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A controvertida existência de direito à nomeação no caso de aprovação em concurso público conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

A controvertida existência de direito à nomeação no caso de aprovação em concurso público conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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Nos termos do art. 37, inciso II, da Constituição da República, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. A realização de concurso, pois, é a forma usual de preenchimento dos quadros de pessoal da Administração Pública.

Uma vez realizado o concurso, os candidatos que alcançam a nota mínima exigida pelo edital são considerados classificados e aptos, a princípio, a exercer o serviço público. Dentre os classificados, porém, apenas são ditos aprovados aqueles que obtêm colocação dentro do número de vagas disponibilizadas pelo edital do concurso. A questão que permeia os acórdãos trazidos ao estudo diz respeito a eventual existência de direito, por parte de tais candidatos, à nomeação para o ingresso nas carreiras da administração.

A jurisprudência do país, até meados dos anos noventa, era praticamente uníssona ao afirmar que o candidato aprovado em concurso público detinha mera expectativa de direito. Não haveria direito algum à nomeação. Entendia-se que a convocação para o efetivo exercício do cargo público era atinente à própria conveniência administrativa, havendo liberdade para a escolha da quantidade de servidores a serem convocados. Ainda que o candidato fosse aprovado dentro do número de vagas previstos no edital, a ele caberia mera expectativa de ser nomeado. A administração poderia, sem necessidade de justificativa, deixar de convocá-lo, desde que não o preterisse em prol de outro aprovado, ou de indivíduos mediante formas irregulares de provimento. Numa interpretação restritiva, a própria Constituição Federal, em seu art. 37, inciso IV, garantiria ao candidato aprovado apenas prioridade sob novos concursados.

Tal entendimento é retratado pelo acórdão proferido pelo pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança 21.870-3/DF, publicado em 19/12/1994, cujo relator, Ministro Carlos Velloso, frisou que a conveniência e oportunidade do provimento do cargo ficam à inteira discrição do poder público. Só haveria direito à nomeação nos casos em que o candidato tivesse sido preterido na ordem de classificação. Nesse sentido, inclusive, a antiga Súmula 15 do STF, aprovada em Sessão Plenária de 13/12/1963, que continuou sendo aplicada, mesmo após o advento da nova Constituição da República, em 1988.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO A NOMEAÇÃO. Súmula 15-STF. I. - A aprovação em concurso não gera direito a nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito somente surgira se for nomeado candidato não aprovado no concurso ou se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação do candidato aprovado. Súmula 15-STF. II. - Mandado de Segurança indeferido.(MS 21870, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 07/10/1994, DJ 19-12-1994 PP-35181 EMENT VOL-01772-02 PP-00394)

A inexistência de direito à nomeação, porém, acabou por gerar um descontentamento geral por parte dos candidatos aprovados. É difícil conceber que, após incontáveis esforços para o êxito no concurso, o aprovado não detinha direito algum à convocação, ficando à mercê da vontade do poder público, que, contraditoriamente, havia anunciado a necessidade de preenchimento de determinado número de vagas.

Mediante tais considerações, o entendimento jurisprudencial recente tem caminhado no sentido de reconhecer, aos candidatos classificados dentro do número de vagas previstos no edital, o direito à nomeação para o efetivo exercício do cargo. Conforme acórdão proferido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 227.480-7/RJ, em 21/08/2009, entendeu-se que a administração não possui extrema liberdade no que tange à convocação dos aprovados. Vejamos:

EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM CONCURSO VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 227480, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 16/09/2008, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-06 PP-01116)

É de se ressaltar que a decisão foi fruto de vários votos conflitantes, com acalorado debate entre os Ministros. A ementa, inclusive, não transcreve exatamente o que ficou decidido. Tanto o Min. Menezes Direito, relator, quanto o Min. Ricardo Lewandowski se manifestaram no sentido da inexistência de direito à nomeação. Noutro sentido, o Min. Marco Aurélio e a Min. Cármen Lúcia reconheceram a existência de direito subjetivo do candidato classificado dentro do número de vagas previsto pelo edital. O voto-desempate foi proferido pelo Min. Carlos Ayres Britto.

Apesar de entender pela inexistência de direito subjetivo, o Ministro asseverou que a liberdade da administração não é plena. Ao mesmo tempo em que o candidato não possui direito a ser nomeado, o poder público tem o dever de motivar a ausência de convocação daqueles aprovados dentro do número de vagas inicialmente anunciado. Segundo ele, a discricionariedade da administração deve ser exercida de forma legítima, com respeito àqueles que se submeteram ao certame. A ausência de nomeação deve ser pautada em razões dignas, tais como restrições orçamentárias, sendo vedada a não-convocação por mera liberalidade.

A primeira decisão trazida a análise, proferida em 1994, é uma representante fiel da antiga visão que predominava no país: entendia-se que a quantidade de indivíduos a serem contratados era questão atinente ao poder discricionário da administração, sendo vedada qualquer imposição externa pelo Judiciário. Atualmente, porém, a questão tem tomado contornos diversos. As posições trazidas pelo Min. Ayres Britto, e também pelos Ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, são retratos da tendência crescente de se restringir o âmbito de liberdade da administração no que tange à possibilidade de não contratação dos aprovados em concurso público regular.

Cada um dos Ministros citados tem uma posição própria, parcialmente divergente daquela encampada pelos demais. Os dois últimos reconhecem a existência de direito subjetivo do candidato à nomeação. Isso significa dizer que o ato de provimento pode ser exigido pelo aprovado em face da administração. Tal posição, data venia, poderia levar a situações insustentáveis. É o caso da impossibilidade superveniente de novas despesas com servidores, por exemplo, para o cumprimento do disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal. A posição do Min. Ayres Britto é, a meu ver, mais razoável.

A opção pela possibilidade de não convocação dos classificados dentro do número de vagas previsto no edital condicionada à necessidade de motivo para tal é uma forma de se preservar as expectativas dos candidatos e garantir a credibilidade dos concursos públicos, sem, por outro lado, deixar a administração vinculada a contratações que, em virtude de novos acontecimentos, tornaram-se desnecessárias ou impossíveis por questões orçamentárias.

A nomeação de todos os classificados dentro do número de vagas previsto no edital deve ser a regra. Somente em casos excepcionais se pode admitir a ausência de convocação, cabendo ao órgão público trazer as razões de sua omissão. Tais conclusões são decorrência lógica de várias normas e princípios que norteiam a administração. Não só pelo aspecto da vinculação do poder público ao seu próprio provimento, o edital do concurso, mas também em decorrência dos princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal. Se, por um lado, é certo que o poder público não pode brincar com a sociedade, frustrando as expectativas de todos aqueles que dedicaram seus esforços ao concurso público, é também inadmissível que sejam anunciadas vagas, com o dispêndio de dinheiro público para a realização da seleção, sem que haja a conclusão do processo, com o preenchimento dos cargos vagos.

É importante salientar, entretanto, que as decisões dos tribunais, cada vez mais incisivas no sentido de reconhecer o direito à nomeação, tem levado a uma nova postura da administração: a realização de concursos sem a previsão do número de vagas no edital, para o preenchimento do chamado "cadastro reserva". Tal conduta evita a criação de expectativas mais concretas por parte dos candidatos. Mesmo aqueles que passaram nos primeiros lugares não teriam direito ao ato de provimento.

Nesta situação, ainda que não se cogite, de forma tão veemente, da necessidade de respeito ao candidato aprovado, justamente pela ausência do número de vagas, não se pode olvidar que a realização de concurso para o preenchimento de vaga futura e, portanto, ainda inexistente, constitui gasto ilegítimo de dinheiro público. O concurso só se justifica se há a necessidade de novos servidores. Afora isso, a abertura do processo seletivo é totalmente descabida e afrontosa ao princípio da moralidade. Se a administração tem, de fato, vagas a serem preenchidas, deve anunciá-las no edital, sem a utilização de artifícios para se esquivar da nomeação daqueles que preencheram os requisitos. Se não há vagas, o concurso não deve ser realizado.

Há, em tramitação no Senado, um projeto de Lei que proíbe a realização de concursos para o preenchimento do cadastro reserva, determinando à administração a obrigatoriedade de previsão do número de vagas no edital. O projeto, de número 369/08, é louvável. Fechar-se-ia o cerco contra aqueles administradores irresponsáveis, que buscam, de toda e qualquer maneira, burlar os procedimentos legais de contratação e utilizar dos quadros de pessoal para a manipulação política.

É indispensável se observar, entretanto, que a eventual não a aprovação do projeto, com a consequente ausência de lei que determine expressamente a obrigatoriedade da publicação do número de vagas nos editais dos concursos, não torna os concursos exclusivamente para preenchimento "cadastro reserva" permitidos, nem impede a condenação da prática pelo Poder Judiciário. A existência de vagas a serem preenchidas é pressuposto da realização do processo seletivo, e a obrigatoriedade na publicação do número de vagas é decorrente da própria interpretação sistemática do art. 37 da Constituição Federal, de forma que, ainda na ausência de previsão legal direta, é dever do Poder Judiciário zelar pelo cumprimento dos princípios da moralidade e da impessoalidade na contratação dos servidores, cabendo determinação judicial no sentido de reconhecer aos aprovados o direito ao ingresso nas carreiras da administração.


BIBLIOGRAFIA

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo.24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 20ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

FERRAZ, Luciano. Concurso Público e Direito à Nomeação. MOTTA, Fabrício (coord.). Concurso Público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES, Stéphani Gaeta. A controvertida existência de direito à nomeação no caso de aprovação em concurso público conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2577, 22 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17028. Acesso em: 23 abr. 2024.