse modo, os pesquisadores acima referidos, dentre as quais, a Dr Eliana Gouvêa, que já exerceu a função de secretária executiva da CTNBio e é co-autora do livro Biossegurança e Biodiversidade: Contexto Científico e Regulamentar, suscitam sérias dúvidas quanto à adequação dos estudos apresentados nos EUA perante as agências norte-americanas para respaldar a liberação, em escala comercial, da soja round up ready.

            É muito preocupante saber que as variações climáticas brasileiras e as espécies aqui existentes, bastante diferenciadas daquelas existentes nos EUA, não foram levadas em consideração pela CTNBio que, em gesto no mínimo açodado, aprovou Parecer Técnico, sem que esses detalhes tivessem sido previamente examinados, como demonstra os Pareceres em anexo, juntados pelo IDEC, às fls. 519/526.

            Dois fatos revelam o açodamento ou a incrível eficiência da análise procedida pela CTNBio. O primeiro refere-se à velocidade da aprovação do cultivo experimental por um ano, e logo a seguir, a apresentação do pedido de desregulamentação da soja round up ready, sem que fosse estudado, em todos os aspectos, os problemas decorrentes da introdução do referido OGM no Brasil.

            Noutro passo de seu pronunciamento, o douto Representante do Ministério Público Federal, assim se expressa:

            O primeiro grande equívoco consiste em descaracterizar o princípio da precaução como princípio de direito internacional, insistindo em uma distinção formal entre declaração e convenção; entre princípios e normas internacionais vinculantes.

            De início, vamos começar enfatizando a importância do princípio da precaução como regra fundamental de proteção ambiental no direito internacional. O próprio professor Toshio Mukai não nega esse caráter, em sua conhecida obra "Direito Ambiental Sistematizado ", ao concordar com o eminente professor português, Femando Alves Correia, que sobre o assunto ensina:

            "seguindo de perto a doutrina alemã, poderemos dizer que o direito do ambiente é caracterizado por três princípios fundamentais: o princípio da prevenção (vorsorgeprinzip), o princípio do poluidor pagador ou da responsabilização (verursacherprinzip) e o princípio da cooperação ou da participação.

            (Sobre o princípio da precaução) é o autor português quem nos oferece o seguinte significado deste princípio, com base em Schimisdt: pode ser visto como um quadro orientador de qualquer política moderna do meio ambiente. Significa que deve ser dada prioridade às medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente. Utilizando os termos da alínea a do artigo 3 da Lei (portuguesa) de Bases do Ambiente, as atuações com efeitos imediatos ou a prazo no meio ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente à correção dos efeitos dessas ações ou atividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente".

            Curiosamente, antes mesmo do advento da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, onde foi gestada a Declaração do Rio, que contempla em seu Princípio n 15, o princípio da precaução, o professor MUKAI já dizia que a Lei n 6.938/81, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Politica Nacional do Meio Ambiente, teria contemplado, no Direito positivo brasileiro, o princípio da prevenção.

            Entretanto, não é suficiente citar o autor MUKAI para refutar o parecerista , porque, entre nós, merece transcrição as preciosas lições sobre o principio da precaução no direito ambiental dadas pelo velho e bom Professor Paulo Affonso Leme Machado:

            O posicionamento preventivo tem por fundamento a responsabilidade no causar perigo ao meio ambiente. E um aspecto da responsabilidade negligenciado por aqueles que se acostumaram a somente visualizar responsabilidade pelos danos causados Da responsabilidade de prevenir decorrem obrigações de fazer e não fazer.

            Não é preciso que se tenha prova científica absoluta de que ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o dano seja irreversível ou grave para que não se deixe para depois as medidas efetivas de proteção ao ambiente. Existindo dúvida sobre a possibilidade futura de dano ao homem e ao ambiente a solução deve ser favorável ao ambiente e não a favor do lucro imediato - por mais atraente que seja para as gerações presentes.

            Mas a principal crítica dos eméritos consultores da empresa MONSANTO refere-se ao fato de que a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento será uma soft law, uma declaração de princípios sem o poder de vincular ou obrigar qualquer país ao seu cumprimento.

            Sobre este ponto, a divergência não está em identificar a natureza da Declaração do Rio como uma carta de princípios e compromissos que não tem por objetivo criar normas precisas, específicas, de cumprimento obrigatório ou mesmo estipular sanções aos países que venham a descumprir os seus mandamentos. Evidentemente, a Declaração do Rio estabelece princípios a serem seguidos pelos países signatários para alcançar as metas previstas para a proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável do Planeta, como se lê do seu Preâmbulo.

            Pois sim o que parece dividir a opinião dos doutrinadores internacionais dos pareceristas que auxiliam a empresa ré nesta empreitada jurídica seriam os efeitos no direito interno de uma declaração internacional assinada por apenas 174 países. Dizem eles que esses princípios não são princípios de direito internacional.

            Phillipe Sands, emérito professor de direito internacional e uma das maiores autoridades no assunto, mata a charada esclarecendo que a Declaração do Rio, ao incorporar vinte e sete princípios de cooperação entre Estados e povos, tem a finalidade de estabelecer as bases para o direito internacional ao desenvolvimento sustentado.

            "Apesar de não ser estritamente vinculante, muitas das regras (da Declaração do Rio) refletem princípios do direito costumeiro internacional, outras refletem princípios emergentes no direito internacional e, ainda, outras prevêem orientações a serem incorporadas nos sistemas normativos internos e internacionais. A Declaração do Rio é a mais importante referência para se avaliar os futuros desdobramentos do direito internacional ao prover as bases para a definição do desenvolvimento sustentável e sua aplicação no plano do direito interno."

            Especificamente sobre o princípio da precaução, Sands não tem dúvida em afirmar que tal princípio, expresso na Declaração do Rio e devidamente incorporado nas Convenções Internacionais de Mudanças Climáticas e Conservação da Diversidade Biológica, faz parte do direito costumeiro internacional, sendo, portanto, uma regra de jus cogens que, em países como o Reino Unido, se incorpora automaticamente ao direito interno.

            A propósito, a discussão sobre os efeitos vinculantes do princípio da precaução sugerida pela empresa não leva a lugar nenhum, à medida em que a Convenção da Diversidade Biológica, que é um tratado internacional, assinado, ratificado pelo Brasil e incorporado no direito interno, expressamente acolhe o princípio da precaução como meio de proteção da variedade biológica no planeta.

            Depois, não pode haver dúvida de que o princípio da prevenção, ou da precaução, nada mais faz do que estabelecer o que o bom senso ou o senso comum há muito apregoam, como: é melhor prevenir, do que remediar; se não há certeza de que um determinado produto fará bem a você, e melhor não usá-lo. O princípio da precaução, intuitivamente, aplica-se às nossas vidas nas coisas mais banais e, no caso em exame, como explica Paulo Affonso Machado, se aplica, inteiramente, à introdução de OGM no país, in verbis:.

            "o legislador é chamado a intervir nesse campo, porque não se pode negar a existência de riscos para os seres humanos, para os animais e para as plantas

            ao ser realizada a manipulação genética. Mencionam-se como riscos: o aparecimento de traços patógenos para humanos, animais e plantas; perturbações para os ecossistemas; transferência de novos traços genéticos para outras espécies, com efeitos indesejáveis; dependência excessiva face às espécies (geneticamente modificadas), com ausência de variação genética.

            A Lei 8.974/95 objetiva estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso de técnicas de Engenharia Genética. Ao falar em normas de segurança implicitamente a lei abarca o conceito que a Engenharia Genética implica riscos, que necessitam ser geridos."

            Ora a Lei de Biossegurança foi pensada para evitar e prevenir os efeitos não desejados que potencialmente podem ser produzidos pelas espécies geneticamente alteradas. Aliás, outra não foi a razão pela criação da Comissão Técnica de Biossegurança, com 18 (dezoito) componentes, que possui, dentre outras atribuições, estabelecer normas e regulamentos sobre biossegurança e classificar o OGM segundo o seu risco (art. 2 do Decreto n 1520/95).

            A propósito, a ilustre pesquisadora e membro integrante da CTNBio,- Eliana Gouveia Fontes, defende abertamente a aplicação do principio da precaução em relação aos novos produtos gerados pela biotecnologia. Ela afirma, corretamente ao nosso ver - em artigo publicado no Boletim Informativo n O1 /CTNBio (órgão oficial de divulgação da CTNBio), que:

            "Toda nova tecnologia deve ser analisada previamente, afim de verificar se sua aplicação poderá ter qualquer impacto indesejável. Tomar conhecimento prévio é apenas uma questão de bom senso. Já aprendemos a nossa lição no passado com o que aconteceu com novas tecnologias e produtos, pesticidas sendo o caso em questão. Anteriormente novas tecnologias podiam ser introduzidas sem muito controle. Uma substância só era retirada do mercado quando o dano já havia ocorrido, em outras palavras quando já era muito tarde. Hoje, um novo químico somente pode ser introduzido no mercado se uma análise anterior indicar que efeitos danosos resultantes de seu uso não são esperados. Portanto, substâncias e produtos (inclusive organismos vivos), com características desconhecidas, ou com características maléficas conhecidas, são sujeitas a uma seleção cuidadosa antes de serem colocados no mercado. Este procedimento parece perfeitamente lógico, mas muito tempo se passou e dano ambiental considerável foi causado antes de se chegar a este estágio. Também na biotecnologia moderna nos encontramos frente à uma nova tecnologia, por ser ainda desconhecido, se, ou até que ponto, efeitos danosos poderiam resultar. Portanto, o principio da precaução deve ser aplicado igualmente com organismos, substâncias e produtos dela resultantes.

            A falta de experiência com os organismos modificados geneticamente OGMs e o potencial destes organismos para causar certos efeitos adversos, como resultado dos genes altamente alienígenas inseridos em seus genomas, são a base das regulamentações de biossegurança. Apesar de que a capacidade de produzir alterações genéticas precisas aumente a confiança de que mudanças não intencionais no genoma não irão ocorrer, isto não assegura que todos os aspectos ecológicos importantes do fenótipo possam ser preditos "(grifes nossos).

            Portanto, é um completo disparate falar que o descarte de OGM não causa significativo impacto no meio ambiente, para efeito de se exigir Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) nos termos do art. 225, inciso IV, da Constituição.

            Outro absurdo que não pode ficar sem resposta é a idéia de que a CTNBio teria poder discricionário para solicitar, quando bem entendesse, o EIA e que, após emitido o Parecer Técnico Conclusivo, aprovando o plantio e a comercialização de uma planta geneticamente modificada, os outros órgãos estariam vinculados a tal decisão.

            Não deixa de ser curioso o fato de que, segundo os pareceristas, a Lei n 8974/95, por ser específica e posterior à Lei n 6.938/81, teria regulamentado, por inteiro, o uso e a manipulação genética, estando facultado ao livre arbítrio da CTNBio decidir o modo e tempo que entender oportuno as hipóteses em que o órgão colegiado poderá autorizar a construção, o cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de OGM. O mais incrível é que, na abalizada opinião dos seus consultores, após a super-comissão aprovar o Parecer Técnico Conclusivo, o ato administrativo aprovado passa a ser vinculado, obrigando aos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente adotá-lo sem críticas ou reservas.

            Mais uma vez, vamos nos socorrer das preciosas lições do mestre Paulo Affonso Leme Machado, que estudou a fundo a questão da competência da CTNBio, em especial a obrigação genérica dos Ministérios referidos no caput do art. 7 da Lei n 8.974/95 de realizar a fiscalização e monitoramento de todas as atividades relacionadas com OGM. Diz ele:

            "As autorizações mencionadas só poderão ser expedidas após ter sido ouvida a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a qual deverá emitir Parecer Prévio Conclusivo. -Os Ministérios deverão levar em conta na motivação das autorizações o referido parecer, mas não estão vinculados ao mesmo. Para não seguir o Parecer da CTNBio, a Administração Federal deve apresentar razões fundamentadas no interesse da vida e da saúde do homem, dos animais, das plantas, bem como do meio ambiente (art. 1 da Lei n 8.9 74/95).

            O registro do produto contendo OGM ou os derivados de OGM para liberação no meio ambiente é uma fase preliminar que antecede à autorização. O simples registro não equivale a dizer que o produto pode ser descartado no meio ambiente.

            Insistimos que não se pode afastar a decisão final da liberação de OGM do Grupo II dos Ministérios competentes a emissão de autorização jamais poderá se arbitrada. Necessita de motivação, isto é, a exteriorização dos fundamentos da concordância da Administração Pública. Esta age em nome dos interesses públicos e, no caso, interesses públicos indisponíveis, a 'proteção da saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como do meio ambiente", como expressamente assinala o art. 1 da Lei de Engenharia Genética - a Lei 8.974/95. Portanto, os critérios utilizados pela Administração Pública, isto é, pelos órgãos dos Ministérios mencionados, para emitir quaisquer das autorizações podem e devem ser revistos pelo Poder Judiciário, através das ações judiciais apropriadas. Não constitui invasão das competências do Poder Executivo o reexame das autorizações não só para constatar-se desvio de poder, mas para averiguar se as finalidades de proteção constantes da lei foram efetivamente atendidas"(grifamos).

            Neste ponto, devemos fazer uma reflexão sobre essa incessante polêmica sobre a obrigatoriedade ou não do EIA como condição para autorização de plantio ou comercialização de OGM. Afirma a empresa na sua manifestação de fls. 887 e seguintes, que:

            Na análise da composição da soja transgênica, a agência declarou que "a decisão da agência está fundamentada na análise dos dados fornecidos ao APHIS pela Monsanto, bem como outros dados científicos e comentários recebidos do público com relação ao potencial de ser a linhagem STG 403-2. a partir de nosso exame determinamos que a linhagem STG 40-3-2: (1) não mostra possuir quaisquer propriedades vegetais patógenas; (2) sua improbabilidade de se tornar uma planta daninha é igual à das variedades não modificadas com linhagem progenitora comum; (3) não aumentará o potencial de herbosidade de qualquer outra planta cultivada ou de quaisquer espécies nativas silvestres com as quais possa conseguir cruzar; (4) não causará danos aos produtos agrícolas processados; e (5) é improvável que prejudique quaisquer outros organismos, como as abelhas e minhocas, que são benéficos para a agricultura" (doc. n 5, pág. 22).

            Se tudo o que foi dito pela empresa em relação aos supostos danos ambientais que poderiam ser causados pela soja round up ready for de fato verdade, e vamos aqui admitir, em teoria, que a nova variedade seja mesmo inofensiva do ponto de vista ambiental, então, qual é a razão para não se apresentar o EIA, se se trata do primeiro caso de aprovação de OGM no país

            Ora, a simples realização do EIA demonstrando os acertos de suas premissas ambientais daria à MONSANTO e à CTNBio o argumento definitivo sobre o assunto, afastando qualquer dúvida sobre eventuais efeitos danosos decorrentes do descarte de OGM no meio ambiente. Os seus adversários perderiam o palanque político e a opinião pública seria agraciada com uma satisfação pública por parte da empresa quanto a um empreendimento ambientalmente correto. O princípio constitucional teria sido rigorosamente cumprido e o Ministério Público Federal daria, por finda, no caso específico, a sua jornada cívica em favor da análise de risco e de medidas de precaução ambiental; e esta incansável Vara Federal se livraria da pressão de ter que decidir rapidamente sobre a necessidade ou não do EIA.

            Nessa inteligência, caminham estudiosos do assunto, tais como, Miguel Pedro Guerra, professor titular e coordenador do curso de pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais da UFSC e Secretário Regional da SBPC/SC, Rubens Onofre Nodari, professor titular da UFSC e presidente da Sociedade Brasileira de Genética Regional de SC e Glaci Zancan, professora titular e Chefe do Departamento de Bioquímica da UFOR e Vice-presidente do SBPC, que, em artigo publicado, sob o título A Soja Transgênica e a Cidadania, assim concluíram:

            Estamos convencidos de que é preciso estudar com atenção e discutir publicamente o caso da soja antes de sua liberação, até porque este será um caso que criará jurisprudência sobre o assunto. Existem várias questões no processo apresentado em que não há informações ou estas não estão completas.

            Acima de tudo, não há informações claras sobre os graus de toxidade do produto para a espécie humana - o que é exigido pelas Instruções Normativas da própria CTNBio.

            Também não se informa, no documento, sobre o efeito da transgenia no processo de fixação simbiótica de nitrogênio intermedido pela bactéria Rhizobium.Tampouco se informa sobre o impacto do cultivo destas variedades transgênicas na microbiota dos solos brasileiros.

            Ao contrário do que diz a empresa no processo, trabalhos científicos publicados atestam que o herbicida Roundup acumula-se no solo e é prejudicial a peixes e a ratos. Os referidos trabalhos demonstraram ainda que o produto é prejudicial a minhocas e a insetos, além de causar problemas reprodutivos em ratos.

            Na verdade, não há referências ao processo de degradação do herbicida nos diferentes solos e regiões brasileiros onde esta espécie é cultivada.

            Também não se trata das reações tóxicas que o herbicida poderia causar à espécie humana. Na Califórnia, por exemplo, o produto é a terceira causa mais freqüente de reações tóxicas.

            É verdade que as implicações das plantas transgênicas na agricultura ainda são, na sua maioria, uma incógnita. Contudo, algumas delas são possíveis de se antever, usando-se apenas o bom senso e o conhecimento biológico. Como conseqüência do cultivo em grandes extensões dessas plantas transgênicas, teremos um aumento da uniformidade genética. É elementar prever-se que a homogeneização aumentará a vulnerabilidade genética, podendo facilitar a ocorrência de grandes epidemias - como a que afetou o milho há 18 anos, nos EUA.

            A decisão de desregulamentar a soja e, por extensão, todos os outros eventuais produtos engenheirados, deve ser analisada também do ponto de vista político e econômico. Há que resguardar a soberania tecnológica nacional, protegendo os interesses e direitos dos agricultores e dos pesquisadores.

            Maior produtividade e o conseqüente aumento da capacidade de competição do Brasil no mercado internacional (principais vantagens associadas à soja transgênica) são conquistas que não podem se sobrepor aos direitos dos cidadãos.

            Para a SBPC, que completa 50 anos de luta em favor do conhecimento como ferramenta de cidadania, a desregulamentação da soja transgênica resistente ao herbicida Roundup, com o atual grau de informação disponível sobre seus riscos à saúde humana e ao meio ambiente, será decisão lesiva aos interesses da população brasileira. (In Jornal da Ciência - Edição de 28/08/98 - Fls. 98).

            O renomado Professor Paulo Afonso Leme Machado escreveu notável estudo sobre o Princípio da Precaução e o Direito Ambiental, de que merecem destaque os tópicos seguintes:

A PREVENÇÃO E A INTRODUÇÃO DO PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO NO DIREITO AMBIENTAL.

            Prevenir a degradação do meio ambiente no plano nacional e internacional é uma concepção que passou a ser aceita no mundo jurídico, especialmente, nas últimas três décadas. Não se inventaram todas as regras de proteção ao ambiente humano e natural nesse período. A preocupação com a higiene urbana, um certo controle sobre as florestas e a caça já datam de séculos. Inovou-se no tratamento jurídico dessas questões, procurando-se interligá-las e sistematizá-las, evitando-se a fragmentação e até o antagonismo de leis, decretos e portarias.

            Demorou-se muito para procurar-se evitar a poluição, e a transformação do mundo natural fazia-se sem atentar-se aos resultados. No Brasil, desbravar, povoando novos territórios, com a expulsão ou a conquista das populações autóctones, desmatando e explorando minas era sinônimo de coragem, de progresso, de enriquecimento público e privado. O que ia acontecer ou o que podia acontecer para a natureza não se queria cogitar, pois acreditava-se que a natureza desse país imenso se arranjaria por si mesma. O moderno desbravamento continuou o passado, agora com métodos mais agressivos, empregando moto-serras e tratores para desmatar, poluindo os cursos de água com mercúrio e outros metais pesados, concentrando indústrias contaminadoras, como em Cubatão, ou danificando o ar com a poluição dos veículos, como em São Paulo. No final do século XX, novas formas de atividades, que podem desequilibrar definitivamente o já precário equilíbrio da vida no planeta, são ainda fomentadas: a disseminação avassaladora dos pesticidas, a expansão de usinas nucleares e de seus rejeitos radioativos e a introdução precipitada de organismos geneticamente modificados.

            A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei n 6.938 de 31 de agosto de 1981) inseriu como objetivos dessa política pública - compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos ambientais, com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente (art. 4, I e VI). Entre os instrumentos da política nacional do meio ambiente colocou-se a avaliação dos impactos ambientais (art. 9, III). A prevenção passa a ter fundamento no direito positivo nessa lei pioneira na América Latina. Incontestável passou a ser a obrigação de prevenir ou evitar o dano ambiental, quando o mesmo pudesse ser detectado antecipadamente. Contudo, no Brasil, em 1981, ainda não havíamos chegado claramente ao direito da precaução.

            O princípio da precaução (vorsorgeprinzip) está presente no direito alemão desde os anos 70, ao lado do princípio da cooperação e do princípio poluidor-pagador. Eckard Rehbinder, Professor da Universidade de Frankfurt, acentua que a política ambiental não se limita à eliminação ou redução da poluição já existente ou iminente (proteção contra o perigo), mas faz com que a poluição seja combatida desde o início (proteção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro . Gerd Winter, Professor na Universidade de Bremen, diferencia perigo ambiental do risco ambiental. Diz que se os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque sempre permanece a probabilidade de um dano menor. Os riscos podem ser minimizados. Se a legislação proíbe ações perigosas, mas possibilita a mitigação dos riscos, aplica-se o princípio da precaução, o qual requer a redução da extensão, da freqüência ou da incerteza do dano

            A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa a durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e a continuidade da natureza existente no planeta. A precaução deve ser visualizada não só em relação às gerações presentes, como em relação ao direito ao meio ambiente das gerações futuras, como afirma Michel Prieur, Professor na Universidade de Limoges .

            O princípio da precaução e a engenharia genética

            Na França, o Conselho de Estado  concedeu medida liminar (sursis à exécution) em um processo movido pela Association Greempeace France contra a empresa Norvatis, suspendendo a portaria do Ministro da Agricultura de 5 de fevereiro de 1998, que permitia o cultivo do milho transgêncio ou obtido através de manipulação genética. O Tribunal francês acolheu a argumentação de que o processo estava incompleto no referente à avaliação de impacto sobre a saúde pública do gene de resistência à ampicilina contido nas variedades de milho transgênico, como, também, o não respeito ao princípio da precaução, enunciado no art. L. 200-1 do Código Rural. A ex-ministra do meio Ambiente, jurista Corinne Lepage afirmou que o posicionamento do Conselho de Estado ultrapassa o caso do milho transgênico, pois o princípio deverá ser aplicado para todos os organismos geneticamente modificados (OGM) (20). O art. L. 200-I do Código Rural mencionado no julgado tem a seguinte redação: o princípio da precaução, segundo o qual a ausência de certeza, levando em conta os conhecimentos científicos e técnicos do momento, não deve retardar a adoção de medidas efetivas e proporcionais visando prevenir o risco de danos graves e irreversíveis ao meio ambiente, a um custo economicamente aceitável

            Implementação imediata das medidas de prevenção: o não adiamento

            Os documentos internacionais citados entendem que as medidas de prevenção não devem ser postergadas (Declaração do Rio de Janeiro/1992, Convenção da Diversidade Biológica e Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima).

            Postergar é adiar, é deixar para depois, é não fazer agora, é esperar acontecer. A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, através da prevenção no tempo certo.

            O princípio da precaução, para ser aplicado efetivamente, tem que suplantar a pressa, a precipitação, a rapidez insensata e a vontade de resultado imediato. Não é fácil o confronto com esses comportamentos, porque eles estão corroendo a sociedade contemporânea. Olhando-se o mundo das Bolsas, aquilata-se o quanto a cultura do risco contamina os setores financeiros e os governos, jogando na maior parte das vezes, com os bens alheios. O princípio da precaução não significa a prostração diante do medo, não elimina a audácia saudável, mas equivale à busca da segurança do meio ambiente, indispensável para a continuidade da vida.

            A necessidade do adiamento das medidas de precaução em acordos administrativos ou em acordos efetuados pelo Ministério Público deve ser exaustivamente provada pelo órgão público ambiental ou pelo próprio Ministério Público. Na dúvida, opta-se pela solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente (in dubio pro salute ou in dubio pro natura).

            5.5.0 Princípio da precaução e os princípios constitucionais da Administração Pública brasileira.

            O princípio da precaução abraçado pelo Brasil com a adesão, ratificação e promulgação das Convenções Internacionais mencionadas, com a adoção do artigo 225 da Constituição Federal e com o advento do artigo 54, 3 da Lei 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998 deverá ser implementado pela Administração Pública, no cumprimento dos princípios expostos no artigo 37 caput da Constituição Federal.

            Contraria a moralidade e a legalidade administrativas a postergação de medidas de precaução que devam ser tomadas imediatamente. Viola o princípio da publicidade e da impessoalidade administrativas os acordos e/ou licenciamentos em que o cronograma da execução de projetos ou a execução de obras não são apresentados previamente ao público, para que os setores interessados possam participar do procedimento das decisões.

            Deixa de buscar eficiência a Administração Pública que, não procurando prever danos para o ser humano e o meio ambiente, omite-se no exigir e no praticar medidas de precaução, que, no futuro, ocasionarão prejuízos, pelos quais ela será co-responsável.

            Não apenas a existência dos princípios constitucionais apontados são importantes, no sadio funcionamento da Administração Pública ambiental. A prática dos princípios da informação ampla e da participação ininterrupta das pessoas e organizações sociais, no processo das decisões dos aparelhos burocráticos, é que alicerçam e tornam possível viabilizar a implementação da prevenção e da precaução para a defesa do ser humano e do meio ambiente.

            5.6. A inversão do ônus da prova e o princípio da precaução

            Em certos casos, face à incerteza científica, a relação de causalidade é presumida com o objetivo de evitar a ocorrência de dano. Então, uma aplicação estrita do princípio da precaução inverte o ônus normal da prova e impõe ao autor potencial provar, com anterioridade, que sua ação não causará danos ao meio ambiente ensinam os professores Alexandre Kiss e Dinah Shelton. (24). Citam o exemplo da lei alemã sobre responsabilidade ambiental (25). No Brasil, pela lei de Política Nacional do Meio Ambiente aplica-se a responsabilidade civil objetiva art. 14, 1).

            7. O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: DIAGNÓSTICO DO RISCO AMBIENTAL

            A aplicação do princípio da precaução relaciona-se intensamente com a avaliação prévia das atividades humanas. O estudo de impacto ambiental insere, na sua metodologia, a prevenção e a precaução da degradação ambiental. Diagnosticado o risco do prejuízo, pondera-se sobre os meios de evitar o prejuízo. Aí entra o exame da oportunidade do emprego dos meios de prevenção.

            A Declaração do Rio de Janeiro/1992 preconizou também o referido estudo de impacto ambiental, dizendo no princípio 17: a avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de uma autoridade nacional competente.

            O Brasil já havia adotado em sua legislação esse instrumento jurídico de prevenção do dano ambiental.

            A Constituição Federal de 1998 (art. 225) diz em seu 1:

            Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

            IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade

            Nesse estudo, avaliam-se todas as obras e todas as atividades que possam causar degradação significativa ao meio ambiente. A palavra potencialmente   abrange não só o dano, de que não se duvida, como o dano incerto e o dano provável.

            A Resolução CONAMA n 001/1986 diz que o estudo de impacto ambiental desenvolverá: a análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo; temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade: suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais (art. 6, II)

            O grau de perigo, ou seja, a extensão ou a magnitude do impacto é uma das tarefas do estudo de impacto ambiental, como se vê da regulamentação acima referida. É também objeto da avaliação o grau de reversibilidade do impacto ou sua irreversibilidade. Como se constata a legislação do estudo de impacto ambiental contempla, também, uma avaliação de risco.

            É preciso ressaltar a necessidade de os consultores do estudo de impacto ambiental serem competentes e independentes para avaliar os riscos . Falando na crise da perícia diz Axel Kahn assiste-se, às vezes, ao fenômeno singular e humano da confusão entre perícia e se, às vezes, ao fenômeno singular e humano da confusão entre perícia e promoção da técnica examinada, pela razão de que os peritos (ou especialistas) sendo experientes no terreno que examinam, são levados, às vezes, a defendê-lo em vez de avaliar verdadeiramente .

            No caso da aplicação do princípio da precaução, é imprescindível que se use um procedimento de prévia avaliação, diante da incerteza do dano, sendo este procedimento o já referido estudo prévio de impacto ambiental. Outras análises por mais aprofundadas que sejam, não podem substituir esse procedimento. Decidiu o Egrégio Tribunal Federal da 5 Região, com sede em Pernambuco que o Relatório de Viabilidade Ambiental não é idôneo e suficiente para substituir o estudo de impacto ambiental e respectivo relatório.  Muito acertada a decisão judicial, pois a multiplicidade de procedimentos não só geraria confusão, como enfraqueceria as garantias jurídicas de seriedade, de amplitude e de publicidade já inseridas no estudo de impacto ambiental.

            2.5. O parecer da CTNBio deixa de aplicar o princípio da precaução

            Determinou-se à Empresa Monsanto a realização de monitoramento ao mesmo tempo em que a maioria da CTNBio é favorável a que o Ministério da Agricultura libere o produto para uso comercial. É profundamente chocante esse tipo de raciocínio. Se o produto é realmente seguro, não há razão de submetê-lo a um monitoramento, com regras que revelam o perigo do dano ambiental. O que era lógico esperar-se é que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança opinasse que antes do uso comercial do produto, fosse feito o monitoramente fiscalizado do produto e só depois - se não houvesse dano significativo - pudesse haver o seu livre plantio e comercialização.

            A CTNBio já se houvera omitido na aplicação do princípio da precaução, quando se posicionara favoravelmente à importação de soja transgênica (processo n 1997.340000.036170-4 - Distrito Federal), conforme se vê do magnífico parecer do Procurador da República Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, com a merecida concessão de liminar).

            A manifestação da maioria da CTNBio favorável ao plantio e comercialização da soja transgência transforma toda a população brasileira em cobaia, passando cada brasileiro e cada brasileira a figurar como rato de laboratório na expressão de Mae-Wan-Ho, Biologista Molecular na Opena University, na Grã-Bretanha: Assiste-se a uma desregulamentação considerável com relação às regras de segurança. Utiliza-se a população, contra sua vontade, a exemplo de um ato de laboratório, para testar produtos transgênicos .

            Ao não determinar medida de precaução, desaconselhando a imediata autorização pelos Ministérios competentes do livre cultivo da soja transgênica, a maioria da CTNBio desprezou a Convenção da Diversidade Biológica em vigor no Brasil, e assim, agiu ilegalmente. A política nacional de biossegurança deve começar na própria Comissão que a propõe (art. 2, I do decreto n 1.752 de 20/12/1995. (Fls. 498/512).

            O princípio da precaução, pelo visto, resulta da pujança protetiva do texto constitucional, ao cuidar do meio ambiente, com natureza vinculativa, como patrimônio difuso e cósmico da humanidade.

            Nesse sentido, observa Alexandre de Moraes:

            A Constituição proclama que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225); prescrevendo as seguintes normas obrigatórias de atuação da Administração pública e dos particulares, uma vez que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (CF, art. 225, 3).

            - preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e provimento do manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

            - preservação à diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

            - definição, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem suas proteção;

            - exigência, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, de estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. Analisando esse tema, o Supremo Tribunal Federal declarou, liminarmente, a inconstitucionalidade do art. 182, 3, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que excluía a obrigatoriedade de estudos prévios de impacto ambiental, em relação às áreas florestadas ou objeto de reflorestamento para fins empresariais. Assim se manifestou, entendendo que se revelava juridicamente relevante a tese de inconstitucionalidade da norma estadual que dispensa o estudo prévio de impacto ambiental no caso de áres de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, pois Mesmo que se admitisse a possibilidade de tal restrição, a lei que poderia viabilizá-la estaria inserida na competência do legislador federal, já que a este cabe disciplinar, através de normas gerais, a conservação da natureza e a proteção do meio ambiente (art. 24, inc. VI, da CF), não sendo possível, ademais, cogitar-se da competência legislativa a que se refere o 3 do art. 24 da Carta Federal, já que esta busca suprir lacunas normativas para atender às peculiaridades locais ausentes na espécie. STF/Pleno - ADIN n 1.086-7/SC - Pleno - medida liminar - Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 16 set. 1994. (In Direito Constitucional - 5 Edição, Revista, ampliada e atualizada com a EC n 19/98 (Reforma Administrativa) - Editora Atlas S/A - SP - 1999 - págs. 604/605).

            No eco de tantas vozes autorizadas, no mundo da biotecnologia, a exigir prudência e segurança no trato de organismos geneticamente modificados (OGM), com vistas a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais, das plantas, dos seres vivos em geral e de todo o meio ambiente, impõe-se a observância rigorosa do princípio da precaução, na espécie.

            A apresentação cientificamente fundamentada do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, na forma preconizada pelo art. 225, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, como condição indispensável ao plantio, em escala comercial, da soja round up ready, resulta, em termos vinculativos, dos direitos fundamentais (vida, liberdade, segurança e meio ambiente ecologicamente equilibrado) de primeira e quarta dimensão.

            Nessa convicção, escreve Ingo Wolfgang Sarlet: No que diz com a relação entre os órgãos da administração e os direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da administração, a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de forma constitucional, isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos fundamentais. A não-observância destes postulados poderá, por outro lado, levar à invalidação judicial dos atos administrativos contrários aos direitos fundamentais, problema que diz com o controle jurisdicional dos atos administrativos (...). (In Eficácia dos direitos Fundamentais - Ed. Livraria do Advogado - Porto Alegre - 1998 - p. 327).

            Nesse particular, o princípio da precaução é imperativo constitucional, que não dispensa o Estudo Prévio de Impacto ambiental, para o plantio, em escala comercial, da soja transgênica (round up ready).

            Com a máxima vênia, não posso concordar, assim, com o respeitável entendimento do ilustre Juiz Federal Substituto desta Vara, no sentido de que a questão há de ser equacinada por prova pericial, imprescindível, na espécie, na convicção de que o direito do consumidor, a meu sentir, está suficientemente resguardado pela liminar deferida às fls. 208 da ação civil pública n 97.36170-4, determinando a rotulagem de todo e qualquer produto feito à base de soja transgênica, esclarecendo quanto às suas características e riscos para o consumo (sic - fls. 472).

            A simples rotulagem dos produtos transgênicos afigura-se insuficiente ao preenchimento da eficácia do princípio da prevenção, nesse contexto, em que se busca proteger, prioritariamente, a sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações, como ordena o comando constitucional.

            Como bem observa o Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, digno e sábio Representante do Ministério Público Federal, a rotulagem de produtos para consumo humano ou animal é a última etapa de um processo, que se inicia com o plantio da semente de soja, trigo, milho, arroz , e termina com o produto beneficiado pronto, embalado e rotulado nas prateleiras do Supermercado à espera do consumidor. (sic - fls. 792/793).

            O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) atende, de pronto, à eficácia vinculante do princípio da precaução, pois se caracteriza como procedimento imprescindível de prévia avaliação diante da incerteza do dano, como observa o conceituado Paulo Afonso Leme Machado.

            Para se construir uma sociedade livre, justa e solidária, como objetiva, fundamentalmente, a República Federativa do Brasil (CF, art. 3, I), há de se buscar uma ordem econômica que assegure a todos uma existência digna (CF, art. 170, caput), observando-se, dentre outros, os princípios da soberania nacional, da defesa do consumidor e do meio ambiente (CF, art. 170, incisos I, V e VI).

            Com inteira razão, observa a douta constitucionalista Carmen Lúcia Antunes Rocha que a experiência agressiva da civilização do ter sugere o aparecimento de vozes ponderando pela vivência do ser. Contra a modernidade do ganho (donde vem a ganância) a eternidade do benefício humano (donde vem a solidariedade). E, noutro passo, assevera, no brilho destas letras: Mas a década de oitenta mostra um processo de mudanças no Estado, desenvolvidas no sentido inverso ao que o constitucionalismo parecia apontar. Se os direitos sociais e mais aqueles denominados de terceira dimensão, tais como o direito ao meio ambiente saudável, o direito ao desenvolvimento equilibrado, o direito à paz, o direito sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação passaram a ser buscados mesmo no plano constitucional, uma proposta ou, o que é mais, uma nova imposição se começou a fazer sentir na ordem econômica: a que forçava a lex mercatoria sem regulamentação e sem a presença do Estado no plano das experiências políticas. A prioridade dos mercados e suas leis a enfatizar a presença de consumidores para a obtenção de mais lucros, de um lado, e a sua inserção na prática política dentro do Estado ou mesmo acima dele, por outro, ensejaram o que se deu a conhecer como a tendência neoliberal do processo de globalização. Note-se que não se cuida, aqui, de renegar o mercado como organização que guarda inequívoca importância na organização da sociedade ocidental e mesmo mundial e na dinâmica da vida econômica. O que se põe em relevo, contudo, é que o mercado há que estar a serviço de metas sociais e não a sociedade a serviço do mercado. Nem a lei do mercado haverá que dominar o homem e conduzir a sua necessidade. Antes ter-se-ia, então, uma lei totalitária e sem fundamento de humanidade ou de humanismo. E, no entanto, é o homem que deve livremente afirmar a sua necessidade para que em sua direção se conduza o mercado. Principalmente, haverá que se elaborar sempre um Estado de Direito e um Direito do Estado no qual o homem não seja a moeda, mas o proprietário dela. Seja o homem o valor maior da vida social e não mero valor de troca de produtos. (In Constituição, Soberania e Mercosul - Revista Trimestral de Direito Público - 21/1998 - Malheiros Editores - ps. 14 e 17).

            Observe-se, ainda, o total desacerto da alegação da União Federal, quando afirma que, por força da norma do inciso XIV do art. 2 do Decreto n 1.752/95, o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) é uma faculdade da CTNBio e não um poder-dever, por isso que essa Comissão solicitará o aludido estudo em casos concretos que, a juízo de seus membros, entenda, sob o ponto de vista científico, necessária a obtenção de subsídio para deliberar.

            Constata-se, de plano, que o mencionado Decreto n 1.752/95, em seu art. 2, inciso XIV, extrapolou os lindes da Lei regulamentada n 8.974/95, estabelecendo uma discricionariedade administrativa nela não prevista.

            A propósito do tema, leciona Guilherme Marinoni, na fala de que é importante ressaltar que, da dicção do art. 225 da Constituição Federal, ressai, claramente, que não há qualquer discricionariedade para a administração pública, quanto a exigir ou não o estudo de impacto ambiental, na hipótese de pedido de licenciamento de atividade ou obra potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente; sempre que o administrador se encontrar diante de pedido de licença para atividades ou obras com estas características, não haverá espaço para qualquer subjetividade de sua parte quanto a exigir ou não o estudo. Trata-se, portanto, de atividade administrativa de conteúdo vinculado. (grifos nossos)

            A Resolução 001/86 do CONAMA enumera, no seu art. 2, as obras e atividades que são consideradas capazes de causar significativa degradação do meio ambiente. Este rol, segundo a doutrina, é meramente exemplificativo, cabendo ao administrador apreciar in concreto se a atividade ou a obra para a qual se requer o licenciamento apresenta-se como potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (grifo nosso).

            É fácil concluir, portanto, que há violação de legalidade na hipótese em que o órgão licenciador do meio ambiente dispensa o estudo de impacto ambiental perante obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, esteja a obra ou atividade contida ou não no rol do artigo 2 da Resolução 001/86 do CONAMA. Nesta hipótese, estando, v.g., uma indústria para se instalar, ou mesmo pronta para começar a operar, cabe a tutela inibitória. O mesmo ocorre quando o estudo de impacto ambiental não atende ao preceituado nos arts. 5 e 6 da Resolução n 001/86 do CONAMA. De acordo com a doutrina, vale para o Brasil, nesse último caso, a lúcida orientação da jurisprudência dos tribunais administrativos franceses: um EIA que não contempla todos os pontos mínimos do seu conteúdo, previstos na regulamentação, é um estudo inexistente; e um EIA que não analisa de forma adequada e consistente esses mesmos pontos é um insuficiente . E tanto num caso (inexistência do EIA) quanto no outro (insuficiência do EIA) o vício que essas irregularidades acarretam ao procedimento do licenciamento é de natureza substancial. Conseqüentemente, inexistente ou insuficiente o estudo de impacto, não pode a obra ou a atividade ser licenciada, e, se, por acaso, já tiver havido o licenciamento, este será inválido.

            Se o estudo de impacto ambiental não vincula a administração, pode esse estudo concluir, por exemplo, que um empreendimento não deve ser implantado e a autoridade administrativa ainda assim conceder a licenciamento solicitado. É claro que o administrador terá de justificar muito bem a sua decisão, demonstrando as razões pelas quais não acatou o estudo científico. Se a licença é concedida, e inicia-se a fase de implantação, é óbvio que, em tese, podem ser causados danos ao meio ambiente. Se tais danos forem provocados, responde o empresário objetivamente, pouco importando se obteve a licença ambiental para exercer a sua atividade.

            Entretanto, se no plano do direito ambiental deseja-se a prevenção, e não a reparação, não é de grande valia teorizar-se a respeito da responsabilidade do poluidor, sendo muito mais relevante pensar-se na tutela inibitória do ato lesivo ao meio ambiente.

            Como lembra Antonio Herman V. Benjamin, a tutela do meio ambiente, através de longa evolução, ultrapassou a fase repressivo-reparatória, baseada fundamentalmente em normas de responsabilidade penal e civil, até atingir o estágio atual em que a preocupação maior é com o evitar e não com o reparar ou reprimir. (Antonio Herman V. Benjamin, A principiologia do estudo prévio de impacto ambiental e o controle da discricionariedade administrativa. Estudo prévio de impacto ambiental. São Paulo: RT, 1993, p. 77).

            O estudo de impacto ambiental é um requisito procedimental do ato administrativo de licenciamento ambiental, tendo grande importância para a sua motivação; este estudo contém as razões que devem ser levadas em conta pelo administrador no momento do licenciamento. Como já foi dito, se o administrador diverge da conclusão do estudo de impacto ambiental, ele terá de demonstrar as razões que o levaram a optar por uma solução diversa. É a motivação do ato que, quando em desacordo com a finalidade da norma, abre oportunidade para a impugnação judicial do licenciamento e, destarte, à tutela inibitória.

            Se o processo de licenciamento tem como escopo a preservação e a conservação do meio ambiente (ar. 2, caput, da Lei n 6.938/81), a atuação dos órgãos administrativos não pode conduzir a um fim dele distinto. Havendo um efetivo descompasso entre a decisão administrativa e a finalidade da norma - que é a preservação e a conservação do meio ambiente - é cabível a tutela inibitória, já que o ato administrativo concessivo da licença está acoimado de vício de desvio de poder. (Marinoni, Luiz Guilherme, in Tutela Inibitória (individual e coletiva) - RT/SP - 1998 - págs. 81/86).

            Desenganadamente, o Parecer Técnico Conclusivo da CTNBio, apontado nos autos, não substitui, sequer palidamente, o necessário e prévio Estudo de Impacto Ambiental, a que está obrigado exigir o Poder Público, por força do comando constitucional expresso (CF, art. 225, 1, IV).

            Sobre o tema de extrema relevância, a Resolução A Resolução n 001/86 - CONAMA, assim se expressa:

            Considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota (flora e fauna); as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente, e a qualidade dos recursos ambientais.

            O ilustre Prof. Nelson Nery Júnior, na qualidade de Chefe do Departamento de Direitos Humanos, Difusos e Coletivos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, afirma que conceituada entidade científica européia a Physicians and Scientists for Responsible Application of Science and Technology - PSRAST (Médicos e Cientistas pela Aplicação Responsável da Ciência e da Tecnologia) afirma que não há comprovação científica de que os alimentos geneticamente modificados sejam seguros do ponto-de-vista da saúde humana e ambiental.

            Alertam os cientistas para os riscos incalculáveis para o meio ambiente, os efeitos desconhecidos para a saúde humana, decorrentes do consumo de alimentos transgênicos, além dos problemas de dependência econômica que resultarão para os agricultores. Não se encontra, ainda, unanimemente segura a comunidade científica, sobre os efeitos dos transgênicos nos seres vivos e no meio ambiente, sugerindo evidências de que os transgênicos causam impactos maléficos à saúde humana e ao meio ambiente. Jeremy Hifkins, economista norte-americano especialista em biotecnologia, em seu recém-lançado livro no Brasil denominado O Século da Biotecnologia. Ed. Makron, 1999.

            Ao introduzir genes de uma espécie em outra, episódio que raramente ocorre na natureza, é possível que se desencadeiem processos sobre os quais os cientistas não tenham qualquer controle, e que, dificilmente, possam corrigir, já que os genes têm a capacidade de se reproduzir autonomamente.

            No que se refere à saúde humana, teme-se que alimentos produzidos com organismos geneticamente modificados possam aumentar, intencional ou inadvertidamente, o nível de toxinas naturais já existentes em muitas plantas, produzindo enfermidades diversas, assim como provocar novas alergias, gerar resistência a antibióticos (usados nessas plantas transgênicas) ou mesmo alterar o valor nutricional e o gosto dos alimentos. Há, também, efeitos indiretos, como a maior presença de resíduos de herbicidas ou pesticidas nos alimentos, produzidos a partir de plantas que tornaram-se resistentes a esses herbicidas, em razão da própria engenharia genética. (Fls. 1.472 e 1.483).

            Merecem ser transcritas, aqui, as sábias lições do eminente Prof. José Afonso de Souza sobre a necessidade imperiosa de estudo de impacto ambiental em casos que tais, nos tópicos seguintes:

            O estudo de impacto tem por objeto avaliar as proporções das possíveis alterações que um empreendimento, público ou privado, pode ocasionar ao meio ambiente. Trata-se de um meio de atuação preventiva, que visa evitar as conseqüências danosas, sobre o ambiente, de um projeto de obras, de urbanização ou de qualquer atividade.

            3. Fundamento constitucional

            O estudo prévio de impacto ambiental é um pressuposto constitucional da efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tem fulcro no art. 225, 1, IV, da Constituição de 1988, que incumbe ao Poder Público exigi-lo nas hipóteses de instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Prescreve, ainda, que dele se dê publicidade. Mas já era uma previsão legal como um expressivo instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81, art. 9, III) e pressuposto para o licenciamento de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento e atividades capazes de causar degradação ambiental.

            O instituto veio do direito americano que, já em 1969, exigia um relatório de impacto ambiental anexo aos projetos de obras do governo federal que pudessem afetar a qualidade do meio ambiente. Ressalta Despax que, no direito americano como no francês, o estudo prévio de impacto ambiental tem por objeto conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação do meio ambiente. Assim também deve ser entendido entre nós, pois, como já observamos: compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico constitui um dos principais objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81, art. 4, I).

            4. Natureza procedimental do instituto

            O estudo de impacto ambiental é um instrumento da política de defesa da qualidade ambiental. Realiza-se mediante um procedimento de direito público, cuja elaboração há que atender a diretrizes estabelecidas na legislação e nas que, em cada caso, forem fixadas pela autoridade competente.

            O procedimento compreende elementos subjetivos e objetivos. Os primeiros consistem no proponente do projeto, a equipe multidisciplinar e a autoridade competente. Os segundos são a elaboração das diretrizes, os estudos técnicos da situação ambiental, o relatório de impacto ambiente - RIMA e avaliação do órgão competente.

            5. Proponente do projeto e equipe multidisciplinar

            Proponente do projeto, que pode ser pessoa física ou jurídica pública ou privada, é o titular da obra ou atividade, para cuja licença se exige a realização de estudo de impacto ambiental, e por conta de quem correm todas as despesas e custos com a coleta e aquisição dos dados e informações, trabalhos e inspeções de campo, análise de laboratório, estudos técnicos e científicos, acompanhamento e monitoramento dos impactos, elaboração do RIMA e fornecimento de pelo menos cinco cópias (Resolução 001/86 - CONAMA, art. 8).

            O proponente do projeto não executa, por si, o estudo de impacto ambiental, que será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, e é a constituída de técnicos de variada formação acadêmica. A qualificação técnica dos membros da equipe depende muito da natureza do empreendimento, mas, por certo, hão de ter habilitação relacionada com os fatores e recursos ambientais, biólogos, botânicos, engenheiros, arquitetos, arqueólogos, químicos, economistas, sociólogos, geógrafos, advogados especialistas em meio ambiente. Nem todos são necessários em todos os projetos, mas alguns talvez sejam indispensáveis sempre. Equipe habilitada há de ser entendida aquela que se compõe de titulares de, no mínimo, habilitação acadêmica da área de conhecimento considerada e melhor ainda se, além dessa habilitação, possuírem experiência no manejo de situação ambiental.

            A equipe multidisciplinar responde tecnicamente pelo conteúdo do RIMA. Não pode ser formada por empregados ou subordinados do proponente do projeto nem do órgão público competente para a avaliação do RIMA. Há de ter independência suficiente para não deixar-se influenciar nem por um nem por outro, pois deverá produzir um relatório que poderá ser a favor ou contra o projeto, com recomendação, se for o caso, de alternativas. Não é preciso unanimidade, mas a maioria deverá subscrever a solução vencedora. O RIMA - diz bem Paulo Affonso Leme Machado - deverá dar um parecer favorável ou desfavorável ao projeto (incluindo as alternativas), mas isto não significa que não possa haver divergência de pontos de vista entre os membros da equipe. Havendo dissenso de opiniões, não pode o mesmo ser ocultado, devendo constar do RIMA as opiniões da maioria e minoria acaso existentes.

            6. Fases do procedimento de estudo de impacto ambiental

            O procedimento do estudo de impacto ambiental desenvolve-se basicamente em quatro fases: a) a primeira é a fase preliminar do planejamento da atividade, quando o proponente do projeto manifesta sua vontade de realizar o empreendimento e procura o Poder Público, para obter diretrizes e instruções adicionais, sendo o caso, e a respectiva Licença Prévia, referida, hoje, no art. 19, I, do Decreto 99.274/90, que substituiu o de n. 88.358/83; b) a segunda fase é a das atividades técnicas da equipe multidisciplinar, quando se realiza o estudo de impacto ambiental propriamente dito, sendo, pois, a fase nuclear do procedimento, que se desenvolve em diversos passos; c) a terceira fase é a da elaboração do relatório de impacto ambiental - RIMA, que traduz o resultado das atividades técnicas, a dizer, do estudo de impacto ambiental; d) a quarta fase é a da apreciação do órgão competente, que julgará da viabilidade ambiental do projeto ou de alternativas propostas, concluindo por aprová-lo com a outorga da Licença de Instalação, facultando o início da implantação da obra ou atividade, de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado, conforme estatui o art. 19, II, do citado Decreto 99.274/90; e) a quinta fase já não é de elaboração do estudo de impacto ambiental, mas de sua execução e aplicação, a partir da Licença de Operação, possibilitando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação, seguindo-se a execução do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos elaborado na fase das atividades técnicas.

            7. Elaboração das diretrizes

            A Lei 6.938/81 (art. 9, III) qualifica o estudo de impacto ambiental como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Quer isso dizer que sua função primordial consiste em aplicar, nos projetos de obra e atividades potencialmente causadores de degradação ambiental, os princípios e objetivos definidos naquela lei como necessários à preservação da qualidade ambiental e à manutenção do equilíbrio ecológico.

            O art. 5 da Resolução 001/86-CONAMA dispõe que, além de atender à legislação, em especial aos princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, o estudo de impacto ambiental terá que conter ainda o seguinte:

            I - contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução;

            II - identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;

            III - definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;

            IV - considerar os planos e programas governamentais e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

            Não é só. Pois ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental, o órgão estadual competente, ou o IBAMA ou, quando couber, o Município fixará as diretrizes adicionais que, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área, forem julgadas necessárias, inclusive os prazos pra a conclusão e análise dos estudos.

            A regra geral, portanto, é a de que a determinação do estudo de impacto ambiental, sua avaliação e aprovação e outorga da respectiva licença caibam ao órgão estadual ambiental. Mas o art. 8, II, da Lei 6.938/81, com a redação da Lei 8.028/90, reservou essas atribuições ao CONAMA no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, nas áreas consideradas Patrimônio Nacional pela Constituição Federal, ou seja: na Floresta Amazônica, na Mata Atlântica, no Pantanal Mato-Grossense e na Zona Costeira (art. 225, 4). Por regra também o IBAMA só tem competência supletiva nessa matéria. Contudo, o licenciamento de obras e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional é incumbência sua (Lei 6.938/81), art. 10, 4, com redação da Lei 7.804/89).

            8. Fase das atividades técnicas

            Esta fase se desdobra em vários passos. No mínimo, importará nas seguintes atividades técnicas: a) Diagnóstico ambiental da área; b) Análise dos impactos ambientais do projeto e suas alternativas; c) Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos; d) Elaboração de programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos.

            Diagnóstico ambiental da área - Trata-se de estudar e definir a área de influência do projeto, os limites geográficos da área a ser direta ou indiretamente atingida pelo projeto, com descrição e análise completa dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:

            a) o meio físico: subsolo, águas, ar e clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos de aptidões do solo, os corpos dágua, o regime hidrográfico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas;

            b) o meio biológico e os ecossistemas naturais: a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;

            c) o meio sócio-econômico: o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.

            Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas - Uma das diretrizes gerais impostergáveis do estudo de impacto ambiental consiste em identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade. Por isso, a equipe multidisciplinar terá que analisar os impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através da identificação, da previsão da magnitude e da interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos (benéficos) e negativos (adversos) diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas (associação de fatores que se coordenam para o resultado); a distribuição dos ônus e benefícios sociais.

            Definição de medidas mitigadoras - Não basta identificar e avaliar os impactos ambientais negativos do projeto. Cumpre à equipe multidisciplinar proceder à identificação das medidas mitigadoras desses impactos negativos, entre as quais se incluem a análise dos equipamentos de controle e os sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas. A propósito, cabe a lição de Paulo Affonso Leme Machado: A equipe multidisciplinar deverá apontar os equipamentos de controle que existam no mercado nacional como em outros países. Muitas vezes, membros da equipe multidisciplinar terão que se deslocar para outros países para verificarem a eficiência desses equipamentos. Avaliar a eficiência não é só reproduzir o que consta na bibliografia. Além disso, essa avaliação de eficiência deverá levar em conta a área do projeto, pois um mesmo equipamento poderá não ser adequado para localidade diversa de onde foi testado. A administração pública ambiental não está jungida a adotar os equipamentos ou os sistemas, mas para não exigi-los deverá motivar sua decisão. A expressão medida mitigadora dos impactos negativos da Resolução 001/86-CONAMA deve obedecer ao sentido superior da norma da Lei 6.803/80 (art 10. 3) quando diz lei ... avaliações de impacto, que permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada. Confiabilidade da solução é mais que mitigar o impacto, é tentar evitar o impacto negativo, ou sendo impossível evitá-lo, é procurar corrigi-lo, recuperando o ambiente. A recuperação não é uma medida que se possa afastar do EIA.

            Programa de acompanhamento - A elaboração de programa de acompanhamento e de monitoramento dos impactos positivos e negativos é parte integrante do estudo de impacto ambiental, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados, entre os quais se encontram os planos e programas governamentais e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade. Trata-se de atividade ínsita no estudo de impacto ambiental, com o objetivo de, na sua avaliação, se ter também em mente os acontecimentos ambientais que possam decorrer da execução do projeto, do funcionamento do empreendimento, e a previsão das condições e meios necessários ao manejo de seus efeitos.

            9. Relatório de impacto ambiental

            O relatório de impacto ambiental - RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental. Por ele, a equipe multidisciplinar oferece seu parecer sobre a viabilidade do projeto, seu impacto no meio ambiente, as alternativas possíveis e convenientes, assim como a síntese das atividades técnicas desenvolvidas no estudo. Requer, por isso, que seja apresentado de forma objetiva e adequada à sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possa entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação.

            Seu conteúdo conterá, no mínimo: os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as políticas setoriais, planos e programas governamentais; a descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de influência, as matérias-primas, a mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnicas operacionais, os prováveis efluentes, emissões de resíduos e perdas de energia, os empregos diretos e indiretos a serem registrados; a síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambientais da área de influência do projeto; a descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade, considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo da incidência dos impactos e indicando os métodos e técnicas e critérios adotados para sua identificação, quantificação e interpretação; a caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua realização; a descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado; o programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos; a recomendação quanto à alternativa mais favorável, conclusões e comentários de ordem geral.

            10. Participação do público

            O estudo de impacto ambiental, como dissemos, é um procedimento público, não valendo como tal qualquer estudo privado por mais categorizado que seja.

            A Constituição, por isso mesmo, exige que se lhe dê publicidade. A Lei 6.938/81 (art. 10, 1), por seu lado, dispõe que o pedido de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação. A Constituição vai além, quer que o próprio estudo de impacto ambiental tenha publicidade, o que é mais do que a simples publicação do pedido de licenciamento da atividade.

            A participação popular no procedimento de estudo ambiental é uma exigência da natureza mesma do patrimônio ambiental. Se este é um bem de uso comum do povo, como diz o art. 225 da Constituição, nada mais coerente do que esse povo ter acesso a um instrumento da política de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. A legislação não foi insensível a isso, tanto que o Decreto 99.274/90 (art. 17, 3) estatuiu que, respeitado o sigilo industrial, solicitado e demonstrado pelo interessado, o RIMA, devidamente fundamentado, será acessível ao público. Suas cópias permanecerão à disposição dos interessados, nos centros de documentação ou biblioteca do Ministério do Meio Ambiente, em que foi transformada a SEMAM/PR, e do órgão estadual de controle ambiental correspondente, inclusive durante a análise técnica. Assim, o órgão estadual competente, o MINISMAM ou, quando couber, o Município, ao determinar o estudo de impacto ambiental e na apresentação do RIMA, determinará o prazo para recebimento dos comentários a serem feitos pelos órgãos públicos e demais interessados e promoverá a realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA (Res. CONAMA 1/86, art. 11, 2, com redação da Res. 9/87).

            A audiência pública tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do respectivo RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito. Pode ser determinada pelo órgão licenciador ou solicitada por entidade civil, Ministério Público, cinqüenta ou mais cidadãos ou órgãos do meio ambiente, no mínimo em quarenta e cinco dias a contar da data do recebimento do RIMA. Será convocada pelo órgão licenciador através de correspondência registrada aos solicitantes e divulgação nos órgãos da imprensa local. Ocorrerá em local acessível aos interessados, será dirigida pelo órgão licenciador. Será lavrada ata de cada audiência pública, que, com seus anexos, servirá de base, juntamente como o RIMA, para a análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação ou não do projeto (Res. CONAMA 9/87). - In Direito Ambiental Constitucional - Malheiros Editores - 1994 - págs. 196/206.

            O Poder Público não cumpriu a ordem constitucional, pelo visto, no caso em exame, quanto à exigência de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, para liberação do plantio, com fins comerciais, da soja transgênica (Round up ready).

            Apresentou-se, apenas, com um simples Parecer Técnico da CTNBIO, para atender ao pleito monopolista e ganancioso da MONSANTO DO BRASIL LTDA. e suas subsidiárias, sem atentar para a gravidade do princípio da prevenção, garantidor do direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

            Por isso que se lhe impõe, aqui e agora, juntamente com toda a coletividade, o dever de defendê-lo a preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput). Sem as interferências do abuso do poder econômico, dominador de mercados, repudiadas pela Constituição (CF, art. 173, 4).


III

            Em conseqüência do exposto, não há dúvida de que o inciso XIV do art. 2 do Decreto n 1.752/95 e as Instruções Normativas ns. 03 e 10 da CTNBio, no que possibilitam a dispensa do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, para a liberação de organismos geneticamente modificados, bem assim, a Lei n 8.974/85, com seu silêncio agressor sobre o assunto, afiguram-se flagrantemente inconstitucionais, no ponto.

            Com razão, pois, o Instituto-autor, ao afirmar que o Decreto e as Instruções Normativas, quando atribuem à CTNBio o poder de decidir sobre a necessidade ou não de se enviar o assunto ao Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, para só então, deliberar o referido Ministério a respeito da elaboração de Estudo de Impacto Ambiental, violam o art. 225, 1, da Constituição Federal, pois é neste dispositivo que está insculpida a obrigatoriedade do Poder Público, no caso a CTNBio, de promover o EIA e dar-lhe publicidade

            A omissão normativa, de que ora se cuida, resta suprida, a todo modo, pela vigência e constitucionalidade plena das normas do art. 10 da Lei n 6.938/81 e das Resoluções ns 01/86 e 237/97 - CONAMA, que exigem, explicitamente, a licença ambiental prévia, no caso de introdução de espécies geneticamente modificadas no meio ambiente.


IV

            No que tange à exigência de elaboração de normas, a que está obrigada por lei a CTNBio, relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos, a pretensão do autor encontra abrigo no comando emergente do inciso V do parágrafo 1 do art. 225 da Carta Magna, que ordena ao Poder Público controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, bem assim, nos artigos 1 e 2, inciso V, da Lei n 8.974, de 05/01/95 a exigirem da CTNBio normas e regulamentos relativos às atividades e projetos que contemplem construção, cultivo, manipulação, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte relacionados a organismos geneticamente modificados (OGM).

            Tais normas hão de se afinar com as disposições pertinentes da Lei n 8.078, de 11/09/90 (Código de Proteção ao Consumidor), especialmente com as regras determinantes dos arts. 6, incisos I e III, 9 e 31 da referida lei, in verbis:

            Art. 6. - São direitos básicos do consumidor:

            I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

            III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

            Art. 9 - O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

            Art. 31 - A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

            Em memorial, juntado por linha, nestes autos, o Instituto-autor justifica, com inegável razão, a necessidade de normas técnicas que atendam, efetivamente, às imposições do Código de Proteção do Consumidor, nestas letras:

            Se é indiscutível que, de acordo com o artigo 6, II e III, o consumidor tem o direito básico a informação adequada e clara, com especificação correta de características, composição, qualidade, riscos que apresentem, entre outros dados, também é certo que apenas esses dados irão propiciar o adequado direito de escolha do consumidor, também assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor.

            Este aspecto da demanda judicial é reconhecido inclusive pela Ré União Federal que já determinou, como mencionado acima, a criação de uma comissão interministerial com o fim de elaborar norma sobre rotulagem de transgênicos, conforme Portaria n 268/90 do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor / Ministério da Justiça, estando em discussão a proposta oficial.

            De fato, a questão não é simples e comporta uma séria análise para se chegar a uma norma técnica que atenda as imposições do Código de Defesa do Consumidor. O IDEC encaminhou uma manifestação embasada ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da qual pede-se venia para reproduzir os seguintes pontos que dizem respeito aos preceitos básicos que devem nortear norma a este respeito:

            I. Introdução

            Em que pese o esforço envidado pela Comissão interministerial, especialmente por este respeitável Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor / Ministério da Justiça no sentido de garantir a rotulagem completa dos alimentos transgênicos, a proposta apresentada não atende à finalidade precípua de informar adequada e completamente os consumidores conforme exigido pelo Código de Defesa do Consumidor. O IDEC entende que a proposta constante da Consulta Pública n 2/99 deve ser aprimorada, pois, como está, transmite a falsa idéia de que o direito à informação e o direito à liberdade de escolha do consumidor estariam preservados quando, na realidade, apenas uma parte dos alimentos seriam rotulados - ainda assim, inadequadamente - pela proposta ora em discussão.

            O IDEC entende que as premissas que merecem ser relevadas por essa respeitável Comissão, coordenada pelo DPDC / MJ dizem respeito:

            (1) ao princípio da segregação, como única forma capaz de assegurar a informação correta e adequada de todos os produtos, ao consumidor;

            (2) à inclusão no âmbito de aplicação da norma dos produtos (alimentos e ingredientes) em que tanto as Proteínas como o ADN (DNA) resultantes da modificação genética tiverem sido destruídos pelas diferentes fases da elaboração ou processamento, excluídos na proposta original no item 1.3.;

            (3) à informação no rótulo sobre a espécie doadora e a finalidade do gene inserido; e,

            (4) à inclusão de outros fatores legítimos, ao lado da análise científica, como sustentáculos da rotulagem.

            Estes aspectos relevantes e outros serão devidamente detalhados abaixo, de modo a demonstrar a necessidade de alteração e reformulação da proposta em discussão, sob pena de se aprovar norma técnica manifestamente inadequada para os fins a que se destina e, sobretudo, ilegal.

            (...)

            1. Princípio da Segregação

            A segregação (separação) da produção convencional (natural) da produção transgênica deve ser um princípio básico a nortear a norma técnica de rotulagem, já que é a única maneira capaz de assegurar a rotulagem plena, ou seja, a informação em todo e qualquer produto transgênico, considerando que, segundo consta da própria proposta, os atuais métodos de detecção de transgênico não alcançam os produtos em que as proteínas e/ou o DNA resultante da modificação genética tiverem sido destruídos pelas diferentes fases da elaboração ou processamento. E, mesmo que haja ou sejam criados métodos científicos adequados para tal fim, ainda assim é imprescindível a segregação para impedir que outros eventuais interesses (comerciais, por exemplo) impeçam a utilização de tais métodos e, conseqüentemente, inviabilizem a rotulagem segura e completa de todos os alimentos. Em síntese, a segregação supre as deficiências de metodologia atuais e futuras.

            Sob outro enfoque, a segregação, por si só, é importante para minimizar substancialmente os recursos humanos e materiais para os quais o Poder Público deverá investir para propiciar a fiscalização e a realização de testes e detecção de produtos transgênicos não rotulados.

            Ademais, a segregação e a rotulagem plena seriam absolutamente interessante sob o enfoque econômico, considerando a notória rejeição aos alimentos transgênicos em países importadores, especialmente a Comunidade Européia e o Japão.

            Por fim, ainda que os argumentos explicitados não fossem suficientes, a legislação brasileira é imperativa no sentido de obrigar a informação plena (especialmente, artigos 6, III, 9, 31 e 66 do Código de Defesa do Consumidor), razão pela qual a proposta de Regulamento Técnico apresentada representa uma afronta ao CDC, pois não alcança a totalidade dos alimentos.

            2. Exclusão de produtos transgênicos da norma

            O item 1.3. da proposta é inaceitável, pois admite a exclusão da rotulagem de uma imensa quantidade de produtos transgênicos, nestes termos: ficam excluídos das exigências deste Regulamento Técnico os alimentos e ingredientes em que tanto as Proteínas como o ADN (DNA) resultantes da modificação genética tiverem sido destruídos pelas diferentes fases da elaboração ou processamento. Caso esta norma fosse aprovada, ficaria isento de rotulagem uma grande quantidade de produtos, como o óleo de soja (transgênica) e todos os produtos que contêm o óleo geneticamente modificado - como massas, sopas, biscoitos, sorvetes, pães, alimentos infantis, batatas fritas, etc -, pelo simples fato de os métodos de detecção hoje existentes não serem capazes de comprovar a presença do gene da bactéria inserido na semente de soja, por exemplo.

            Ademais, esta proposta está fundamentada na presunção equivocada de que a modificação genética limita seu impacto na composição do alimento às proteínas e DNA, quando sabemos que podem vir a existir outras modificações secundárias, como por exemplo, aumento nos resíduos de agrotóxicos decorrentes das mudanças em práticas agrícolas com plantas resistentes.

            Esta exclusão sugerida na norma representa uma manifesta violação do direito básico do consumidor à informação plena e pode ser facilmente resolvida desde que a segregação seja incluída como princípio para a rotulagem de transgênicos.

            3. Informação obrigatória incompleta

            Uma das informações mais relevantes para o consumidor é justamente a(s) espécie(s) doadora(s) e a(s) finalidade(s) do(s) gene(s), isto é, o gene da espécie (animal ou vegetal) que foi introduzido em outra espécie - naquela que irá para o mercado consumidor. Este dado é imprescindível para que o consumidor exerça seu direito de escolha, considerando, inclusive aspectos alergênicos, religiosos, culturais - já que sabemos que, por meio desta tecnologia, é possível o cruzamento entre espécies diferentes e também entre reinos distintos, o que traz uma série de implicações que tornam indispensável a informação para o consumidor - além do simples (porém não menos importante) direito de saber.

            Por exemplo, os consumidores que não ingerem carne de porco ou de vaca por motivo religioso tem o direito de saber que determinado alimento (que pode ser arroz, milho, etc) contém um gene suíno ou bovino. Igualmente, a população vegetariana que, por motivo cultural ou hábito alimentar, não aceita qualquer espécie de carne, deve estar devidamente informada quanto à modificação genética sofrida por um alimento que recebeu gene de alguma espécie animal para poder exercer seu direito de escolha.

            Outra razão ainda mais relevante sob o enfoque da saúde pública exige que o gene e a espécie doadora - não incluídas na proposta de Regulamento Técnico - constem de maneira obrigatória em todo e qualquer produto transgênico. Previamente à liberação comercial de uma espécie transgênica deve haver uma avaliação rigorosa dos impactos sobre a saúde humana e animal, bem como sobre o meio ambiente - com base em normas pré-estabelecidas. No entanto, a avaliação mais rigorosa pode ainda não excluir a eventualidade de surgir algum dano não avaliado. Nesta hipótese, a informação sobre o gene e a espécie doadora se mostram, definitivamente, indispensável para a investigação científica. Na ocorrência de eventos inesperados, a literatura já demonstrou o caráter imprescindível da rotulagem para permitir a rastreabilidade da origem do produto como método de investigação (por exemplo, o caso triptofano da empresa Showa Denko).

            Importante salientar que no entendimento do IDEC, uma espécie sabidamente alergênica, tal como a castanha-do-pará, o camarão, a soja, etc., jamais pode ser uma espécie doadora com finalidade de utilização para consumo, porque o consumidor alérgico não conseguiria evitá-la (quando, por exemplo, se alimenta em restaurantes, lanchonetes e mesmo na casa de terceiros). Assim, um consumidor sensível à castanha-do-pará pode evitá-la quando este alimento lhe é visível aos olhos; mas se um gene de castanha-do-pará for inserido na soja, no feijão, etc., não poderá evitar o seu consumo - o que propiciará o aumento da freqüência de reações alérgicas na população em enorme prejuízo para a saúde pública. Mas, além dos alimentos notoriamente alergênicos, que, por isso, não devem ser fontes de doação, há outros capazes de provocar alergias. É que no processo de transferência de gene de uma espécie para outra novos compostos são formados (como proteínas e aminoácidos), razão pela qual a informação sobre o gene e a espécie doadora são de extrema relevância e utilidade para o consumidor e para a ciência.

            Vê-se, pois, que para garantir a informação completa e adequada ao consumidor, é necessária a segregação (separação) da espécie transgênica e a convencional, mantendo a segregação desde o cultivo até o mercado, devendo todos os fornecedores envolvidos na cadeia produtiva responderem pela segregação e pela informação plena ao consumidor (nos termos dos artigos 3 e 18 do Código de Defesa do Consumidor).


            Com estas considerações, julgo procedente a presente ação para condenar a União Federal a exigir a realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental da MONSANTO DO BRASIL LTDA, nos moldes preconizados nesta sentença, para liberação de espécies geneticamente modificadas e de todos os outros pedidos formulados à CTNBio, nesse sentido; declaro, em conseqüência, a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 2 do Decreto n 1.752/95, bem assim das Instruções Normativas ns. 03 e 10 - CTNBio, no que possibilitam a dispensa do EIA/RIMA, na espécie dos autos.

            Condeno, ainda, a União Federal a exigir da CTNBio, no prazo de 90 (noventa) dias, a elaboração de normas relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos, em conformidade com as disposições vinculantes da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor ( Lei n 8.078/90) e da legislação ambiental, na espécie, ficando obrigada a CTNBio a não emitir qualquer parecer técnico conclusivo a nenhum pedido que lhe for formulado, antes do cumprimento das exigências legais, aqui, expostas.

            Mantenho a eficácia plena de medida cautelar deferida nos autos do processo n 98.34.00.027681- 8 (CPC, art. 807, caput).

            Fica estabelecida e mantida a multa pecuniária de 10 (dez) salários-mínimos, por dia, a partir da data do descumprimento destas determinações, a ser aplicada aos agentes infratores, públicos ou privados ( Lei n 7.347/85, art. 11).

            Condeno, finalmente, as promovidas no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) cada qual, a título de honorários advocatícios e nas custas processuais expendidas.

            A União Federal está isenta de custas processuais, ex vi legis.

            Oficie-se aos Srs. Ministros da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente e da Saúde, para cumprimento das ordens mandamentais, resultantes deste decisum.

            Oficie-se, com urgência, à eminente Juíza Relatora do processo cautelar em referência, em face da absorção eficacial do presente decisum.

            Com vistas no que dispõe o art. 475, II, do CPC, c/c o artigo 19 da Lei n 7.347, de 24/07/85, submeto este decisum ao duplo grau de jurisdição, mantendo-se sua eficácia mandamental imediata.

            Publique-se. Intimem-se a União Federal e o Ministério Público Federal.

            Brasília (DF), em 26 de junho do ano 2000.

ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE
Juiz Federal - 6ª Vara


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Transgênicos: sentença em ação civil pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16337. Acesso em: 23 abr. 2024.