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ADIN sobre condicionamento de denúncia em matéria tributária

ADIN sobre condicionamento de denúncia em matéria tributária

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Despacho do STF na ADIn 1571, decidindo pela não concessão de liminar suspendendo a vigência do art. 83 da Lei 9430, que condicionava a notitia criminis contra a ordem tributária a "decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário". A petição pugnava que esta norma afrontaria o art. 129, I, da Constituição, que estabelece poderes ao Ministério Público para realizar o juízo sobre a existência de indício de conduta delituosa capaz de fundamentar o oferecimento de denúncia. Gentilmente enviado por Luiz Lopes, que acrescenta que "o art. 83, da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, nasceu fadado ao fracasso e à ineficácia pela induvidosa inconstitucionalidade que lhe era peculiar, inclusive com ADIn já intentada no STF pelo MPF". Leia a seguir a decisão do STF negando medida liminar na referida ADIn.

ADIn 1.571

Ministro Néri da Silveira (relator)

Relatório: - O Dr. Procurador-Geral da República aforou ação direta de inconstitucionalidade do art. 83, caput, da Lei nº9430, de 27.12.1996, que possui este teor: [...]

Fundamenta-se a inicial, nestes termos (fls. 2/3):

"2. A presente iniciativa atende à solicitação formulada pelos membros do Ministério Público Federal lotados em São Paulo-SP - anexada a esta petição para exame dessa Corte Suprema -, na qual são apontados como violados os arts. 1º, 2º, 3º, 5º, caput e inciso XXXV, 37, caput, 60, § 4º, inciso III, 129, inciso I, e 170 da Constituição Federal.

3. Merece destaque, do requerimento formulado pelos ilustres membros do Parquet, os argumentos aduzidos quanto ao art. 129, inciso I, da Carta da República. Estabelece esta norma constitucional que é função institucional do Ministério Público "promover, privativamente, a ação penal pública". Foi, portanto, confiado somente ao Ministério Público a função constitucional de realizar o juízo sobre a existência, ou não, de crime em tese a ensejar o oferecimento de denúncia, ou seja, de decidir se há indício de conduta delituosa capaz de fundamentar acusação criminal em juízo. E tal missão, por ser exclusiva do Ministério Público por força da mencionada norma constitucional, não pode ficar dependente da iniciativa de outros órgãos ou pessoas, salvo em casos nos quais o interesse pessoal do sujeito é considerado mais relevante pelo Estado do que a exigência de repressão da conduta ilícita. Sobre o tema escreve Damásio de Jesus:

[...]

4. Resulta daí que qualquer cidadão e, por maior razão, qualquer órgão público tem o dever de noticiar imediatamente ao Ministério Público toda prática de conduta criminosa, principalmente aquelas que afrontam bens jurídicos tão relevantes para o Estado e para a sociedade quanto a ordem tributária. Não cabe ao cidadão ou ao órgão público realizar a opinio delicti, isto é, o juízo sobre a existência, ou não, de ilícito penal, porquanto - frise-se - tal função é privativa do Parquet.

5. No caso da norma ora impugnada, quando o legislador ordinário condicionou a notitia criminis contra a ordem tributária "a "decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário", afrontou o art. 129, inciso I, da Constituição Federal, pois, em última análise, condicionou o exercício da função institucional do Ministério Público de promover a ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária."

Pleiteia o autor liminar para que seja suspensa até o julgamento final da ação, a norma impugnada, diante da relevância dos fundamentos do pedido, bem assim do periculum in mora, "consistente na protelação da repressão penal rápida e eficiente e na possibilidade de vir a prescrever a pretensão punitiva do Estado quanto aos crimes contra a ordem tributária em decorrência da demora no envio da notitia criminis ao Ministério Público, já que, pelo dispositivo citado, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada depois de decisão administrativa final da Receita Federal".

Diante do pedido de cautelar, submeto ao Plenário o feito.

É o relatório.

Voto: Insere-se a norma impugnada no capítulo das "Disposições Finais" da Lei nº 9430, de 27.12.1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta, e dá outras providências.

Reza o art. 83 da Lei 9430/1996:

"Art. 83 - A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº8137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente."

Os arts. 1º e 2º, da Lei nº 8137/1990, referidos na norma impugnada, descrevem os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária.

Dispõem os arts. 1º e 2º aludidos:

"Art. 1º - Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão, de 2(dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. - A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2º - Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa."

O capitulo VI, segundo verifiquei do exame do Projeto de Lei nº 2448-A, de 1996, de origem executiva, dele não constava, resultando, pois, de inserção por via de emenda legislativa.

Dispondo o art. 83, da Lei nº 9430/1996, sobre a representação fiscal, há de ser compreendido nos limites da competência do Poder Executivo, o que significa dizer, rege atos da administração fazendária. Prevê, desse modo, o momento em que as autoridades competentes dessa área da Administração Federal deverão encaminhar ao Ministério Público Federal os expedientes contendo notitia criminis, acerca de delitos contra a ordem tributária, previstos nos arts. 1º e 2º, da Lei nº 8137/1990. Estipula-se, para tanto, que a representação fiscal seja feita, "após proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente".

Bem de entender, assim, é que a norma não coarcta a ação do Ministério Público Federal, a teor do art. 129, I, da Constituição, no que concerne à propositura da ação penal. Dela não cuida o dispositivo, imediatamente. Decerto, tomando o MPF, pelos mais diversificados meios de sua ação, conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo, utilizando-se, para isso, dos meios de prova a que tiver acesso. É de observar, ademais, que, para promover a ação penal pública, ut art. 129, I, da Lei Magna da República, pode o MP proceder às averiguações cabíveis, requisitando informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos preparatórios da ação penal (CF, art. 129, VI), requisitando também diligências investigatórias e instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII), o que, à evidência, não se poderia obstar por norma legal, nem a isso conduz a inteligência da regra legis impugnada ao definir disciplina para os procedimentos da Administração Fazendária. Decerto, o art. 83 em foco quer não aja a Administração, desde logo, sem antes concluir o processo administrativo fiscal, mas essa conduta imposta às autoridades fiscais não impede a ação do MP, que, com apoio no art. 129 e seus incisos, da Constituição, poderá proceder, de forma ampla, na pesquisa da verdade, na averiguação de fatos e na promoção imediata da ação penal pública, sempre que assim entender configurado ilícito, inclusive no plano tributário. Não define o art. 83, da Lei nº 9430/1996, desse modo, condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública, pelo MP, que poderá, na forma de direito, mesmo antes de encerrada a instância administrativa, que é autônoma, iniciar a instância penal, com a propositura da ação correspondente.

Assim sendo, não tenho, desde logo, como relevantes os fundamentos da inicial, em ordem a suspender a vigência do art. 83 da Lei nº 9430/1996, neste juízo cautelar. Indefiro a liminar.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, . ADIN sobre condicionamento de denúncia em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16362. Acesso em: 26 abr. 2024.