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O preso pode ser autor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública?

O preso pode ser autor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública?

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A Lei nº 9.099/95, em seu art. 8º, prevê que "não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil".

Portanto, nos Juizados Especiais da Justiça Estadual, a presença no feito de incapaz, preso, pessoa jurídica de direito público, empresa pública da União, massa falida, ou do insolvente civil, leva à incompetência absoluta, em virtude da expressa vedação legal.

Por sua vez, a Lei nº 12.153/2009, em seu art. 5º, delimita a capacidade de ser parte nos Juizados Especiais da Fazenda Pública dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios:

"Art. 5º  Podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública:

I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006;

II – como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas".

Contudo, essa diferença de redação nos dispositivos, bem com a ausência de regra específica na Lei nº 12.153/2009 trará controvérsia sobre a possibilidade – ou não – de o preso demandar nos Juizados Especiais da Fazenda Pública (o mesmo debate provavelmente ocorrerá para as demais pessoas listadas pelo art. 8º da Lei nº 9.099/95).

A discussão já existe nos Juizados Especiais Federais e, em decorrência da similaridade de redação entre o art. 6º, I, da Lei nº 10.259/2001, e o citado art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, certamente será repetida nos Juizados da Fazenda Pública.

Comentando o dispositivo similar da Lei nº 10.259/2001, Carreira Alvim afirma que "o incapaz, o preso e as pessoas jurídicas de direito público são afastados pela maior garantia que o processo perante a justiça comum lhes oferece, o que não acontece com o procedimento sumaríssimo dos juizados especiais" [01].

De forma similar, Alexandre Freitas Câmara não admite a presença de reclusos nos processos dos Juizados Especiais, sob dois fundamentos: a impossibilidade de participarem das audiências, e a existência de um "Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis", do qual decorre a interpretação sistemática das Leis nº 9.099/95 e 10.259/2001, devendo o art. 6º, I, desta ser aplicado em conjunto com o art. 8º daquela, proibindo-se o preso de ser parte [02] (esse raciocínio tem aplicação sobre o art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, em face da similaridade de normas). No mesmo sentido, Marcelo da Fonseca Guerreiro afirma que o preso não pode litigar nos juizados em virtude do impedimento legal da Lei nº 9.099/95 [03].

Por outro lado, Vilian Bollmann sustenta que a Lei nº 10.259/2001 esgota o assunto, não incidindo na Justiça Federal o art. 8º da Lei nº 9.099/95 [04]. Antonio do Amaral e Silva e Jairo Schäfer afirmam que nesse ponto a Lei nº 9.099/1995 conflita diretamente com a Lei nº 10.259/2001, motivo pelo qual não pode ser aplicada, considerando que esta permite que qualquer pessoa natural seja autora nos JEF Cíveis [05]. Luiz Fernando Silveira Netto reconhece as dificuldades para o preso comparecer às audiências, contudo, ressalta que não se pode restringir o seu direito a se deslocar para os atos do processo, como ocorre na própria ação penal [06]. Tais fundamentos podem ser estendidos aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, pois o art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, também arrola expressamente quem possui capacidade de ser parte no rito dos Juizados.

Apesar de a Lei nº 9.099/95 incidir subsidiariamente nos Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 27 da Lei nº 12.153/2009), e seu art. 8º vedar a presença de presos nos Juizados Especiais Estaduais Cíveis, o art. 5º, I, da Lei nº Lei nº 12.153/2009, limita-se a afirmar que as pessoas naturais podem ser partes. Logo, resta evidente o conflito, pois aquela restringe o rol desta. Tal lacuna gera controvérsia, principalmente na doutrina, mas na prática deve ser reconhecida a capacidade de o preso ser parte, diante da ausência de expressa proibição legal.

Caso o art. 8º da Lei nº 9.099/95 fosse aplicável aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o preso não veria seu direito satisfeito durante o período de reclusão (pois certamente estaria livre após o desenlace de uma ação ordinária), e as pessoas jurídicas de direito público não poderiam ser demandadas (pois o mencionado art. 8º também veda sua atuação), esvaziando totalmente a competência do Juizado.

Também não se pode efetuar uma aplicação parcial desse dispositivo, selecionando algumas pessoas e excluindo outras da citada norma, restringindo o acesso aos juizados.

O recluso tem capacidade de ser parte e capacidade processual, e o art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, não possui qualquer exceção, admitindo como autores as pessoas naturais, as microempresas e as empresas de pequeno porte. Portanto, não se pode limitar a presença de presos nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o que seria inclusive contrário à garantia do amplo acesso ao Judiciário previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição.

Salienta-se que ao preso (e ao seu advogado) incumbe diligenciar junto à Vara de Execução Penal para comparecer a determinados atos processuais (como a realização de audiência), sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito (art. 51, I, da Lei nº 9.099/95).

Por ser, em regra, economicamente hipossuficiente, a via célere dos juizados deve ser assegurada para a satisfação de seu direito, sem o pagamento de custas ou despesas processuais em primeira instância (art. 54, da Lei nº 9.099/95).

Logo, não se pode admitir a incidência do art. 8º, da Lei nº 9.099/95 nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, pois além de restringir o acesso dos presos ao Judiciário, contraria os próprios objetivos dos juizados, nos quais, apesar de serem julgadas causas de menor valor financeiro, produzem reflexos sociais e econômicos consideráveis [07].


Notas

  1. ALVIM, J. E. Carreira; SILVA, Leandro Ribeiro da; CAMPOS, Antônio. Lei dos juizados especiais cíveis comentada e anotada. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 56
  2. CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais e federais: uma abordagem crítica. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 56
  3. GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Como postular nos Juizados especiais federais cíveis. Niterói: Impetus, 2007, p. 52.
  4. BOLLMANN, Vilian. Juizados especiais federais: comentários à legislação de regência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 47.
  5. SILVA, Antonio F. S. do Amaral e; SCHÄFER, Jairo Gilberto. Juizados especiais federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 58.
  6. SILVEIRA NETTO, Luiz Fernando. Juizados especiais federais cíveis. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, pp. 131-132.
  7. Sobre o assunto: CARDOSO, Oscar Valente. Juizados Especiais da Fazenda Pública (Comentários à Lei nº 12.153/2009). São Paulo: Dialética, 2010.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. O preso pode ser autor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2588, 2 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17070. Acesso em: 26 abr. 2024.