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O benefício previdenciário de valor mínimo como cálculo da renda familiar "per capita" para fins de concessão de benefício assistencial ao idoso

O benefício previdenciário de valor mínimo como cálculo da renda familiar "per capita" para fins de concessão de benefício assistencial ao idoso

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O Estatuto do Idoso prevê a dispensa da aferição da renda do grupo familiar apenas para o benefício assistencial concedido ao idoso, não incluindo aí outro benefício.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O benefício assistencial criado pela Constituição Federal; 1.1 A seguridade social; 1.2 A regulamentação do benefício assistencial; 1.2.1 O portador de deficiência; 1.2.2 O idoso; 1.2.3 O pobre; 2 O entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o requisito renda per capita de ¼ do salário mínimo; 3 O cômputo da renda do grupo familiar do benefício assistencial ao idoso; 3.1 O benefício previdenciário de valor mínimo como cálculo da renda familiar per capita para fins de LOAS; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

O benefício assistencial está previsto na Constituição Federal, no art. 203, V, e foi regulamentado pela Lei n° 8.742/93. É um benefício concedido no valor de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

A ausência de meios do deficiente ou do idoso de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme a Lei n° 8.742/93, está presente quando há comprovação de que a renda familiar do interessado no benefício é inferior a ¼ do salário mínimo per capita.

No que concerne ao idoso, o Estatuto do Idoso estabelece que não é computado na renda do seu grupo familiar o valor de outro benefício assistencial ao idoso. Por exemplo, se a esposa do interessado no beneficio já recebe o benefício assistencial ao idoso, certamente a sua renda, no valor de um salário mínimo, não será observada na aferição de ¼ do salário mínimo.

O problema ocorre quando um ente do grupo familiar percebe qualquer benefício previdenciário de valor mínimo. A dúvida gira em torno da aplicação literal do Estatuto do Idoso, já que prevê expressamente a dispensa da aferição da renda do grupo familiar apenas para o benefício assistencial concedido ao idoso, não incluindo aí outro benefício.

Antes de tudo, deve-se ressaltar que o benefício assistencial não exige contrapartida do cidadão, como a inscrição e filiação à Previdência Social, e cumprimento do período legal de carência. E não são poucas as pessoas que necessitam desse benefício, já que grande parte da sociedade brasileira não dispõe de recursos financeiros suficientes. Por essa razão, mais do que nunca seus requisitos legais devem ser estritamente observados, evitando-se a concessão para quem não faz jus. Isso porque os recursos do Estado são extremamente limitados, e a concessão indevida do benefício causaria dano à sociedade, que é a encarregada de custear a assistência social pública.

São inúmeros os requerimentos administrativos do benefício assistencial postulados junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, sendo que também é amplo o seu deferimento. No caso de indeferimento, é comum a procura ao Poder Judiciário; e este, por conseguinte, não raras vezes julga o pedido em desfavor da autarquia previdenciária.

Como já é ampla a concessão administrativa do benefício assistencial, é de se questionar as hipóteses em que o benefício é concedido por força de decisão judicial, notadamente quando um membro do grupo familiar interessado já percebe benefício previdenciário de valor mínimo.

Com efeito, é essencial o estudo do cômputo do benefício previdenciário de valor mínimo para fins de concessão do benefício assistencial ao idoso, principalmente no que diz respeito à renda mensal do grupo familiar, com o fito de elucidar as controvérsias existentes, mostrando a possibilidade ou não de se dar uma interpretação extensiva ao Estatuto do Idoso.


1 O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL CRIADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A CF, originada pela renovação da democracia, visou a melhorar inúmeros aspectos da vida política e social, provendo para o futuro. Destaca-se o art. 3º, III, tendo a erradicação da pobreza como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, razão pela qual, mais adiante, nos arts. 203 e 204, constitucionalizou a política de assistência social.

Dentre esses dispositivos, há o art. 203, V, que assegura o pagamento de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovarem não possuir meio de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. É o benefício assistencial, também conhecido como benefício de prestação continuada ou "LOAS", que substituiu a renda mensal vitalícia prevista no revogado art. 139, da Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), destacando-se como um auxílio excepcional. Dispõe o art. 203, V, da Constituição:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Referida norma, inovando na ordem constitucional, positiva constitucionalmente um direito atinente à assistência social, sendo a única que prevê um direito claro e determinado e, por conseguinte, cuja existência não é passível de discussão. O interessado no benefício deve ser idoso ou portador de deficiência, mas essa deficiência e demais pressupostos serão exigidos conforme dispuser a lei, tratando-se, assim, de norma constitucional de eficácia limitada e aplicabilidade indireta.

Contudo, para que se entenda o benefício em comento, é necessária uma análise, ainda que singela, da seguridade social, conforme abaixo explicitado.

1.1.A seguridade social

A seguridade social é um sistema de proteção social ao ser humano, com o fito de amparar as suas carências, assegurando um mínimo essencial para a vida, e é composta pela saúde, previdência e assistência sociais. Na Constituição Federal, tal sistema se encontra nos arts. 194 a 204, compreendendo um conjunto integrado de ações do Poder Público e da sociedade.

Em regra, pode-se dizer que a previdência fornece benefícios; a saúde, serviços; e a assistência, benefícios e serviços. A diferença entre esses institutos está no fato de que a previdência exige contribuição; ao passo que os demais, não.

A assistência social tem uma relação direta com o benefício ora em estudo. Está disciplinada nos arts. 203 e 204 da CF, alhures mencionados, bem como na Lei nº 8.742/93, abaixo explicitada. É prestada a quem dela necessitar, tratando-se de direito público subjetivo, visando a atender às necessidades básicas da sociedade.

Feitas essas considerações, impende adentrar no subtítulo seguinte, que trata do benefício regulamentado pela Lei nº 8.742/93.

1.2.A regulamentação do benefício assistencial

Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, nasceram dúvidas interpretativas sobre o direito previsto no art. 203, V, principalmente quanto à possibilidade ou não de aplicação imediata da referida norma, sendo que grande parte da doutrina entendeu que se tratava de norma de eficácia limitada. Contudo, a discussão se encontra de certa forma superada pela superveniência da legislação reguladora, a Lei nº 8.742/93. A partir de então, a discussão se transferiu para a constitucionalidade ou não de tal regulamentação, o que demanda interpretação da própria norma constitucional. Sobre esse assunto, é interessante a observação de Segundo Sergio Fernando Moro, na obra organizada por Daniel Machado da Rocha (2003, p. 145), "Normas constitucionais, ainda que dependentes de legislação reguladora, não se encontram à disposição do legislador, sob pena de inversão do princípio da supremacia da Constituição".

Dispõe o art. 20 da legislação regulamentadora do benefício assistencial:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1(um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70(setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

§1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.

§2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

§4ª O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica. (...).

A Lei nº 8.742/93 veio dar eficácia à norma constitucional, estabelecendo os parâmetros para a concessão do benefício. Cabia ao legislador ordinário, em razão da redação constitucional, eleger os beneficiários da assistência social. O Decreto nº 6.214/07 regulamenta a LOAS e atribui a responsabilidade ao INSS para a operacionalização do mesmo. Logo adiante, explica-se quem realmente faz jus ao beneficio, o deficiente e o idoso.

1.2.1 O Portador de deficiência

A maior relevância deste trabalho diz respeito ao benefício assistencial ao idoso, mas para alcançar uma noção geral sobre o assunto, é necessário tecer considerações acerca do benefício assistencial ao portador de deficiência, sobretudo porque, para a obtenção do benefício, também é obrigatória a presença do requisito "pobreza".

O § 2º do art. 20 da LOAS, acima transcrito, definiu o que se entende por pessoa portadora de deficiência, devendo haver a conjugação da incapacidade para o trabalho com a incapacidade para a vida independente. Incapacidade para o trabalho é a impossibilidade de exercer atividade que lhe garanta a subsistência; e incapacidade para a vida independente é a impossibilidade de se alimentar sozinho, cuidar da higiene pessoal, locomover-se autonomamente.

Todavia, em decorrência do elevado quantitativo de ações judiciais aforadas em face do Instituto Nacional do Seguro Social, com o fito de reduzi-las, bem como de simplificar a vida dos segurados, a Advocacia-Geral da União (AGU) editou a Súmula n° 30, de 09 junho de 2008, que reza o seguinte: "A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida independente, conforme estabelecido no art. 203, V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993". Essa iniciativa da AGU, por meio da Procuradoria-Geral Federal (PGF), efetiva a missão constitucional de defesa do interesse público e contribui, significativamente, para a garantia dos direitos fundamentais assegurados na Constituição.

Quer isso dizer que, na esfera judicial, a comprovação da incapacidade para o trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para os atos da vida independente. Dessa forma, se a perícia médico-judicial apontar a incapacidade para o trabalho, e caso haja prova da "pobreza" do interessado, é possível que o Procurador Federal oficiante proponha acordo judicial ou, se for o caso, que renuncie ao recurso contra eventual sentença procedente, uma vez que os enunciados de Súmulas da AGU vinculam todos os órgãos jurídicos da União, nos termos do art. 43 da Lei Complementar n° 73/93.

No subtítulo seguinte, será analisado o benefício assistencial ao idoso, que possui maior relação com este estudo. Por ora, as lições acerca do benefício assistencial ao portador de deficiência são suficientes para a compreensão do tema.

1.2.2 O Idoso

O idoso, segundo a Lei n° 8.742/93, é aquele que tem idade igual o superior a 70 (setenta) anos. Entretanto, o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003), conforme art. 34, parágrafo único, reduziu a idade para 65 (sessenta e cinco) anos.

Além de ser idoso, o interessado no benefício deve ser considerado pobre. A pobreza foi regulamentada pela Lei n° 8.742/93, no § 3º, do art. 20 acima transcrito, conforme se explica mais detidamente no subtítulo seguinte.

1.2.3 O pobre

Conforme dito acima, a "pobreza" do interessado é requisito essencial para a obtenção do benefício em estudo. A pobreza, conforme disposição constitucional, é a ausência de condições de prover o próprio sustento do interessado ou de tê-lo provido por sua família, configurando uma situação de carência de recursos.

Há divergências acerca da caracterização da pobreza, causando diferenciados resultados na determinação dos pobres e indigentes. De acordo com Sergio Fernando Moro, na obra organizada por Daniel Machado da Rocha (2003), há estudos importantes que indicam várias opções razoáveis para a caracterização dos pobres e indigentes, sendo que uma primeira opção trata a pobreza como conceito relativo, definindo as famílias pobres como aquelas em que a renda é menor que determinado percentual da renda média. Ademais, confome esse autor, a maior parte dos estudos no Brasil tem adotado um conceito absoluto, desvinculando a mensuração da pobreza da desigualdade, parecendo mais adequado para caracterização do direito à assistência social. Continuando, aduz o referido autor (2003, p. 148):

Em vista da existência de dados e estudos consideráveis para caracterização da pobreza, seria razoável que, para caracterização do direito ao benefício da assistência social, eles fossem tomados por base, ainda que isso envolvesse uma opção entre as metodologias e resultados disponíveis.

Entretanto, a Lei nº 8.742/93 optou por estabelecer uma linha de pobreza com base em um percentual do salário mínimo vigente no País, estabelecendo que considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. João Ernesto Aragonés Vianna (2010, p. 33) fornece o seguinte exemplo:

(...) Tendo em vista que o valor atual do salário é de R$ 510,00, a renda de cada um dos integrantes da unidade familiar – cujo conceito está acima – deve ser inferior a R$ 127,50; logo, a interpretação literal da lei leva à conclusão de que uma família composta por um casal e dois filhos, onde apenas o pai trabalha e um dos filhos preenche os requisitos da deficiência estipulada pela lei, não tem direito ao benefício, já que a renda per capita será igual a ¼ do salário mínimo.

O grupo familiar, cuja renda deverá ser considerada na aferição do direito ao benefício, é aquele constituído pelas pessoas elencadas no art. 16 da Lei n° 8.213/91 (art. 20, § 1º, da LOAS, com a redação da Lei n° 9.720/1998):

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;

II – os pais;

III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.

Ou seja, apenas essas pessoas e respectivas rendas serão computadas para verificação da fração legal (¼ do salário mínimo), excluídos outros eventuais habitantes da residência (sogro, sogra, genro, nora, primos, etc.). Sergio Fernando Moro, na obra organizada por Daniel Machado da Rocha (2003, p. 148), critica essa regulamentação legal, porquanto não teria tido qualquer base empírica, senão vejamos:

Tal dispositivo, além de servir como critério objetivo para identificar o titular do benefício, culmina por restringir o acesso daqueles que não se enquadram na situação nele descrita. Ao mesmo tempo que regula, restringe.

O que é censurável é que a adoção de tal critério não teve, aparentemente, qualquer base empírica. (...)

O entendimento do referido doutrinador possui razoabilidade, mas deve-se levar em consideração que o dispositivo constitucional instituidor do benefício assistencial depende de lei, e o legislador, na sua função, entendeu que o pobre é aquele cuja família disponha de renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Se tal critério é ou não condizente com a realidade do Brasil, é certo que é mais seguro haver um critério legal do que nenhum. Não havendo critério definido, a Administração Pública, adstrita ao princípio da legalidade, ficaria de mãos atadas, indeferindo administrativamente inúmeros requerimentos de benefícios assistenciais. Como consequência, certamente haveria uma maior procura ao Poder Judiciário, ocasionando inúmeros outros critérios definidores da miserabilidade, conforme o entendimento motivado de cada magistrado. Isso seria injusto para a grande massa de brasileiros que não dispõe, ainda, de um eficaz acesso ao Poder Judiciário.

Caso o critério adotado pelo legislador ordinário não seja o mais eficaz, ou até mesmo injusto com a realidade social desse país, deve ser dirimido pelo legislador, da mesma forma que regulamentou o art. 203, V, da Constituição. Há meios para isso, por intermédio do exercício da iniciativa de lei prevista na CF. Nos termos do art. 117 do Estatuto do Idoso, o Poder Executivo poderá encaminhar projeto de lei ao Congresso Nacional revendo os critérios da concessão do benefício assistencial. Como até o momento não há lei retificando a Lei nº 8.743/93, depreende-se que seus requisitos até então existentes, como o § 3.º do art. 20, devem ser observados.

No capitulo seguinte, será analisada a posição adotada pelo STF acerca do critério ora em estudo, sobretudo porque o dispositivo em comento foi declarado constitucional. Tal estudo tem especial relação com a controvérsia deste trabalho, dado que dispõe sobre a aferição da renda per capita do grupo familiar daquele que pretende obter o benefício assistencial ao idoso.


2 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O REQUISITO RENDA PER CAPITA DE ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO

Conforme ressaltado acima, após a promulgação da Constituição surgiram dúvidas interpretativas sobre o direito previsto no art. 203, V, principalmente quanto à possibilidade ou não de aplicação imediata. Com a edição da Lei nº 8.742/93, a discussão transferiu-se para a constitucionalidade ou não de tal regulamentação. Houve propositura de ADI em face dessa norma - nº 1.232-1, em decisão de 24 de agosto de 1998 – e o STF a julgou improcedente, ou seja, declarou constitucional o dispositivo questionado, senão vejamos:

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra o § 3 do art. 20 da Lei 8.742/93, que prevê o limite de ¼ do salário mínimo de renda mensal per capita da família para que esta seja considerada incapaz de prover a manutenção do idoso e do deficiente físico, para efeito de concessão de benefício previsto no art. 203, V, da CF ("A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: ...V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei"). Refutou-se o argumento de que o dispositivo impugnado inviabilizaria o exercício do direito ao referido benefício, uma vez que o legislador pode estabelecer uma hipótese objetiva para efeito de concessão do benefício previdenciário, não sendo vedada a possibilidade do surgimento de outras hipóteses, também mediante lei. Vencidos, em parte, o Min. Ilmar Galvão, relator, e Néri da Silveira, que emprestavam à norma objeto da causa interpretação conforme a CF, segundo a qual não ficam limitados os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso. Adin 1.232-DF, rel. Ilmar Galvão, red. p/acórdão Min. Nelson Jobim, 27.08.98". (Fonte: Informativo STF n. 120, de 24 a 28 de agosto de 1998)

Como a ADI foi julgada improcedente, o dispositivo questionado se torna como declarado constitucional, nos termos da Lei nº 9.868/99. É o que ensinam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 1178):

O art. 24 acentua o caráter ‘dúplice’ ou ‘ambivalente’ da ação direta de inconstitucionalidade ou da ação declaratória de constitucionalidade, estabelecendo que, proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, de inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

O STF decidiu que é tarefa da lei ordinária esclarecer quais as famílias que podem sustentar o inválido e o idoso. Como a Lei não contrariou nenhum dispositivo constitucional, deve ser cumprida tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Poder Judiciário.

A Lei nº 8.742/93, portanto, não é inconstitucional, sobretudo porque nada mais fez que aplicar a disposição do artigo 194, III, da CF, que dispõe que compete ao Poder Público organizar a Seguridade Social, sendo que para consecução de tais fins, deve basear-se em um rol de objetivos, dentre eles, o da seletividade e o da distributividade na prestação dos benefícios e serviços.

É necessário que todas as prestações sejam realizadas em observância às possibilidades econômico-financeiras do sistema da Seguridade Social. É a lei que deve disciplinar quais benefícios e serviços que deverão ser estendidos, uma vez que se trata de uma escolha política.

A constitucionalidade do artigo 20, § 3° da Lei 8.742/93, conforme proferida na ADI, está sujeita à disposição legal e tem eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 28 da Lei nº 9.868/99 e § 2º do art. 102 da Constituição). Em razão disso, a Turma de Uniformização Nacional dos Juizados Especiais Federais, em 24/04/2006, cancelou a sua Súm. 11, que previa "A renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei nº. 8.742, de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante".

Em que pese o efeito vinculante da ADI 1232, ainda há quem critique o seu julgamento, como Sergio Fernando Moro, na obra organizada por Daniel Machado da Rocha (2003), argumentando o seguinte: a) apesar do julgamento da improcedência, o STF não proclamou a constitucionalidade do dispositivo, uma vez que não foi atingido o quorum necessário para tanto, de seis ministros, já que apenas oito participaram do julgamento, havendo dois votos vencidos; b) aparentemente, o julgado foi realizado com o receio explicado na oportunidade do indeferimento da liminar, de forma que a suspensão do dispositivo legal faria com que a norma constitucional voltasse a ter eficácia contida, ficando novamente dependente de regulamentação legal para ser aplicada, privando a Administração de conceder novos benefícios até o julgamento final; c) o STF não realizou exame mais profundo da norma, como a razão do legislador ao elaborar a norma, se teve por base algum dado empírico; d) é relevante que, no caso concreto, haja uma avaliação precisa das condições de vida do idoso ou do deficiente; e e) a Lei nº 9.533, de 10 de dezembro de 1997, posterior ao ajuizamento da ADI e à decisão liminar, mas anterior ao julgamento de mérito, estabeleceu programa federal de garantia de renda mínima, de forma que os Municípios, com apoio financeiro do Governo Federal, garantiriam renda mínima às famílias carentes (renda familiar per capita de meio salário mínimo).

Acerca do item "e" supra, transcrevem-se as lições do doutrinador (2003, p. 151 e 152), que traz à tona diversas normas de cunho assistencial para embasar seu entendimento:

Da mesma forma, as políticas governamentais mais recentes voltadas aos pobres e que envolvem a concessão a eles de auxílio em pecúnia ou em bens como o PETI (Portaria nº 458, de 03.12.2001, da Secretaria da Assistência Social), o Auxílio-Gás (Decreto nº 4.102/2002), o Programa de Geração de Renda (Portaria nº 877, de 03.12.2001, da Secretaria da Assistência Social), o Agente Jovem (Portaria nº 879, de 03.12.2001, da Secretaria da Assistência Social), servem-se de critério semelhante ao previsto na Lei nº 9.533/97, definindo como público alvo pessoas ou famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. Podem, aliás, filiar-se, oficialmente, ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Decreto nº 3.877/2001), as famílias beneficiadas pelos referidos programas sociais e todas as demais que tenham como renda per capita até meio salário mínimo.

A utilização do mesmo critério em repetidos programas da espécie permite concluir que o Governo reputa pobres aqueles com renda per capita de até meio salário mínimo.

É difícil entender o motivo da persistência do critério mais restrito da Lei nº 8.742/93.

João Ernesto Aragonés Vianna (2010, p. 34) registra que o posicionamento do STF se mantém quanto aos requisitos para a concessão do benefício assistencial, mesmo após a edição de outras legislações que dispõem novos critérios para aferição da pobreza, como as exemplificas pelo doutrinador acima:

Deve ser registrado que o Supremo Tribunal Federal manteve esse entendimento mesmo após a edição de legislação que introduziu novos critérios para aferição da pobreza, tal qual a Lei nº 10.836/04, que criou o Programa Bolsa-Família e definiu a situação de extrema pobreza como sendo aquela cuja renda per capita na família fosse de até R$ 50,00 – valor atual de R$ 60,00.

Nesse sentido, decidiu que ‘leis que disciplinem outros benefícios não tem o condão de alterar as disposições da Lei nº 8.742/93, que tem como fim específico regulamentar aquele benefício constitucionalmente previsto’.

José Renato Rodrigues, no artigo "O benefício assistencial previsto na Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal", embora entenda que o dispositivo em questão seja inconstitucional, reza que "(...) temos que nos curvar e respeitar a decisão com efeito vinculante de nosso guardião constitucional da Constituição Federal – Supremo Tribunal Federal -, prolatada na ADIn nº 1.232-DF, (...)". Transcrevem-se, a seguir, o entendimento desse autor acerca da solução do problema:

O nosso desejo, bem como de muitos outros brasileiros, é que o valor do salário mínimo seja elevado a um valor digno e, que, efetiva e socialmente, possa cumprir a sua finalidade constitucional inserida no art. 6º, inciso IV, de nossa Constituição cidadã, qual seja: ‘(...) atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, (...)’.

Em acontecendo isso, não haveria necessidade de perquirirmos sobre a constitucionalidade ou não do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, haja vista que a fixação da renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo seria um patamar bem razoável.

Não se desconsideram os argumentos ora transcritos, principalmente hodiernamente, com a presença do Estado Democrático de Direito. Diferentemente do Estado de Direito, em que a lei deveria ser incondicionalmente observada, no atual regime, a legislação, como a Lei nº 8.742/93, deve respeitar, além dos aspectos formais, os objetivos da Constituição, como a erradicação da pobreza.

Ocorre que o legislador, em 1993, editou a norma nesse período entendendo como critério da miserabilidade para fins de concessão de benefício assistencial a renda per capita do grupo familiar inferior a ¼ do salário mínimo. Posteriormente, já em 1997, o legislador editou a Lei nº 9.533/97, definindo como público alvo pessoas ou famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. Nesse período, se entendesse necessário, também deveria alterar a Lei nº 8.742/93, majorando o critério da miserabilidade, mas não fez. Como o dispositivo ainda não foi alterado, depreende-se logicamente que essa é a vontade do legislador: manter o critério de renda per capita em ¼ do salário mínimo.

De fato, se há algum problema com o critério da Lei nº 8.742/93, deve ser atribuído à legislação, por meio da qual seria viável a alteração legislativa. Não se pode culpar o Poder Executivo por cumprir a lei, pois está vinculado ao princípio da legalidade. Também não é possível que o Poder Judiciário, sob pena de legislar positivamente, substitua a lei por critérios baseados em legislação diversa.

Na verdade, aparentemente, o Poder Executivo tem avançado muito na seara da assistência social, como se depreende das portarias e decretos citados na transcrição acima, todos datados a partir do ano de 2001. Mas quanto à concessão benefício assistencial, resta cumprir a Lei nº 8.742/93, nomeadamente em razão da declaração de constitucionalidade do § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.

No título seguinte, estuda-se, finalmente, o cômputo da renda do grupo familiar do benefício assistencial ao idoso. Questão basilar deste título e do seguinte diz respeito ao critério de aferição da renda per capita do interessado no benefício.


3 O CÔMPUTO DA RENDA DO GRUPO FAMILIAR DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO

Este último título trata da controvérsia propriamente dita deste trabalho. O critério da renda per capita do grupo familiar do interessa no benefício - ¼ do salário mínimo – é um dos requisitos legais para a concessão do benefício assistencial ao idoso. Todavia, dentre as inovações trazidas, o Estatuto do Idoso, Lei n° 10.741/2003, no parágrafo único do art. 34, estabeleceu que, na renda per capita do grupo familiar, para fins de concessão do benefício assistencial ao idoso, não será computado o valor de outro benefício assistencial ao idoso concedido a outro membro familiar também idoso.

Observando-se a disposição do Estatuto do Idoso, se a esposa do interessado no benéfico já percebe LOAS como idosa, esse benefício (de um salário mínimo) não será considerado no cômputo da renda per capita do grupo familiar para fins de concessão do outro benefício assistencial ao idoso. Com isso, é possível que um casal de idosos percebam tal benefício. Diferente é a hipótese da esposa do interessado que já receba benefício previdenciário, como aposentadoria por idade, por exemplo; nesse caso, se apenas o casal é o grupo familiar, o valor da aposentadoria supera a renda per capita de ¼ do salário mínimo, caso em que o benefício assistencial ao idoso é indevido.

É que o Estatuto do Idoso é claro quando afirma que não deve ser aferida a miserabilidade do interessado no benefício apenas quanto ao benefício assistencial ao idoso percebido por ente do grupo familiar, não abrangendo qualquer outro benefício previdenciário no valor de um salário mínimo.

No subtítulo seguinte, estuda-se o benefício previdenciário de valor mínimo como possibilidade de se enquadrar no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.

3.1 O benefício previdenciário de valor mínimo como cálculo da renda familiar per capita para fins de LOAS

Conforme dito acima, o Estatuto do Idoso é claro no sentido de que apenas o benefício assistencial ao idoso já concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, não dando dúvidas ao intérprete.

Porém, há quem entenda que, quando outro membro integrante do grupo familiar do interessado no benefício assistencial ao idoso perceba algum benefício previdenciário de valor mínimo, tal benefício não será computado para os fins de cálculo da renda familiar per capita da LOAS. A Turma Nacional de Uniformização (TNU) tem adotado esse entendimento, dando uma interpretação sistemática do Estatuto do Idoso. Resumindo a defesa desse entendimento, explica João Ernesto Aragonés Vianna (2010, p. 37):

(...) O raciocínio adotado é o seguinte: se a percepção da LOAS independe de contribuição, porque se trata de benefício assistencial, com maior razão ainda deveria excluir-se benefício previdenciário de valor mínimo, para o qual exigiu-se contribuição do segurado, pois, do contrário, estar-se-ia beneficiando aquele que não contribuiu para o sistema de seguridade social em detrimento daquele que contribuiu.

Em situações desse jaez, quando o INSS detecta que membro do grupo familiar perceba algum benefício previdenciário, e se a renda per capita supera o requisito ¼ do salário mínimo, é bastante comum o indeferimento do benefício assistencial ao idoso. Não raro também é a procura ao Poder Judiciário, junto ao Juizado Especial Federal, visando a obtenção desse benefício, sendo que, com base no entendimento da TNU, é comum a condenação da autarquia previdenciária na obrigação de fazer consistente na concessão desse benefício.

Muito embora haja decisões sufragando o entendimento acima, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido de maneira diversa:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR PARENTE DO AUTOR. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida pelo núcleo familiar. 2. O art. 34 da Lei nº 10.741/2003 veda o cômputo do valor do benefício de prestação continuada percebido por qualquer membro da família no cálculo da renda per capita mensal. 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. 4. Recurso especial a que se dá provimento." (REsp nº 841.060/SP, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ 25/6/2007)

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 10.741/2003. ESTATUTO DO IDOSO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. É firme o entendimento no âmbito desta Corte Superior no sentido de que o art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003 deve ser interpretado restritivamente, ou seja, somente o benefício assistencial porventura recebido por qualquer membro da família pode ser desconsiderado para fins de averiguação da renda per capita familiar, quando da concessão do benefício assistencial a outro ente familiar. 2. No caso concreto, as instâncias ordinárias consideraram a Autora hipossuficiente já com a inclusão da renda de um salário mínimo referente à aposentadoria percebida por um dos membros da família. Assim, modificar o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias demandaria, invariavelmente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula n.º 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Inexistindo qualquer fundamento relevante que justifique a interposição de agravo regimental ou que venha a infirmar as razões consideradas no julgado agravado, deve ser mantida a decisão por seus próprios fundamentos. 4. Agravo regimental desprovido.

(STJ - AGRESP 200700321590 AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 926203  Relator(a)LAURITA VAZ-  Órgão julgadorQUINTA TURMA - DJE DATA:06/04/2009)

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR PARENTE DO AUTOR. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida pelo núcleo familiar. 2. O art. 34 da Lei nº 10.741/2003 veda o cômputo do valor do benefício de prestação continuada percebido por qualquer membro da família no cálculo da renda per capita mensal. 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. 4. Recurso especial a que se dá provimento.

(RESP 200600803718 RESP - RECURSO ESPECIAL - 841060Relator(a) MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEXTA TURMA Fonte DJ DATA:25/06/2007 PG:00319).

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ESTATUTO DO IDOSO. NÃO INCIDÊNCIA. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. I - Se o v. acórdão hostilizado, com base no material cognitivo constante dos autos, consignou que a autora não faz jus ao benefício assistencial pleiteado, rever tal decisão implicaria reexame de prova, o que não é possível na instância incomum (Súmula 7-STJ). II - O cônjuge da autora não recebe benefício da assistência social, não se aplicando o parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso. III - Não cabe o exame de matéria constitucional em sede de recurso especial, conquanto se admite apenas a apreciação de questões referentes à interpretação de normas infraconstitucionais. Agravo regimental desprovido.

(STJ - AGRESP 200601553710 - AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 868590 - Relator(a) FELIX FISCHER Sigla do órgão STJ

Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJ DATA:05/02/2007 PG:00370).

A doutrina possui entendimento contrário à interpretação sistemática do Estatuto do Idoso. Segundo André Studart Leitão (2008, p. 462 e 463):

(...)

Por esse critério, estende-se a concessão do benefício a pessoa que não as previstas na lei, sem a correspondente fonte de custeio total. Portanto, viola princípio constitucional expresso (regra a contrapartida). Desde já criticamos tal postura que, ao argumento de se interpretar a legislação, cria norma jurídica de alcance geral, o que deve ser evitado diante das atribuições jurisdicionais (já que o Poder Judiciário funciona, conforme entendimento majoritário, como legislador negativo e não positivo).

(...)

Desse modo, a exclusão do valor de um salário mínimo, nos termos da legislação vigente, somente alcança a pessoa idosa que receba benefício assistencial e, ainda assim, para a concessão de outro benefício assistencial nas mesma condições (ou seja, para outra pessoa idosa).

(...).

No mesmo sentido, manifesta-se Hermes Arrais Alencar (2007, p. 538):

(...)

A exclusão, em nosso sentir (n° 3 acima) [aposentadoria por idade de 1 salário mínimo] do valor de benefício previdenciário da renda familiar não se mostra devida.

Diversamente do benefício assistencial, a aposentadoria por idade é definitiva, não ensejando revisões administrativas periódicas (sopesa tranqüilidade ao grupo familiar).

Diversamente de benefício assistencial, a aposentadoria por idade enseja a concessão de abono anual (ainda que mensalmente apresente o mesmo valor – 1 sm – resulta o benefício previdenciário, anualmente, valor superior).

Diversamente do benefício assistencial, a aposentadoria é intransmissível, após o óbito do titular do benefício, ao cônjuge supérstite, por intermédio da pensão por morte (neste ponto reside ponto de confronto incomparável frente ao benefício assistencial).

Esses pontos evidenciam os motivos pelos quais o legislador não contemplou o benefício previdenciário, e que nos fazem crer como correta a escolha do legislador.

(...).

De fato, a doutrina acima apontada e o STJ parecem possuir entendimento razoável no sentido de que não pode se dar uma interpretação extensiva ao Estatuto do Idoso, de forma que o benefício previdenciário de valor mínimo não deve ser computado no cálculo da renda per capita do grupo familiar do interessado no benefício assistencial ao idoso. Deveras, como os recursos do Estado são escassos, não se pode conceder o benefício assistencial em situações fora dos requisitos legais.

O respeito à disposição do Estado do Idoso, art. 34, parágrafo único, de forma a não interpretá-lo ampliativamente, e sim, literalmente, é uma questão de segurança jurídica, a expectativa do cidadão em ver os dispositivos legais ser aplicados devidamente. Se fosse intenção do legislador incluir no dispositivo benefícios previdenciários de valor mínimo, certamente teria feito quando da edição da norma, ou por meio de alterações legislativas, conforme previsão do art. 117 do Estatuto do Idoso.

Como o parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso é bastante claro, não há necessidade de utilização de aprofundada hermenêutica para se identificar qual a intenção do legislador. Uma simples interpretação literal do ordenamento jurídico denota com clareza que a exceção em apreço deve ser conferida apenas ao benefício assistencial ao idoso.

Observando-se os efeitos práticos das decisões da TNU, percebe-se que o poder público incorre em sérios prejuízos, dado que não são poucas as pessoas que almejam o benefício em estudo. Apenas para argumentar, o índice de concessão administrativa dos benefícios assistenciais e previdenciários é bem superior ao do indeferimento, fato desconhecido pela população. Dessa forma, se toda ação for julgada procedente, chegar-se-á ao ponto de que qualquer pessoa hipossuficiente receberá um benefício do INSS.

Talvez o problema objeto deste artigo jurídico se resolveria com a majoração do salário mínimo até um valor digno, cumprindo a finalidade inserida no art. 6º, IV, da Constituição, conforme muito bem asseverado por José Renato Rodrigues, no artigo "O benefício assistencial previsto na Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal", transcrito no título pretérito.

Se a medida mais acertada fosse a ampliação da concessão do benefício assistencial, talvez a controvérsia fosse sanada com a alteração da Lei nº 8.742/93, majorando a renda per capita do grupo familiar de ¼ do salário mínimo, ou até mesmo fazendo excluir da renda do grupo familiar a percepção do ente familiar de outros benefícios com valor de um salário mínimo.

No entanto, tais alterações iriam na contramão do avanço natural da sociedade, que, aos poucos, caminha para uma maior qualificação e aumento das condições financeiras. Basta ver que o pobre de outrora não é de hoje.

Na verdade, a presente discussão não é simples e depende de inúmeros critérios não restritos apenas à seara jurídico, pois demanda um exame apurado acerca das condições atuais da sociedade brasileira. Talvez por isso é que a legislação em comento ainda não foi modificada.

Por fim, considerando todas as dificuldades apontadas, parece ser mais seguro optar pelo que está disposto na legislação aplicável, já que é do legislador o juízo de seletividade e de distributividade, sob pena de afronta aos princípios da prévia fonte de custeio, da isonomia, da legalidade e, quiçá, da separação dos poderes. Não cabe ao Judiciário substituir a competência do legislador e instituir critérios diversos da legislação aplicável para o fim de conceder o benefício, sobretudo porque a concessão a quem não faz jus é uma injustiça para com aquele que realmente possui direito, além de causar despesa indevida ao Erário, afetando a receita-despesa.

Merece atenção o fato de que o benefício assistencial não exige contribuição do cidadão, nem prévias inscrição e filiação à Previdência Social, nem o cumprimento do período legal de carência. E como não são poucas as pessoas que necessitam desse benefício, mais do que nunca seus requisitos devem ser observados, evitando-se a concessão indevida a outrem.


CONCLUSÃO

O benefício assistencial tem fundamento na CF, que conferiu à legislação ordinária o estabelecimento dos seus requisitos legais. A Lei nº 8.742/93 estabelece como requisitos para a concessão do benefício a condição de o interessado ser portador de deficiência incapacitante para o trabalho e para os atos da vida independente, ou idoso, desde que ambos possuam uma renda mensal do grupo familiar não superior a ¼ do salário mínimo.

No que diz respeito ao benefício assistencial ao idoso, o Estatuto do Idoso prevê como hipótese excludente de inclusão na renda per capita a percepção desse mesmo benefício por outro ente do grupo familiar. Não excepciona outro benefício, como o benefício assistencial ao portador de deficiência ou qualquer benefício previdenciário de valor mínimo.

O problema é que parte da jurisprudência, nomeadamente no âmbito dos Juizados Especiais Federais, vem dando interpretação extensiva ao Estatuto do Idoso, admitindo como excludente da aferição da renda per capita não apenas o benefício assistencial ao idoso, mas também outro benefício no valor de um salário mínimo.

Em que pese o entendimento difundido nos Juizados Especiais Federais, tem-se que, deveras, o Estatuto do Idoso não deve ser interpretado de forma ampliativa. Somente o benefício assistencial ao idoso percebido por ente do grupo familiar do interessado na obtenção do benefício é que não deve ser computado para fins de aferição da renda per capita. Entendimento em sentido contrário fere o Estatuto do Idoso, ou seja, o princípio da legalidade.

Se fosse intenção do legislador estender a hipótese de exclusão da renda de grupo familiar, teria feito expressamente, fazendo incluir outros benefícios. Não cabe ao intérprete fazer alusões outras que não as constantes do próprio objetivo de determinada legislação ordinária. Pelo Estatuto do Idoso, depreende-se logicamente que a intenção do legislador foi abranger o benefício assistencial ao idoso unicamente como hipótese de exclusão da renda do grupo familiar do interessado no benefício.

Não são poucas as concessões desse benefício ao "pobre" no âmbito administrativo. Na verdade, a concessão nesse âmbito é bem superior do que o indeferimento, de forma que a procura ao Judiciário reflete apenas pequena parcela dos requerimentos administrativos. Dessa forma, a análise da concessão ou não do benefício na via judicial deve ser realizada com cautela, com o fito de se evitar concessões indevidas, sob pena de desrespeitar os administrados que realmente fazem jus ao benefício.

Com maior cautela deve ser verificada a discussão judicial acerca da concessão de benefícios previdenciários ou assistenciais pelo fato de que a AGU, por meio da PGF, nomeadamente por intermédio da Procuradoria Federal Especializada do INSS, está concretizando seu programa de redução de demandas judiciais. Nesse programa, foram realizados estudos para detecção do maior índice de indeferimento de benefícios pelo INSS, com o fim de pontuar o que deve ser ajustado, por meio de inúmeras providências de cada Procuradoria, o que, consequentemente, reduzirá o índice de ações judiciais, dado que visa a evitar indeferimentos equivocados no INSS

Como a discussão judicial ocorre após o indeferimento da autarquia previdenciária, salvo os casos em que o Judiciário tem dado seguimento às ações em que não houve prévio requerimento no INSS, é dedutível que haverá uma redução da demanda judicial após uma reestruturação na análise administrativa dos pedidos de benefícios, esta realizada de acordo com os ditames legais e os princípios inerentes à Administração Pública, evitando-se indeferimento indevido de pedido na via administrativa.


REFERENCIAS

Livros

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MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

TOLEDO PINTO, Antonio Luiz de; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Livia. Vade mecum Saraiva. 9. ed. atual. e ampl.São Paulo: Saraiva, 2010.

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Periódicos

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Ronnie Leal. O benefício previdenciário de valor mínimo como cálculo da renda familiar "per capita" para fins de concessão de benefício assistencial ao idoso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2610, 24 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17249. Acesso em: 18 maio 2024.