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Da permanência da gratificação especial de localidade para juízes e posteriores alterações legislativas

Da permanência da gratificação especial de localidade para juízes e posteriores alterações legislativas

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Parecer pela manutenção do direito de juiz ao recebimento da gratificação por exercício em comarca de difícil provimento, a despeito da legislação posterior que criou o subsídio para agentes públicos e da lei ordinária que a transformou em vantagem de caráter pessoal.

EMENTA – GRATIFICAÇÃO ESPECIAL DE LOCALIDADE – INSTITUIÇÃO PELA LOMAN – LEI COMPLEMENTAR – DERROGAÇÃO POR LEI ORDINÁRIA – IMPOSSIBILIDADE.

LEI Nº 9.527/97 – EXTINÇÃO DA GRATIFICAÇÃO ESPECIAL DE LOCALIDADE – MAGISTRATURA – INALCANÇABILIDADE – VANTAGEM PESSOAL – ENTENDIMENTO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

JUIZ – CURSO DE APERFEIÇOAMENTO NO EXTERIOR – ESTIPÊNDIO – TOTALIDADE – REMOÇÃO FORMAL PARA LOCAL NÃO ACOBERTADO PELA GEL – TEMPORARIEDADE – MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO.

REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DA UNIÃO – APROVEITAMENTO AOS MAGISTRADOS – POSSIBILIDADE RELATIVA – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A CARREIRA – AGENTE POLÍTICO – TRATAMENTO DIFERENCIADO – LOMAN – NORMA ESPECIAL DE REGÊNCIA.


I - Dos Fatos e das Razões da Consulta:

Trata-se de questão pertinente ao pagamento da Gratificação Especial de Localidade – GEL, solvida a título de retribuição pelo exercício em local de difícil acesso, nos termos do art. 65, inciso X, da LOMAN (Lei Complementar nº 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional).

A consulente é beneficiária da GEL desde quando iniciara sua profissão, isto em 1994, sendo certo que em 1996, por força da Medida Provisória nº 1.573/96, convertida na Lei nº 9.527/97, aludida gratificação passou a ser considerada como vantagem de caráter pessoal.

Posteriormente, com a edição da Lei nº 11.143/05, o desembolso da GEL foi suprimido para todos os magistrados, porque, à época, entendeu-se que aquela vantagem estaria abrangida pelo teto constitucional (fixação do subsídio). No mesmo período, a consulente deixou de receber o benefício, acreditando que isso ocorrera em razão daquele entendimento.

Recentemente, decidiu o CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ - que os Tribunais não deveriam ter ceifado o solvimento da GEL, porque não restara absorvida pelo teto constitucional. A questão foi apreciada no Pedido de Providência nº 603/06, que ratifica entendimento do CNJ, já registrado na sua Resolução nº 13/06, que assim aduz: "Art. 5º As seguintes verbas não estão abrangidas pelo subsídio e não são por ele extintas: I - de caráter permanente: retribuição pelo exercício, enquanto este perdurar, em comarca de difícil provimento; II - de caráter eventual ou temporário".l

Em face desta decisão do CNJ, determinado TRT restabeleceu o adimplemento da GEL para os juízes que já recebiam a parcela como vantagem de caráter pessoal, entretanto, não o fez em relação à consulente, sob o argumento de que esta esteve lotada em Vara do Trabalho da cidade X (localidade que não contempla a GEL), no lapso temporal de dois meses.

Registra-se que a consulente tomou posse no ano de 1994 na cidade Y, e foi para outra urbe (Z) no ano de 1995, ambas as localidades abrangidas pela GEL. Desde 1995, a consulente somente esteve efetivo na cidade Z, jamais tendo desempenhado as funções do cargo na cidade X.

A consulente afastou-se de suas funções por 02 anos para estudos no exterior, deixando seus encargos de magistrada na data de abril/2004 a março/2006. Saiu da cidade de Z e retornou, igualmente, para a cidade Z, aforante o interregno em que estivera fora do Brasil, já que sempre mantivera domicílio e residência em tal cidade (Z).

Durante os 02 anos de afastamento, teve sua licença suspensa por um (01) dia (17.06.2004) para tomar posse como Juíza Titular da Vara do Trabalho da cidade W (localidade também abarcada pela GEL). Depois, sem suspensão da licença, foi removida formalmente para a Vara da cidade X, permanecendo afastada até o término da licença em março/2006. Jamais esteve na Vara da localidade X. Nunca desempenhou qualquer função do cargo em na mesma. Sequer transferiu residência ou domicílio para lá.

Diante do acima apresentado, maneja-se os seguintes quesitos da consulta jurídica.

1 – A Gratificação Especial de Localidade (GEL), segundo o Conselho Nacional de Justiça, possui a natureza jurídica de vantagem de caráter pessoal (entendimento sedimentado na Resolução nº 13/06 e decisão do Pedido de Providência nº 603/06). Esta é a interpretação que faz o CNJ da Lei nº 11.143/05 c/c a MP nº 1.573/96 convertida na Lei nº 9.527/97. A consulente, por sua vez, no exercício da judicatura, percebeu a GEL desde o ingresso de sua profissão em outubro/1994, todavia, por motivo de afastamento para curso de aperfeiçoamento, formalmente fora removida para a Vara da cidade X (no período de 01.08.2005 a 20.10.2005), local não contemplado pela aludida vantagem. Por conta disso, fora abruptamente extirpado este benefício de seu contracheque, a contar de agosto/2005. Diante disso, pergunta-se:

a) A citada natureza jurídica da GEL (art. 2º, § 1º, da Lei 9.527/97) ampara juridicamente o ato administrativo que alijara o pagamento dessa vantagem à consulente?

b) Caso se perfilhe o entendimento de que a remoção da consulente para local não acobertado pela GEL criasse obstáculo à percepção da vantagem - lembrando-se que não houve desempenho de qualquer função do cargo naquela localidade (já que se encontrava ausente do País naquele lapso temporal, daí porque lhe era materialmente impossível exercício da função e/ou transferência de seu domicílio/residência) -, este empecilho geraria a extinção definitiva dos pagamentos futuros ou meramente a sua suspensão no interstício temporal em que estava formalmente removida para a cidade X?

2 - A LOMAN, em seu art. 65, inciso X, instituiu a GEL há mais de duas décadas. O pagamento desta vantagem somente se dera a partir da edição da Lei nº 8.270/91, que criou a GEL para os servidores do Poder Judiciário Federal, regulamentada pelo Decreto nº 493/92. Estas normas serviram de meros instrumentos de integração interpretativa da LOMAN para fixação de parâmetro para implementação deste direito. Diante disso, indaga-se:

a) A MP nº 1.573/96, convertida na Lei Ordinária nº 9.527/97, teria o condão de eliminar o direito disciplinado pela Lei Complementar nº 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN?

b) Deflagrado o direito à percepção da GEL pela LOMAN e concretizado este pelo art. 17, da Lei nº 8.270/91 e Decreto nº 493/92, poderia desaparecer a substância do direito pela simples extinção/alteração de normas que o regulamentou?

c) Diante disso, como se interpreta o alcance das locuções "extinguindo-se o seu pagamento" e "exercício em caráter permanente", constantes do art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.527/97 (ex - MP nº 1.573/96)?

d) A Lei nº 8.112/90 (que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais) pode ser tida como elemento de interpretação analógica quanto a direitos elencados pela LOMAN?

e) O fato de o magistrado ser agente político confere-lhe status normativo para proteção dos direitos decorrentes de seu cargo diferenciado dos servidores públicos em geral?

3 - O parecer que toma como fundamento basilar para negar o pagamento e extinção do direito à percepção da GEL, prevista no art. 65, X, da LOMAN, utiliza, por analogia o art. 102, da Lei nº 8.112/90. Frente a esse parecer, questiona-se:

a) O mesmo enveredou pela melhor exegese?

b) Adicione-se que a consulente teve sua licença suspensa por 01 (um) dia para tomar posse como Juíza Titular da Vara do Trabalho da cidade W (em decorrência de promoção do cargo de Juíza Substituta), suspensão não ocorrida em relação à remoção para o local X. Se o próprio afastamento acompanhado da percepção de todas as vantagens fosse significativo de "efetivo exercício" (como interpreta o parecer negativo), então aquele ato do Tribunal que suspendeu a licença para tomar posse seria inócuo?


II – Do Parecer:

Por primeiro, honra-me muito ter sido agraciado pela confiança em mim depositada pela ilustre magistrada trabalhista, ao formular consulta sobre caso que se lhe afeta.

Em segundo lugar, tenho como linha de princípio a nortear exegese normativa observar não só a lei, em sua literalidade gramatical, mas sim, adequá-la no complexo jurídico volvendo os olhos para o sistema jurídico como um todo, para que com isso a interpretação decorrente esteja guindada pela legitimação social e, acima de tudo, que se veja argamassada por uma coerência lógico-jurídica que a visão de uma regra por si só pode pôr a perder.

Neste sentido, abebera-se da judiciosa lição do Des. Onésimo Mendonça de Anunciação, membro do extinto Tribunal de Alçada do Paraná, ao prefaciar livro do consagrado advogado João Gonçalves de Oliveira (in http://www.faficp.br/professores/jgoncalves/LV-JG1/lv-jg1-prefacio.htm - acessado em 18.12.2006), obtemperando que: "A Lei é a principal fonte formal do Direito. Ou, como se costuma dizer, é uma forma de expressão do Direito, porque é, através dela, que a sociedade politicamente organizada prescreve e revela as normas de conduta a serem observadas por todos. De qualquer modo, eis a sábia advertência de Calheiros Bonfim: "A lei não esgota o direito, assim como a gramática não exaure o idioma". Por isso, admite-se que a lei contenha lacunas, mas o Direito, como sistema de controle social, não pode ser lacunoso. Por outro lado, presume-se que a Justiça se realiza quando o Direito, como seu instrumento, é aplicado. Entretanto, trata-se de presunção relativa, porque, na verdade, circunstâncias podem existir, em face das quais a lei não pode ser interpretada literalmente, para não frustrar os mais elevados ideais de Justiça."

Procedida esta necessária digressão, passemos a gênese da Gratificação Especial de Localidade, a qual encontra arrimo na Lei Complementar nº 35/79, onde giza que: "Art. 65 - Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: (...) X - gratificação pelo efetivo exercício em Comarca de difícil provimento, assim definida e indicada em lei." (não figuram reticência, parênteses e grifo na fonte).

Bem se percebe que a locução vantagens utilizada pela LOMAN está de conformidade com a boa doutrina, como se apreende da verve do saudoso Hely Lopes Meirelles em seu Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1996, pp. 403, 408 e 409, ao lecionar que: "Já vimos que os servidores públicos são estipendiados por meio de vencimento. Além dessa retribuição estipendiária podem, ainda, receber outras parcelas em dinheiro, constituídas pelas vantagens pecuniárias a que fizerem jus, na conformidade das leis que as estabelecem. (...) Vantagens pecuniárias são acréscimos de estipêndio do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem) ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam). As duas primeiras espécies constituem os adicionais (adicionais de vencimento e adicionais de função), as duas últimas formam a categoria das gratificações (gratificações de serviço e gratificações pessoais). Todas elas são espécies do gênero retribuição pecuniária, mas se apresentam com características próprias e efeitos peculiares em relação ao beneficiário e à Administração." (destacou-se).

Logo, a GEL, em se tratando de magistrado, recebe singular tratativa, isto é, fora gestada por lei complementar e apenas regra do mesmo jaez poderá alijá-la do cenário jurídico.

Assim, uma vez regulamentada, seja por lei ordinária ou decreto, nunca mais fenecerá, com a eventual defenestração do ato normativo regumentador.

Em situação muito similar, já que tangente à Lei Orgânica do Ministério Público, o colendo Superior Tribunal de Justiça vaticinara que: "Outrossim a LC n. 75/1993 (Lei Orgânica do MPU) estabelece um regime taxativo de direitos e vantagens que é insuscetível de modificação por processo legislativo de hierarquia inferior, bem como a vantagem pleiteada não tem caráter geral." (Processo STJ REsp 271.368-MS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 1º/4/2004. Informativo nº 0204, sublinhou-se).

Seguindo adiante, duas óticas se fazem necessárias, quais sejam: a) o magistrado é um servidor público em sentido genérico; b) todavia, o juiz é mais que um funcionário público, por se tratar de um agente político. Este viés tem significativa relevância jurídica, porque somente pode-se utilizar a Lei nº 8.112/90 quando beneficiar a classe da judicatura, por conta do tratamento especial que esta goza.

O Tribunal de Contas da União, a este respeito, pela lira do Min. Marcos Vinicios Vilaça, averbara que: "A questão do pagamento da GEL aos juízes teve como resultado o entendimento de que a mesma é possível tendo em vista que o magistrado é servidor público lato sensu, conforme se encontra assente em grande parte da doutrina e da jurisprudência. Assim, a extensão de benefícios previstos nos estatutos destinados aos servidores stricto sensu aos magistrados é válida, desde que não contrariem o disposto na Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN)." (TCU: Identificação Acórdão 2407/2004 - Primeira Câmara, Ministro Relator Marcos Vinicios Vilaça. Número Interno do Documento: AC – 2407-33/04-1, in site https://contas.tcu.gov.br/portaltextual/MostraDocumento?lnk=(AC-2407-33/04-1)%5BNUMD%5D%5BB001%5D, grifou-se).

Jamais, portanto, o regime jurídico único dos servidores civis da União poderá ser agitado em desfavor de direitos consagrados à magistratura pela lei complementar que versa o pálio dos juízes. O que se compreende, isto sim, é a utilização daquele primeiro feixe normativo para o benefício da respectiva classe, como bem ponderou o referido Min. Marcos Vinicios Vilaça, ao escandir: "Por conseqüência, tendo a LOMAN previsto em seu art. 65, inciso X, a hipótese de gratificação pelo exercício de Comarca de difícil provimento, considerou-se válido estender o pagamento da GEL aos magistrados, por se tratar de benefício análogo. O que se constata neste caso é a ausência de legislação específica que regulasse o pagamento da gratificação aos magistrados. Isto equivale a dizer que os magistrados devem possuir o mesmo tratamento dispensado aos demais ‘servidores’, pois a falta de um diploma legal próprio impossibilita que tratemos de maneira diferente duas pessoas que se encontrem na mesma situação."

Entrementes, voltando especificamente os olhos para a Gratificação Especial de Localidade, com berço na LOMAN, a concretização de seu pagamento e mensuração viera a lume pela Lei nº 8.270/91, que reza: "Art. 17. Será concedida gratificação especial de localidade aos servidores da União, das autarquias e das fundações públicas federais em exercício em zonas de fronteira ou em localidades cujas condições de vida o justifiquem, conforme dispuser regulamento a ser baixado pelo Poder Executivo no prazo de trinta dias."

Com fulcro no art. 84, IV, 2ª parte, da Carta da República, espocara o Decreto nº 493/92, onde, no tanto que interessa, transcreve-se: "Art. 2º Considera-se localidade, para efeito do disposto no art. 1º, as áreas de difícil acesso, inóspitas, e de precárias condições de vida constantes da relação em Anexo. Parágrafo único. O deslocamento do servidor para ter exercício em outra localidade, por necessidade do serviço e em caráter temporário, não implicará em perda da gratificação de que trata este Decreto." (destacou-se).

A própria literalidade do normativo pré-citado, sem nenhum esforço interpretativo maior, deixa cristalina a intelecção de que remoção do magistrado de modo não permanente em plaga não acobertada pela GEL não faz cessar a percepção da mesma.

Cumpre indagar: o afastamento do juiz para curso de aperfeiçoamento, no lapso temporal de até dois anos, implicaria na perda da Gratificação Especial de Localidade? A resposta vem, novamente, pela Lei Complementar nº 35/79, onde estatui que: "Art. 73 - Conceder-se-á afastamento ao magistrado, sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens: I - para freqüência a cursos ou seminários de aperfeiçoamento e estudos, a critério do Tribunal ou de seu órgão especial, pelo prazo máximo de dois anos". (grifou-se).

Naturalmente que a lei complementar, ao conceber que o juiz possa amealhar maiores conhecimentos técnico-jurídicos, com o afastamento de suas funções por até dois anos, nada mais fez do que possibilitar ao estudioso uma certa modalidade de prêmio, tanto assim o é que o mesmo, desde que com a anuência do seu respectivo tribunal (o que demonstrará que não será qualquer magistrado que poderá usufruir tal benesse, mas sim aquele de detiver vocação para esse lapidamento intelectivo) continuará auferindo a globalidade de seus "vencimentos e vantagens".

É de bom alvitre lembrar que o citado Decreto nº 493/92, em seu art. 1º, dimensiona quais as categorias funcionais que fazem jus à Gratificação Especial de Localidade, pois veja-se: "Art. 1º A Gratificação Especial de Localidade referida no art. 17, da Lei nº 8.270, de 17 de dezembro de 1991, será concedida aos servidores da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais em exercício em zonas de fronteiras ou nas localidades referidas no Anexo a este Decreto."

Então, não são somente os magistrados abrangidos pela GEL. Daí porque o art. 3º, parágrafo único, do epigrafado decreto não ter tratado como de pleno exercício da função, o afastamento para aperfeiçoamento específico de juiz, já que aquele deita que: "Art. 3º A gratificação de que trata este Decreto somente será concedida a servidores que se encontrem no efetivo exercício do cargo de provimento efetivo, nas localidades especificadas no Anexo. Parágrafo único. Consideram-se como de efetivo exercício, para efeito deste artigo, os afastamentos em virtude de: a) férias; b) casamento; c) luto; d) licença para tratamento de saúde, licença à gestante ou decorrente de acidente em serviço; e) licença-prêmio por assiduidade; f) serviço obrigatório por lei."

Novamente, soa oportuno evocar que a magistratura tem legislação própria, encetada em lei complementar, o que quer dizer que um decreto ou lei ordinária jamais poderá afastar direito ali pré-fixado, com base no conhecidíssimo princípio cognominado, no âmbito do direito constitucional, de cânone da "reserva de lei". Explica-se: existem circunstâncias de que a lei complementar, para se formatar como tal, deve ter quorum específico e diferenciado do da lei ordinária e, demais disso, haverá de se circunscrever às matérias que lhe são acometidas pela lei das leis, isso é que lhe confere o real signo de lei complementar.

O conspícuo advogado e professor da Universidade Cândido Mendes - Rodrigo Borges Valadão, na matéria intitulada "O Princípio da Reserva de Lei Complementar e a hierarquia entre as espécies normativas (parte III)", localizável no site http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art29_2.htm, (acessado em 19.12.2006), bem pontua essa questão: "Como consectário lógico, a lei ordinária encontra razão para validade de suas disposições, seu fundamento de validade na própria Constituição, e não na lei complementar. A subordinação das leis complementar e ordinária dá-se perante a própria Constituição, não havendo, portanto, nenhum enlace fundamental entre as duas. Na hipótese de colisão, o vício será de inconstitucionalidade, pois uma delas avançou sobre o terreno material delegado à outra. Mas o que aconteceria se uma lei complementar, ao dispor sobre matéria que lhe seja reservada, transbordasse os limites impostos pela Constituição e inovasse em matéria de lei ordinária? Embora não haja qualquer hierarquia entre as referidas espécies normativas, parece-nos que a lei complementar pode dispor sobre matéria reservada residualmente à lei ordinária. Acontece que o quorum necessário para que a lei complementar seja aprovada engloba o da lei ordinária. Assim, estaríamos diante de duas normas num mesmo documento jurídico. Uma lei complementar - nas matérias afetas à reserva legal complementar - e uma lei materialmente ordinária - nas matérias alheias à incidência da primeira. Haveria, na espécie, a aplicação do brocardo não há nulidade sem prejuízo, pois, ao invés de uma inconstitucionalidade, teríamos a lei complementar vigendo como uma lei ordinária, podendo ser modificada, neste particular, por uma nova lei ordinária. Fora do seu campo específico, preestabelecido pela Constituição, a lei editada não é complementar, ainda que obtenha a maioria absoluta dos votos parlamentares."

Acontece, entrementes, que para regrar a magistratura não houve qualquer elastério da Constituição Federal, no sentido de delegar tal mister a outro gênero normativo que não o complementar, bastando que se confira: "Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios (...) " (sublinhou-se, ausentes parênteses e reticências no texto primígino).

Disso se infere que, vencimentos e vantagens de juiz só podem ser tratados por lei complementar, daí porque qualquer restrição a eles que provenham de fonte normativa outra, sê-lo-á, nada mais nada menos, do que inconstitucional.

Entretanto, sobreveio a Lei nº 9.527/97, onde risca que: "Art. 2º Ficam extintas as gratificações a que se referem o item VI do Anexo II do Decreto-Lei nº 1.341, de 22 de agosto de 1974, o item V do Anexo IV da Lei nº 6.861, de 26 de novembro de 1980, o Anexo I do Decreto-Lei nº 1.873, de 27 de maio de 1981, e o art. 17 da Lei nº 8.270, de 17 de dezembro de 1991. § 1º A importância paga em razão da concessão das gratificações a que se refere o caput deste artigo passa a constituir, a partir da publicação desta Lei e em caráter transitório, vantagem pessoal nominalmente identificada, sujeita exclusivamente a atualização decorrente de revisão geral da remuneração dos servidores públicos federais." (grifou-se).

Neste comenos, a se aplicar aos magistrados o comando supra elencado, ter-se-ia lídima inconstitucionalidade, haja vista que, como registrado alhures, somente lei complementar é que pode tratar de vantagens alusivas a tais agentes políticos. Logo, salta aos olhos que a extinção da GEL o fora para servidores públicos federais que não os juízes, já que o próprio art. 17, da Lei nº 8.270/91, revogado pelo art. 2º da Lei nº 9.527/97, aludia: "Art. 17. Será concedida gratificação especial de localidade aos servidores da União, das autarquias e das fundações públicas federais em exercício em zonas de fronteira ou em localidades cujas condições de vida o justifiquem, conforme dispuser regulamento a ser baixado pelo Poder Executivo no prazo de trinta dias."

A bem da verdade, no contexto da magistratura, não se pode elocubrar que o direito substancial que forra a GEL (art. 65, X, da LOMAN) tenha sido derruído. Ele subsiste sempre, até que, eventualmente, seja revogado mediante outra lei complementar, que trate do estatuto da magistratura.

Seja como for, a dita GEL continuara sendo solvida como vantagem pessoal, até que na dança legislativa que caracteriza este país, veio à tona a Lei nº 11.143/2005, que fixou subsídios para os membros do Poder Judiciário, onde se teve, num primeiro momento, a idéia de que o teto remuneratório englobaria todas as remunerações, fazendo com que fossem suprimidas as gratificações.

No entanto, o Conselho Nacional de Justiça, mediante a Resolução nº 13, datada de 21 de março de 2006, assentou que: "Art. 5º As seguintes verbas não estão abrangidas pelo subsídio e não são por ele extintas: I - de caráter permanente: retribuição pelo exercício, enquanto este perdurar, em comarca de difícil provimento".

Este preceptivo gerou o pedido de providências de nº 603/06, cuja gênese fora o TRT da 24ª Região, onde no voto condutor, prolatado pelo ilustre conselheiro Paulo Luiz Neto Lôbo, vislumbra-se que: "... com a implantação do subsídio para toda a Magistratura, tal vantagem não foi por este absorvida, dele ficando destacada, até o limite do teto constitucional, devendo permanecer seu pagamento até que o magistrado passe a ter exercício, em caráter permanente, em outra localidade não discriminada expressamente nas normas vigentes à época da concessão." (inocorrentes reticências e grifos).

Destarte, a hermenêutica escorreita aponta que o juiz somente deixará de assenhorear-se da GEL se exercer, em caráter permanente, seu cargo em localidade não açambarcada pela dita vantagem, de modo que, se não praticar atos atinentes a seu mister em local não encampado pela epigrafada gratificação, nenhuma alteração se dará, isto é, continuará normalmente a colher o telado benefício, que tem natureza jurídica propter laborem.

É bom realçar que o oleiro está para a argila assim como o magistrado está para a prática de ato jurisdicional (fora disso, não se poderá falar em judicatura) e, como tal, o emérito procurador federal Agapito Machado Júnior, especialista em Direito Público (UNIFOR), especialista MBA em Direito Constitucional (UCAM/RJ), mestrando em Direito (UFC), no trabalho "A legitimidade do Poder Judiciário e a função de corte constitucional do Supremo Tribunal Federal", publicado no site https://jus.com.br/artigos/7992, acessado em 20.12.2006, conceitua que: "A função jurisdicional implica em preservar e aplicar o ordenamento jurídico pátrio com definitividade, situação que normalmente é realizada mediante provocação de interessados (jurisdicionados), diante de caso concreto." (destacou-se).

Como esteio, a idéia de tutela jurisdicional, mormente em homenagem ao monopólio estatal quanto a essa nobre função, tem-se às claras que somente o juiz judica, perdoado o truísmo, como dimana do verbete extraído do site http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx, acessado em 20.12.2006, onde se lê que: "Judicatura: do Lat. Judicatu s. f., estado ou cargo de juiz; poder de julgar; tribunal."

De efeito, o magistrado pode estar no gozo do cargo, mas não exercer sua função judicante. Como a título exemplificativo, dar-se-á quando ele estiver usufruindo férias, licença-prêmio, licença médica etc.

Toma-se de empréstimo, uma vez mais, de saudosa memória, as palavras de Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 14ª ed., 1989, p. 66: "(...) cargo público é o lugar instituído na organização do funcionalismo, com denominação específica, atribuições também específicas e salário correspondente, para ser provido e exercido (ou seja, encarnado) por um titular. Quanto à função administrativa, é a atribuição ou o conjunto de atribuições que a administração atribui a cada categoria profissional, ou comete individualmente a determinados servidores para a execução de serviços."

Pois bem. Um magistrado licenciado figura como membro do Poder Judiciário (cargo), todavia, não estará executando os préstimos de seu cargo, ou seja, não exerce a respectiva função que a Administração lhe acometera.

Daí porque, a própria LOMAN grafa: "Art. 71 - O magistrado licenciado não pode exercer qualquer das suas funções jurisdicionais ou administrativas, nem exercitar qualquer função pública ou particular (vetado)."

Logicamente, o afastamento para curso de aperfeiçoamento recebe tratamento excepcional, como se entrevê da própria LOMAN, ao estabelecer que: "Art. 73 - Conceder-se-á afastamento ao magistrado, sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens: I - para freqüência a cursos ou seminários de aperfeiçoamento e estudos, a critério do Tribunal ou de seu órgão especial, pelo prazo máximo de dois anos". (grifou-se).

O evidente, então, é que neste caso, a GEL não está afeta à dificuldade do provimento da judicatura em si (propter laborem), mas acompanha a pessoa do juiz (propter personam), haja vista que esta otimização cognitiva do julgador é alçada como a sinonímia de um prêmio singular a ele. Transmuda-se, assim, a natureza jurídica da vantagem acobertado pela GEL, em caso de licenciamento para aperfeiçoamento do magistrado.

Este deve ser o vetor interpretativo, sob pena de prejudicar o juiz que se licenciar para acumular conhecimento, dado que, outro par seu continuaria percebendo a GEL enquanto ele, se fosse, removido por ato próprio de seu tribunal para vara que não judicasse e muito agraciada com a GEL, seria penalizado com a sua redução vencimental.

Acredito, sinceramente, que se persistente interpretação tacanha, nenhum magistrado se sentiria seguro para ausentar-se para o dito aperfeiçoamento, porque muito bem poderia sofrer no bolso essa privação, ou seja, ao invés da aglutinação de conhecimento gerar riqueza e engrandecimento para o tribunal e para o próprio agente político, lhe poderia servir de uma esdrúxula apenação. Isso contraria em toda a latitude o hodierno princípio da proporcionalidade.

Antes de se adentrar no âmago do cânone da ponderação (proporcionalidade), traz-se a círio a lição viva do indisputável e festejado administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu Curso de Direito Administrativo, 12ª ed., Malheiros, 2000, pp. 747 e 748, ao bradar que: "Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (..) Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra." (inexistentes parênteses e reticências na fonte).

Agora, frente ao princípio da proporcionalidade, é de se averiguar icto oculli que o magistrado que ausentar-se de suas funções para impender curso de aperfeiçoamento, haverá de levar consigo, tal como gizado pela LOMAN, a globalidade estipendiária, porque do contrário, correrá o risco de que outro colega seu, que não intentar o mesmo logro, seja beneficiado em relação a ele, onde então, para um juízo de ponderabilidade, deve-se suplantar o almejado pela Lei Complementar nº 35/79?

Nesta esteira, a docência do mestre-mor do direito constitucional contemporâneo J. J. Gomes Canotilho, in Direito constitucional e teoria da constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998, p.259-260, ao pontificar que a proporcionalidade: "proíbe nomeadamente as restrições desnecessárias, inaptas ou excessivas de direitos fundamentais (...) os direitos fundamentais só podem ser restringidos quando tal se torne indispensável, e no mínimo necessário, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos." (ausentes parênteses e reticência na fonte).

Não é a toa que a Lei nº 9.527/97, no seu art. 2º, §2º, discorre que: "A vantagem a que se refere o parágrafo anterior não se incorpora aos proventos de aposentadoria e pensões, extinguindo-se o seu pagamento na hipótese em que o servidor passar a ter exercício, em caráter permanente, em outra localidade não discriminada expressamente nas normas vigentes a época de sua concessão." (ausentes parênteses, reticências e negritos no texto primitivo).

Desse comando legal, extraem-se as conseqüências jurídicas que se seguem:

a) a ida de um magistrado para comarca não hospedada pela GEL, não significará a perda do direito substancial acerca da dita vantagem, mas tão somente a extinção momentânea de seu pagamento (propter laborem). Essa assertiva é juridicamente mais hígida, em se tratando de juiz, porque, como referido antecedentemente, a Gratificação Especial de Localidade fora instituída pela Lei Complementar nº 35/79 (LOMAN), de forma que jamais poderá ser extirpada por uma lei ordinária;

b) igualmente, pressuporá suspensão do pagamento da GEL, quando o juiz estiver em exercício permanente em região não abrangida por essa vantagem, o que significa que a mesma retornará ao agente político assim que ele judicar com definitividade em zona abrangida pelo dito proveito. Essa, aliás, é a inteligência do art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 493/92, ipsis verbis: "Art. 2º Considera-se localidade, para efeito do disposto no art. 1º, as áreas de difícil acesso, inóspitas, e de precárias condições de vida constantes da relação em Anexo. Parágrafo único. O deslocamento do servidor para ter exercício em outra localidade, por necessidade do serviço e em caráter temporário, não implicará em perda da gratificação de que trata este Decreto." (destacou-se).

Como corolário desse enunciado, visualiza-se que exercício permanente da função de juiz pressuporá a totalidade de seu tempo para judicar com exclusividade em determinada plaga, já que a LOMAN é enfática em seu art. 35, verbo ad verbum: "Art. 35 - São deveres do magistrado: V - residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado; VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término" (grifou-se).

É de rigor se ater que a lei complementar que versa sobre a magistratura não se contentou com o domicílio do magistrado, mas sim, exigiu sua residência na cercania do local de sua judicatura, uma vez que é sabido que um ser pode ter mais de um domicílio, nunca, pois, a pluralidade de residência.

A pena segura da docente da PUC/SP Maria Helena Diniz, em Direito Civil Brasileiro, v. 01: teoria geral do direito civil. 19ª ed. Ed. Ver. De acordo com o novo código civil – São Paulo: Saraiva, 2002, alinhava que: "A residência é o lugar em que habita, com intenção de permanecer, mesmo que dele se ausente temporariamente." (sublinhou-se).

Ora, a não mais poder, ressuma lapidar que exercício permanente da função judicante se dará quando o magistrado residir no município onde exercerá funções judiciais e administrativas relativas a seu cargo. Excetuada essa ocorrência, ter-se-á o signo da provisoriedade, muito encontradiça nas situações de substituição legal e demais quejandos, que capitulará a incidência do art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 493/92.

Assim sendo, um juiz que se encontrar em aperfeiçoamento previsto no art. 73, I, da LOMAN, vê-se licenciado, o que impede a prática de atos funcionais da carreira (art. 71, do mesmo diploma legal), perceberá, por força da própria lei complementar, a integralidade de sua remuneração e vantagens, embora não esteja momentaneamente no exercício de seu mister judicante.


III – Das Respostas às Consultas:

Postas estas premissas, passo, sub censuram, ao enfrentamento dos questionamentos que se me foram endereçados.

Ei-los:

1. a) A citada natureza jurídica da GEL (art. 2º, § 1º, da Lei 9.527/97) ampara juridicamente o ato administrativo que alijara o pagamento dessa vantagem à consulente? A Lei nº 9.527/97, por ser regra ordinária, não tem o condão de extinguir a gratificação de localidade, uma vez que esta fora instituída pelo art. 65, X, da Lei Complementar 35/79?

Bem andou, pois, o Conselho Nacional de Justiça quando na Resolução nº 13/06, em seu art. 5º, sedimentou que: "Art. 5º As seguintes verbas não estão abrangidas pelo subsídio e não são por ele extintas: I - de caráter permanente: retribuição pelo exercício, enquanto este perdurar, em comarca de difícil provimento".

Logo, maxima respecta, o Tribunal Regional do Trabalho não poderá extirpar a Gratificação Especial de Localidade da consulente, sob pena de ofender o princípio da legalidade (art. 37, caput, da Carta Política), aqui materializado no art. 65, X, do diploma legal suso aludido.

1.b) Caso se perfilhe o entendimento de que a remoção da consulente para local não acobertado pela GEL criasse obstáculo à percepção da vantagem - lembrando-se que não houve desempenho de qualquer função do cargo naquela localidade (já que se encontrava ausente do País naquele lapso temporal, daí porque lhe era materialmente impossível exercício da função e/ou transferência de seu domicílio/residência) -, este empecilho geraria a extinção definitiva dos pagamentos futuros da GEL ou meramente a sua suspensão no interstício temporal em que estava formalmente removida para a cidade X?.

Se se estivesse frente a uma casuística de um juiz que exercesse temporariamente suas funções judicantes em comarca não abrangida pela gratificação de localidade, a mesma haveria de ter seu pagamento suspenso enquanto ele ali estivesse ofertando seus préstimos, como se infere do art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 493/92, cuja dicção é a seguinte: "Art. 2º (...) Parágrafo único. O deslocamento do servidor para ter exercício em outra localidade, por necessidade do serviço e em caráter temporário, não implicará em perda da gratificação de que trata este Decreto."

O raciocínio supra exsurge desta singela premissa: a Gratificação Especial de Localidade, como regra é propter laborem, isto é, haverá de incidir quando o agente político estiver mourejando nas hipóteses elencadas no caput do art. 2º, do mesmo ato regulamentador, que está assim vazado: "Considera-se localidade, para efeito do disposto no art. 1º, as áreas de difícil acesso, inóspitas, e de precárias condições de vida constantes da relação em Anexo".

Todavia, no caso da consulente, a norma a incidir é outra, qual seja, a Lei Complementar nº 35/79, onde aponta: "Art. 73 - Conceder-se-á afastamento ao magistrado, sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens: I - para freqüência a cursos ou seminários de aperfeiçoamento e estudos, a critério do Tribunal ou de seu órgão especial, pelo prazo máximo de dois anos".

Isto está a significar que, a consulente leva consigo a vantagem afeta à Gratificação Especial de Localidade por imperativo da nunca demais noticiada lei complementar (LOMAN), o que denota que a mesma faz jus na totalidade quanto ao telado acréscimo estipendiário, porque a Gratificação Especial de Localidade, em hipótese tal, tivera transmutada sua natureza de propter laborem para propter personam.

Não persistindo este entendimento, data venia, a corte laboral estará vilipendiando, uma vez mais, a Lei Complementar nº 35/79, especificamente em seu art. 73, I.

2.a) A MP nº 1.573/96, convertida na Lei Ordinária nº 9.527/97, teria o condão de eliminar o direito disciplinado pela Lei Complementar nº 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN?

A resposta a este quesito pode ser encontrada no esposado no item 1.a, porém merece ser realçado que a percepção da Gratificação Especial de Localidade para a magistratura nascera por lei complementar, que, para tanto, exige quorum especial e matéria reservada, o que a faz definitivamente irrevogável por outro gênero normativo.

Partilhar senda díspar, sem embargo de opiniões diversas, a nosso modesto juízo, será emprestar à norma, que não timbrada pelo manto de lei complementar, às vezes desta, o que culminaria em inescondível inconstitucionalidade, facilmente fulminável pela via judicial, calcando-se no princípio cognominado "reserva de lei complementar".

Não se olvide, por fim, que a magistratura, quanto a sua composição orgânica, sempre será tratada com o rigor constitucional, que assim se expressa: "Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura. .." (ausentes reticências na fonte).

2.b) Deflagrado o direito à percepção da GEL pela LOMAN e concretizado este pelo art. 17, da Lei nº 8.270/91 e Decreto nº 493/92, poderia desaparecer a substância do direito pela simples extinção/alteração de normas que o regulamentou?

À primeira vista, a resposta seria positiva, por conta do art. 2º, da Lei nº 9.527/97, que aduz: "Ficam extintas as gratificações a que se referem o item VI do Anexo II do Decreto-Lei nº 1.341, de 22 de agosto de 1974, o item V do Anexo IV da Lei nº 6.861, de 26 de novembro de 1980, o Anexo I do Decreto-Lei nº 1.873, de 27 de maio de 1981, e o art. 17 da Lei nº 8.270, de 17 de dezembro de 1991."

Essa, porém, não é a conclusão definitiva, haja vista que a dita vantagem para a magistratura, não se cansa de repetir, fora engendrada por lei complementar, razão pela qual jamais desapareceria com o fenecimento introduzido por lei ordinária.

Uma vez implementada por comando regulamentador, o direito ao auferimento da Gratificação Especial de Localidade, atinentemente à magistratura, não mais desaparecerá por supressão de gênero normativo diferenciado do da lei complementar. Tanto assim o é, que o próprio Conselho Nacional de Justiça, ao ler a Lei nº 11.143/05, procedimentalizadora do subsídio, manteve hígida a vantagem em epígrafe, com a edição da Resolução nº 13/06, mormente em seu art. 5º.

Deslembrar esta ótica, significará, nada mais nada menos, do que contradizer posicionamento do órgão que tem a missão constitucional de controlar à "atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário" (Art. 103-B, §4º, da Lei Mater), materializado no tão sonhado e presente Conselho Nacional de Justiça.

2.c) Diante disso, como se interpreta o alcance das locuções "extinguindo-se o seu pagamento" e "exercício em caráter permanente", constantes do art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.527/97 (ex - MP nº 1.573/96)?

Na linha do preconizado até agora, somente lei complementar teria o condão de sepultar a Gratificação Especial de Localidade.

Assim sendo, se o magistrado, não licenciado para a participação em curso de aperfeiçoamento, judicar com permanência em comarca não agraciada pela Gratificação Especial de Localidade, terá durante esse interregno temporal a suspensão do pagamento da dita vantagem. Essa é a exegese possível que se retira da locução extinção do pagamento, estatuída no art. 2º, §2º, da Lei nº 9.527/97, que não é de estatura complementar.

Só se concebe a nível da Lei nº 9.527/97, art. 2º, §2º, a suspensão do pagamento da Gratificação Especial de Localidade, nunca, porém, sua extinção com definitividade, porque senão o dito normativo estaria invadindo a seara peculiar à Lei Complementar nº 35/79, raiando em flagrante inconstitucionalidade.

E como "exercício em caráter permanente" da judicatura, se há de entender a prática de atos funcionais pelo juiz, que, antes de mais nada, resida no município onde esteja instalada a vara, como exigido, aliás, pela Lei Complementar nº 35/79, art. 35, V e VI.

Logo, somente o magistrado que detivera ânimo definitivo de permanecer em determinada localidade, ali prestando seu labor funcional, poderá encartar-se no alcandorado exercício permanente da função, fora disso, terá sempre o emblema da provisoriedade.

2.d) A Lei nº 8.112/90 (que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais) pode ser tida como elemento de interpretação analógica quanto a direitos elencados pela LOMAN?

O Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União, como norma geral alusiva a todos os agentes públicos, em tese, se prestará a suprimir lacuna de regras tangentes à magistratura, que é composta de agentes políticos, isto é, estampados por tratamento diferenciado, já que detêm uma lei orgânica peculiar, qual seja, a Lei Complementar nº 35/79.

Infere-se disso, que a Lei nº 8.112/90, no tanto que for benéfica aos juízes, que compõe uma envergadura lato sensu de servidor público, pode lhes ser aplicável.

Mas, se o vertente normativo causar lesão à magistratura, não se abre ensanchas para sua incidência, a menos que se consagrasse analogia em malam partem, o que é vedado pelo nosso sistema jurídico.

2.e) O fato de o magistrado ser agente político confere-lhe status normativo para proteção dos direitos decorrentes de seu cargo diferenciado dos servidores públicos em geral?

A resposta a esta consulta está grafada na alínea anterior.

Contudo, apenas para se evocar à mente que juiz é agente político, isto é, uma modalidade sui generis de funcionário público, toma-se de empréstimo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que, em boa hora, verbera: "Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica." (RE nº 228977/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 12.04.2002, p. 66, sublinhou-se).

Em suma, a regra matriz da fixação dos direitos e deveres de um magistrado será materializada em lei complementar (art. 93, da Lex Legum), que, hodiernamente, se imbrica na Lei Complementar nº 35/79.

3 - O parecer que toma como fundamento basilar para negar o pagamento e extinção do direito à percepção da GEL, prevista no art. 65, X, da LOMAN, utiliza, por analogia o art. 102, da Lei nº 8.112/90. Frente a esse parecer, questiona-se:

a)O mesmo enveredou pela melhor exegese?

Lamentavelmente não. Três fundamentos jurídicos apontam a equivocidade dele. São eles:

1°) o magistrado é servidor público diferenciado ou, em bom vernáculo, é um agente político, dom de possuir lei específica a regê-lo, consistente atualmente na tessitura da Lei Complementar nº 35/79, onde se permite analogia in bonam partem quanto à integração normativa pela Lei nº 8.112/90;

2°) não fosse isso suficiente, a licença para curso de aperfeiçoamento de juiz está prevista, como não poderia deixar de ser, no ordenamento jurídico atinente a esta classe (LC nº 35/79), especialmente no seu art. 73, I, que garante a percepção integral de sua remuneração, incluídas as vantagens.

Ora, se a Gratificação Especial de Localidade é uma vantagem, como bem se colacionou da lição do pranteado Hely Lopes Meirelles, ela segue o magistrado durante seu ato de licença, de modo que, não se lhe torna aplicável, em hipótese alguma, neste tanto, a Lei nº 8.112/90, que é ordinária;

3°) pá de cal sobre o assunto em pauta, é que o dito parecer, para glosar o direito da consulente, se valeu do art. 102, da Lei nº 8.112/90, que trata de afastamento relativo a tempo de serviço, logicamente que voltado a servidor público civil da União. É espantoso que se deslembrara que juiz é agente político, que tem norma própria e é nesta norma singular – e somente nela – que se deve buscar interpretação quanto a afastamento e vantagem alusiva a essa classe.

Menoscabar a Lei Complementar nº 35/79, em seus arts. 65, X e 73, I, valorando acima deles um preceito de lei ordinária é malsinar, com todas as letras, o princípio da legalidade, é virar as costas, mesmo, para a Constituição Federal!

Há de ser ressaltado que a consulente, a bem da verdade, esperançosa que o curso de aperfeiçoamento seria até que um prêmio a seu constante esforço intelectivo, vira-se, na mais feroz desproporcionalidade, destituída de uma vantagem que integra seus vencimentos, ou seja, ganhou-se em cultura e perdeu-se em remuneração. Só há um meio de colmatar esse paroxismo, aplicando bem a lei ao caso concreto e fazendo justiça: estender-lhe a Gratificação Especial de Localidade.

3.b) Adicione-se que a consulente teve sua licença suspensa por 01 (um) dia para tomar posse como Juíza Titular da Vara do Trabalho da cidade W (em decorrência de promoção do cargo de Juíza Substituta), suspensão não ocorrida em relação à remoção para a cidade X. Se o próprio afastamento acompanhado da percepção de todas as vantagens fosse significativo de "efetivo exercício" (como interpreta o parecer negativo), então aquele ato do Tribunal que suspendeu a licença para tomar posse seria inócuo?

Quando da posse pela consulente na Vara da cidade W, bem caminhou o Tribunal, porque aquele ato exigia a pessoalidade dela e por estar licenciada, não poderia praticar nenhuma ação acerca de suas funções, como dimana da inteireza da regra contida no art. 71, da Lei Complementar nº 35/79, que anota: "O magistrado licenciado não pode exercer qualquer das suas funções jurisdicionais ou administrativas, nem exercitar qualquer função pública ou particular."

Conquanto, a remoção formal da consulente para a cidade X é ato interna corporis do Poder Judiciário, que em momento nenhum teria o condão de suspender sua licença, já que não se fazia necessária a presença in loco da consulente naquela plaga, até mesmo porque estava em país vizinho integrando curso de aperfeiçoamento.

Se subsistia na inteireza o licenciamento para o dito curso de aperfeiçoamento, significa que a magistrada não judicou na cidade X e, sendo assim, faz jus a Gratificação Especial de Localidade, por força do normatizado pelo art. 73, I, da Lei Complementar nº 35/79, que integra as vantagens aos vencimentos do juiz licenciado nesta hipótese, ou, em linguagem puramente dogmática, prefixa o caráter ad personam desses acréscimos estipendiários em situações tais.

Conclusivamente, se a consulente, no instante que antecedera o seu licenciamento, judicava na cidade Z, que é objeto de Gratificação Especial de Localidade, e se, vencida sua licença, para a mesma urbe retornara, não se entrevê sem malgastar, os arts. 65, X, 71 e 73, I, todos da Lei Complementar nº 35/79, como ficar a mesma despida dessa vantagem, e ainda assim, sustentar-se que tal ato teria amparo nos princípios da legalidade e da proporcionalidade.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Da permanência da gratificação especial de localidade para juízes e posteriores alterações legislativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1784, 20 maio 2008. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16851. Acesso em: 10 maio 2024.