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O novo divórcio: Emenda Constitucional n° 66

O novo divórcio: Emenda Constitucional n° 66

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Por força do Poder Constituinte Derivado Reformador, no dia 14 de Julho de 2010 foi publicado e entrou em vigor a Emenda Constitucional n° 66, dando nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, no sentido de suprimir o requisito de prévia separação judicial por mais de 01 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 02 (dois) anos.

O referido parágrafo possuía a seguinte redação: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ou comprovada separação de fato por mais de dois anos." Agora, ficou assim: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio."

Como visto, toda e qualquer discussão acerca do lapso temporal para o divórcio restou não recepcionada pela nova disposição constitucional. Enfim, qualquer pessoa casada poderá ingressar com pedido de divórcio consensual ou litigioso independentemente do tempo de separação judicial ou de fato. Além do mais, as pessoas que já se separaram podem ingressar, imediatamente, com o pedido de divórcio.

No entanto, algumas questões necessitam de discussão, especialmente quando comparamos o divórcio com a separação. Sobre essas duas instituições, o Professor Yussef Said Cahali nos orienta:

"A distinção entre os dois institutos é elementar: o divórcio, como ruptura de um matrimônio válido, põe termo ao casamento e aos efeitos civis do casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso (artigo 24 da Lei n° 6515/77), ainda que não repetida essa disposição no CC), ensejando aos divorciados a convolação de novas núpcias.

Enquanto isso, a separação judicial apenas põe fim às relações patrimoniais entre os cônjuges, que são dispensados dos deveres de coabitação e fidelidade recíproca (artigo 1.576 do CC).

Difere assim do divórcio, pois apenas relaxa os liames do matrimônio, mas sem provocar o rompimento do vínculo conjugal."

A partir de tais lições, a eminente magistrada e professora Maria Luiza Povoa Cruz sintetiza as consequências jurídicas da separação e do divórcio:

"Como consequência da separação judicial temos:

a)Fim da sociedade conjugal (artigo 1571, III do CC);

b)A manutenção do vínculo matrimonial (artigo 1580 do CC);

c)Possibilidade de reconciliação (artigo 1577 do CC);

d)Impedimento para um novo casamento, porém liberdade para a constituição de união estável (artigos 1525, inciso V, e 1723, §1° do CC).

O divórcio, por seu turno, gera:

a)Fim do casamento válido (artigo 1571, §1° do CC);

b)O rompimento absoluto do vínculo matrimonial (artigo 1571, §§1° e 2° do CC);

c)Impossibilidade de reconciliação. Os cônjuges divorciados devem se casar novamente, caso queiram retomar a comunhão plena da vida;

d)As pessoas divorciadas podem casar-se ou constituir união estável."

Como visto nas orientações acima, o divórcio é mais amplo e contém as consequências jurídicas da separação, sendo que melhor representa a vontade de um casal quando pretendem a formalização da situação fática caracterizada pela falência do afeto doutrora predominante.

Dest’arte, poderíamos entender que a separação também não foi recepcionada, ocasionando a extinção dos processos de separação judicial ou o impedimento à separação extrajudicial (Lei n° 11.441/2007)? Para alguns, seria o caso de extinção de todos os processos de separação, pois essa forma de término da sociedade conjugal não teria mais razão de existir. O Professor Pablo Stolze Gagliano entende que a nova Emenda do Divórcio suprimiu o instituto da separação judicial no Brasil; com isso, o divórcio converter-se-á na única medida dissolutória do vínculo e da sociedade conjugal, não persistindo mais a tradicional dualidade tipológica em divórcio direto e indireto. Data venia, entendo que a nova disposição constitucional não extinguiu a possibilidade da separação, apenas eliminou o requisito temporal para o divórcio, que é outra modalidade de término da sociedade conjugal (art. 1571, CC/02) e possui consequências jurídicas diferentes, como já dito alhures.

Fazendo uma comparação com o teatro cotidiano da vida, quando um casal pretende apenas "dar um tempo no casamento", optará pela separação, mas se tiverem decididos pelo término do enlace matrimonial, desfazendo os vínculos, irão optar pelo divórcio, pois o primeiro não é mais pressuposto do segundo.

Apesar da justificativa apresentada à PEC do divórcio dizer que é artificial a distinção entre sociedade conjugal e o casamento e, por isso, não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite, entendo que tal objetivo não foi alcançado.

Há que se distinguir sociedade conjugal de casamento.Patrícia A. de Souza cita que os professores Flávio Tartuce e José Fernando Simão, em sua obra "Direito Civil, série Concursos Públicos, volume 5", trazem relevante diferença entre vínculo matrimonial e sociedade conjugal ao analisarem o art. 1.571 do Código Civil:

"A sociedade conjugal termina com a morte de um dos cônjuges, pela nulidade absoluta ou relativa do casamento, pela separação judicial e pelo divórcio. Já o casamento válido, somente será dissolvido com a morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção de morte do ausente".

Ainda, Patrícia conclui que "sociedade conjugal seria um ente despersonalizado formado pelo casamento e relacionado com os deveres de coabitação, fidelidade recíproca e regime de bens. Esta estaria "dentro" do casamento. Dessa forma, se dissolvido o casamento, também será a sociedade conjugal. Todavia, o contrário não se verifica, pois uma vez dissolvida a sociedade conjugal o casamento permanece."

Nesse diapasão, vou um pouco além quanto ao conceito de sociedade conjugal e casamento. A primeira é uma união entre pessoas naturais com o objetivo de constituir família e surge na ocorrência dos institutos do casamento, da união estável, da união homoafetiva ou no concubinato. O casamento, como já dito, é um dos institutos de direito de família formalizadores de uma sociedade conjugal ou família strictu sensu (marido, esposa e filhos). Aqui, não estou dizendo que a sociedade conjugal é a única forma de constituição de família, mas é o que faz surgir família na ocorrência dos institutos acima citados.

Seria possível um casamento sem sociedade conjugal? A resposta é positiva, pois quando um casal não mais possui a afetividade suficiente para ter os mesmos objetivos, ocorre o término da sociedade conjugal ou separação de fato, sendo que o vínculo matrimonial (casamento) continuará até que ocorra a morte ou o divórcio. Tanto é verdade, que a jurisprudência e a doutrina são pacíficas no sentido de que diante de um divórcio litigioso, a partilha de bens alcançará apenas o patrimônio adquirido até a separação de fato. Não o que eventualmente exista na data da sentença constitutiva do divórcio. Por outro lado, podemos visualizar a situação de um casal que se divorcia por interesses pessoais ou patrimoniais e continua vivendo em família, conjugando os mesmos deveres (coabitação, fidelidade, solidariedade...).

A partir das premissas acima, a nova redação do §6° do art. 226 da Constituição Federal apenas eliminou 1) a separação (judicial ou de fato) e 2) o elemento tempo como etapas necessárias para o divórcio, mas não proibiu ou fez extinguir a separação judicial ou extrajudicial. A atitude do legislador constituinte derivado apenas desvinculou o divórcio da separação, mas ambos os institutos co- existem: o primeiro como forma incondicionada de extinção do casamento válido (vínculo formal), com ou sem o fim da sociedade conjugal, e o segundo como forma de extinção apenas da sociedade conjugal (união com direitos e obrigações).

A princípio, não se poderia falar em perda do pressuposto de validade da separação, pois ela não existia apenas como condição necessária para o divórcio, mas como forma de por fim à sociedade conjugal presente no casamento. Assim, ao eliminar apenas o aspecto condicional para o divórcio, a Constituição Federal garantiu às pessoas naturais o direito de optarem apenas pelo fim da conjugal(mantendo-se o vínculo matrimonial ea possibilidade de reconciliação) ou o rompimento absoluto do casamento.

Dizer que a reconciliação é uma desvantagem, seria subestimar a capacidade civil plena das pessoas, ferindo um direito da personalidade quanto à escolha do estado civil na aferição familiar.

Considerar que a separação foi extinta seria impor ao cidadão o rompimento absoluto do vínculo matrimonial, cerceando o direito de reconciliação e de manter a situação jurídica de casado, conforme previsto no Código Civil.

Ressalto uma situação curiosa: para separar consensualmente, o casal deverá obedecer ao lapso temporal do art. 1.574 do CC/02 (1 ano de casado), mas para divorciar não há qualquer exigência de tempo, basta estar casado. Nesse ponto, entendo ineficaz, por ser desarrazoada, a exigência temporal (pressuposto processual) para a separação consensual (o menos) se o próprio divórcio (o mais) não o exige, sob pena do Estado interferir na vontade das pessoas e criar uma situação constrangedora: um casal com menos de um ano de casado pode divorciar consensualmente, mas não pode separar de forma amigável.

Há quem entenda que o juiz poderá, de ofício, converter a demanda de separação em divórcio ou extingui-las por carência de ação, ante a superveniência de impossibilidade jurídica do pedido. Tal posicionamento leva em conta que é "letra morta" ou não foram recepcionados todos os dispositivos acerca da separação, uma vez que o divórcio veio a suprir as necessidades daqueles casados que não mais tenham interesses em manter a sociedade conjugal. Como já dito acima, o nosso posicionamento não é este, pois são institutos diferentes, com consequências jurídicas distintas à escolha dos interessados.

Eliminando-se o lapso temporal para o divórcio, a Norma Ápice privilegiou a autonomia da vontade das pessoas naturais e, por isso, melhor seria que, nos processos em tramitação na data da publicação da Emenda Constitucional n° 66, fosse dada a oportunidade para que as partes digam se suas pretensões se referem ao simples fim da sociedade conjugal (separação) ou ao fim do casamento válido (divórcio). A partir daí, o Judiciário poderá melhor apreciar a real vontade das partes.

Outro ponto que merece destaque é o fato da separação e do divórcio serem atos jurídicos propriamente dito potestativos não-condicionados, ou seja, a separação ou o divórcio são meras opções, uma vez que nem a separação judicial, nem a separação de fato são pressupostos para o divórcio.

E se uma parte pretender a separação e a outra o divórcio? Neste caso, deve prevalecer a pretensão ao divórcio, primeiro porque a causa de pedir remota para a separação e para o divórcio são iguais; segundo, porque a desvinculação do divórcio com a separação (judicial ou de fato) fez surgir o direito fundamental do indivíduo em ver constituído, de forma definitiva, o seu estado civil na aferição familiar, ou seja, seria um atentado aos direitos da personalidade impor à pessoa o estado civil de separado se a Lei Maior apenas exige o estado de casado para poder estar divorciado.

Por fim, estas poucas palavras tiveram como objetivo incitar a curiosidade das pessoas que pensam o Direito em seu aspecto social e prático, buscando adequar a lei ao homem. Não poderia deixar de criticar os nossos legisladores, pois perderam a oportunidade de também editarem lei ordinária a fim de melhor posicionar em nosso ordenamento jurídico, em especial no Codex Civil material, a separação e o divórcio, evitando-se a insegurança jurídica própria da hermenêutica subjetiva.


BIBLIOGRAFIA

CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 11. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005;

Cruz, Maria Luiza Póvoa. Separação, Divórcio e Inventário por via administrativa: implicações das alterações no CPC promovidas pela Lei 11.441/2007. 2.ed. Maria Luiza Povoa Cruz. –Belo Horizonte: Del Rey, 2008;

GAGLIANO, Pablo Stolze. A nova emenda do divórcio. Primeiras reflexões. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2568, 13 jul. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/16969. Acesso em: 14 jul. 2010.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANQUINHO, Wesley Marques. O novo divórcio: Emenda Constitucional n° 66. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2571, 16 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16997. Acesso em: 25 abr. 2024.