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Questões polêmicas nas audiências públicas ambientais

Questões polêmicas nas audiências públicas ambientais

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Resumo: A audiência pública, etapa do procedimento administrativo de licenciamento ambiental, é corolário direto dos princípios da participação e da informação, que – enquanto vetores do direito à democracia – encontram na temática ambiental destacada importância. Todavia, a aplicação do instituto encontra dificuldades, sendo discutidas no presente trabalho as questões referentes à ausência de jornal local na área impactada, a necessidade de observância do prazo previsto na Resolução CONAMA nº 09/87 e a legitimidade das entidades civis para a solicitação de audiências públicas.

Palavras-chave: Licenciamento ambiental. Audiência pública. Imprensa local. Prazo para requisição. Legitimidade das entidades civis.


INTRODUÇÃO

A ainda recente democratização do Brasil abriu espaço para a gestão e fortalecimento de instrumentos de ampliação da participação popular na tomada de decisão referente aos bens e interesses públicos e coletivos.

Todavia, ditos instrumentos de participação dependem ainda de amadurecimento, o que demanda não apenas tempo, mas também debate quanto às problemáticas incidentes sobre o tema, buscando alcançar soluções aptas a conferir efetividade aos institutos.

No que tange à temática ambiental, diversos instrumentos de participação podem ser encontrados na legislação, desde que a imposição da publicidade na realização de estudo de impacto ambiental para as obras sujeitas à significativa degradação ambiental (artigo 225, § 1º, inciso IV [01]), até a obrigação dos entes do SISNAMA em fornecer os resultados das análises efetuadas e sua fundamentação a qualquer pessoa legitimamente interessada (artigo 7º, § 3º, da Lei nº 6.938/81 [02]).

As audiências públicas – realizadas no âmbito do licenciamento ambiental – merecem especial atenção, na medida em que, incidindo anteriormente à consumação de qualquer dano ambiental, eis que realizadas no bojo do procedimento de análise da viabilidade ambiental, permitem, a um só tempo, concretizar o princípio da participação popular, da informação e da prevenção.

Os distintos objetivos da audiência pública, todavia, dependem ainda da solução de diversos problemas para que possam alcançar sua realização prática. Nesse contexto, o presente trabalho objetiva discutir algumas questões polêmicas sobre o tema.


2. AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL

A audiência pública é conseqüência do regramento estabelecido pela Constituição ao procedimento de licenciamento ambiental (art. 225, § 1°, inc. IV), quando, ao prescrever a necessidade de publicidade especificamente para o estudo de impacto ambiental, tornou premente a existência de espaços públicos de discussão, no qual a conformação entre desenvolvimento econômico e meio ambiente pudesse ser amplamente discutida com a população afetada.

Nesse sentido, é importante ter claro, inicialmente, que a abertura de espaços para a democracia participativa potencializa as possibilidades reais da população de realizar seu direito à voz, influindo decisivamente no juízo técnico a cargo do ente administrativo, ao mesmo tempo em que serve de importante instrumento de legitimação social de um empreendimento passível de causar impactos em toda a dinâmica da região.

Sobre o tema, leciona Édis Milaré [03] que, na Constituição Federal, "diversos instrumentos de garantia foram previstos para as hipóteses de agressões ao meio ambiente, impondo-se, agora, a abertura de espaço e de canais aos grupos sociais intermediários (associações civis de defesa do meio ambiente, de moradores de bairro, sindicatos etc.), para que, em constante mobilização, pudessem permitir a adequação necessária da ação dos detentores do Poder às exigências e necessidades populares".

Ademais, o instituto da democracia participativa é considerado, no contexto do atual movimento de globalização econômica e cultural, como um mecanismo capaz de proporcionar a defesa socioambiental.

Quanto a isso, Enrique Leff [04] expõe que:

Os princípios de gestão ambiental e de democracia participativa propõem a necessária transformação dos Estados nacionais e da ordem internacional para uma convergência dos interesses em conflito e dos objetivos comuns dos diferentes grupos e classes sociais em torno do desenvolvimento sustentável e da apropriação da natureza. (...) A gestão ambiental participativa está propondo, além da oportunidade de reverter os custos ecológicos e sociais da crise econômica, a possibilidade de integrar a população marginalizada num processo de produção para satisfazer suas necessidades fundamentais, aproveitando o potencial ecológico de seus recursos ambientais e respeitando suas identidades coletivas.

O princípio participativo, elemento axiológico basilar da nova ordem constitucional democrática surgida após a Constituição de 1988, deita suas raízes na intenção de politizar a população brasileira, de forma a transformar o cidadão, superando seu atual papel de inerte destinatário das ordens públicas para torná-lo partícipe direto e efetivo das decisões coletivas.

A participação real e consciente, todavia, não pode prescindir da presença de outro direito fundamental: o de acesso à informação, previsto genericamente nos artigo 220 e 221 da Carta Magna.

Isso porque inexiste participação efetiva – apta a contribuir para o processo de tomada de decisão – sem que esta se faça acompanhada do conhecimento sobre todos os elementos que envolvem a questão.

O princípio participativo, juntamente com seu corolário, o direito à informação, tem na temática ambiental incidência destacada.

Isso se dá não apenas pelo fato de o bem ambiental ser caracterizado como bem difuso, sujeito, portanto, ao interesse de toda a coletividade, mas – especialmente – pela circunstância de a Constituição de 1988 haver conferido à sociedade o papel de responsável solidária pela preservação ambiental, impondo-lhe o dever de defender o meio ambiente (artigo 225, caput).

Ora, se à sociedade é imposta a obrigação de tutelar o meio ambiente, inegável se mostra a necessidade de conferir-lhe os meios necessários ao alcance desses relevantes fins, decorrência direta da aplicação da teoria dos poderes implícitos [05], no que se inclui, por evidência, a informação e a participação na gestão do bem ambiental.

Sobre o tema, afirma Édis Milaré [06]:

O direito à participação pressupõe o direito de informação e está a ele intimamente atrelado. É que os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e idéias e de tomar parte ativa nas decisões que lhes interessam diretamente.

No mesmo sentido dispõe o Princípio n° 10 da Declaração do Rio:

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos. (g.n.)

O princípio da participação comunitária, também na matéria ambiental, torna-se letra morta caso desacompanhado do inafastável princípio do acesso à informação elemento presente no preceito constitucional destinado à educação ambiental (art. 225, inc. VI, da CF), na medida em que a população – devidamente informada – deve conceber as questões ambientais enquanto preocupações de caráter coletivo, incluindo práticas sustentáveis no seu cotidiano.

Um dos diversos instrumentos de participação popular na esfera ambiental, pendente ainda de maior concretização e maturidade, é o instituto das audiências públicas, realizadas no bojo do licenciamento ambiental, que compreende, no aspecto específico desse procedimento, o direito de conhecer os estudos realizados sobre o empreendimento ou atividade, garantindo-se prazo adequado para que os interessados possam se familiarizar com as comumente extensas e complexas manifestações técnicas.

Em outras palavras, inexiste participação efetiva sem informação precisa e exauriente, a ser ofertada no nível adequado à compreensão dos atingidos, máxime quando se tratar de audiência pública (parágrafo único do art. 9° da Resolução CONAMA n° 01/86).

Em que pese a relevância do objetivo acima descrito, relacionado à inserção da população na problemática ambiental, não se pode perder de vista que a audiência pública é etapa em um procedimento complexo.

Assim, a audiência não é um fim em si mesmo, devendo ser compreendida, enquanto parte do licenciamento ambiental, diante de sua dúplice função: informar a população atingida sobre os impactos da obra e colher, dessa mesma população, críticas e sugestões que serão incorporadas ao procedimento, merecendo devida ponderação da equipe técnica do ente licenciador.

Nesse sentido, prescreve a Resolução CONAMA n° 09/87:

Art. 1º - A Audiência Pública referida na RESOLUÇÃO/CONAMA/N.º 001/86, tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito.

Ora, a dicção do texto normativo não permite espaço para conclusões diversas: a função da audiência pública é a exposição, àqueles que serão atingidos pelo empreendimento, bem como aos demais interessados, sobre o que consiste o projeto licenciado, com seus respectivos impactos negativos e positivos, seja no que concerne ao aspecto ambiental, seja relacionado à sócio-economia. Exposto o projeto, tem a audiência a pretensão de canalizar os questionamentos da sociedade, com vistas a afastar eventuais dúvidas, agregando ao procedimento o conhecimento especial daqueles que residem na região.

Como consequência de questões trazidas nas audiências públicas, pode vir a ser determinado ao empreendedor a realização de estudos complementares ou da alteração do empreendimento proposto, com a sensível melhoria da gestão ambiental da atividade.

Há, todavia, dificuldades na aplicação concreta do instituto, cuja constatação não pode significar motivo para desconsiderar sua importância, havendo – outrossim – a necessidade de discussão e superação das problemáticas enfrentadas, algumas delas objeto do presente texto.

2.1. Inexistência de jornal local na área afetada

Visando proporcionar real conhecimento do procedimento de licenciamento, em atenção à transparência que deve imperar no trato da questão, dispõe a Resolução CONAMA nº. 09/87:

Art. 2º - Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública.

§ 1º - O Órgão de Meio Ambiente, a partir da data do recebimento do RIMA, fixará em edital e anunciará pela imprensa local a abertura do prazo que será no mínimo de 45 dias para solicitação de audiência pública. (g.n.)

Da apreciação do dispositivo acima, percebe-se que o escopo do legislador não foi formalizar, para o público em geral, o recebimento dos estudos, mas sim permitir que a população diretamente atingida fosse informada do procedimento, razão pela qual não basta – e nem sequer a norma assim menciona – a publicação do ato de recebimento dos estudos no Diário Oficial.

Imprescindível, outrossim, que a população local seja informada da possibilidade de solicitar audiência com os empreendedores, técnicos responsáveis pelos estudos e órgão ambiental, de forma a dirimir suas dúvidas, criticar e contribuir com o licenciamento.

A preocupação em informar a população diretamente afetada é evidente na norma, que nada menciona a respeito da publicação nos grandes jornais, de circulação nacional ou regional, voltando sua atenção àqueles veículos de comunicação efetivamente acessíveis à coletividade interessada no empreendimento.

Nesse contexto, a particularidade de o local não ser amparado com a circulação de periódico local não pode representar óbice ao valioso escopo normativo, sendo a obtenção da real informação elemento mais importante do que o respeito à letra fria da lei.

Não se pode, portanto, apoiar-se na interpretação literal da norma, a fim de entender pela desnecessidade de informar a população, quando não houver periódico de circulação local, como sói ocorrer nos diversos rincões do país, áreas comumente destinadas aos grandes projetos de infra-estrutura, a exemplo das hidrelétricas amazônicas.

Outrossim, o que buscou a norma era garantir que a circulação se desse através do meio mais próximo à população local, que pode – pelas distâncias e pelo isolamento de certas partes do nosso país – estar alheia ao noticiário e periódicos nacionais.

Dessa forma, na ausência de publicação de circulação local, deverá ser publicado o edital no periódico regional ou nacional de maior alcance à população local, acompanhado, caso as circunstâncias do local indiquem que nenhuma publicação é capaz de conferir real conhecimento aos atingidos, com outras formas de divulgação da abertura do prazo – como carros de som ou panfletos –, providência plenamente contida na dicção da norma acima citada, quando se vale da expressão "anunciará pela imprensa local".

Imprensa, pois, não se resume aos periódicos, devendo ser compreendida como todo e qualquer instrumento de comunicação social, cuja atividade, por força de mandamento constitucional (artigo 221, caput e inciso I), dirige-se preferencialmente "a finalidades educativas (...) e informativas".

A interpretação teleológica do dispositivo, portanto, é a única forma de assegurar o concreto respeito ao princípio da informação e participação popular, promovendo-se, das formas possíveis para as particularidades locais, real informação à coletividade atingida, sendo essa a obrigação do órgão licenciador e do empreendedor.

2.2. Observância do prazo mínimo previsto na Resolução CONAMA nº 09/87

A audiência pública, nos termos do caput do artigo 2º da Resolução CONAMA nº 09/87, será realizada sempre que o órgão licenciador julgar necessário, ou "quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos".

Percebe-se, portanto, a concorrência de entidades legitimadas a pleitear a realização da audiência pública, elemento que não pode prescindir de regulamentação do período para o exercício do mencionado direito, na medida em que – em sendo a audiência pública etapa de um procedimento, todo ele, por essência, vinculado ao instituto da preclusão – descabida se mostra a intervenção extemporânea de qualquer interessado, sob pena de prejudicar o fim último do complexo de atos.

Visando balizar o exercício da prerrogativa de requisição da audiência pública, dispõe a mencionada resolução, in verbis:

Art. 2º. (omissis)

§ 1º - O Órgão de Meio Ambiente, a partir da data do recebimento do RIMA, fixará em edital e anunciará pela imprensa local a abertura do prazo que será no mínimo de 45 dias para solicitação de audiência pública.

Em que pese a expressa dicção legal, raro não se mostra a hipótese em que se busca relegar o prazo legal de 45 (quarenta e cinco) dias, sob o fundamento de que o próprio ente licenciador – no exercício da discricionariedade ínsita ao seu papel de condutor do procedimento – desde logo firma as datas e locais para a realização das audiências.

A questão que se coloca é a seguinte: é legítimo desconsiderar o prazo previsto na norma, caso o ente do meio ambiente determine, sponte propria, a realização das audiências para data anterior aos 45 (quarenta e cinco) dias?

Dito isso, considero desde logo que a realização de audiências públicas antes de escoado o prazo previsto na Resolução CONAMA n° 09/87 – afastando a possibilidade de requisição dos interessados – fere, a um só tempo, não apenas os princípios da participação comunitária e da informação, mas também o próprio princípio da legalidade, consubstanciado na literalidade do preceito.

A ofensa ao princípio da participação popular está caracterizada na negativa do direito dos interessados – sejam eles o Ministério Público, as entidades civis ou grupo de cidadãos –, garantido pela norma, de requerer a realização de audiência pública. Ainda que o órgão ambiental fixe os locais e datas nos quais serão realizadas as audiências públicas, nada impede que os demais interessados as reputem insuficientes, ou as localidades inadequadas, requerendo novas ou diversas audiências públicas. Esse juízo, por força da regulamentação, tem no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias seu ciclo de maturação.

A designação de audiência por iniciativa do próprio ente ambiental – prerrogativa estabelecida no dispositivo acima reproduzido – não pode representar obstáculo à apreciação e decisão sobre eventuais pedidos de outras audiências públicas realizados pelos demais interessados, razão pela qual mencionado prazo sempre deve ser respeitado.

Por outro lado, o prazo fixado na resolução tem por escopo não apenas permitir que o interessado solicite a audiência.

Vai além para assegurar transcurso de tempo razoável para que a população conheça suficientemente bem o tema em debate, eis que a publicação do ato de recebimento dos estudos também representa o marco a partir do qual estes estarão à disposição do público para consulta.

Antecipar a audiência para antes do prazo regulamentar, portanto, além de reduzir a possibilidade de o interessado solicitar a audiência, representa obstáculo para a efetiva informação, e conseqüente participação no espaço coletivo, violando, assim, os princípios constitucionais acima identificados, componentes do devido processo legal ambiental.

2.3. Legitimidade das entidades civis para a solicitação de audiência pública

O dispositivo do artigo 2º da Resolução CONAMA nº 09/87, ao identificar as entidades civis como entes competentes para a solicitação das audiências públicas, sem, contudo, promover qualquer menção às suas atividades precípuas, fomenta a discussão sobre a legitimidade dessas entidades.

Pois bem.

A tutela dos direitos relativos ao meio ambiente, classificados como fundamentais de terceira geração, portanto de titularidade coletiva e impossível de ser identificada, impôs a superação da tradicional categoria processual da legitimação processual – tradicionalmente associada à vinculação estreita entre direito material e pretensão, conforme artigo 6º do Código de Processo Civil –, única forma de conferir real salvaguarda a tais bens.

A necessária e relevante ampliação de tais categorias processuais, todavia, não pode redundar em anarquia processual, ressalva aplicável tanto ao processo judicial, quanto ao processo administrativo, eis que ambos – constitucionalmente abrangidos pela observância do devido processo legal (artigo 5º, LIV e LV) – não podem prescindir da instauração da demanda por sujeito legitimado para tanto.

Essa é a razão pela qual o legislador ordinário, ao disciplinar a propositura da ação civil pública – instrumento por excelência voltado à tutela coletiva – estabelece como condição da legitimidade da associação a inclusão, entre as suas finalidades institucionais, da "proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico" (artigo 5º, IV, da Lei nº 7.341/85). No mesmo sentido, também relacionado a processos de índole coletiva, porém em perspectiva eminentemente objetiva, o STF impõe às confederações sindicais e às entidades de classe de âmbito nacional a comprovação da pertinência temática para a propositura de ação direta de constitucionalidade [07].

A doutrina processualista reafirma a necessidade de somente conferir legitimidade àquele efetivamente capaz de tutelar o interesse coletivo, afirmando que "a despeito de inexistir expressa previsão legal nesse sentido, o representante adequado para as ações coletivas é uma garantia constitucional advinda do devido processo legal coletivo. (...) O grupo deve ser representado em juízo por um representante adequado" [08].

Por simetria, em que pese o artigo 2º da Resolução CONAMA nº. 09/87 não prever tal requisito, é decorrência lógica do devido processo legal coletivo a existência de pertinência entre a entidade civil e os interesses discutidos no processo de licenciamento, inclusive no que toca à solicitação de audiência pública.

Dessa forma, a exemplo do que ocorre com a legitimidade para a propositura da ação civil pública, a entidade de classe deve incluir entre as suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, às populações atingidas – tradicionais ou não – ou a qualquer outro interesse, influenciado pelo empreendimento licenciado, que guarde pertinência com os fins coletivos da audiência pública.

A audiência pública, portanto, não é o espaço para que entidades civis busquem holofote para pretensões particulares, havendo para tanto outros instrumentos de tutela. Assim, ainda que interesses particulares incidam sobre o licenciamento – fato normal –, tal circunstância não autoriza sua veiculação por meio de audiência, que é, como o próprio nome indica, pública.

Deve-se, portanto, entender com ressalva a afirmação de Daniel Roberto Fink [09], quando entende que "não nos parece se deva exigir das entidades civis a demonstração do interesse jurídico específico no resultado da obra, atividade ou empreendimento. Isto porque, em matéria ambiental, todos são, em princípio, interessados na preservação dos recursos naturais, independentemente de estarem afetados diretamente pelos impactos negativos. O interesse jurídico existe no só fato de a todos interessar a preservação desses recursos".

Destarte, ainda que não se apresente adequado exigir da entidade civil relação direta com o empreendimento – por exemplo, que a associação seja destinada à proteção de determinado rio, no qual se pretende ver instalada usina hidrelétrica, bastando que vise proteger o meio ambiente – fato é que não se pode deixar de consignar a necessidade de relação da entidade com os bens discutidos, ambientais no sentido macro, visando, ao final, evitar o desvirtuamento das audiências públicas advindo de seu uso para fins diversos da participação e informação popular.


CONCLUSÃO

A importância das audiência públicas, no contexto da efetivação dos instrumentos de participação popular, impõe sejam delimitados seus contornos, discutindo e esclarecendo os temas polêmicos.

Nesse caminhar de idéias, observa-se que o fim último da audiência deve ser sempre prestigiado – informar a população interessada, dela colhendo críticas e sugestões relacionadas aos interesses coletivos, e não particulares, relacionados ao empreendimento –, inclusive para fins de solucionar eventuais problemáticas.

Partindo-se dessa premissa, observa-se que a inexistência de jornal local não pode ser obstáculo à real informação da população, que dispõe da integralidade do prazo previsto na Resolução CONAMA nº 09/87 para se informar sobre a questão e eventualmente solicitar audiências, cuja legitimação – além de destinada ao Ministérios Público e a grupo de 50 (cinqüenta) cidadãos – é conferida às entidades civis que guardem pertinência temática com os interesses coletivos discutidos no licenciamento.


REFERÊNCIAS

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DIDIER JR., Fredie e Hermes Zanetti Jr. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. 5.ed. Salvador: Jus Podium, 2010.

FINK, Daniel Roberto. Audiência Pública em Matéria Ambiental no Direito Brasileiro. 1993. São Paulo. Revista dos.Tribunais695: 264/268.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6. ed. São Paulo: RT, 2009.


Notas

  1. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 26 set. 2010.
  2. BRASIL. Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 28 set. 2010.
  3. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 193.
  4. LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 62-63.
  5. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Conselhos de profissão. Teoria dos poderes implícitos. HC 87610. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 04/12/09.
  6. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 834.
  7. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Conselhos de profissão. Conselho de classe. Pertinência temática. ADI 1590 MC, Relator:  Min. Sepúlveda Pertence. Brasília: 19/06/1997.
  8. DIDIER JR., Fredie e Hermes Zanetti Jr. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. 5.ed. Salvador: Jus Podium, 2010, p. 215.
  9. FINK, Daniel Roberto. Audiência Pública em Matéria Ambiental no Direito Brasileiro. 1993. São Paulo. Revista dos.Tribunais695: 264/268.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRAZ, Bernardo Monteiro. Questões polêmicas nas audiências públicas ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2660, 13 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17602. Acesso em: 26 abr. 2024.