Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/jurisprudencia/16783
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Caminhão usado tem garantia mesmo quando usado para viagens longas

Caminhão usado tem garantia mesmo quando usado para viagens longas

Publicado em . Elaborado em .

Caminhoneiro adquiriu veículo usado, para transporte de cargas, que teve o motor fundido após três meses de uso. O vendedor alegou que o caminhão foi adquirido para viagens curtas e cargas pequenas, mas estava sendo usado de forma diferente. A sentença salientou que, pela natureza do veículo, sua destinação era para cargas superiores a doze toneladas, com destinação para transporte rodoviário, sendo lícito ao seu adquirente empregar-lhe tal espécie de utilização. A sentença foi mantida pela Turma Recursal.

Processo - nº 075.05.004103-1
Classe - RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE VEÍCULOS (cognominada de `Ação de Ressarcimento de Valores Despendidos para Conserto de Veículo´)
Autores - MAS e CMM
Réus - JOB e NP


            Vistos etc.

            Considerando que nos Juizados Especiais Cíveis, o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2º, da Lei nº 9.099, de 26.09.1995), foi o relatório dispensado (parte final do art. 38, da mesma Lei).

            Passo de imediato, pois, à fundamentação.

            Cuida-se de ação de RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE VEÍCULOS, cognominada de ´Ação de Ressarcimento de Valores Despendidos para Conserto de Veículo´, onde MAS e CMM sustentam que, em 07.10.2004, teriam adquirido de CMM e NP, o caminhão MERCEDES BENZ L 1113, ano/modelo 1978, de cor amarela e placas ***-****, ajustando, para tanto, o pagamento de R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais), sendo que em 06.01.2005, numa viagem ao Estado de São Paulo, o veículo teve o motor fundido, ocasião em que os demandados, muito embora tenham concedido garantia de 06 (seis) meses para o cargueiro, refutaram a assunção da responsabilidade contratual, motivo pelo qual, restando inexitosa a possibilidade de composição extrajudicial do litígio, pugnam pela concessão da tutela jurisdicional do Estado, com a condenação dos réus ao solidário pagamento do valor de R$ 7.203,00 (sete mil, duzentos e três reais), despendido para a necessária restauração mecânica do veículo, quantia esta monetariamente corrigida e acrescida dos juros de mora (fls. 02/07).

            Em uníssona contestação, CMM e NP, argüiram a ilegitimidade passiva ´ad causam´, manejando o idêntico argumento de que não possuem "qualquer vínculo com a revenda de caminhões onde ocorreu a negociação descrita na inicial", exaltando que tal "revenda não possui razão social, funcionando em local apenas alugado, onde passa percentual das negociações lá existentes ao Sr. Nilton Cardoso". Assim, "vislumbra-se do contrato de compra e venda, anexo aos autos, que nem Nilton Cardoso, muito menos NP, efetuaram a assinatura do mencionado instrumento", exaltando, no mérito, que por ocasião da compra e venda, os autores buscavam um caminhão destinado a viagens curtas, com o fito de transportar "cargas pequenas", tendo-lhes sido indicada a aquisição do MERCEDES BENZ L 1113, ano/modelo 1978, de placas ***-****, concretizando-se o negócio em 07.10.2004, após o que os demandados teriam tomado conhecimento de que o cargueiro estaria sendo utilizado para viagens longas, transportando "cargas altíssimas, para a capacidade do mesmo", motivo pelo qual alegam ter estabelecido "contato telefônico com o ora Autor, avisando do perigo que o veículo corria", de modo que após 07 (sete) meses da relação de compra e venda, teriam sido procurados pelos postulantes, que relatavam "que o caminhão havia tido problemas no motor próximo a São Paulo", motivo pelo qual, imputando aos requerentes a inadequada utilização do cargueiro, bradaram pelo inacolhimento do pleito contido na exordial, impugnando a concessão do benefício da Assistência Judiciária gratuita (fls. 37/39 e 43/45).

            Passo, num primeiro momento, à análise da preliminar de ilegitimidade passiva ´ad causam´, destacando que, segundo o contido no "Contrato Particular de Compra e Venda" (fls. 12/12 vº), em 07.10.2004, CMM e JOB ajustaram a compra e venda do caminhão MERCEDES BENZ L 1113, ano/modelo 1978, de cor amarela e placas ***-****, mediante a satisfação do valor de R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais).

            Por sua vez, ao ser inquirido, o próprio JOSÉ ORLANDI BITTENCOURT asseverou que "quando CMM foi procurar o declarante para comprar um caminhão Mercedes Benz, sua preferência era de compra de um modelo 1313, com capacidade de carga para quinze mil quilos; o único caminhão que o declarante tinha na revenda era um 1113, modelo 78, com capacidade de carga para doze mil e quinhentos quilos, com motor aspirado, não turbinado", afirmando que "o motor não tinha problema nenhum, com baixa quilometragem; o veículo não era hidráulico; era queixo duro e era usado para viagens para Brasília e Goiânia; quando retornou, CMM reclamou do declarante que o caminhão estava com problema na direção; o declarante mandou corrigir o tal defeito na oficina Tubarão; foi o próprio declarante que pagou o conserto e o tal veículo foi liberado; [...] depois de já ter deixado o caminhão em São Paulo, para conserto do motor, sem antes consultar o declarante, CMM procurou-o dizendo que o motor tinha fundido e que o declarante teria que ajudá-lo, dizendo que tinha colocado um virabrequim novo, alegando que o original estava em última medida; então, o próprio declarante respondeu-lhe, indagando-lhe porque tinha autorizado o conserto em São Paulo, pois caso tivesse havido problema, mandaria para São Paulo um motor emprestado, com um mecânico junto para retirada do motor defeituoso e colocação do tal motor, trazendo o danificado para Tubarão para conserto, possibilitando, com isso, que o caminhão de CMM prosseguisse viagem" (fls. 57/58).

            Resta insofismavelmente demonstrado, assim, que JOB figurou como parte na relação de compra e venda do cargueiro de placas ***-****, motivo pelo qual, nos termos do disposto no art. 3º, do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, detém legitimidade e interesse para figurar no pólo passivo da demanda.

            De outro vértice, não vislumbro a existência de elementos indicativos da legitimidade de NP, para integrar a lide na qualidade de demandado, visto que o mesmo não integra o ´Contrato Particular de Compra e Venda´, sequer tendo firmado o instrumento contratual de fls. 12/12 vº.

            Não bastasse isso, ao ser inquirida, MAS silenciou acerca do envolvimento de NP no ajuste, o que se reflete no depoimento prestado por CMM, que apenas exaltou o fato de que "NP era conhecedor de toda a tratativa do negócio" (fl. 56).

            Tenho para mim, s. m. j., que o mero ´conhecimento´ de uma relação jurídica não significa, absolutamente, assunção de direitos e/ou deveres.

            Em seu depoimento, NP enfatizou que "não intermediou nenhuma negociação de venda e compra do caminhão com os autores", revelando que "a revenda ***** CAMINHÕES é de propriedade de JOB", e que "existe no local, hoje uma placa indicativa de "NILTON CAMINHÕES", em referência à NILTON CORRÊA, que possui revenda no mesmo local; as duas revendas funcionam lado a lado; o proprietário de uma revenda de caminhões é o próprio JOB e o proprietário da outra revenda é NILTON CORRÊA", destacando que "a revenda de JOB não possui contrato social; o galpão onde funciona a tal revenda é alugado do proprietário NELI BARDINI" (fl. 59).

            Já o informante VALMIR HUMBERTO SILVEIRA distingüiu que "o tal caminhão foi revendido pela ***** CAMINHÕES, uma empresa fantasma que não possui registro nenhum, pegavam caminhões usados e revendiam; NP não tinha participação direta em nenhum negócio; as tratativas eram feitas por JOB" (fls. 61/62)

            Diante de tais assertivas, concluo ter restado indemonstrada a participação de NP na relação de compra e venda do MERCEDES BENZ de placas ***-****, motivo pelo qual – sendo o mesmo parte manifestamente ilegítima para figurar no pólo passivo da relação processual (art. 295, inc. II, do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL) – acolho a preliminar ventilada, e, com arrimo nos arts. 3º e 267, incs. I e VI, do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, declaro, para que opere seus jurídicos e legais efeitos, parcialmente extinto o presente feito, que deve prosseguir única e tão somente contra JOB.

            Não havendo outras preliminares, passo de imediato, à análise da ´quaestio de meritis´, esclarecendo que segundo as informações contidas nos documentos de fls. 12/12 vº e 47/48, a relação de compra e venda foi entabulada em 07.10.2004, ao passo que a pane mecânica do MERCEDES BENZ L 1113, de placas ***-****, ocorreu em 06.01.2005 (fls. 14 e 15), sendo os reparos concluídos em 26.01.2005 (fls. 16/17).

            Na contestação, JOB assegurou que [...] "o tempo de garantia, excedeu o limite previsto em lei, que estipula em casos específicos o limite máximo para a garantia do veículo é de seis meses após a compra" (fl. 44). Logo, forçoso concluir que por ocasião do ajuste de vontades, foi concedida garantia de 06 (seis) meses, para a cobertura de defeitos no caminhão objeto.

            Considerando que muito embora o motor tenha sido danificado em 06.01.2005, os reparos apenas foram concluídos em 26.01.2005, permitindo completo conhecimento da extensão dos danos e efetivo custo de reparação.

            A partir de então, o direito indenizatório dos autores possui marco inicial.

            A alegação de que somente [...] "depois de uns 07 (sete) meses após a compra do veículo, o Autor procurou o Requerido informando que o caminhão havia tido problemas no motor próximo a São Paulo (SP)" (fls. 44), carece de fundamento, visto que entre a data de compra e venda e o próprio ajuizamento da ação, decorreram menos de 07 (sete) meses ! (fls. 02 vº e 12/12 vº)

            Tal incongruência assume vulto, após detida análise do depoimento prestado por JOB, que revelou que após uma viagem, CMM procurou-lhe, reclamando que "o caminhão estava com problema na direção; o declarante mandou corrigir o tal defeito na oficina Tubarão; foi o próprio declarante que pagou o conserto e o tal veículo foi liberado".

            Relativamente à motorização do veículo, o réu garantiu que "não foi feita nenhuma enjambração no cabeçote do motor do tal caminhão", e que "depois de já ter deixado o caminhão em São Paulo, para conserto do motor, sem antes consultar o declarante, CMM procurou-o dizendo que o motor tinha fundido e que o declarante teria que ajudá-lo, dizendo que tinha colocado um virabrequim novo, alegando que o original estava em última medida".

            Depreende-se, neste momento, que os autores buscaram o ressarcimento do valor despendido para a reparação dos danos surgidos no veículo recém-adquirido, imputando ao demandado o dever oriundo da responsabilidade contratual livremente assumida.

            Neste momento, JOB indagou "porque tinha autorizado o conserto em São Paulo, pois caso tivesse havido problema, mandaria para São Paulo um motor emprestado, com um mecânico junto para retirada do motor defeituoso e colocação do tal motor, trazendo o danificado para Tubarão para conserto, possibilitando, com isso, que o caminhão de CMM prosseguisse viagem" (fl. 57/58).

            O réu foi cientificado do defeito, jamais tendo manifestado expressa recusa em aceitar a responsabilidade que lhe era atribuída, o que permite concluir pela suspensão do prazo prescricional do direito dos postulantes.

            O art. 26, do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, dispõe que ´o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis;´ [...].

            Bens não duráveis, consoante lição de ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, ´são aqueles que se exaurem no primeiro uso ou em pouco tempo após a aquisição, ao passo que os duráveis são os de vida útil não efêmera, embora não se exija seja prolongada´ (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentários ao código de proteção do consumidor. p. 82).

            Diante de tal ensinamento, depreende-se nitidamente que, ´in casu´, a regra incidente é aquela contida no inciso II, do referido artigo de Lei, porquanto um caminhão, por sua natureza e constituição possui relativa durabilidade.

            Entretanto, considerando que a hipótese versa sobre defeito advindo de vício presente na motorização do MERCEDES BENZ de placas ***-****, compreendo que tal circunstância escapa do controle de compra de um leigo.

            O defeito advindo do excessivo desgaste das peças internas do motor, bem como dos componentes do sistema de alimentação não são visíveis a olho nú, apenas apresentando-se em decorrência da alteração de desempenho e funcionamento, o que imprescinde de análise técnica.

            A respeito, o § 3º, do art. 26, do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, preceitua que ´tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito´.

            Sobre a matéria, TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO esclarece que "é possível a decadência do direito de reclamar por vícios, sejam aparentes, de fácil constatação ou ocultos. A única diferença indicada na lei de proteção é quanto ao termo inicial da contagem do prazo. Tratando-se de vícios aparentes ou de fácil constatação, o ´dies a quo´ é o dia da efetiva entrega do produto ou do término da execução dos serviços prestados (art. 26, § 1º, do Código). Já na hipótese de vícios ocultos, o prazo decadencial se inicia "no momento em que ficar evidenciado o defeito" (art. 26, § 3º, do Código). A diferença de termo inicial se justifica para que haja a caracterização do dormidor. Na última hipótese, por ser vício oculto, a inércia só pode se configurar a partir do instante em que houver a ciência do vício" (NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários ao código do consumidor. Aide, 1991. p. 97).

            Idêntico é o posicionamento de ULDERICO PIRES DOS SANTOS, para quem "evidenciado que o vício é oculto, somente no momento em que este se mostrar patente é que começa a correr o prazo da decadência. É natural que seja assim porque o consumidor não pode ficar inibido de exercer a pretensão de redibir, ou de pedir abatimento do preço, sem que antes conheça o vício, que só pode ocorrer a partir do momento em que vier a conhecê-lo, ou seja, por ocasião da utilização normal do produto ou do serviço" (SANTOS, Ulderico Pires dos. Teoria e prática do código de proteção e defesa do consumidor. Paumape. p. 76).

            Depreende-se, portanto, que os autores tiveram adequada ciência do defeito antes de decorridos 03 (três) meses da compra, conhecendo a extensão do vício mais precisamente em 26.01.2005 (fls. 16 e 17), após o que reclamaram do vendedor o cumprimento da garantia legal, tendo o mesmo quedado-se inerte.

            A respeito, importante é o ensinamento de HÉLIO ZAGHETTO GAMA, para quem "o Direito de reclamar é aquele a ser exercitado perante o próprio fornecedor ou perante a Justiça. Desde quando formulada tal reclamação, diretamente ao fornecedor, o prazo de decadência fica obstado e só começará nova contagem quando houver a resposta negativa do fornecedor, que deve ser transmitida - ao consumidor - de forma inequívoca (não valem as alegações confusas ou não precisas para fazer iniciar-se a contagem de tempo contra o consumidor). No interregno, pode o consumidor ingressar com ação direta contra qualquer dos fornecedores" (GAMA, Hélio Zaghetto Gama. Curso de direito do consumidor. Forense, 1999. p. 66).

            Inexiste, nos presentes autos, qualquer indício de que JOSÉ ORLANDO BITTENCOURT tenha manifestado inequívoca recusa à assunção da responsabilidade ressarcitória, de modo que a suspensão do prazo prescricional afasta qualquer óbice ao processamento da pretensão contida na exordial.

            Afastadas quaisquer prejudiciais de mérito, passo à análise da circunstância exoneratória, constituída pelo argumento de que o MERCEDES BENZ de placas ***-**** teria sido comercializado como sendo um caminhão destinado a percorrer pequenas distâncias, transportando até 12.500 kg (doze mil e quinhentos quilos).

            Mero compulsar do depoimento prestado por JOB permite constatar a ausência de lastro da assertiva, visto que o mesmo foi enfático ao afirmar que [...] "o caminhão estava em boas condições; o motor não tinha problema nenhum, com baixa quilometragem; o veículo não era hidráulico; era queixo duro e era usado para viagens para Brasília e Goiânia;" [...] (fls. 57/58).

            Um caminhão urbano de porte médio, em regra possui sistema hidráulico de direção, sendo tal acessório dispensado naqueles caminhões mais antigos, com configuração rodoviária, como aquele adquirido pelos autores.

            Não bastasse isso, um cargueiro destinado ao tracionamento de cargas superiores a 12 t (doze toneladas), evidentemente possui destinação para transporte rodoviário, sendo lícito ao seu adquirente empregar-lhe tal espécie de utilização. Especialmente considerando a garantia de que o mesmo [...] "estava em boas condições; o motor não tinha problema nenhum, com baixa quilometragem" (fls. 57/58).

            O testigo VICENTE CARGNIN ZABOTE ratificou o argumento de que "o vendedor, disse que o caminhão estava bom, dando de três até seis meses de garantia" (fl. 60).

            Idem relativamente ao que relatou o informante VALMIR HUMBERTO SILVEIRA, qual seja, que "o caminhão vendido não tinha nenhum problema, não foi ocultado de CMM nenhum defeito no cargueiro" (fls. 61/62).

            Sobre o valor probante da prova testemunhal, destaca a doutrina que "dentro do livre convencimento motivado (art. 131), a prova testemunhal não é mais nem menos importante do que os outros meios de probatórios (...) Nas hipóteses comuns, o valor probante da testemunha será aferido livremente por meio do cotejo com as alegações das partes e com os documentos, perícias e mais elementos do processo" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de processo civil. v. 1. 26. ed. Forense, 1999. p. 466).

            Já o art. 5º, da Lei nº 9.099/95, refere que ´o Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica´.

            Não diverge o art. 6º, da aludida legislação, segundo o qual ´o Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.´

            Sobre a matéria, colhe-se da jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina que "em matéria de prova o poder inquisitivo do juiz é maior do que em qualquer outra atividade processual. Sendo o destinatário da prova, não é mero espectador da luta de partes, podendo, por isso mesmo, deferir ou indeferir as diligências que, a seu juízo, são inúteis ou protelatórias. Conquanto o ônus da prova caiba às partes (art. 333) é o juiz que formula um juízo de conveniência, selecionando, dentre as requeridas, as necessárias à instrução do processo" (AI nº 96.005699-8, da Capital, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu).

            Dispõe o art. 10, ´caput´, da Lei nº 8.078/90, que ´o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou seguranç.

            Entendo, s. m. j., que JOB, atuando com profissionalismo como revendedor de caminhões, é sabedor dos produtos que comercializa, devendo observar o regramento consumeirista.

            Sua atitude, ao revender cargueiro com grave defeito no motor, anunciando-o como perfeito, caracteriza afronta à relação de consumo.

            Acerca da aplicação da legislação consumeirista, leciona ALEXANDRE LIMA RASLAN que "quando o art. 1º, do Código de Defesa do Consumidor, diz que ele "estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias", não sem razão deve se entender que ele assenta em nível infraconstitucional, definitivamente, a potência normativa da Carta de 1988. Negar este fato é, sem sombra de dúvida, ir contra a disposição literal da lei, no mínimo, sem prejuízo de se estar ignorando o perfil de "ordem pública" e de "interesse social" que anima o Código de Defesa do Consumidor." (RASLAN, Alexandre Lima. Aplicação do código de defesa do consumidor às atividades bancárias).

            Deste modo, a solução da controvérsia imprescinde da invocação da Lei nº 8.078/90, que em seu art. 2º, conceitua que ´consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final´, ao passo que, segundo o art. 3º, ´fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.´, sendo que ´§ 1º - Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial´.

            É sabido e consabido que a legislação consumerista possui o escopo de proteger o hipossuficiente da relação obrigacional, ou seja, o consumidor, que na grande maioria das vezes assume obrigações unilateralmente impostas e fixadas pelo fornecedor.

            ´In casu´, a circunstância exoneratória invocada pelo demandado merece especial análise, senão vejamos: sustenta JOB que o caminhão MERCEDES BENZ L 1113, apesar de destinado a pequenas viagens, estaria sendo utilizado pelos autores para o transporte interestadual de mercadorias, o que o isentaria de qualquer responsabilidade no pós-venda.

            Entretanto, segundo leciona CLÁUDIA LIMA MARQUES, "na nova concepção do direito dos contratos, a sua função principal é procurar o reequilíbrio da relação contratual, a chamada justiça ou equidade contratual, a qual só poderá ser atingida com uma mudança na ação do direito, evoluindo de uma posição passiva e supletiva para uma ação cogente e determinadora de condutas também na área contratual" (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 2. ed. RT, 1995. p. 201).

            Prossegue a doutrinadora avultando que "a vontade das partes manifestada livremente no contrato não é mais o fator decisivo para o Direito, pois as normas do Código instituem novos valores superiores como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo. Formado o vínculo contratual de consumo, o novo direito dos contratos opta por proteger não só a vontade das partes, mas também os legítimos interesses e expectativas dos consumidores. O princípio da equidade, do equilíbrio contratual, é cogente; a lei brasileira, como veremos, não exige que a cláusula abusiva tenha sido incluída no contrato por "abuso do poderio econômico do fornecedor, como exige a lei francesa, ao contrário, o CDC sanciona e afasta apenas o resultado, o desequilíbrio, não exige um ato reprovável do fornecedor; a cláusula pode ter sido aceita conscientemente pelo consumidor, mas se traz vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contrária às novas normas de ordem pública de proteção do CDC e a autonomia de vontade não prevalecerá" (op. cit. p. 203).

            Assim, não há que se acolher a isenção de responsabilidade calcada na invocação do princípio do ´pacta sunt servanda´, visto que se o caminhão efetivamente estava em perfeitas condições, nada impedia sua utilização para o transporte interestadual de cargas.

            Ocorre que após compulsar detidamente os autos concluo que o vendedor conhecia a fragilidade da mecânica do caminhão posto à venda, mascarando o prazo do surgimento do vício, sob a recomendação de que se o veículo fosse utilizado apenas em curtos trechos, com pequena carga – o que, sabia ele – pouparia a mecânica de um maior desgaste imediato, postergando o surgimento do excessivo desgaste de seus componentes internos.

            Gize-se que, segundo o disposto no art. 10, ´caput´, da Lei nº 8.078/90, que ´o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou seguranç.

            A conduta contratual de JOB constitui, inclusive, crime tipificado no art. 66, do CDC, segundo o qual ´fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços´ constitui conduta punível com pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

            O art. 74, à seu turno, determina que ´deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo´, sujeita o infrator a pena de detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.

            Todos os prismas adotados para a análise da ´quaestio´ indicam o acolhimento do pleito como o caminho da mais absoluta Justiça, visto que, consoante já referido, o vínculo contratual estabelecido entre MAS, CMM e JOB, por expressa previsão legal, pressupõe a existência de regular garantia.

            Por derradeiro, relativamente ao ´quantum´ almejado pelos postulantes, colhe-se da jurisprudência dos Tribunais pátrios que "em transação de veículos o aparecimento imediato de vício oculto somente constatado por mecânico diminui sensivelmente o valor do carro trocado em razão das despesas do conserto. Soubesse o apelante do grave defeito não teria feito o negócio; assim, impõe-se o desfazimento da troca e o retorno da situação anterior" (Ap. Cív. nº 311.512 - Vargem Grande do Sul - Apte: Francisco Caetano Silva - Apdo: Natalino Adão - Rel: Juiz Reis Kuntz - j. em 3/11/1983 - 1º TACSP).

            Não há que se discutir o fato de que um consumidor, buscando adquirir um caminhão médio, jamais se sujeitará à aquisição de um veículo com a motorização comprometida (fls. 14/19), sem que tal fato, ao menos, constitua objeto de abatimento do preço.

            Amolda-se ao caso sob julgamento magnífico raciocínio professado por DARCI GUIMARÃES RIBEIRO, para quem "é natural, provável, que um homem não julgue sem constatar o juízo com as provas que lhe são demonstradas. Quando o autor traz um fato e dele quer extrair conseqüências jurídicas, é que, via de regra, o réu nega em sentido geral as afirmações do autor; isto gera uma litigiosidade, que, por conseqüência lógica, faz nascer a dúvida, a incerteza no espírito de quem é chamado a julgar. Neste afã de julgar, o juiz se assemelha a um historiador, na medida em que procura reconstituir e avaliar os fatos passados com a finalidade de obter o máximo possível de certeza, pois o destinatário direto e principal da prova é o juiz. Salienta MOACYR A. SANTOS que também as partes, indiretamente, o são, pois igualmente precisam ficar convencidas, a fim de acolherem como justa a decisão. Para o juiz sentenciar é indispensável o sentimento de verdade, de certeza, pois sua decisão necessariamente deve corresponder à verdade, ou, no mínimo, aproximar-se dela. Ocorre recordar que a prova em juízo tem por objetivo reconstruir historicamente os fatos que interessam à causa, porém há sempre uma diferença possível entre os fatos, que ocorreram efetivamente fora do processo e a reconstrução destes fatos dentro do processo. Para o juiz não bastam as afirmações dos fatos, mas impõem-se a demonstração da sua existência ou inexistência, na medida em que um afirma e outro nega, um necessariamente deve ter existido num tempo e num lugar, i.e., uma de ambas as afirmações é verdadeira. Daí dizer com toda a autoridade J. BENTHAM que "el arte del proceso no es esencialmente otra cosa que el arte de administrar las pruebas´´", afirmando que "o problema da verdade, da certeza absoluta, repercute em todas as searas do direito. A prova judiciária não haveria de escapar desses malefícios oriundos dessa concepção, tanto isto é certo que para o juiz sentenciar é necessário que as partes provem a verdade dos fatos alegados, segundo se depreende do art. 332 do Código de Processo Civil" [...], sintetizando que "por objeto da prova se entende, também, que é o de provocar no juiz o convencimento sobre a matéria que versa a lide, i.e., convencê-lo de que os fatos alegados são verdadeiros, não importando a controvérsia sobre o fato, pois um fato, mesmo não controvertido, pode influenciar o juiz ao decidir, na medida que o elemento subjetivo do conceito de prova (convencer) pode ser obtido, e. g., mediante um fato notório, mediante um fato incontroverso".

            Destaca, ainda, o doutrinador, que [...] "a parte não está totalmente desincumbida do ônus da prova de uma questão de direito, na medida que cada qual quer ver a sua alegação vitoriosa devendo, por conseguinte, convencer o juiz da sua verdade", e conclui destacando que "o juiz julga sobre questões de fato com base no que é aduzido pelas partes e produzido na prova" (RIBEIRO, Darci Guimarães. Tendências modernas da prova. RJ n. 218. dez-1995. p. 5).

            Diante de tais fundamentos, considerando o lauto substrato probatório encartado aos autos, de ser insofismavelmente acolhido o pleito contido na exordial de fls. 02/07.

            Ademais, merece destaque o fato de que a alienação de cargueiro dotado de tantos e tão graves defeitos (fls. 14/19), afrontou o disposto no art. 230, da Lei nº 9.503/97, que instituiu o CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, sujeitando o condutor do MERCEDES BENZ de placas ***-****, às penalidades insculpidas em seu inc. XVIII, segundo o qual ´conduzir o veículo: [...] em mau estado de conservação, comprometendo a segurança, ou reprovado na avaliação de inspeção de segurança e de emissão de poluentes e ruído, prevista no art. 104´, constitui infração grave, sujeitando o proprietário à aplicação de multa, sendo o veículo retido administrativamente para regularização.

            Destarte, diante da perniciosa alienação do veículo, resta inequivocamente demonstrado que o prejuízo experimentado por MAS e CMM merece reparação.

            Então, relativamente ao ´quantum´ indenizatório, impende destacar que "os orçamentos de oficinas especializadas e idôneas são suficientes para provar o montante dos prejuízos. Não basta, assim, ao réu impugnar os orçamentos apresentados. É preciso produzir provas para elidi-los (Wladimir Valler)" (ACV nº 97. 004039-3, de Blumenau, rel. Des. Newton Trisotto).

            Bem a propósito, observa o culto ARNALDO MARMITT que "muito comum é a apuração do montante a indenizar, por meio de orçamentos fornecidos por firmas idôneas e capacitadas. Consiste a operação em avaliar, logo após o acidente, os estragos materializados, para a obtenção do valor em dinheiro, a ser passado oportunamente ao credor. Tem sido admitida largamente a dispensa de peritagem em tais casos, onde se impõe a celeridade na reposição dos danos, sem delongas e sem maiores gastos. À vítima compete providenciar na busca de três orçamentos, junto a firmas especializadas, optando quase sempre o julgador pelo de valor mais reduzido. Mas não é ele obrigado a tanto, sendo-lhe permitido escolher outro, se o achar mais conveniente e mais de acordo com os ditames da justiça. Não ficará obstacularizado o direito do cidadão, no caso de apresentação de um só orçamento, ao invés de três. O que importa é achar o justo valor, que seja equivalente ao valor dos reparos necessariamente feitos." (A responsabilidade civil nos acidentes de automóvel. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1986. p. 128-129).

            Deste modo, diante dos fundamentos já elencados, especialmente observando a disposição inserida no art. 6º, da Lei nº 9.099/95, a procedência do pedido é medida que se impõe.

            Aliás, como bem exaltado pelo Magistrado GUILHERME NUNES BORN, "o Juiz não pode e não deve, em hipótese alguma, comportar-se como um autômato, um simples aplicador da estática e fria norma jurídica ao caso concreto, como já se pensou no século passado. O Magistrado é um hermeneuta da norma, o imparcial mediador entre os litigantes, que, para alcançar o seu desiderato, necessita usar de todos os métodos fornecidos pela dogmática da interpretação, considerar sempre os fins sociais a que a lei se destina e as exigências do bem comum (aliás, trata-se de princípio geral insculpido no art. 5º da LICC), além de ter conscientização do papel da ideologia no preenchimento das lacunas do Direito, na busca incessante da justa composição do conflito." (Joel Dias Figueiras Júnior)" (Apelação Cível nº 2.025, de Tubarão).

            POSTO ISTO, considerando, ainda, o mais que dos autos consta – especialmente os princípios gerais de Direito aplicáveis à espécie – com arrimo em o disposto no inciso VI, do art. 267, do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, em relação ao co-réu NP – reconhecendo sua ilegitimidade passiva para figurar no pólo passivo da presente relação processual – declaro extinto o processo, e, de outra banda, com fulcro no disposto no art. 5º, inc. XXXII, e art. 170, inc. V, ambos da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, bem como o art. 48, de suas Disposições Constitucionais Transitórias, arts. 2º, 5º e 6º, todos da Lei nº 9.099/95, art. 333, incs. I e II, do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, c/c. arts. 1º, 2º, 4º, 6º, incs. IV, V e VI, 18, 23 e 26, todos da Lei nº 8.078/90, julgo parcialmente procedente o pedido, condenando JOB a pagar a MAS e CMM, solidariamente, o valor de R$ 7.203,00 (sete mil, duzentos e três reais), monetariamente corrigido a partir do ajuizamento da ação (09.05.2005 - fl. 01), acrescido dos juros de mora desde a citação (10.08.2005 - fl. 33 vº), cabendo ao ESCRIVÃO JUDICIAL formalizar o elenco de diligências legais pertinentes, com as cautelas de praxe.

            Incabível a condenação nas custas e honorários advocatícios (art. 55, ´caput´, da Lei nº 9.099/95).

            Publique-se.

            Registre-se.

            Intimem-se.

            Tubarão, 29 de junho de 2006.

            Luiz Fernando Boller

            JUIZ DE DIREITO


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Caminhão usado tem garantia mesmo quando usado para viagens longas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1454, 25 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16783. Acesso em: 16 abr. 2024.