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Faculdade não pode cobrar taxa para expedição de diploma

Faculdade não pode cobrar taxa para expedição de diploma

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Sentença proferida em ação civil pública proposta pelo Ministério Pública para vedar a cobrança de taxa para expedição de diplomas universitários por faculdade particular.

Autos nº 2005.61.08.011143-8
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Réus: INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO – ITE E UNIÃO FEDERAL


            Vistos.

            MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propôs a presente ação civil pública contra INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO – ITE e UNIÃO FEDERAL, pleiteando medida liminar ou tutela antecipada que assegurasse a suspensão da cobrança de taxa para expedição de diplomas para todos os alunos de todos os cursos da instituição de ensino que colarem grau até a solução desta.

            Descreveu que a Instituição Toledo de Ensino – ITE é uma instituição privada de ensino superior, mantenedora da faculdade de direito de Bauru, da faculdade de ciências sociais econômicas de Bauru e da faculdade de serviço social de Bauru, e que anualmente os formandos são compelidos a pagar taxa para expedição de diplomas.

            Noticiou que alunos da instituição de ensino compareceram à Procuradoria da República solicitando providência no sentido de que seja assegurada a isenção de pagamento de taxa para expedição de diplomas, exigência essa considerada abusiva em virtude desse valor já estar incluído no valor da anuidade escolar.

            Destacou a ilegalidade da exação diante de disposições contidas nas Resoluções nºs 01/1983 e 03/1989 do Conselho Federal de Educação, e sustentou a legitimidade passiva da União por deter a responsabilidade de fiscalizar e coibir a prática abusiva noticiada (Lei nº 9.394/1996 e art. 209, inciso I, Constituição Federal).

            O pedido de liminar foi analisado e deferido às fls. 85/95. Regularmente citada, a Instituição Toledo de Ensino apresentou contestação às fls. 109/131 postulando preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e, no mérito, refutou toda a argumentação deduzida na inicial.

            Às fls. 133/154 a ré Instituição Toledo de Ensino noticiou o ajuizamento de agravo de instrumento em face da decisão que deferiu a liminar postulada pelo Ministério Público Federal.

            A União Federal apresentou contestação às fls. 165/176 e aduziu, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, a ilegitimidade passiva da União, bem como a ausência de interesse processual do autor em face da União Federal. No mérito, alegou a impossibilidade do acolhimento da pretensão do autor. Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 180/193.

            É o relatório.


            Para a análise do mérito nos presentes autos, não há necessidade de dilação probatória, devendo ser a lide julgada antecipadamente, nos termos do artigo 330, I, Código de Processo Civil.

            A preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal levantada por ambos os réus não deve prosperar. Não obstante tenha conhecimento da existência de recente precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário [01], entendo como caracterizada a legitimação ativa do Ministério Público Federal, face ao preconizado pelo art. 81, parágrafo único, inciso III, e no art. 82, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), e aos ditames dos arts. 5º, XXXII, e 129, incisos II e III, da Constituição da República.

            Sobre a legitimidade do Ministério Público para propositura de ação civil pública para proteção de interesses individuais homogêneos, Hugo Nigro Mazzili pondera [02]:

            "Estaria, assim, o Ministério Público legitimado a defender qualquer interesse coletivo em sentido lato ? Poderia a instituição promover, em última análise, até mesmo a defesa de quaisquer interesses individuais homogêneos ?

            Como vimos, a resposta depende do caso concreto.

            Não se pode recusar que o Ministério Público esteja legitimado à defesa de interesses indisponíveis e de interesses transindividuais indivisíveis (interesses difusos ou coletivos, em sentido estrito); contudo, parece-nos que, por sua vocação constitucional, não está o Ministério Público legitimado à defesa em juízo de quaisquer interesses disponíveis de pequenos grupos determinados de consumidores, atingidos por danos variáveis e individualmente divisíveis, sem maior repercussão na coletividade.

            Às vezes, a defesa de interesses de um grupo determinado ou determinável de pessoas pode convir à coletividade como um todo. Isso geralmente ocorre em diversas hipóteses, como quando a questão diga respeito à saúde ou à segurança das pessoas; quando haja extraordinária dispersão de interessados, a tornar necessária ou, pelo menos, conveniente sua substituição processual pelo órgão do Ministério Público; quando seja proveitoso à coletividade o zelo pelo funcionamento correto, como um todo, de um sistema econômico, social ou jurídico."

            A princípio, atento ao ensinamento transcrito, compreendo que a questão posta comporta discussão pela via processual eleita pelo Ministério Público Federal em razão da dispersão de interessados, vale consignar, todos os alunos da Instituição Toledo de Ensino que concluíram ou estão prestes a concluir os cursos de direito, de ciências econômicas e de serviço social.

            Por outro prisma, me parece conveniente o prosseguimento desta ação como meio de evitar a repetição de demandas individuais, o que ao meu sentir denota que a deflagração da presente é proveitosa à coletividade e ao sistema social e jurídico. Entendo que a adoção de entendimento contrário importaria violação ao princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, inciso XXXV, Constituição), e indevida limitação ao manejo da ação coletiva. No mais, como alerta Nelson Nery Junior [03]:

            "Interessante notar o engano em que vem incorrendo a doutrina, ao pretender classificar o direito segundo a matéria genérica, dizendo por exemplo que meio ambiente é direito difuso, consumidor é coletivo etc. Na verdade o que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Ou seja, o tipo de pretensão que se deduz em juízo."

            No que pertine às preliminares de ilegitimidade passiva da União, bem como a ausência de interesse do autor em demandar em face do mencionado ente público as mesmas não devem prosperar. A União Federal é legítima para figurar no pólo passivo da relação processual, face à alegação deduzida na inicial no sentido de caber ao referido ente político fiscalizar e impedir a prática impugnada (Lei nº 9.394/1996 e art. 209, inciso I. Constituição Federal).

            No mérito, entendo que a pretensão do Ministério Público Federal deve prosperar. A Resolução n.º 01/1983 do Conselho Federal de Educação, em seu artigo 2º, § 1º, bem como a Resolução n.º 03/1989, no artigo 4º, § 1º, prevêem que constituem encargos educacionais, de responsabilidade do corpo discente, o pagamento da anuidade que, dentre outras despesas, servirá também para custear o fornecimento de certificados ou diplomas de conclusão de cursos.

            "Resolução nº 01/1983-CFE.

            art. 2º Constituem encargos educacionais de responsabilidade do corpo discente:

             ............................................................

            § 1º A anuidade escolar, desdobrada em duas semestralidades, constitui a contraprestação pecuniária correspondente à educação ministrada e à prestação de serviços a ela diretamente vinculados, como a matrícula, estágios obrigatórios, utilização de laboratórios e biblioteca, material de ensino de uso coletivo, material destinado a provas e exames, 1ª via de documentos para fins de transferência, certificados ou diplomas (modelo oficial) de conclusão de cursos, de identidade estudantil, de boletins de notas, de cronogramas, de horários escolares, de currículos, e de programas." (grifei)

            "Resolução nº 03/1989-CFE.

            art. 4º Constituem encargos educacionais de responsabilidade do corpo discente:

             ............................................................

            § 1º A mensalidade escolar constitui a contraprestação pecuniária correspondente à educação ministrada e à prestação de serviços a ela diretamente vinculados como matrícula, estágios obrigatórios, utilização de laboratórios e biblioteca, material de ensino de uso coletivo, material destinado a provas e exames, de certificados de conclusão de cursos, de identidade estudantil, de boletins de notas, cronogramas, de horários escolares, de currículos e de programas" (sublinhei)

            Destaco que no sentido da impossibilidade de cobrança de taxa como condição a expedição de diploma é remansosa a jurisprudência. Confira-se as ementas que seguem:

            "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. ENSINO SUPERIOR. NEGATIVA DE EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. COBRANÇA DE TAXA. ILEGALIDADE. ART. 2º DA RESOLUÇÃO Nº 001/83 DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO E ART. 6º DA LEI Nº 9.870/99. PROVIMENTO DA APELAÇÃO.

            1. Mera informação acerca da prática futura do ato impugnado não serve como marco inicial do prazo de decadência para a impetração.

            2. Não tendo transcorrido 120 dias entre o recebimento da correspondência que materializou o ato impugnado e a impetração do mandado de segurança, não há que se falar em decadência.

            3. Nos termos do art. 2º da Resolução/CFE nº 001/83 e do art. 6º da Lei nº 9.870/99, é ilegítimo o ato que nega a expedição de diploma por falta de pagamento do valor respectivo.

            4. O fato de o estudante ter solicitado administrativamente a confecção de diploma em papel ‘pele de cobra’ não afasta seu direito à obtenção do documento no modelo oficial independentemente do pagamento de qualquer valor.

            5. Apelação da impetrante provida." (AMS 2002.36.00.005471/MT, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria Almeida, DJ 29.08.2005, p. 124).

            "ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. PAGAMENTO DE TAXA PARA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA POR PARTE DA UNIVERSIDADE. IMPOSSIBILIDADE.

            1. A cobrança de taxa para a expedição de diploma é vedada, a teor da Resolução n. 01/1983 do Conselho Federal de Educação, reformulada pela Resolução n. 03/1989, uma vez que o referido serviço não é eventual ou extraordinário, estando seu custo já englobado no valor pago pelo aluno, na anuidade escolar. Precedentes.

            2. Remessa oficial desprovida. " (REOMS 2002.36.00.002945-3/MT, Relator Desembargador Federal Daneil Paes Ribeiro, DJ 22.08.2005, p. 59).

            "ADMINISTRATIVO - ENSINO SUPERIOR - RETENÇÃO DE DIPLOMA, MEDIANTE EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DE TAXA PARA A EXPEDIÇÃO DO DOCUMENTO - ILEGALIDADE.

            I - Ilegítima a retenção de diploma de conclusão de curso superior, mediante exigência de pagamento de taxa não prevista na norma regulamentadora da matéria.

            II - A Resolução nº 03/89, do Conselho Federal de Educação, dispõe, no §1º do art. 4º, que o valor das mensalidades escolares constitui a contraprestação pecuniária correspondente à educação ministrada e à prestação de serviços a ela diretamente vinculados, dentre os quais, os certificados de conclusão de cursos. Considerando que tanto o certificado como o diploma atestam a conclusão do curso, não há se falar na cobrança de taxa para a expedição deste e isenção na daquele.

            III - Remessa oficial improvida." (REO 2001.36.00.007862-6/MT, Relatora Desembargadora Federal Assusete Magalhães, DJ 31.03.2004, p. 25).

            "ENSINO SUPERIOR - CONCLUSÃO DE CURSO - RENTENÇÃO DE DIPLOMA, ANTE A AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TAXA PARA A EXPEDIÇÃO DO DOCUMENTO - NÃO CABIMENTO DA EXIGÊNCIA - SEGURANÇA CONCEDIDA - SENTENÇA CONFIRMADA.

            1 - Nos termos da Resolução nº 001, de 1983, do Conselho Federal de Educação, que regulamenta a cobrança de encargos educacionais, dispõe que o valor da anuidade escolar paga pelo aluno já inclui, entre outros documentos, o diploma em modelo oficial de conclusão de curso.

            2 - Remessa oficial a que se nega provimento. " (REO 2001.36.008124-8/MT, Relator Desembargador Federal Amílcar Machado, DJ 02.12.2002).

            Assim, consigna-se que a expedição do diploma já foi custeada pelos próprios alunos no transcorrer do curso de graduação, com o pagamento das mensalidades. Ademais, o contrato de prestação de serviços educacionais firmado entre a autoridade impetrada e seus alunos, consoante demonstra o documento de fl. 34, frente e verso, regula relação de consumo, passível de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, cujo artigo 51 prescreve:

            Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

            (...)

            IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

            (...)

            X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

            (...)

            XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

            Logo, nos termos do artigo supra transcrito, verifica-se que o § 2º da cláusula 4ª do Contrato de Prestação de Serviços Educacionais colacionado à fl. 34, frente, revela um desequilíbrio contratual entre as partes, acarretando, por esse motivo, sua nulidade sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.

            Além disso, ficou comprovado nos autos que a Universidade de São Paulo – USP, entidade autorizada legalmente a proceder o regular registro dos diplomas dos alunos da Faculdade de Direito de Bauru – ITE, cobra a quantia de R$ 90,00 (fl. 35), valor esse muito aquém dos R$ 170,00 cobrados para a expedição dos diplomas.

            Neste sentido, tomo a liberdade de colacionar aos autos trecho do irreparável parecer do Ministério Público Federal, apresentado pelo seu ilustre representante, Dr. André Libonati, nos autos de Mandado de Segurança n.º 2005.61.08.000380-0:

            "É certo que a faculdade dispõe e oferece aos discentes serviços outros como, por exemplo, transferência de alunos, xerox, expedição de cartões magnéticos para acesso ao sistema informatizado da instituição, que podem ser remunerados pelos alunos. Todavia, entende-se como abusiva a cobrança, ao menos no valor em que o foi, da taxa para expedição do diploma de conclusão do curso, impugnada pelos impetrantes, pois referido documento está intimamente ligado e constitui o fim último do curso de bacharelado, tanto dos discentes em Direito como em outras áreas.

            O argumento de que o serviço de registro do diploma é cobrado pela Universidade de São Paulo e, por isso, tal custo é repassado aos alunos não prospera. Em primeiro lugar, porque certamente já está inserido nas mensalidades cobradas ao longo do curso, cabendo, aqui, à impetrada fazer prova em contrário; em segundo lugar, porque não há razão para a faculdade cobrar, de cada aluno, o valor de R$ 170,00 (cento e setenta reais) para promover a expedição e o registro dos diplomas se a Universidade de São Paulo institui, para tanto, o valor de R$ 75,00 (setenta e cinco reais), conforme o art. 1º, inciso III, da Portaria GR-3.459, de 12-9-2003, à fl. 82".


            Dispositivo.

            Ante o exposto, com base no art. 269, inciso I, Código de Processo Civil, julgo procedente o presente pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, ratificando a liminar concedida às fls. 85/95, e determino à Instituição Toledo de Ensino – ITE que se abstenha de cobrar taxa para expedição de diplomas a todos os alunos de todos os cursos por ela ministrados que colarem grau a partir da data da liminar acima mencionada, bem como que indenize todos os valores cobrados dos ex-alunos formados, devolvendo em dobro aludidos montantes, a ser realizado em execução coletiva em apenso.

            A União Federal fica condenada a fiscalizar a Instituição Toledo de Ensino no sentido de exigir o cumprimento das normas gerais de educação nacional, especificadamente as Resoluções n.º 01/83 e 03/89, do antigo Conselho Nacional de Educação.

            Custas, na forma da lei.

            Ficam a Instituição Toledo de Ensino e a União Federal condenadas ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em dez por cento, para cada uma, sobre o valor atribuído à causa, devendo o valor devido ser vertido ao fundo que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/1985.

            P.R.I.

            Sentença sujeita ao reexame necessário.

            Bauru, 16 de junho de 2.006.

            Roberto Lemos dos Santos Filho

            Juiz Federal

            ALPM


Notas

            01 Recurso Especial nº 683.705/PE, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ 21.11.2005, P. 138.

            02 A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, 8ª edição, p. 110-111.

            03 Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, 8ª edição, p. 159-160.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS FILHO, Roberto Lemos dos. Faculdade não pode cobrar taxa para expedição de diploma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1251, 4 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16735. Acesso em: 19 abr. 2024.