Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/16733
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Nulidade de apelação proposta por empresa telefônica que não mais existia

Nulidade de apelação proposta por empresa telefônica que não mais existia

Publicado em . Elaborado em .

O Ministério Público defende a impossibilidade de apelação por empresa telefônica que já não mais existia na época da interposição do recurso, tendo em vista sua anterior incorporação por outra empresa.

Excelentíssima Senhora Desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges – Relatora da Ação Rescisória n.º 2006.010000-9/Três Lagoas-MS:

Ação Declaratória Incidental

Autora: Brasil Telecom – Filial Mato Grosso do Sul (BrT - filial)

Réu: Ministério Público Estadual

Distribuição por dependência à Ação Rescisória nº 2006.010000-9

O Ministério Público de Mato Grosso do Sul – representado pela Procuradora-Geral de Justiça que esta subscreve, apresenta, nesta oportunidade, na forma como abaixo segue, AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL, com fundamento no artigo 5º do Código de Processo Civil, em face de Brasil Telecom S/A., sociedade anônima, inscrita no CNPJ sob o nº 76.535.764/0001-43, com sede no SAI/Sul ASP, Lote D, Bloco B, Brasília, DF, e com filial na Rua Tapajós, nº 660, em Campo Grande, MS, pelos fatos e fundamentos a seguir deduzidos.


I-TEMPESTIVIDADE DA PRESENTE AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL:

A Brasil Telecom – filial Mato Grosso do Sul propôs em face do Ministério Público Estadual a Ação Rescisória nº 2006.010000-9, sendo ele citado para apresentar contestação em 20 de outubro do corrente ano (sexta-feira), conforme comprova a certidão de f. 788-verso dos autos da predita ação rescisória.

Tendo em vista que foi concedido o prazo de 30 dias para o Parquet ofertar a sua contestação e que este começou a fluir no dia 23 de outubro, ele se encerra exatamente no dia 21 de novembro.

Assim, considerando que o prazo para a apresentação da ação declaratória incidental pelo réu é o prazo da contestação e que a ação em epígrafe está sendo apresentada simultaneamente com a resposta à rescisória, verifica-se que ela é tempestiva.


II-DO OBJETIVO E DOS FUNDAMENTOS DA PRESENTE AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL:

A ação declaratória incidental em referência visa a declaração da nulidade da apelação nº 2000.002900-9 proposta pela Telecomunicações de Mato Grosso do Sul – Telems e, por conseqüência, a declaração da nulidade do acórdão proferido em razão dela, bem como, em razão da nulidade da apelação, a declaração de que a sentença proferida na ação civil pública nº 021.98.020556-3 transitou em julgado no dia da sua prolação, o que leva a inépcia da inicial da Ação Rescisória nº 2006.010000-9.

Sobredita ação está fundada no permissivo do artigo 5º do Código de Processo Civil que dispõe que "Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença".


III-ESCLARECIMENTOS PRÉVIOS NECESSÁRIOS PARA SE ENTENDER E SE REFUTAR O ACÓRDÃO RESCINDENDO:

Para compreender melhor os fatos que levam a nulidade da apelação e, por conseqüência, do acórdão que dela resultou, impende compreender como transcorreu a privatização no Sistema Nacional de Telecomunicações - SNT e, ainda, quem é a responsável pelo serviço de telefonia no Estado do Mato Grosso do Sul. Deste modo, far-se-á um breve relato a seguir:

1) O serviço público de telefonia do país, antes da primeira cisão parcial realizada para preparar o Sistema para a privatização, era prestado por 28 concessionárias, sendo 27 operadoras que atuavam nos Estados e no Distrito Federal e 01 que fazia o serviço de longa distância (a Embratel).

Sobreditas companhias, em virtude de previsão legal contida na Lei nº 5.792, de 11 de julho de 1972, eram controladas acionariamente pela Telebrás, que por sua vez era controlada pela União.

Esse controle acionário, previsto no artigo 8º da Lei nº 5.792/72, foi a forma que a União encontrou para, em cumprimento ao disposto no artigo 175, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal, regular, fiscalizar e normatizar o serviço público de telefonia à época, já que ela não poderia fazer isso por meio de Agência Reguladora, em virtude de o regime jurídico então reinante no sistema não permitir.

Vale observar, desde logo, que esta forma de controle só mudou com a ocorrência da privatização, quando a regulação passou a ser feita por meio de agência reguladora, qual seja, da Anatel, na forma preconizada na Lei de Telecomunicações (Lei 9.472/97).

2) Com o fim de preparar o Sistema Nacional de Telecomunicações – SNT para a privatização, isto é, (a) torná-lo propício para se estabelecer, após a privatização, um mercado competitivo, facilitando, assim, a implantação da concorrência no setor, de modo a evitar o monopólio após a privatização, e (b) deixar as companhias que seriam controladas pelo capital estrangeiro totalmente atraentes, sem dívidas, para incentivar os interessados a investir na compra das ações da União, sabendo que daí resultariam lucros fartos e fáceis, foram realizadas duas cisões parciais.

3) A primeira cisão parcial ocorreu em 30 de janeiro de 1998, quando as 27 operadoras de telefonia fixa verteram-se em telefonia fixa e móvel, constituindo-se, então, em 54 operadoras de telefonia no país, sendo 26 operadoras de telefonia fixa e 26 de telefonia móvel, excluindo daí a Embratel, operadora de longa distância.

Após esta primeira cisão parcial, o controle acionário mudou apenas em relação ao número de controladas, acionariamente, pela Telebrás. Antes ela controlava apenas 28 Sociedades Anônimas. Com a mencionada cisão, passou a controlar 55 sociedades. Em relação ao controle acionário da União, nada mudou, isto porque, ela continuou a controlar acionariamente à Telebrás, como dantes já o fazia.

4) A segunda cisão parcial, ocorrida em 22 de maio de 1998, operou-se para dividir a Telebrás em doze novas companhias controladoras (holdings), sendo a Telebrás retirada do SNT, permanecendo como empresa em processo de descontinuidade, pois isso conhecida como Telebrás Residual, até que ocorresse (ou que ocorra, posto que ainda não ocorreu) sua extinção.

A União, perdendo o controle acionário da Telebrás, em razão da exclusão desta do Sistema, passou a controlar as 12 novas holdings, originárias da referida cisão e substitutas da Telebrás, que, por sua vez, passaram a controlar as 55 operadoras de telefonia, que, segundo o art. 4º do Plano Geral de Outorgas (Decreto nº 2.534 de 02/04/98), já estavam divididas em 4 Regiões, sendo certo que a holding que assumiu o controle das operadoras da Região II do Plano Geral de Outorgas, onde se encontra o Estado de Mato Grosso do Sul, foi a Tele Centro Sul Participações S/A., hoje denominada de Brasil Telecom Participações S/A.

6) Em 29 de julho de 1998, após o sistema estar preparado, ocorreu o Leilão de PRIVATIZAÇÃO, quando foram vendidas as Ações ordinárias e preferenciais que a União detinha nas 12 novas holdings constituídas.

Em razão de a Telebrás não mais pertencer ao Sistema e estando em processo de extinção, ela não participou do leilão de privatização, não lhe resultando, portanto, daí nenhuma responsabilidade.

A adquirente das ações que a União detinha no capital social da Tele Centro Sul Participações S/A (atual BT Participações) foi a SOLPART Participações S.A. que passou, em razão dessa aquisição, a controlar, acionariamente, em substituição à União, na Região II, esta Sociedade (a TCSP) que, por sua vez, passou a controlar, também acionariamente, as 9 concessionárias de telefonia que operavam na dita Região II, dentre as quais encontrava-se a Telecomunicações de Mato Grosso do Sul S.A. – Telems, saindo, portanto, a União de cena.

Vale repisar que o que passou, com a privatização, para a iniciativa privada não foram as 12 novas companhias nem as 54 operadoras regionais, mas as ações que a União detinha no capital social destas 12 novas holdings e o controle acionário exercido sobre as mesmas.

7) Em 28 de fevereiro de 2000 – 1 ano 9 meses e 7 dias após a cisão parcial da Telebrás e 1 ano e 7 meses após a ocorrência do Leilão de Privatização das ações da União – todas as outras 8 operadoras controladas pela Tele Centro Sul Participações S/A., dentre elas a Telems, foram incorporadas pela TELEPAR – Telecomunicações do Paraná S.A. (igualmente controlada pela TCSP S/A.), que se tornou sucessora universal, isto é, sem qualquer exceção, em direitos e obrigações, de todas elas, inclusive da TELEMS.

Com a dita incorporação, o controle da Região II do Plano de Outorgas sofreu um pequeno ajuste, qual seja, a Tele Centro Sul Participações S/A (atual BT Participações), passou a controlar, acionariamente, apenas a TELEPAR, sendo que em relação ao controle acionário exercido pela SOLPART Participações S/A. (empresa que já havia, anteriormente, assumiu o controle acionário dantes da União na Região II) nada mudou.

8) Posteriormente a Tele Centro Sul Participações (08/05/2000) alterou sua razão social para BRASIL TELECOM PARTICIPAÇÕES S.A. (BT Participações) e a Telepar passou a denominar-se BRASIL TELECOM S/A., conforme elas afirmaram na "ação de procedimento ordinário" movida contra a Telebrás no Distrito Federal (documento anexo à contestação), verbis:

"Em resumo, a TELE CENTRO SUL PARTICIPAÇÕES S/A, que absorveu parte do patrimônio da TELEBRÁS, desde 08/05/2000, passou a denominar-se de BRASIL TELECOM PARTICIPAÇÕES S/A. Já as antigas operadoras do Sistema Telebrás, tais como Telebrasília, Telegoiás, etc, todas com personalidade jurídica própria e que não receberam patrimônio da TELEBRÁS, foram incorporadas pela TELEPAR S/A e, posteriormente, passaram a denominar-se BRASIL TELECOM S/A."

9) Em 22 de abril de 2002, a Brasil Telecom S/A., antiga TELEPAR e sucessora da Telems, em razão de decisão tomada na 40ª Reunião Ordinária da Diretoria alterou a denominação de todas as suas filiais, em razão do que a filial de Mato Grosso do Sul passou a ser conhecida como "Brasil Telecom – Filial Mato Grosso do Sul", como comprova a ata de f. 37 dos autos da ação rescisória.

Assim, foi a Brasil Telecom S/A. quem incorporou, ainda com o nome de TELEPAR, a Telems, sucedendo-lhe, universalmente, em direitos e obrigações, sem quaisquer exceções, conforme consta do ato de incorporação.

E a empresa que, hoje, na qualidade de concessionária do serviço público de telefonia, atende o Estado de Mato Grosso do Sul é a Brasil Telecom S/A., por meio de sua filial, atualmente denominada de Brasil Telecom S/A. – Filial Mato Grosso do Sul.


IV-DOS FATOS:

A rede de telefonia do Município de Três Lagos, MS, desviando-se da forma de implantação realizada em todo o Mato Grosso do Sul, com ficou sobejamente explicado na contestação à ação rescisória, foi fixada mediante PROCONTE e não por PCT, cujas obras foram realizadas pela Construtel – Projetos e Construções Ltda, sendo certo que o respectivo acervo, do mesmo modo como ocorreu em Campo Grande e no resto do Estado, foi transferido à Telems.

Em razão do investimento feito, os consumidores passaram a fazer jus a retribuição em ações pela predita participação na implantação do sistema ou o seu correspondente monetário, já que de acordo com a previsão contida na cláusula 6.2 da Portaria 44/91, era da natureza dos contratos de participação financeira em plano comunitário de telefonia a retribuição em ações.

A cláusula 8.12 dos contratos de participação financeira firmados naquele Município, com base na Prática nº 201.326.106-MS da Telems, é abusiva, posto que, fugindo da natureza jurídica do contrato, não previu direito à retribuição em ações da participação financeira dos consumidores.

Em virtude da referida cláusula e, em defesa dos direitos dos consumidores daquela Comunidade, o Ministério Público Estadual, representado pela Promotoria de Justiça de Três Lagos, MS, ajuizou a ação civil pública nº 021.98.020556-3 contra a Telems, a Construtel e o município de Três Lagoas, datada de 28 de agosto de 1998, visando declarar a nulidade da citada cláusula (8.12) e, dentre outros pedidos, condenar a Telems a promover as retribuições correspondentes ao investimento dos consumidores.

Sobredita ação civil pública foi, em 12 de maio de 2000, julgada parcialmente procedente, sendo que no que importa ao feito condenou a Telecomunicações de Mato Grosso do Sul - Telems a, no prazo de 30 dias, proceder a retribuição em ações ou valor da participação financeira aos consumidores daquele Município.

Irresignada com a decisão do juízo a quo a então extinta TELEMS - Telecomunicações de Mato Grosso do Sul S/A. (f. 224-240) "teria" interposto em 26 de junho de 2.000 recurso de apelação (autos nº 2000.002900-9). DIZ-SE TERIA INTERPOSTO APELAÇÃO, PORQUE, NA REALIDADE, A TELEMS NÃO INTERPÔS RECURSO ALGUM. AQUILO QUE OS ADVOGADOS SUBSCRITORES CHAMAVAM DE APELAÇÃO NADA MAIS ERA QUE UM VERDADEIRO ENGODO. NESTE TEMPO A TELEMS JÁ NÃO MAIS EXISTIA. FORA ELA EXTINTA EM 28 DE FEVEREIRO DE 2000, QUANDO A TELEPAR A INCORPOROU, DE MODO QUE, A PARTIR DESTA DATA, TODO ATO PRATICADO EM SEU NOME DEVERIA, E DEVE, SER TIDO COMO NULO. QUEM, NA REALIDADE, PODERIA INTERPOR O REFERIDO RECURSO SERIA A BRASIL TELECOM S/A. (NOVA DENOMINAÇÃO RECIBIDA PELA TELEPAR EM 28/04/2000).

A sobredita apelação foi distribuída à Segunda Turma do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, sendo conhecida e julgada totalmente improcedente (f. 284-290), com a rejeição das preliminares levantadas pela recorrente e a negativa de provimento do meritum causae.

Em razão da improcedência da apelação, a requerida interpôs Recurso Especial (f. 294-304) e Recurso Extraordinário (f. 314-321) que tiveram seguimento negado segundo demonstram as decisões constantes às f. 364-367 e 368-371 dos autos.

Inconformada com as preditas decisões, a Brasil Telecom S.A. – Filial Mato Grosso do Sul ajuizou em 26/06/2006 a ação rescisória nº 2006.010000-9 que visa rescindir o acórdão da Segunda Turma Cível deste egrégio Tribunal de Justiça.

É com base em tudo o quanto foi narrado até aqui que o Ministério Público interpõe a presente Ação Declaratória Incidental.


VI-DAS RAZÕES PARA A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA APELAÇÃO INTERPOSTA CONTRA A SENTENÇA PROLATADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 021.98.020556-3 E, POR CONSEQÜÊNCIA, DO ACÓRDÃO EM RAZÃO DELA PROFERIDO:

O acórdão prolatado no recurso de apelação da ação civil pública nº 021.98.020556-3 deve ser declarado nulo, porque tanto a apelação interposta pela Telems quanto ele são nulos.

A-Da falta de pressuposto processual de validade consistente na ausência de capacidade processual da TELEMS para a interposição da apelação nº 2000.002900-9:

A apelação em análise teria sido interposta pela Telecomunicações de Mato Grosso do Sul S/A. – TELEMS em 26 de junho de 2.000.

Todavia à essa época a referida concessionária já não mais existia, pois, como vislumbra-se na ata da Assembléia Geral Extraordinária de 28/02/2000 (f. 217-219), ela já havia sido incorporada pela Telecomunicações do Paraná – Telepar, que por sua vez, na data da predita apelação também não mais existia, pelo menos com este nome, haja vista que esta concessionária, em 28/04/2000, teve sua denominação alterada para Brasil Telecom S/A.

Como visto, a TELEMS não poderia ter interposto a referida apelação pois a única que detinha, à época, capacidade processual e interesse para fazê-lo era a Brasil Telecom S.A.

Referida capacidade se consubstancia na aptidão para a prática dos atos decorrentes da capacidade de direito que, por sua vez, é a capacidade de ter direitos e assumir obrigações.

A esse passo, vale dizer que segundo o artigo 1º do Código Civil "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil" e, somente as pessoas que se acham no exercício de seus direitos é que tem capacidade para estar em juízo (art. 7º do Código de Processo Civil).

No caso, a Telems deixou de ter existência legal quando foi incorporada pela Telepar, oportunidade em que esta a sucedeu em todos os direitos e obrigações segundo demonstra o documento juntado pela própria ré às f. 217-219 dos autos da ação rescisória. Deixou ela, portanto, de ser pessoa e, por conseguinte, não possuía capacidade de fato para interpor a predita apelação.

Outrossim, ela não poderia ter interposto o referido recurso, porque "Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei" (art. 6º, CPC) e tal autorização, em razão de sua inexistência, sequer poderia ocorrer.

Noutro passo, insta dizer que a capacidade processual é pressuposto de validade do processo, consoante leciona Luiz Rodrigues Wambier, verbis:

"O terceiro pressuposto processual de validade é relativo à capacidade, em duas de suas formas: a capacidade de ser parte, isto é, de assumir direitos e obrigações na ordem civil e a capacidade processual, que consiste na capacidade de estar em juízo, defendendo direitos e obrigações".

Assim, houve violação ao inciso IV, do artigo 267, aos artigos 6º e 7º, todos do Código de Processo Civil.

Como visto, a apelação sequer poderia ter sido proposta, porquanto faltava à parte capacidade de direito e capacidade processual para estar em juízo e, em assim sendo, a apelação e o acórdão que a julgou devem ser declarados nulos.

Outrossim, por se tratar de ato nulo, vale consignar que o acórdão em referência também poderia ser objeto de ação rescisória a ser proposta pelo Ministério Público, pelo que vale transcrever a lição de Luiz Rodrigues Wambier:

"Sendo proferida sentença de mérito apesar de uma das partes não ser capaz, se estará diante de sentença rescindível, com base nos arts. 485, V, e 267, IV, do CPC".

No mesmo sentido também comenta Theotônio Negrão em seu Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 536, que:

"Pode uma questão processual ser objeto de rescisão, quando consista em pressuposto de validade de sentença de mérito" (RTJ 133/131).

Assim sendo, a apelação e o acórdão que ela gerou são nulos e, considerando que versam sobre questão de ordem pública, podem ser declarados como tal a qualquer tempo, inclusive de ofício.

B-Da falta de pressuposto processual de existência consistente na falta de capacidade postulatória para os advogados subscritores da apelação nº 2000.002900-9:

Outro motivo que demonstra a necessidade de ser declarada nula a apelação em referência e o predito acórdão é o fato de que os advogados subscritores do sobredito recurso não possuíam capacidade postulatória para interpor o referido recurso.

Os advogados subscritores da apelação e das suas razões teriam, em 26/06/2000, com amparo na procuração "outorgada" pela Telems, interposto em nome dela o referido recurso.

Ocorre que, à época, isto é, em 26/06/2000, quem detinha capacidade processual para interpor o recurso em questão, como dito, era a Brasil Telecom S/A., nova denominação da Telepar, de quem os causídicos deveriam ter conseguido a procuração devida.

Vale repisar, a procuração que subsidiou o predito recurso, concedida anteriormente pela Telems, não era válida, porque à época da interposição do recurso, a Telems não mais existia.

Noutro passo, ainda que tivesse sido usada a procuração outorgada em 30/03/00 e o substabelecimento de 24/04/00, encontrados, respectivamente, às f. 220 e 221, concedidas pela Telepar, ainda assim não estaria satisfeito o requisito da capacidade postulatória, porque na data do recurso (26/06/2000), a própria Telepar já não existia haja vista que, em 28/04/2000, sua denominação social havia sido alterada para Brasil Telecom S/A.

Insta consignar, outrossim, que a representação processual, no caso vertente, consubstancia-se em pressuposto de validade positivo da relação jurídica processual, de modo que inexistente aquela, este também deverá ser considerado ausente.

Nesse sentido é a lição do doutrinador Marcelo Abelha Rodrigues, verbis:

"Outro aspecto importantíssimo com relação à capacidade postulatória, diz respeito ao fato de que este instituto só é pressuposto de validade positivo da relação jurídica processual com relação ao autor e não com relação ao réu, vez que, se este deixa de se fazer representar por advogado, e, mesmo após o juiz determinar o prazo para suprir tal irregularidade, continua a postular sem advogado, a conseqüência não será a mesma se no lugar do réu fosse o autor. Se o vício for causado pelo autor, a conseqüência será a extinção do processo sem julgamento do mérito, com base no art. 267, IV, do CPC (art. 13, I, do CPC). Todavia, se o vício é causado pelo réu, aplicar-se-á a regra do art. 13, II, do CPC".

Assim dispõe o artigo 13, inciso I, do Código de Processo Civil:

Art. 13. "Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.

Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:

I – ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo".

Noutro passo, ainda que o entendimento desta Colenda Turma fosse o de que a falta do instrumento procuratório é medida passível de correção segundo a regra disposta no artigo 37, do CPC, o defeito em questão não poderá ser sanado já que não há tempo hábil para tanto em razão da decisão proferida naquele recurso.

O Superior Tribunal de Justiça apreciando o Recurso Especial nº 22733 também entendeu que a falta de mandato procuratório em princípio não acarreta a nulidade do feito, entretanto, em não havendo tempo hábil para a correção da irregularidade impende a decretação de nulidade do feito. Eis a ementa do sobredito acórdão:

CAPACIDADE POSTULATÓRIA. AUSÊNCIA DE MANDATO AO SUBSCRITOR DA INICIAL. NULIDADE DECRETADA. ARTIGOS 36 E 37 DO CPC.

Nulo é o processo de embargos de terceiro se o advogado, embora já dispondo da procuração, não a apresenta aos autos em tempo hábil, somente requerendo sua juntada no prazo para resposta ao recurso especial, interposto pela embargada com argüição de contrariedade exatamente aos artigo 36 e 37 do CPC, e 70 da lei 4.215/63.

Recurso Especial conhecido e provido.

Assim, nos termos do que dispõe o artigo 13, I, do Código de Processo Civil, o acórdão deverá ser considerado nulo, porque o julgamento decorreu de uma apelação nula, porquanto os autores dela não estavam devidamente representados.


VII-DA INTEMPESTIVIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA POR PERDA DO PRAZO PARA PROPÔ-LA:

Se a apelação proposta em nome da Telems, no dia 26 de junho de 2000 (f. 223), deve ser declarada nula, assim como há de se declarar nulo, por conseqüência, o acórdão em referência, conclui-se que a única decisão que a requerida poderia buscar rescindir seria a sentença proferida na ação civil pública nº 021.98.020556-3, em 12 de maio de 2000, encontrada às f. 206-212.

Ocorre que, com a nulidade da apelação, a sentença acabou por transitar em julgado, na melhor das hipóteses, em julho/2000 e não em 14 de outubro de 2004 e, assim, uma eventual ação buscando, agora, rescindir a sentença seria, como efetivamente o é, nos termos do artigo 495 do CPC, intempestiva.

Não é outro o entendimento da doutrina e da jurisprudência.

Dentre outros processualista de renome, VICENTE GRECO FILHO entende:

"(....) quando ocorre o trânsito em julgado da decisão para se fixar o começo do prazo? Até que o último órgão jurisdicional se manifeste sobre o último recurso, a sentença não transitou em julgado, ainda que aquele órgão jurisdicional não tenha conhecido o recurso. Se, em tese, a decisão ainda pode ser modificada por meio de recurso, não transitou em julgado e, portanto, não se inicia a contagem do prazo de dois anos. Se algum recurso poderia ter sido interposto e não o foi, o trânsito em julgado ocorre no fim do prazo do recurso cabível que foi omitido."

Ora, se a apelação foi proposta por pessoa inexistente, não pode ser considerada como recurso válido, de modo que "o trânsito em julgado ocorre[u] no fim do prazo do recurso cabível que foi omitido" pela pessoa jurídica que tinha interesse em interpô-lo.

Em assim sendo, a matéria da rescisória não foi devolvida a esse Tribunal de Justiça, de forma que o prazo para a propositura da rescisória, sob esse argumento, iniciou-se no dia seguinte imediato ao trânsito em julgado da decisão de 1º Grau, isto é, da r. sentença prolatada pelo insigne Juiz de direito de Três Lagoas.

Assim, há de se aplicar também ao caso, mutatis mutandi, as seguintes decisões do E. Superior Tribunal de Justiça, verbis:

"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO PARA O AJUIZAMENTO. TERMO INICIAL. DECADÊNCIA. QUESTÕES AUTÔNOMAS EM UMA SÓ DECISÃO. IRRESIGNAÇÃO PARCIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA MATÉRIA NÃO IMPUGNADA. PRAZOS DISTINTOS. RECURSO NÃO CONHECIDO.

1. O termo inicial do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória não se conta da última decisão proferida no processo, mas, sim, do trânsito em julgado da que decidiu a questão que a parte pretende rescindir.

2. Deliberando o magistrado acerca de questões autônomas, ainda que dentro de uma mesma decisão, e, como na espécie, inconformando-se a parte tão-somente com ponto específico do decisum, olvidando-se, é certo, de impugnar, oportunamente, a matéria remanescente, tem-se-na induvidosamente por trânsita em julgado.

3. A interposição de recurso especial parcial não obsta o trânsito em julgado da parte do acórdão federal recorrido que não foi pela insurgência abrangido.

4. ‘Se partes distintas da sentença transitaram em julgado em momentos também distintos, a cada qual corresponderá um prazo decadencial com seu próprio dies a quo: vide PONTES DE MIRANDA, Trat. da ação resc., 5ª ed., pág. 353.’ (in Comentários ao Código de Processo Civil, de José Carlos Barbosa Moreira, volume V, Editora Forense, 7ª Edição, 1998, página 215, nota de rodapé nº 224).

5. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

6. A questão dos efeitos produzidos pelas sucessivas reedições da Medida Provisória nº 542 é de índole constitucional, sendo, portanto, estranha ao âmbito de cabimento do recurso especial (Constituição da República, artigo 105, inciso III).

7. Recurso não conhecido."

(STJ, RESP 381.531/RS, rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, 6ª Turma, j. 21.03.2002, Unânime, DJU de 19.12.2002, p. 474).

-----------------------

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. QUESTÃO IMPUGNADA NÃO DELIBERADA PELO TRIBUNAL NO ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO. OBJETO DE DESCONSTITUIÇÃO: SENTENÇA DE 1º GRAU.

1. Nos termos do CPC, art. 512, o julgamento proferido pelo tribunal substitui a decisão recorrida apenas naquilo que tiver sido objeto de recurso, e efetivamente deliberado pelo colegiado, obtendo-se pronunciamento favorável ou desfavorável.

2. Nesse contexto, a Ação Rescisória deverá impugnar ou o Acórdão transitado em julgado, na parte conhecida pelo Tribunal, ou a sentença de 1º grau, na outra parte não impugnada ou não conhecida; essa última é a hipótese dos autos.

3. Recurso conhecido e provido."

(STJ, RESP 259.963/SP, rel. Min. EDSON VIDIGAL, 5ª Turma, j. 22.08.2000, Unânime, DJU de 25.09.2000, p. 134).

-----------------------

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. TRÂNSITO MATERIAL DA DECISÃO.

1. O prazo decadencial para a propositura da ação rescisória conta-se a partir do trânsito em julgado material da decisão rescidenda, e não do trânsito formal. Aplicação da regra de que o recurso parcial não impede o trânsito em julgado da parte da sentença recorrida que não foi por ele impugnada.

2. Não abrangendo a Apelação nem o Recurso Especial interpostos o tema que ora motiva a rescisão, é a partir da sentença de 1º grau que deve correr o biênio legal. Proposta a ação rescisória fora desse prazo, imperioso o reconhecimento da decadência.

3. Recurso não conhecido."

(STJ, RESP 201.668/PR, rel. Min. EDSON VIDIGAL, 5ª Turma, j. 08.06.1999, Unânime, DJU de 28.06.1999, p. 143)

RESP 41488 (p. 399).

Ainda nesse mesmo sentido: RESP 386.298/RS, rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 5ª Turma, j. 03.12.2002, Unânime, DJU de 19.12.2002, p. 394; RESP 359.983/RS, rel. Min. FELIX FISCHER, 5ª Turma, j. 05.11.2002, Unânime, DJU de 02.12.2002, p. 334; RESP 267.451/SP, rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, 3ª Turma, j. 22.05.2001, Unânime, DJU de 20.08.2001, p. 462 e RSTJ 152/334; entre outros.

Em face do exposto e considerando que a autora não pode beneficiar-se de sua torpeza e tratando-se de questão de ordem pública, não há outro remédio a não ser o de se declarar a intempestividade da predita rescisória, extinguindo, por conseqüência, o processo respectivo, após V. Excelências terem conhecido e julgado totalmente procedente esta Ação Declaratória Incidental.


VIII-DA INÉPCIA DA INICIAL DA AÇÃO RESCISÓRIA POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO:

Considerando que o acórdão é nulo, não há ato jurídico a ser atacado com ação rescisória, sendo, portanto, os pedidos nela formulados juridicamente impossíveis.

Assim, a petição inicial da ação rescisória é inepta, nos termos do artigo 295, I, c/c o seu parágrafo único, III, do Código de Processo Civil.


IX-DOS PEDIDOS:

Assim, o Ministério Público Estadual requer, inicialmente, que seja juntada esta inicial aos autos da ação rescisória nº 2006.010000-9, por ventilar questão prejudicial à terceira preliminar argüida e ao próprio mérito da ação principal.

Requer, do mesmo modo, que seja julgada procedente a presente Ação Declaratória Incidental para declarar a nulidade da apelação nº 2000.002900-9 e, por conseqüência, do acórdão proferido em razão dela.

Requer, ainda, que seja declarado que o trânsito em julgado da sentença proferida na Ação Civil Pública nº 021.98.020556-3 ocorreu na data da sua prolação.

Requer, também, que seja declarado, em razão das nulidades acima, que a única decisão que seria passível de rescisão é a predita sentença.

Requer, igualmente, que, em virtude de a rescisória ter atacado decisão nula, a petição inicial que a deu origem é inepta, nos termos do artigo 295, I, c/c o seu parágrafo único, III, do CPC, já que os pedidos lá formulados são juridicamente impossíveis.

Requer, bem assim, a declaração da intempestividade da ação rescisória.

Requer, outrossim, que seja determinada a intimação da ré para que, querendo, conteste o presente feito, sob pena de revelia e confissão sobre matéria de fato.

Requer, por fim, seja a requerida condenada ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios, estes a serem recolhidos ao Fundo Estadual de Apoio e Desenvolvimento do Ministério Público.

Requer, finalmente e se necessário, a produção de todos os meios de prova admitidos em direito.

Dá-se á causa o valor de R$ 4.552.024,73 (quatro milhões, quinhentos e cinqüenta e dois mil, vinte e quatro reais e setenta e três centavos).

Termos em que pede deferimento.

Campo Grande, 21 de novembro de 2006.

Irma Vieira de Santana e Anzoategui

Procuradora-geral de Justiça


NOTAS

01 A Lei nº 5.792, de 11 de julho de 1972, institui política de exploração de serviços de telecomunicações, autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa Telecomunicações Brasileiras S/A. - TELEBRÁS, e dá outras providências

02 Art. 8º Nos aumentos de capital da sociedade, caberá à União subscrever o suficiente para garantir um mínimo de 51% (cinqüenta e um por cento) do capital votante podendo, a qualquer tempo, alienar, total ou parcialmente, as ações que excederem àquele limite.

03 Art. 7°. "Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo".

04Art. 219. "Extingue-se a companhia:

I - pelo encerramento da liquidação;

II - pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades".

05 Curso Avançado de Processo Civil, Vol. 1, 2.005, p. 214.

06 Curso Avançado de Processo Civil, Vol. 1, 2.005, p. 234.

07 Elementos de Direito Processual Civil, 1ª ed. São Paulo : RT, 1998, p. 234.


Autor


Informações sobre o texto

O Ministério Público defende a impossibilidade de apelação por empresa telefônica que já não mais existia na época da interposição do recurso, tendo em vista sua anterior incorporação por outra empresa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANZOATEGUI, Irma Vieira de Santana e. Nulidade de apelação proposta por empresa telefônica que não mais existia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1247, 30 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16733. Acesso em: 25 abr. 2024.