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Área de Livre Comércio das Américas - ALCA

Área de Livre Comércio das Américas - ALCA

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A Alca nunca teve sentido do ponto de vista de um país como o Brasil. Ela sempre foi, no essencial, um projeto dos Estados Unidos, concebido para atender os seus interesses estratégicos e consolidar a sua influência nas Américas.

SUMÁRIO: 1. Parte Introdutória 1.1 Características da Alca 1.2 Tipo de integração: Zona de livre comércio 1.3 Perspectivas de análise 2. Regionalismo 2.1 Perspectiva histórica 2.2 Tendências 2.2.1 Abrangência X Políticas de desenvolvimento 2.3 O mito do isolamento 2.3.1 A estratégia: o "G20", "G23", "G20 plus", e agora "GX" (Cancún) 2.3.2 Limitações do "GX": OMC X Alca 3. Evolução das Negociações da Alca 3.1 Iniciativas hemisféricas precedentes 3.2 O Processo preparatório da Alca (1994-1998) 3.2.1 Cúpula das Américas, Miami, dezembro de 1994 3.2.2 Reuniões Ministeriais realizadas entre 1994 e 1998: Denver em 1995, Cartagena em 1996, Belo Horizonte em 1997 e San José em 1998 3.2.3 Quarta Reunião Ministerial, em San José, março de 1998, e adoção de princípios problemáticos para o Brasil 3.3 Avanço das negociações 3.3.1 Segunda Cúpula das Américas, Santiago, abril de 1998 3.3.2 Quinta Reunião Ministerial, em Toronto, novembro de 1999 3.3.3 Sexta Reunião Ministerial, em Buenos Aires, abril de 2001 3.3.4 Terceira Cúpula das Américas, Cidade de Quebec, abril de 2001 3.3.5 Obtenção do fast track: julho de 2002 3.3.6 Sétima Reunião Ministerial, Quito, novembro de 2002 3.3.7 Oitava Reunião Ministerial, Miami, novembro de 2003 3.4 Estrutura e Organização das Negociações 3.5 Formato das negociações 4. Análise da Alca como acordo comercial 4.1 Fonte inspiradora: Nafta 4.2 Desequilíbrio e heterogeneidade dos países negociadores 4.3 O Brasil ganha ou perde com a Alca? 4.4 Alca "abrangente" ou "teológica" X Alca "light" 4.4.1 Abrangência relativa 5. Conclusões 6. Bibliografia


1. Introdução

A ALCA, Área de Livre Comércio das Américas [01], é um trabalho em desenvolvimento, uma obra em processo de execução. É o que em inglês se denomina work in progress [02].

A ALCA pretende ser a maior área de livre comércio existente, abrangendo 34 países do continente americano com exceção de Cuba, com um tamanho de 800 milhões de pessoas, um volume de comércio de US$ 3,4 trilhões e uma produção econômica conjunta de US$ 11 trilhões [03].

Em matéria ideológica, o debate sobre a ALCA constitui o ponto de enfrentamento entre os partidários e adversários do "neoliberalismo". Observa Rubens Ricupero que "nenhum outro tema é capaz de lançar uma ponte entre o combate contra o mundo unipolar, no plano político-estratégico, e a luta contra a globalização e o "pensamento único", no domínio econômico-social". Para os adversários da ALCA, ela implicaria, em termos práticos, a "porto-ricanização" do continente [04].

No entanto, o debate sobre a ALCA também pode partir de outro foco, como a tentativa de examiná-la de forma empírica como uma proposta comercial, desde o processo negociador, sua estrutura e organização, até a própria minuta do Acordo. Assim, afasta-se a posição apriorística ("antes da experiência"), ou seja, o julgamento que precede a negociação efetiva [05]. É a partir desta perspectiva que o presente estudo pretende se pautar.


2. Tipos de integração econômica regional

O GATT de 1994, inserido na Organização Mundial do Comércio, conta com um dispositivo que versa sobre o tema da integração regional. Trata-se do Artigo XXIV. A concepção de regionalismo econômico do GATT de 1947 permaneceu no GATT de 1994, que apenas acrescentou alguns esclarecimentos em um "Entendimento sobre a interpretação do Artigo XXIV". Esse Entendimento oficializou algumas formas de integrações econômicas regionais que, para serem lícitas deverão respeitar certas condições e não atentar contra os direitos dos terceiros. O fundamento dessa exigência explica-se pelo objetivo dos acordos de integração econômica, que deverão "facilitar o comércio" entre os participantes, abstendo-se de impor obstáculos ao comércio com terceiros países. Em outras palavras, trata-se de criar correntes comerciais (trade creating), e não de desviar correntes comerciais preexistentes (trade diverting). Dividem-se, então, as integrações econômicas em "boas" e "más", somente aquelas sendo válidas. Todas as condições impostas pelo GATT à licitude das integrações econômicas regionais estão fundadas nessa distinção, devendo assegurar que apenas as "boas" perdurem [06].

Por outro lado, o GATT de 1994 baseia-se na cláusula da nação mais favorecida, ou na idéia de que se deve estender os benefícios que se concedem a um país a todos os demais países, o que é feito no contexto das rodadas de negociações multilaterais. O Artigo XXIV estabelece as situações de exceção da aplicação do princípio consagrado no Artigo I do Acordo sobre o tratamento de nação mais favorecida, levando em conta a conveniência de aumentar a liberdade do comércio, desenvolvendo, mediante acordos livremente celebrados, uma integração maior das economias dos países que participam desses acordos. O referido Artigo XXIV foi inserido no GATT visando à convivência entre as áreas de livre comércio e as uniões aduaneiras com o sistema multilateral de comércio.

O GATT oficializa certos tipos de acordos econômicos regionais. Assim, não se interessa pelos acordos de cooperação econômica que visam simplesmente uma melhor coordenação das políticas seguidas pelos países membros, como a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). O regionalismo econômico que interessa ao GATT é aquele que exige o desmantelamento de obstáculos ao comércio ou a instituição de políticas comuns aos membros. Nesse sentido, a exceção à cláusula de nação mais favorecida prevista no artigo XXIV aplica-se a dois tipos de acordos: "zonas de livre comércio" e "uniões aduaneiras". Embora não haja especificação, nada impede a formação de formas mais elevadas de integração econômica, como os "mercados comuns" ou as "uniões econômicas e monetárias".

Faz-se mister distinguir entre zona de livre comércio e união aduaneira. Ambas objetivam facilitar ou aumentar o comércio dos países participantes. O artigo XXIV do GATT de 1994 traz a seguinte previsão: "Entende-se por zona de livre comércio um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros que decidem eliminar entre si os direitos aduaneiros e as outras regulamentações comerciais restritivas, em relação ao essencial do intercâmbio comercial dos produtos originários dos territórios constitutivos da referida zona de livre comércio". Assim, para que um acordo de preferências comerciais seja considerado como uma zona de livre comércio, deverá incluir a maior parte do comércio entre os Estados que dela participam, mantendo cada um a liberdade para realizar acordos com terceiros países.

Essa definição deixa lacunas, como a ausência de precisão acerca do que se deve entender por "essencial do intercâmbio comercial [07]". A tendência tem sido a de interpretar o termo "essencial" como constituindo pelo menos 85% do intercâmbio comercial. No entanto, há que se salientar que, em alguns casos, a exclusão de 1% do comércio basta para que o "essencial" do protecionismo seja mantido, uma vez que este opera, em geral, seletivamente, e não generalizadamente. Assim, os 15% deixados de fora podem constituir um rombo de enormes proporções [08].

Nas palavras de Samuel Pinheiro Guimarães, "uma zona de livre comércio simples é um acordo internacional em que os Estados eliminam, em um determinado prazo e de acordo com o cronograma negociado entre si, todos os obstáculos tarifários e não-tarifários ao comércio recíproco de todos os bens, enquanto mantêm em relação aos demais Estados, que não fazem parte do acordo, as suas respectivas tarifas aduaneiras nacionais [09]".

Além disto, este autor observa que seria correto entender no conceito de zona de livre comércio a inclusão dos produtos agrícolas e que, dessa forma, o disposto no Acordo de Agricultura da OMC deveria ser respeitado, principalmente devido à importância do comércio de bens agrícolas para determinados países. Em seu entender, "limitar uma área de livre comércio a bens industriais em casos de fortíssima assimetria na composição da pauta de exportação dos diversos participantes, como ocorre nas Américas, seria profundamente desigual e desfavorável aos países que dependem principalmente ou de forma importante das suas exportações de bens agrícolas [10]".

Por sua vez, a união aduaneira ocorre sempre que um só território aduaneiro substitui dois ou mais territórios, unificando-os e estabelecendo um mesmo regime aduaneiro para todo o conjunto. Neste caso, além da liberalização do essencial do comércio entre os países participantes, institui-se uma "tarifa externa comum". A união aduaneira consiste em projeto mais ambicioso que a zona de livre comércio, motivo pelo qual vislumbra também a integração política. Possui uma personalidade aduaneira única, ao contrário da zona de livre comércio, em que os países mantêm suas competências comerciais externas. Conseqüentemente, nesse último caso a liberalização do comércio incidirá tão somente sobre os produtos originários da zona, que serão determinados por meio de regras de origem baseadas no grau de transformação dos produtos. Em razão de sua proteção tarifária externa comum, os membros de uma união aduaneira deverão conferir o benefício da livre circulação a todos os produtos, seja qual for sua origem, local ou não.

No entanto, uniões aduaneiras e zonas de livre comércio partilham de um objetivo comum fundamental, que consiste na eliminação das barreiras tarifárias e não tarifárias que incidem sobre o "essencial" de seu intercâmbio comercial. O parágrafo 4 do Artigo XXIV estabelece que podem ser formadas uniões aduaneiras e zonas de livre comércio desde que, no todo, os direitos aduaneiros não sejam mais elevados, nem os outros regulamentos comerciais sejam mais restritivos do que os aplicados pelos membros antes da formação da união aduaneira ou da zona de livre comércio. Em outras palavras, o propósito das uniões aduaneiras e das zonas de livre comércio deve ser o de facilitar o comércio entre seus partícipes, e não construir barreiras comerciais em relação aos demais países. Por sua vez, o parágrafo 8 do mesmo dispositivo dispõe que para serem consideradas como tais, as uniões aduaneiras ou áreas de livre comércio deverão implicar eliminação substantiva dos direitos aduaneiros e dos outros regulamentos comerciais para a parcela mais significativa do comércio entre os países membros.

Os países em desenvolvimento desfrutam de regras mais flexíveis para os acordos de integração regional celebrados entre si, em virtude da Cláusula de Habilitação. Trata-se de uma cláusula adotada pelo GATT em 1969, que confere aos países em desenvolvimento o direito de manter acordos que não se conformam totalmente às exigências do artigo XXIV, como por exemplo, o direito a prazos mais longos para abolir as restrições comerciais.

O Artigo XXIV, como boa parte das normas do direito internacional, não é norma rigidamente tipificadora de condutas, como são as normas do direito penal, mas sim constituem padrão jurídico a ser seguido. Visa avaliar, em circunstâncias de especificidade variada, se os membros estão se conduzindo, no âmbito de um acordo regional determinado, segundo critérios multilateralmente controlados.

No que diz respeito ao processo de integração regional atualmente em negociação no continente americano, vale observar que a ALCA terá de ser compatível com as regras previstas pelo GATT de 1947, pelo GATT de 1994, pelo Acordo de Agricultura e pelo GATS (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços). Os Estados Unidos desejam que a ALCA, a exemplo do NAFTA, inclua normas sobre acesso a mercados, compras governamentais, investimentos e capital, serviços, propriedade intelectual (o que inclui patentes), meio-ambiente, trabalho, entre outros. Assim, o eventual acordo da ALCA terá de ser compatível com as normas da OMC sobre estes temas. Essas normas se encontram consagradas em acordos, a maioria dos quais o Brasil faz parte, tais como o TRIMS (Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio) e o TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), e em normas sobre anti-dumping e subsídios. Tal não ocorre com o acordo de compras governamentais, tema sobre o qual o Mercosul vem legislando, prevendo inclusive uma preferência interna. Já os assuntos relacionados ao meio-ambiente (cláusula ambiental) e trabalho (cláusula social) que os Estados Unidos desejam fazer incluir na Alca não foram regulados até o momento no âmbito da OMC.

Resta observar que a instituição de acordos de integração regional vai de encontro ao princípio cardinal do comércio internacional, o princípio da nação mais favorecida, por serem aqueles acordos por essência discriminatórios. O Artigo XXIV traz uma exceção restrita aos dispositivos da Parte I do GATT, ou seja, os Artigos I e II. Por conseguinte, todos os demais dispositivos permanecem sendo aplicáveis aos participantes de tais acordos. Diante da proliferação das integrações econômicas regionais vemos que a exceção virou regra, e que o comércio internacional regido pela cláusula de nação mais favorecida é hoje minoritário e não representa mais que um terço do comércio mundial. Nos dias atuais, quase todos os membros da OMC notificaram a participação em pelo menos um acordo de integração regional, enquanto alguns Estados notificaram a participação em mais de 20 acordos. De 1948 a 1994, o GATT recebeu 124 notificações do tipo, relativas ao comércio de bens. Desde a criação da OMC, em 1995, mais de 130 acordos abrangendo o comércio de bens ou de serviços foram notificados. Hoje, existem 170 acordos em vigor, embora se estime que 70 acordos estejam operantes, embora não tenham sido notificados. Por outro lado, estima-se ainda que no final de 2005, se os acordos de livre comércio planejados ou em negociação forem concluídos, o número total de acordos do gênero será de aproximadamente 300 [11].


3. Considerações sobre o regionalismo

No período que compreende o século XV ao século XVIII, os países ocidentais praticavam o mercantilismo, em que o objetivo era exportar o máximo e importar o mínimo, visando acumular saldos para a aquisição de metais preciosos, ouro e prata. A idéia era de que a riqueza de um país era medida pelo volume daqueles metais.

A revolução industrial levou à Grã-Bretanha a adotar o livre comércio, embasada teoricamente pelas doutrinas de Adam Smith e David Ricardo que pregavam a importância da tese das vantagens comparativas para o alcance do bem-estar generalizado, desde que todos os países abolissem as barreiras e adotassem a liberdade comercial. Inicialmente, os países ocidentais, incluindo os recém-independentes Estados Unidos, atrasados com relação à Inglaterra, tomaram a teoria com certo ceticismo, apenas mudando de orientação progressivamente. No início do século XIX, cada Estado empenhava esforços para obter a outorga da cláusula da nação mais favorecida, até que a cláusula passou de bilateral a multilateral, hoje institucionalizada na Organização Mundial de Comércio.

O ideal de abolição completa e definitiva de todas as barreiras comerciais, com o intuito de integrar todos os países num mercado sem discriminações não é exeqüível a curto prazo. Por conseguinte, admite-se a existência de prazos especiais, que permite a certos países a concessão de um tratamento mais favorável, sem que o mesmo seja estendido aos demais, enquanto exceção à regra geral. Essa exceção, todavia, só se justificará se tiver o intuito de avançar na busca da liberdade comercial mais do que os outros.

Os Estados Unidos foram, durante muito tempo, hostis aos acordos de livre comércio e de união aduaneira, por serem discriminatórios e por dificultarem a construção de um sistema multilateral mais livre. Foi apenas em decorrência de motivos políticos, relacionados à necessidade de conter o expansionismo soviético durante a Guerra Fria, que aquele país aceitou o Tratado de Roma de 1957, constitutivo do Mercado Comum Europeu, então com seis membros (Alemanha Ocidental, França, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo) [12]. Somente em 1985 os Estados Unidos assinaram um acordo bilateral de livre-comércio com Israel. Ao longo da Rodada Uruguai, lançada em 1986 com conclusão prevista para 1990, os Estados Unidos afastaram-se gradualmente da defesa intransigente do multilateralismo, ao perceberem que em muitas áreas os progressos seriam mais rápidos com menor número de participantes, com maior afinidade e comunidade de interesse. O passo seguinte foi a conclusão de um acordo de livre comércio com o Canadá, vigente desde 1988 e, em seguida, a negociação do Nafta com o Canadá e o México, em vigor desde 1994, prosseguindo com a celebração de outros acordos bilaterais, e finalmente culminando com o lançamento de uma Área de Livre Comércio das Américas, em dezembro de 1994.

O fator que mais contribuiu para o regionalismo foi o sucesso do Mercado Comum Europeu, hoje União Européia, que inicialmente contava com seis membros, e que desde 1º de maio de 2004 passou a somar vinte e cinco integrantes. A UE mantém acordos de livre-comércio com nações do Mediterrâneo, do norte da África, do Oriente Médio. Mais de 70 nações da África, do Caribe e do Pacífico (as "ACP"), na maioria ex-colônias européias, pertencem ao acordo de comércio e cooperação firmado em Cotonou com a UE.

Examinando-se os dados da OMC, conclui-se que a tendência para celebrar acordos regionais mais que triplicou nos últimos dez anos.

Os Estados Unidos assinaram acordos com Israel, Canadá, o NAFTA, a Jordânia, o Chile, propuseram a ALCA iniciaram negociações com Cingapura, Austrália, os países-membros do acordo da África meridional e as nações da América Central [13].

Há uma tese que acredita na provável emergência de três grandes blocos comerciais no mundo. O primeiro, em torno da UE, o segundo formado pelas economias asiáticas, e um terceiro pan-americano, integrando todo o hemisfério ocidental, usando o dólar como moeda, e que se constituiria a partir da ALCA [14]. Por motivos geopolíticos, o destino do Brasil seria o terceiro bloco, comandado pelos Estados Unidos, e a participação na ALCA, o primeiro grande passo nessa direção.

Os partidários dessa tese, que se consideram realistas, vêem a ALCA como algo inevitável, e crêem que a hegemonia norte-americana acabará por alinhar todos os países do hemisfério numa zona de livre comércio, sendo que nenhum país poderia dela ficar de fora, pois acabaria isolado e discriminado tanto no mercado dos Estados Unidos quanto nos mercados dos demais participantes [15]. Paulo Nogueira Batista Jr. observa que "em países como o Brasil, propostas duvidosas, às vezes claramente nocivas, mas que atendem aos interesses de forças hegemônicas no plano internacional, logo adquirem o status de "inevitáveis" ou "inexoráveis"" [16].


4. Tendências atuais dos acordos de integração econômica regional

Além da proliferação de acordos regionais ou bilaterais de livre-comércio, há duas inovações. A primeira diz respeito ao rápido aumento do número de acordos que reúnem países desenvolvidos e países em desenvolvimento, já que até a década de 1980, a maioria dos acordos envolvia nações homogêneas (Mercado Comum Europeu, ALALC, ALADI, MERCOSUL) [17].

Quando o então Mercado Comum Europeu decidiu incorporar países mais atrasados, como a Espanha, a Irlanda, a Grécia e Portugal, houve significativa ajuda financeira às regiões mais pobres, generalizando-se as transferências que já existiam para zonas como o sul da Itália. No momento das negociações do NAFTA, o México invocou aquele exemplo, mas os Estados Unidos se recusaram a fornecer qualquer modalidade de ajuda, inclusive a criação de um banco ou fundo para financiar obras de infra-estrutura, no modelo do BID, insistindo que o acordo deveria ater-se exclusivamente aos aspectos comerciais e que os eventuais benefícios teriam de derivar do comércio, não da ajuda [18].

Nesses aspectos, a ALCA seguiria o modelo do NAFTA. Presume-se que uma eventual unificação monetária do continente se daria, caso a caso, por adesão unilateral dos demais países ao dólar dos Estados Unidos, como ocorreu com o Equador em 2000 e com El Salvador em 2001 [19].

A segunda inovação diz respeito à abrangência dos novos acordos de livre comércio. Contradizendo o exclusivismo comercial, a proposta da ALCA estende-se muito além do comércio, abrangendo diversos setores, como serviços, investimentos e outros temas, até pouco tempo atrás pertencentes à soberania de cada Estado. O NAFTA, por exemplo, é uma área de livre comércio que abrange os investimentos internacionais e os serviços. Seus dispositivos relativos a investimentos já influenciaram outros acordos, e a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) já explicitou que a inclusão de questões relativas ao investimento nas áreas de livre comércio pode ser considerada como uma tendência atual [20]. A Minuta de Acordo da ALCA [21] propõe um Capítulo XVII sobre Investimentos.

Observa Rubens Ricupero que "progressivamente, estreita-se a margem da liberdade dos governos na escolha de políticas de desenvolvimento, proibindo-lhes o recurso a soluções largamente utilizadas pelos ricos quando se encontravam em estágio mais atrasado e aplicadas até poucos anos atrás (com êxito) por nações como o Japão e a Coréia do Sul. Nesse sentido, acordos verdadeiramente restritos aos aspectos comerciais são, em geral, apenas os concluídos entre os países em desenvolvimento. O MERCOSUL, apesar de toda a sua ambição, quase nem alcança a área de serviços, que é usualmente a primeira a ser incorporada quando se expandem as fronteiras do sistema comercial. A proposta da ALCA contém tanto ou mais sobre áreas apenas indiretamente vinculadas ao comércio do que sobre o intercâmbio comercial propriamente dito [22]".

No entender de Paulo Nogueira Batista Jr, carecem de fundamento as suposições de que estaria em curso uma tendência à formação de três grandes blocos econômicos regionais e que ao Brasil caberia escolher entre a marginalização [23] e a adesão a um bloco pan-americano, comandado pelos Estados Unidos, uma vez que não há movimento no sentido de constituir um bloco asiático. Por outro lado, duvida que um bloco pan-americano possa se formar com a exclusão do Brasil, país que responde por 42% da população e 50% do PIB da ALCA excluindo o NAFTA [24].

O autor acrescenta que esse argumento explora uma vulnerabilidade característica da psicologia brasileira, o pânico de ficar isolado. No entanto, o Brasil não tem qualquer obrigação internacional de participar de zonas de livre comércio com os Estados Unidos ou a União Européia. Segundo seu entendimento, perde-se de vista que, entre os extremos da subordinação e do isolamento, há outras possibilidades a explorar, como a ampliação das exportações brasileiras para esses e outros mercados, já que a expansão do comércio internacional não pressupõe o livre comércio. Nesse sentido, observa que as três maiores potências do planeta, Estados Unidos, União Européia e Japão, embora mantenham intenso relacionamento comercial, nunca tiveram e nem pretendem ter acordos de livre comércio entre si. Por fim, argumenta que os países que poderiam concorrer mais com o Brasil - Canadá e México - já fazem parte do NAFTA e que, portanto, a criação da ALCA não modificaria sua posição competitiva. Acrescenta que os países do continente têm, em geral, economias bem menores, menos desenvolvidas e menos diversificadas do que a brasileira [25].

No que diz respeito ao receio de que uma ALCA sem o Brasil nos levaria à perda de mercados sul-americanos para exportações norte-americanas, o autor argumenta que o governo brasileiro sempre teria a opção de negociar acordos de livre comércio com países vizinhos, sem ter que assinar um acordo desse tipo com os Estados Unidos. Isso porquê para os países sul-americanos, a economia brasileira constitui mercado muito importante, às vezes mais importante do que o norte-americano, sendo que nenhum desses países teria interesse em se isolar do Brasil [26].

Por outro lado, a formação, em outubro de 2003, de um grupo que defende a chamada "ALCA Light" desafia o argumento do suposto isolamento do Brasil. Esse grupo contou com o apoio dos países da Comunidade Caribenha (CARICOM), que são em número de 15, da Venezuela e de dois dos três sócios brasileiros no MERCOSUL (Argentina e Paraguai). Trata-se de 19 países de um total de 34, constituindo a maioria. No que diz respeito aos rumores acerca de divergências no MERCOSUL, em virtude de um documento uruguaio a favor de uma ALCA abrangente, é necessário ter o cuidado de lê-lo. O texto uruguaio cobra já no preâmbulo a eliminação dos subsídios à exportação de produtos agrícolas, enquanto os Estados Unidos preferem discutir agricultura na OMC. Também foi o Presidente uruguaio, Jorge Battle, o primeiro a propor o formato "4+1" para as negociações do MERCOSUL com aquele país. O 4+1 forma um dos três trilhos da proposta do Brasil-MERCOSUL para a ALCA.


5. A Criação de grupos estratégicos

No que diz respeito às estratégias imaginadas pelo Brasil nas negociações comerciais, há que se falar no "G20plus", um grupo que o Brasil construiu para tentar obter, na recém-fracassada Conferência Ministerial da OMC, em Cancún, a liberalização agrícola dos países desenvolvidos, no sentido de enfrentar uma proposta conjunta dos Estados Unidos e da União Européia, que mantêm uma política de subsídios agrícolas.

Como se sabe, a reunião terminou em fracasso devido a um impasse na hora em que eram discutidos os chamados "temas de Cingapura": serviços, investimentos, política de concorrência e compras governamentais. Trata-se de um pacote discutido em Cingapura, em 1996, na 1ª Conferência Ministerial da OMC. Na área de investimentos, os países desenvolvidos pretendem obter concessões amplas para proteção dos investimentos, a exemplo do que se tentou no finado Acordo Multilateral sobre Investimentos, negociado no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em Cancún, a União Européia insistiu em incluir na declaração final pelo menos dois desses temas, ao que se opuseram os países em desenvolvimento, e por diversas razões. Em tese, é perigosa a tentativa de criar legislações internacionais sobre investimentos, pois fatalmente acarretam a redução da margem de manobra das políticas nacionais de desenvolvimento. Após aceitar as propostas da Rodada Uruguai, reduzindo tarifas de bens manufaturados e adotando regras sobre patentes sem que nada fosse decidido quanto à liberalização do comércio agrícola, não cabe dessa vez aos países em desenvolvimento darem prosseguimento à agenda de globalização que interessa apenas aos países desenvolvidos. Na Rodada Uruguai, atuando de forma desordenada, os países em desenvolvimento acabaram por ratificar acordos desequilibrados e assimétricos que os levaram a abrir as suas frágeis economias para os produtos e serviços dos países desenvolvidos sem que, entretanto, tivessem obtido contrapartidas nas áreas em que possuíam maior competitividade, como agricultura e têxteis. A agricultura deve estar à frente dos temas de Cingapura que, para alguns, foram utilizados em Cancún justamente para desviar o debate em torno da questão agrícola. É preciso evitar a consolidação, por mais algumas décadas, do protecionismo da agricultura e da injusta ordem comercial global.

Há que se ressaltar, porém, as limitações da estratégia brasileira de criação de grupos. Na OMC, fórum de quase 150 Estados, o poder dos Estados Unidos e da Europa é diluído pelo volume e diversidade dos outros membros, bem como pela presença de um número razoável de atores de tamanho médio, como o Brasil, dispostos a promover seus legítimos interesses, se necessário, em oposição aos grandes. Na ALCA, ao contrário, trata-se de área geográfica de direta influência dos Estados Unidos, para onde quase todos os países latino-americanos destinam entre 40% e 88% de suas exportações. Observa Rubens Ricupero que "contra essa realidade econômica concreta, é de valor limitado a capacidade diplomática de articular aliança como a do G20. Outro fator complicador adicional é ser o Brasil talvez o único exemplo, na América Latina, de nação continental como a China e a Índia ou, em menor escala, a África do sul. Gigante pela própria natureza não é apenas expressão retórica do hino, mas que traz conseqüências práticas. O jogo na ALCA é diferente do de Cancún e muito mais duro [27]".

O "G20plus", em seguida, passou a ser chamado de "G-X" ou "G-variável", segundo Celso Amorim [28]. Isso porque os Estados Unidos estariam usando como armas, para desintegrar o grupo, a assistência financeira e os acordos bilaterais de livre comércio. Nas negociações da ALCA, estão presentes 12 dos membros do G-23, sem contar o Brasil: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru e Venezuela. A Colômbia, pressionada pelos Estados Unidos, deixou o grupo e anunciou apoio à proposta norte-americana de uma "ALCA abrangente". A Colômbia vai receber US$ 7,5 bilhões dos Estados Unidos (Plano Colômbia). Também Peru, Guatemala, Costa Rica e Uruguai deixaram o Grupo. México e Chile, por sua vez, estão defendendo uma "ALCA abrangente". Como já foi mencionado, o grupo não foi criado para a ALCA, mas para enfrentar uma proposta norte-americano-européia muito modesta em matéria de liberalização agrícola. Considerando-se que na ALCA também se discute a questão agrícola e o protecionismo dos Estados Unidos na área, seria quase natural que se reproduzisse em Miami a aliança que sacudiu Cancún.

O importante é que o Brasil afirme posições que estejam de acordo com o interesse nacional, mesmo que indo de encontro aos países poderosos. Novamente fazendo alusão a Rubens Ricupero, "as coalizões terão de ser variáveis, pois variam infinitamente os interesses. Haverá certamente pressões, ameaças, e alguns hão de capitular. Não importa. O que vale é continuar a utilizar, no limite, um dos recursos de poder que, embora intangível e não expressos em bombas ou porta-aviões, é dos mais escassos e valiosos nas relações internacionais: a capacidade diplomática... [29]".


6. Evolução da integração continental americana: de Bolívar à Cúpula de Miami, em 2003

O ideal de integração regional na América Latina nasceu com os processos de independência, e perseguia objetivos muito mais ambiciosos do que a simples integração econômica. O primeiro inspirador da integração latino-americana tem sido considerado o general venezuelano Simon Bolívar, ainda que seu projeto fosse mais político e cultural do que econômico.

A "Carta da Jamaica" ou Carta Profética, escrita em 6 de setembro de 1815, no mesmo ano que o Congresso de Viena, é um dos primeiros manuscritos a delimitar o pensamento político de Simón Bolívar em relação aos caminhos políticos da América Hispânica. Nesse documento, Bolívar expressou seu desejo de criar três federações no continente, uma entre o México e a América Central, uma no norte e uma no sul da América do Sul. Mais tarde, em 1826, Simão Bolívar propôs no Congresso do Panamá a idéia de criar uma associação de Estados no hemisfério.

Em 1889, o secretário de Estado James Blaine, durante o governo democrata do Presidente Grover Cleveland, propôs uma "união aduaneira" que se estendesse "do Alasca à Patagônia". Na reunião que se realizou em Washington em 1889-90, os países americanos consideraram, em sua maioria, que a idéia era prematura. O Brasil, cuja primeira delegação teve de ser substituída devido à proclamação da República, não se destacou nas discussões. A oposição principal veio da Argentina, que era na época a economia mais próspera do continente após a dos Estados Unidos, uma vez que o Canadá ainda era um dominion da Coroa Britânica. A Argentina não tinha nenhum interesse numa união aduaneira com os Estados Unidos, já que as exportações argentinas - carne, trigo, lã - concorriam com as exportações norte-americanas e encontravam seu mercado principal na Grã-Bretanha. Assim, nada teria a ganhar em dar vantagens aos norte-americanos e impor uma barreira tarifária comum contra os britânicos.

Embora a proposta tivesse fracassado, a reunião foi marco importante na evolução do movimento pan-americano, que daria origem à União Internacional das Repúblicas Americanas. Em 1910, esta organização se converteu na União Pan-Americana, e em 1948, os participantes criaram a Organização dos Estados Americanos (OEA) [30].

Um século mais tarde, a idéia reapareceu em 1990, num discurso no qual o Presidente George Bush anunciava planos para uma zona de livre comércio (portanto não mais união aduaneira) "estendendo-se do porto de Anchorage (Alasca) à Terra do Fogo". Pouco tempo depois, assinava-se o tratado do NAFTA, semente dessa futura zona. Coube ao Presidente Bill Clinton lançar oficialmente a iniciativa na I Cúpula das Américas, em Miami, em dezembro de 1994. Em princípio, o projeto arrastou-se, pois no outono de 1997 o Congresso norte-americano negou ao presidente a autorização para negociar acordos comerciais em fast track (tramitação rápida) [31].

Apesar dessa recusa, as negociações começaram efetivamente a partir da II Cúpula das Américas, em Santiago do Chile, em abril de 1998. Em novembro de 1999, realizou-se a Reunião Ministerial do Comércio, em Toronto, e, em abril de 2001, a III Cúpula das Américas, em Quebec, ocasião em que os líderes aprovaram o calendário para a conclusão das negociações e a entrada em vigor do acordo. Em novembro de 2002, durante a Reunião Ministerial de Comércio em Quito, o Brasil e os Estados Unidos assumiram a co-presidência das negociações. Em julho de 2002, o governo do Presidente George W. Bush conseguiu finalmente obter o fast track, criando-se a expectativa de que o processo se aceleraria, a fim de cumprir o calendário, que prevê a conclusão das negociações para janeiro de 2005 e a entrada em vigor do acordo em dezembro daquele mesmo ano.

3.2 O Processo Preparatório da Alca (1994 – 1998) [32]

3.2.1 Cúpula das Américas, Miami, dezembro de 1994

O esforço para unir as economias dos países da América Latina em uma área de livre comércio iniciou-se com a Cúpula das Américas, realizada em dezembro de 1994 em Miami, Estados Unidos. Os Chefes de Estado e de Governo de 34 países da região decidiram criar a Alca, com o intuito de eliminar progressivamente as barreiras ao comércio e ao investimento. Nessa ocasião, ficou acordado que as negociações deveriam ser concluídas até o ano 2005. Ainda, incumbiram seus Ministros Responsáveis por Comércio de adotar uma série de medidas iniciais concretas com vistas à conformação da Alca. Suas decisões com relação a essas medidas constam da Declaração de Princípios e do Plano de Ação de Miami.

3.2.2 Reuniões Ministeriais realizadas entre 1994 e 1998: Denver - 1995, Cartagena - 1996, Belo Horizonte - 1997 e San José - 1998.

Durante a fase preparatória (1994-1998), os 34 Ministros Responsáveis por Comércio dos países do continente americano estabeleceram doze grupos de trabalho para identificar e examinar as medidas relacionadas com o comércio em suas respectivas áreas com vistas a definir os possíveis enfoques das negociações. Quatro reuniões ministeriais foram realizadas nesta fase preparatória: a primeira, em junho de 1995, em Denver, Estados Unidos; a segunda, em março de 1996, em Cartagena, Colômbia; a terceira, em maio de 1997, em Belo Horizonte, Brasil; e a quarta, em março de 1998, em São José, Costa Rica.

3.2.3 Quarta Reunião Ministerial, em San José, março de 1998, e adoção de princípios problemáticos para o Brasil

Na Quarta Reunião Ministerial, realizada em San José da Costa Rica, os Ministros de Comércio criaram os nove grupos negociadores e adotaram os princípios gerais que serviriam para orientar o processo negociador, consubstanciados na Declaração Conjunta de San José da Costa Rica, de 19 de março de 1998. Entre os principais princípios-chave e seus respectivos significados, estão os seguintes [33]:

- "As decisões no processo negociador serão tomadas por consenso [34]". Na opinião de Rubens Ricupero, não está claro se a Alca poderá ser constituída se um ou mais países recusarem o resultado final, sendo provável que a zona de livre comércio seja formada pelos que aceitem o acordo, caso não sejam expressivas nem muito numerosas as recusas [35];

- "O Acordo da Alca será congruente com as regras e disciplinas da OMC. Para tanto, os países participantes reiteram seu compromisso com as regras e disciplinas multilaterais, em particular com o Artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) de 1994 e seu Entendimento da Rodada Uruguai e com o Artigo V do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) [36]". "A Alca deverá incorporar melhoras às regras e disciplinas da OMC, quando possível e apropriado, tomando em conta todas as implicações dos direitos e obrigações dos países como membros da OMC [37]". Para Rubens Ricupero, é provável que a Alca tente estabelecer obrigações OMC-plus, ou seja, obrigações que vão além daquelas da OMC. Esse é o objetivo declarado dos Estados Unidos nas áreas que lhes são favoráveis - como propriedade intelectual, serviços e investimentos -, embora nos setores de dificuldade norte-americana - como agricultura, subsídios, antidumping, direitos compensatórios – não se poderá ultrapassar na Alca o limite das obrigações impostas pela OMC [38];

- "As negociações iniciar-se-ão simultaneamente em todas as áreas temáticas. O início, a condução e o resultado das negociações da Alca deverão ser tratados como partes de um empreendimento único ("single undertaking") que incorporará os direitos e obrigações mutuamente acordados [39]". Alerta Rubens Ricupero que esse princípio do "tudo ou nada" acarreta o perigo de repetição do ocorrido na Rodada Uruguai, quando os países em desenvolvimento fizeram concessões muito mais custosas em propriedade intelectual, investimento e outras áreas do que ganharam em agricultura ou têxteis [40];

- "A Alca poderá coexistir com acordos bilaterais e sub-regionais, na medida em que os direitos e obrigações assumidos ao amparo desses acordos não estejam cobertos pelos direitos e obrigações da Alca, ou os ultrapassem [41]". Em princípio, o Nafta, o Mercosul, o Grupo Andino e outros acordos não serão abolidos nem revogados pela Alca, embora esta tenha precedência nas áreas em que avance mais na liberalização das barreiras comerciais ou das normas de investimento [42];

- "Os países poderão negociar e aceitar as obrigações da Alca individualmente ou como membros de um grupo de integração sub-regional que negocie como uma unidade [43]", o que viabiliza a negociação por meio do Mercosul;

- "Dever-se-ia dar atenção especial às necessidades, condições econômicas (incluindo custos de transição e possíveis deslocamentos internos) e oportunidades das economias menores, com o objetivo de garantir sua plena participação no processo da Alca [44]". Rubens Ricupero observa que o problema do tratamento especial e diferenciado a ser concedido aos países menos avançados é um dos mais difíceis e frustrantes, quer no antigo Gatt, quer na União Européia, quer no Mercosul (entre a Argentina e o Brasil, de um lado, e o Uruguai e o Paraguai, do outro) [45]. Trata-se essencialmente de prazos mais longos.

- "Todos os países devem assegurar que suas leis, regulamentos e procedimentos administrativos estejam em conformidade com as suas obrigações assumidas no acordo da Alca [46]". O Brasil enfrenta um problema nesse ponto, devido à posição do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à recepção e hierarquia dos tratados no ordenamento jurídico brasileiro.

3.3 Avanços das negociações

3.3.1 Segunda Cúpula das Américas, Santiago, abril de 1998

As negociações da Alca foram oficialmente lançadas em abril de 1998 na Segunda Cúpula das Américas, em Santiago, Chile. Os Chefes de Estado e de Governo participantes desse evento estabeleceram que a Alca constituiria um compromisso único, e definiram a estrutura sob a qual seriam conduzidas as negociações.

3.3.2 Quinta Reunião Ministerial, Toronto, novembro de 1999

A Quinta Reunião Ministerial e a primeira desde o lançamento oficial das negociações, foi realizada em Toronto, Canadá, em novembro de 1999. Nessa reunião, os Ministros instruíram os Grupos de Negociação a preparar uma minuta dos respectivos capítulos a ser apresentada na Sexta Reunião Ministerial. Foi solicitado aos grupos responsáveis por acesso a mercados que discutissem as modalidades e procedimentos para as negociações nas suas respectivas áreas. Os Ministros também aprovaram várias medidas de facilitação de negócios designadas a propiciar o intercâmbio comercial no Hemisfério. Essas medidas, incluídas nos Anexos da Declaração Ministerial, concentraram-se nas áreas de procedimentos aduaneiros e maior transparência.

3.3.3 Sexta Reunião Ministerial, em Buenos Aires, abril de 2001

Na Sexta Reunião Ministerial, realizada em Buenos Aires em abril de 2001, uma série de decisões importantes foi tomada com relação às negociações sobre a Alca. Os Ministros receberam dos Grupos de Negociação a minuta do Acordo da Alca e, decidiram torná-la pública. Foi criado o Comitê Técnico de Assuntos Institucionais com o propósito de decidir sobre a estrutura geral do Acordo da Alca (aspectos gerais e institucionais). Os Ministros também destacaram a necessidade de promover o diálogo com a sociedade civil e determinaram ao Comitê de Representantes Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil que enviasse aos Grupos de Negociação as contribuições apresentadas pela sociedade civil em resposta ao Convite Público, no que se refere a seus temas respectivos, assim com aquelas relacionadas com o processo da Alca em geral. Os Ministros reiteraram a importância da prestação da assistência técnica às economias menores a fim de facilitar sua participação na Alca.

3.3.4 Terceira Cúpula das Américas, Cidade de Quebec, abril de 2001

A Terceira Cúpula das Américas foi realizada na Cidade de Québec, em abril de 2001. Nesse encontro, os Chefes de Estado e de Governo endossaram a decisão dos Ministros de tornar pública a minuta do Acordo da Alca nos quatro idiomas oficiais. O Acordo foi publicado na página eletrônica oficial da Alca em 3 de julho de 2001, em resposta a críticas de que faltava transparência ao processo de negociação. Não obstante, a negociação continua pouco transparente já que todo o texto está entre colchetes, não sendo possível saber que país ou países defendem ou estão em desacordo com determinado ponto [47].

Os colchetes são parênteses especiais que simbolizam, na linguagem diplomática, a inexistência de acordo sobre o conteúdo. Assim, a Minuta do Acordo da Alca é uma compilação ou colagem das diversas propostas feitas por países diferentes, às vezes em direta contradição umas com as outras [48]. Entretanto, é clara a inspiração principal da maioria das passagens no texto do Nafta.

Na segunda versão da minuta do futuro Acordo, apresentada na Sétima Conferência Ministerial de Quito, alguns colchetes foram eliminados, todavia, a maioria deles referia-se apenas a repetições inúteis, tendo sido mantidos praticamente todos os que expressam divergência sobre o conteúdo. A segunda versão parece uma cópia, melhorada na forma, da primeira, apresentada em Buenos Aires [49].

Observe-se que por estarem em negociação, esses documentos não representam compromisso jurídico, muito embora seja grande seu grau de detalhamento.

Além disso, foram fixados prazos para a conclusão e implementação do Acordo da Alca. As negociações do Acordo serão concluídas, o mais tardar, em janeiro de 2005 para buscar sua entrada em vigor o quanto antes, até, no máximo, dezembro de 2005.

A pedido dos Ministros Responsáveis por Comércio, as recomendações relativas aos métodos e modalidades para as negociações foram submetidas até 1º de abril de 2002, e as negociações sobre acesso a mercados se iniciaram em 15 de maio de 2002. Os princípios e diretrizes sobre essas negociações estão estabelecidos no documento "Métodos e Modalidades para a Negociação".

3.3.5 Obtenção do fast track: julho de 2002

Em julho de 2002, o Executivo norte-americano obteve do Congresso a autorização para negociar acordos comerciais, ou seja, a Trade Promotion Authority (TPA - Autorização para Promoção Comercial), nome oficial do fast track. Essa vitória da atual administração norte-americana pôs fim a um impasse de nove anos de duração, após difíceis negociações na Câmara de Representantes e no Senado, já que quase metade da Câmara ou não queria aprovar uma TPA, ou pretendia que a autorização fosse ainda mais restritiva e protecionista [50].

Esse instrumento conferiu ao Presidente Bush um mandato para negociar uma nova rodada na OMC, a Alca e alguns outros acordos comerciais. Ficou claro, todavia, que o Congresso dos Estados Unidos não permite que as negociações comerciais, mesmo na OMC, afetem a capacidade norte-americana de aplicar suas leis de defesa comercial. Estabelece que um dos objetivos da negociação é "preservar a capacidade dos Estados Unidos aplicarem rigorosamente suas leis comerciais, inclusive as leis antidumping, de direitos compensatórios e de salvaguardas, e evitar acordos que diminuam a efetividade de restrições nacionais e internacionais ao comércio injusto, especialmente dumping e subsídios [51]".

Por outro lado, a lista de objetivos vai muito além da eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias às exportações norte-americanas de mercadorias. Inclui não apenas temas como serviços, investimentos, propriedade intelectual, mas também questões ambientais e trabalhistas. Segundo a TPA, o propósito fundamental dos acordos comerciais é "maximizar oportunidades para os setores críticos e os blocos constitutivos da economia dos Estados Unidos, tais como tecnologia da informação, telecomunicações e outras tecnologias de ponta, indústrias básicas, bens de capital, equipamento médico, serviços, agricultura, tecnologia ambiental e propriedade intelectual", visando "preservar a força sem paralelo dos Estados Unidos em assuntos econômicos, políticos e militares [52]".

Para entender o fast track, é necessário lembrar que a Constituição dos Estados Unidos reservou ao Legislativo o poder de decidir sobre política comercial e negociações em geral, ao contrário do que acontece no Brasil. Essa prerrogativa foi preservada durante os 150 primeiros anos da existência do Estado, até que em 1934 o Presidente Franklin D. Roosevelt obteve do Congresso, pela primeira vez, a autorização para decidir sobre tarifas e acordos, como meio para combater a Grande Depressão, iniciada com a queda da Bolsa, em 1929. A partir de então, e ao longo de oito etapas sucessivas, a maioria das quais coincidentes com as rodadas do Gatt, as diversas administrações norte-americanas reduziram progressivamente as barreiras tarifárias, de uma média inicial acima de 50% a níveis inferiores a 5% [53].

As autorizações legislativas nunca constituem "carta branca", pois especificam um mandato negociador, com objetivos e limitações à margem de manobra do Executivo. Garantem, entretanto, que os acordos, uma vez concluídos, serão examinados em sua integridade, o Congresso apenas podendo aprová-los ou rejeitá-los, sem emendas nem alterações. Sem o fast track, os acordos comerciais negociados pelo Executivo ficam sujeitos a emendas votadas pelos parlamentares. Portanto, sem ele, nenhum país se dispõe a negociar seriamente com os Estados Unidos, já que se arrisca a pagar duplo preço, primeiro ao Executivo, depois ao Congresso [54].

Uma inovação da TPA foi a criação de uma cláusula cambial, segundo a qual o governo dos Estados Unidos deve procurar "estabelecer mecanismos consultivos entre os participantes de acordos comerciais para examinar as conseqüências comerciais de movimentos significativos e não-antecipados de moedas e investigar minuciosamente se um governo estrangeiro engajou-se num padrão de manipulação cambial para promover uma vantagem competitiva no comércio internacional [55]". Essa cláusula busca legitimar reações comerciais defensivas e novas investidas protecionistas em resposta a ganhos de competitividade produzidos por depreciações acentuadas das moedas de parceiros comerciais dos Estados Unidos [56].

Rubens Ricupero observa que as concessões feitas pelo Executivo para a obtenção do fast track complicarão as negociações não só da Alca, mas também da OMC e de outras de natureza bilateral, regional ou multilateral, uma vez que a TPA se aplica à totalidade das negociações [57]. Por outro lado, os negociadores serão monitorados em base permanente por uma série de comissões do Senado e da Câmara e também pelo recém-criado Congressional Oversight Group (Grupo de Monitoramento Parlamentar) [58].

Paulo Nogueira Batista Jr acrescenta que, do ponto de vista brasileiro, o resultado da TPA é a criação de novas dificuldades para a liberalização do comércio de produtos em que o Brasil é competitivo. No que diz respeito aos cerca de 350 produtos considerados "sensíveis às importações", a TPA obriga que o Executivo se submeta a mecanismos de consulta sempre que pretenda negociar a redução de barreiras à importação. Entre esses produtos "sensíveis", estão quase todos os que são prioritários para o Brasil. Os "sensíveis" agrícolas correspondem a 521 linhas tarifárias, equivalem a aproximadamente 20% das importações agrícolas dos Estados Unidos e incluem todos os produtos de interesse imediato do Brasil, como açúcar, etanol, carne, cítricos e tabaco [59]. Conclui o autor que pouco ou nada se pode esperar de positivo das negociações da Alca, já que um acordo só seria concluído se o Brasil se conformar com uma negociação desequilibrada [61].

3.3.6 Sétima Reunião Ministerial, em Quito, em novembro de 2002

Durante a Sétima Reunião Ministerial da Alca, realizada em 1º de novembro de 2002 em Quito, Equador, os Ministros confirmaram o calendário para o intercâmbio das ofertas iniciais de acesso a mercados, fixaram os prazos em que as novas minutas do Acordo da Alca deverão estar concluídas, orientaram algumas das entidades da Alca na solução de questões de suas negociações e disponibilizaram imediatamente a segunda minuta do Acordo da Alca na página eletrônica oficial da Alca, nos quatro idiomas oficiais. Como já foi dito, nessa segunda versão alguns colchetes foram eliminados, a maioria deles referindo-se apenas à repetições inúteis, tendo sido mantidos praticamente todos os que expressam divergência sobre o conteúdo. A segunda versão não é mais que uma cópia melhorada da primeira, apresentada em Buenos Aires. Trata-se de documento com dez capítulos e mais de 350 páginas.

Os Ministros também tornaram público o documento do Comitê de Negociações Comerciais sobre as Pautas ou Diretrizes para o Tratamento das Diferenças nos Níveis de Desenvolvimento e Tamanho das Economias. Os prazos do cronograma foram preservados.

Em Quito, os Ministros aprovaram o Programa de Cooperação Hemisférica (PCH), destinado a "desenvolver a capacidade dos países que buscam assistência para participar das negociações". O Comitê de Negociações Comerciais (CNC), apoiado pelo Grupo Consultivo sobre Economias Menores (CGEM), foi incumbido de supervisionar o PCH. Nesse contexto, os Ministros instruíram o CNC a facilitar, com o apoio do Comitê Tripartite, a realização de reuniões do GCEM, convidando funcionários envolvidos com as áreas de desenvolvimento e finanças, instituições financeiras internacionais, organismos internacionais e entidades privadas interessadas com a finalidade de analisar o financiamento e a implementação do PCH, e informasse as ações empreendidas nesse sentido à próxima reunião ministerial.

Os Ministros também confirmaram o calendário estabelecido pelo CNC para o intercâmbio das ofertas iniciais das negociações relacionadas com acesso a mercados entre 15 de dezembro de 2002 e 15 de fevereiro de 2003; para a revisão das ofertas e a apresentação de pedidos de melhoria das ofertas entre 16 de fevereiro e 15 de junho de 2003; e, para o início da apresentação das ofertas revisadas, a partir de 15 de julho de 2003, ao que se seguiriam as negociações ulteriores sobre as melhorias. Rubens Ricupero observa que um dos componentes mais relevantes para implicações práticas é a fixação dos prazos para o intercâmbio de ofertas nos 5 grupos de acesso a mercado (agricultura; acesso a mercados, querendo com isso referir-se a produtos industriais; serviços; compras governamentais; investimentos) [62].

O lançamento das negociações de acesso a mercados constitui, em princípio, um desenvolvimento expressivo. Seu significado real viu-se, contudo, consideravelmente diminuído pela maneira que se chegou à decisão. De fato, a fim de permitir que houvesse acordo sobre as datas de apresentação das ofertas iniciais, adiaram-se decisões fundamentais acerca da definição dos métodos e modalidades em todos os cinco grupos. Como era previsto, essa indefinição já levou à apresentação de ofertas de estrutura discrepantes e até incompatíveis, tornando difícil, ou mesmo impossível, avaliá-las e compará-las umas em relação às outras [63].

A Declaração Ministerial de Quito também instruiu os Grupos de Negociação no sentido de lograr consenso sobre o maior número possível de temas em cada uma das minutas de capítulo do Acordo da Alca e apresentar uma nova versão dos capítulos ao CNC, o mais tardar, até oito semanas da Reunião Ministerial de novembro de 2003.

Poucos meses após a aprovação da TPA, a Sétima Conferência Ministerial de Quito foi palco de tentativas do Canadá e da Costa Rica de antecipar o cronograma das negociações.

A fase final das negociações da Alca será conduzida sob a co-presidência do Brasil e dos Estados Unidos, devendo ser realizadas duas reuniões dos Ministros Responsáveis por Comércio. A primeira foi realizado em novembro de 2003, em Miami, Estados Unidos, e outra está prevista para 2004, no Brasil.

3.3.7 Oitava Reunião Ministerial, Miami, novembro de 2003

Em 20 de novembro de 2003, foi adotada a Declaração Ministerial de Miami, e em 21 de novembro de 2003, foi divulgada a Terceira Minuta do Acordo da Alca.

3.4 Estrutura e Organização das Negociações

As negociações da Alca são conduzidas sob uma estrutura que visa assegurar a representação geográfica dos países participantes, prevendo o rodízio da Presidência do Processo, do local das negociações e da Presidência e Vice-Presidência dos vários grupos de negociação e outros comitês e grupos.

A Presidência das Negociações é exercida por rodízio realizado aproximadamente a cada 18 meses ou no momento da conclusão de uma reunião ministerial. Os seguintes países foram designados para exercer a Presidência e a Vice-Presidência do processo da Alca por períodos sucessivos durante as negociações:

 Presidência das Negociações

 

 

Presidente

Vice-Presidente

 

 1º de maio de 1998 a 31 de outubro de 1999

Canadá

 Argentina

 1º de novembro de 1999 a 30 de abril de 2001

Argentina

Equador

 

 1º de maio de 2001 a 31 de outubro de 2002

Equador

Chile

 

 

Co-Presidentes

 1º de novembro de 2002 até o final das negociações

Brasil e Estados Unidos

Os Ministros Responsáveis por Comércio exercem a supervisão e o gerenciamento das negociações. Eles geralmente se reúnem a cada 18 meses e, desde o lançamento das negociações, o fazem no país que detém a Presidência da Alca na época das reuniões.

Os Vice-Ministros Responsáveis por Comércio, representantes do Comitê de Negociações Comerciais (CNC), gerenciam as negociações da Alca. O CNC orienta o trabalho dos Grupos de Negociação e dos demais grupos e comitês e decide sobre a estrutura geral do Acordo e sobre questões institucionais. O CNC também é responsável por assegurar a plena participação de todos os países, garantindo a transparência nas negociações e supervisionando a Secretaria Administrativa e a identificação e implementação das medidas de facilitação de negócios. O Comitê reúne-se sempre que necessário, pelo menos duas vezes ao ano, em locais alternados de todo o Hemisfério.

As negociações da Alca desenrolam-se em nove grupos, sob a autoridade de um Comitê de Negociações Comerciais (CNC), composto de vice-ministros.

Foram criados nove Grupos de Negociação da Alca nas seguintes áreas: Acesso a Mercados; Procedimentos Aduaneiros e Regras de Origem; Investimento; Normas e Barreiras Técnicas ao Comércio; Medidas Sanitárias e Fitossanitárias; Subsídios, Antidumping e Direitos Compensatórios; Economias Menores; Compras Governamentais; Direitos da Propriedade Intelectual; Serviços; Política de Concorrência e Solução de Controvérsias [64].

Os Grupos de Negociação recebem mandatos específicos dos Ministros e do CNC para negociar os textos nas suas áreas específicas e reúnem-se regularmente durante o ano.

Três comissões e grupos tratam de questões horizontais relacionadas às negociações, quais sejam: o Grupo Consultivo sobre Economias Menores, o Comitê de Representantes Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil e o Comitê Conjunto de Especialistas Governamentais e do Setor Privado em Comércio Eletrônico.

Já foram realizadas mais de 150 reuniões negociadoras.

Além desses, foi criado o Comitê Técnico de Assuntos Institucionais para decidir sobre a estrutura geral do Acordo da Alca (aspectos gerais e institucionais). Finalmente, foi estabelecido um grupo ad hoc de especialistas para informar o CNC sobre a implementação das medidas de facilitação de negócios referentes a assuntos aduaneiros acordadas em Toronto.

No que diz respeito ao apoio técnico e analítico, um Comitê Tripartite é constituído pelas seguintes instituições: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Organização dos Estados Americanos (OEA); Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Esse Comitê Tripartite proporciona apoio analítico, técnico e financeiro ao processo e mantém a página eletrônica oficial da Alca. Cada uma das instituições do Comitê Tripartite também atende às solicitações de assistência técnica relacionadas com assuntos da Alca, especialmente das economias menores do Hemisfério.

Quanto ao apoio administrativo e logístico das negociações, fica a cargo da Secretaria Administrativa da Alca, sediada no mesmo local das reuniões dos Grupos de Negociação. Ela controla o arquivo oficial das negociações e fornece serviços de tradução e interpretação. A Secretaria é financiada por uma combinação de recursos locais e das instituições do Comitê Tripartite.

O foro das negociações também foi estabelecido em caráter rotativo. Três países foram designados como sede das negociações, a saber: de maio de 1998 a fevereiro de 2001 os Estados Unidos (Miami); de março de 2001 a fevereiro de 2003 o Panamá (Cidade do Panamá); e de março de 2003 até o final das negociações o México (Puebla).

3.5 Formato das Negociações

Quando a idéia da Alca começou a ser discutida, falava-se da existência de dois formatos possíveis para as negociações. O primeiro mais democrático e relativamente igualitário, seria os 34 países do hemisfério negociarem uma moldura de regras comuns e não-discriminatórias. O outro, também chamado de "modelo do eixo e dos raios", consistiria em que os Estados Unidos (o eixo) tomariam a iniciativa de propor acordos distintos a outros países ou grupos de países (os raios), em seqüência, de modo a arrancar o máximo de concessões de cada um, sob a ameaça de isolar os recalcitrantes [65].

As negociações se iniciaram sob o primeiro formato e assim permanecem em seu essencial. Entretanto, a resistência principalmente brasileira, e o aumento da autoconfiança oriunda da aprovação da TPA têm levado os Estados Unidos a tentarem bilateralizar as iniciativas, como prova o acordo com o Chile, o início das negociações com a América Central e a renovação dos esquemas de tratamentos preferenciais já existentes, como os que favorecem os caribenhos e os andinos. O objetivo é pressionar os resistentes a aceitar as exigências norte-americanas em propriedade intelectual, investimentos, compras governamentais, etc. Trata-se de aproveitar o market power para discriminar os prováveis parceiros, premiando uns, castigando outros [66].

Se prevalecer a bilateralização da Alca pretendida pelos norte-americanos, será um emaranhado de acordos discriminatórios impossíveis de destrinchar. O Brasil e o Mercosul serão os maiores perdedores. Foram deixados à categoria mais baixa pelos Estados Unidos, e sofrerão discriminação com relação a todos os demais participantes.

Em fevereiro, em vez de apresentarem uma lista única de reduções tarifárias válidas para todos, os Estados Unidos dividiram em quatro sua oferta. Favoreceram em primeiro lugar o Caribe, mais em teoria do que na prática, pois a região tem a menor possibilidade de aproveitar a oferta, devido ao subdesenvolvimento da estrutura produtiva. Em seguida, foi diminuindo os oferecimentos, em quantidade e qualidade, à América Central, aos andinos e ao Mercosul, de acordo com o sábio princípio de "só dar bife suculento a quem não tem dentes [67]".

A justificativa norte-americana reside no favorecimento das "economias menores", utilizando a linguagem da Alca. De fato, as Reuniões Ministeriais da Alca recomendaram que se estendesse tratamento favorecido aos frágeis e pequenos. No entanto, é necessário ter o cuidado de definir quais são essas "economias menores". Pelo critério utilizado pelos Estados Unidos, privilegia-se a Colômbia, uma das economias maiores e de desempenho mais constante e positivo do continente, em detrimento do Paraguai, muito menos desenvolvido e sem acesso ao mar.

As concessões feitas ao Chile no acordo bilateral já negociado são superiores às oferecidas à Bolívia, às desfrutadas pelo México no Nafta, incomparavelmente melhores do que as do Equador.

Se interpretado dessa forma, o argumento da diferenciação obrigaria a adoção de regras comerciais distintas para cada um dos países do mundo, uma vez que não existem dois iguais. Tal atitude equivaleria à negação do sistema comercial multilateral baseado na cláusula de nação mais favorecida, pela qual toda concessão feita por uma nação à outra qualquer automaticamente se generaliza a todas as demais. Em outras palavras, trata-se da multilateralização das concessões bilaterais, de onde a referência a um "sistema multilateral de comércio".

Nesse sistema, só admite-se tratamento preferencial, não-extensível a terceiros e portanto discriminatório, no caso dos acordos de livre comércio, onde a exceção se justifica porque os participantes comprometem-se a liberar por completo o comércio entre si em ritmo mais rápido que os demais. Na versão dos Estados Unidos, cria-se um acordo de geometria variável com seis velocidades diferentes para a redução das barreiras ao comércio: as quatro categorias mencionadas, mais a do Nafta e a do acordo com o Chile. Ou seja, em nome da abolição das barreiras existentes, criam-se ou confirmam-se barreiras que não existiam antes – as preferências discriminatórias a certos parceiros, criando obstáculos novos, quando o objetivo do acordo deveria ser justamente acabar com todos os obstáculos [68].

No momento em que os britânicos abandonaram um século de livre-cambismo e adotaram em 1933 preferências para seus domínios, elas foram chamadas de "preferências imperiais". É essa característica que distingue, desde então, a política comercial da Europa, de favorecimento às suas ex-colônias. A mesma inspiração está na proposta norte-americana. Trata-se de favorecer alguns, que quase não aproveitarão dos benefícios, como caribenhos e africanos, e prejudicar os parceiros do Brasil no Mercosul, que sentem-se atraídos pela tentação da recompensa. Para os Estados Unidos, trata-se de transferir ou desviar, ao novo beneficiário, corrente de comércio que, em condições normais favorecia, por exemplo, o Brasil. Portanto, não se trata de sacrificar uma parcela de mercado antes abastecida internamente.

Além do problema da agricultura, das medidas antidumping e dos picos tarifários, que de certa forma são compreensíveis por corresponderem a interesses concretos de setores dos norte-americanos, a tática atual é mais perigosa, pois se destina a isolar e a prejudicar o Brasil.

Existem apenas duas razões capazes de atrair um país numa negociação comercial: ganhar mais acesso a mercado ou, na pior hipótese, evitar perder a possibilidade de concorrer com outros em igualdade de condições. Portanto, é injustificável que o Brasil aceite acordo no qual não apenas não ganhe como seja ainda obrigado a perder.


4. Análise da Alca como acordo comercial

4.1 Fonte inspiradora: Nafta

A Iniciativa para as Américas foi concebida pelos Estados Unidos e inspirada no Nafta, que trouxe enormes vantagens comerciais aos agentes comerciais, industriais e agrícolas norte-americanos, bem como uma extraordinária dependência econômica, financeira e política do México àquele país [69]. Após a celebração do Nafta, as exportações norte-americanas cresceram 50% e o volume de comércio externo mexicano com os Estados Unidos aumentou de 72%, em 1994, para aproximadamente, 91%, nos dias atuais. Provedores norte-americanos dominaram o mercado de serviços mexicano, inclusive no setor financeiro, que foi quase que totalmente desnacionalizado. As barreiras horizontais existentes e mantidas nos Estados Unidos para os prestadores de serviços mexicanos, sujeitos a cotas, impediram uma escala internacional para estes, que sucumbiram à competição desigual e predatória [70].

No setor agrícola, os mexicanos não negociaram a eliminação dos subsídios norte-americanos, perdendo sua competitividade para os produtos subsidiados baratos vindos deste país. Na área industrial, o México especializou-se na manufatura de itens de baixo valor agregado. Conseqüentemente, os salários industriais mexicanos reduziram-se expressivamente e o país tornou-se um exportador de miséria, tanto na forma de produtos maquilados, como na triste emigração econômica [71].

4.2 Desequilíbrio e heterogeneidade dos países negociadores

A primeira crítica que se faz à Alca de um ponto de vista estritamente comercial é sua extrema heterogeneidade e desequilíbrio, já que pretende abranger 34 países do continente americano, exceto Cuba, passando pela maior potência econômica do mundo, os Estados Unidos, a um dos países mais pobres do planeta, o Haiti [72]. Um dos maiores obstáculos ao avanço das negociações tem sido justamente a exigência das "pequenas economias" de um tratamento especial e diferenciado, que ainda não foi definido.

O Brasil é extremamente sensível a acordos desiguais. Para entender a suscetibilidade brasileira nessa matéria, é necessário lembrar a experiência histórica negativa que dominou o período pré e pós-Independência, com a imposição pela Inglaterra do Tratado de Comércio e Navegação e do Tratado de Amizade e Aliança de 1810, denominados de "tratados desiguais". A corte de D. João VI era totalmente dependente dos subsídios e da proteção inglesa contra Napoleão, e como preço de sua mediação no reconhecimento da Independência, a Inglaterra exigiu a prorrogação dos privilégios decorrentes daqueles tratados até sua expiração definitiva, em 1844. Esses instrumentos impediram o desenvolvimento de indústrias nacionais e impuseram um teto às tarifas de importação, limitando a mais importante fonte de receita fiscal da época. Quando os estadistas do Império conseguiram desvencilhar-se dessa herança colonial erigiram como princípio a recusa de celebrar acordos de comércio com países mais poderosos. Nunca mais a Monarquia afastou-se desse princípio, e foi após a proclamação da República que o Brasil assinou acordos do tipo, sendo o primeiro com os Estados Unidos, em 1891 [73].

Com base nessa experiência histórica, é fácil entender porque a opinião pública brasileira sempre foi sensível a compromissos marcados por desigualdade extrema.

Por outro lado, há que se investigar as conseqüências práticas do desequilíbrio e heterogeneidades dos países negociadores. De fato, deve-se indagar se interessa ao Brasil participar de zonas de livre comércio com economias muito mais desenvolvidas. É inegável a enorme diferença no grau de desenvolvimento entre as economias dos Estados Unidos e do Canadá e a dos 32 demais Estados do continente americano, entre os quais o mais vulnerável é o Haiti. De que modo essa disparidade se manifesta na Alca?

Os Estados Unidos e o Canadá são altamente competitivos, não mais necessitando, como outrora, de tarifas elevadas para proteger suas economias. Seu protecionismo é seletivo, concentrado em alguns produtos, recorrendo a medidas protetoras não-tarifárias, como salvaguardas, antidumping, direitos compensatórios contra subsídios, as cotas do Arranjo de Multifibras para têxteis, medidas sanitárias e fitossanitárias, barreiras técnicas, etc. Salvo raras exceções – produtos sensíveis, têxteis, calcados, importações agrícolas -, sua tarifa média é baixa. No caso dos Estados Unidos, a média tarifária é de 2 a 4%, com picos de mais de 100%. A média da tarifa efetivamente cobrada é de 1,6% [74].

A tarifa externa comum do Mercosul equivale à média de 12,5%, e a efetivamente cobrada pelo Brasil é de aproximadamente 7%. Por isso, se as negociações concentrarem-se nas tarifas, a tendência será que a proposta da Alca contribua muito mais para abrir o mercado do Brasil e dos demais latino-americanos às exportações norte-americanas do que para melhorar o acesso brasileiro e de outros aos mercados dos Estados Unidos e do Canadá [75].

Para evitar que isso aconteça, é necessário que haja reduções proporcionalmente mais altas, e não meramente lineares, nas tarifas das exceções, dos picos (suco de laranja, têxteis, açúcar, etanol), a maioria dos quais protegidos pela TPA; e também que os Estados Unidos aceitem negociar na Alca disciplinas mais justas para regulamentar o abuso do antidumping, dos direitos compensatórios, das salvaguardas, das barreiras não-tarifárias [76].

Assim como nas tarifas, também em relação aos marcos reguladores e institucionais a negociação da Alca é caracterizada por grande assimetria, o que resulta na imposição de padrões em investimentos, tecnologia e serviços, sobretudo financeiros, tendentes a favorecer apenas as economias avançadas [77].

São de tal magnitude as diferenças entre o grau de desenvolvimento da economia brasileira e das economias mais adiantadas que seria arriscado expor as empresas aqui sediadas a uma competição livre com as empresas dos Estados Unidos e do Canadá.

Paulo Nogueira Batista Jr observa que há dois tipos de fatores a considerar: o ambiente macroeconômico e os aspectos microeconômicos. No primeiro, diversas circunstâncias relacionadas à competitividade sistêmica – estrutura do sistema tributário, escassez de crédito, custos financeiros, fraqueza dos mercados de capitais domésticos, deficiências de infra-estrutura, entre outras – colocam as empresas brasileiras em desvantagem na disputa por mercados externos e internos [78]. No plano microeconômico, diversas empresas brasileiras e setores da economia nacional – siderurgia, têxteis, calçados, agroindústria e agricultura, por exemplo – são competitivos internacionalmente, e são por isso alvos do protecionismo praticado pelos países desenvolvidos. Entretanto, na maioria dos setores, as empresas nacionais não têm condições de enfrentar em condições iguais as grandes corporações norte-americanas e de outros países desenvolvidos. Por conseguinte, uma zona de livre comércio com os Estados Unidos provavelmente destruiria boa parte do sistema produtivo brasileiro, especialmente nos setores mais sofisticados em que a primazia das empresas ianques é inquestionável – por exemplo, bens de capital, componentes eletrônicos, química, eletrônica de consumo, software e informática. A economia brasileira tenderia a regredir à condição de economia agrícola ou agroindustrial e produtora de bens industriais leves ou tradicionais [79].

Conclui Paulo Nogueira Batista Jr que, mesmo na hipótese improvável de que a Alca viesse a ser equilibrada, com os Estados Unidos fazendo concessões de interesse brasileiro, os fatores estruturais acima mencionados levariam as importações brasileiras a aumentar mais do que as exportações de bens e serviços, provocando um aumento do desequilíbrio externo da economia brasileira [80].

4.3 O Brasil ganha ou perde com a Alca?

Na abertura da Cúpula do Quebec, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso centrou seu discurso na busca do acesso a mercado e da correção de desequilíbrios [81].

A posição do setor privado não difere muito. A Coalizão Empresarial Brasileira, mecanismo coordenador da participação dos empresários na negociação, sob égide da Conferência Nacional da Indústria (CNI), especificou quatro metas centrais: a obtenção de melhora substantiva em acesso a mercados do hemisfério para setores atualmente prejudicados por barreiras não-tarifárias e picos tarifários; a garantia de que a Alca impedirá a imposição de novas barreiras não-tarifárias aos produtos brasileiros; a eliminação das distorsões provocadas por subsídios às exportações e medidas de apoio interno em agricultura; a garantia do nivelamento, no final do processo, das preferências recebidas pelo Brasil em relação a nossos principais concorrentes, que já usufruem de preferências comerciais nos países participantes da Alca (leia-se México, via Nafta, caribenhos da CBA, etc.) [82].

Em nosso entender, pouco se discute o aspecto essencial que é, afinal, se há ou não interesse nacional brasileiro, e em que condições, de participar de uma área de livre comércio que inclua a potência hegemônica do planeta.

O país que decidisse ficar fora da Alca, teria de computar suas possíveis perdas em todos os mercados que decidissem integrar a área preferencial. Se essa for a decisão do Brasil, os produtos brasileiros passariam a enfrentar, nos mercados dos Estados Unidos e do Canadá, a concorrência de produtos similares dos países membros da Alca, eventualmente favorecidos pelas reduções e vantagens que não abrangeriam os nossos produtos. Ao mesmo tempo, nos mercados latino-americanos e caribenhos, as vantagens de que o Brasil desfruta graças ao Mercosul e a Aladi poderiam desaparecer ou sofrerem reduções em relação aos benefícios acordados aos produtos norte-americanos e canadenses. O principal é saber se os demais são efetivamente concorrentes do país excluído nos mesmos produtos ou similares e se a preferência a ser criada pela Alca bastará para eliminar eventuais vantagens comparativas do país que ficar marginalizado. Outro fator é o possível impacto do Acordo em favor de investimentos capazes de criar, no futuro, uma possibilidade de concorrência ainda inexistente no presente [83].

Em produtos como o suco de laranja e o açúcar, o tratamento preferencial ao México (Nafta) e aos caribenhos (e a Israel) já cria problemas aos exportadores brasileiros.

Na América Latina o Brasil desfruta de tarifas mais baixas para certos produtos beneficiados pelos acordos da Aladi. Essas vantagens poderiam ser reduzidas ou até desaparecer se a Alca fosse criada sem o Brasil. Entretanto, mesmo com a participação brasileira, haveria o risco de perdermos a margem de preferência, caso não se negociasse um período durante o qual continuássemos a desfrutar dela. É essa a proposta dos Estados Unidos, mediante a apresentação de quatro listas diferentes, pelas quais pretendem prolongar os esquemas preferenciais já existentes com o México e os caribenhos, aos quais se poderiam somar centro-americanos e andinos [84].

Ressalta Rubens Ricupero que seria necessário realizar levantamento sistemático de todas as exportações principais nos diversos mercados e das situações diferentes com que se defrontariam, à luz das ofertas que ainda se encontram em processo de exame, avaliação e melhoria. Seria necessário verificar, caso a caso, se o produto ou o serviço em questão foi incluído nas categorias de desgravação muito rápidas e quais os prazos e as condições a que estará submetido [85].

Existem outros argumentos chamados "sistêmicos" ou "não-comerciais", que vêem a Alca como alavanca de investimentos ou meio de facilitar o acesso ao mercado financeiro. No entender de Rubens Ricupero, esses argumentos são provavelmente os únicos que explicam de modo racional a opção pró-Alca do Chile e outros países meridionais, como a Argentina e o Uruguai, para os quais não se vislumbram bem os benefícios de comércio proporcionados por um acordo com os Estados Unidos, país de produção agrícola concorrente da deles [86].

A negociação da Alca tem implicações que a grande maioria dos brasileiros ainda desconhece, pois o mercado nacional ficaria aberto, para as demais economias integrantes da área, que inclui a maior potência do mundo em termos econômicos, políticos e militares. A agenda inclui não só a remoção de obstáculos ao comércio de bens, mas a fixação de regras comuns para serviços, investimentos, compras governamentais, propriedade intelectual, entre outros.

É necessário discutir a Alca do ponto de vista do interesse nacional brasileiro.

4.4 Alca "abrangente" ou "teológica" X Alca "light"

A Alca foi projetada para ser muito mais do que uma área de livre comércio tradicional, restrita à liberalização do comércio de mercadorias. Já no Plano de Ação anunciado na Cúpula de 1994, em Miami, definiu-se que a Alca incluiria acordos sobre barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio de bens e serviços; agricultura; subsídios; investimentos; direitos de propriedade intelectual; compras governamentais; barreiras técnicas ao comércio; salvaguardas; regras de origem; antidumping e direitos compensatórios; padrões e procedimentos sanitários e fitossanitários; mecanismos de solução de controvérsias; e políticas de defesa de concorrência [87]. É possível que normas trabalhistas e ambientais venham a ser incluídas no acordo, por pressão de setores importantes do Congresso e dos sindicatos dos Estados Unidos [88]. Por outro lado, a remoção das barreiras à entrada de trabalhadores latino-americanos em território ianque não é objeto de negociação.

O grande benefício esperado pelos partidários da Alca é a ampliação do acesso ao mercado norte-americano. No entanto, o problema pátrio reside no fato que as vantagens potenciais da economia brasileira no mercado dos Estados Unidos estão concentradas em produtos protegidos por poderosos lobbies, como aço, têxteis, calçados e suco de laranja, por exemplo.

Ademais, os Estados Unidos relutam em colocar na pauta a legislação antidumping e a política de defesa da agricultura, sob o argumento de que esses temas devem ser tratados na OMC. Ao mesmo tempo, querem que a Alca vá além da OMC em assuntos do seu interesse, como por exemplo, serviços, investimentos, compras governamentais e patentes.

Os Estados Unidos, principais formuladores das propostas, divulgaram em janeiro de 2001 um documento contendo resumos de suas posições negociadoras para cada um dos nove grupos da Alca e também para questões trabalhistas e ambientais [89]. Vejamos alguns aspectos desses documentos.

Na reunião técnica da Alca que terminou no início de outubro em Port of Spain (Trinidad e Tobago), colidiram 2 propostas: a do Mercosul, que defende uma "Alca Light", e a dos EUA, que preferem uma "Alca abrangente", mas que exclua temas sensíveis para os norte-americanos, como a legislação antidumping, ou seja, os mecanismos para prevenir ou punir a entrada de bens vendidos a preço de custo ou abaixo o custo (dumping) e a proteção agrícola (subsídios concedidos aos produtores rurais). Ficou claro em Trinidad e Tobago, pela primeira vez e formalmente, que os EUA não discutirão na Alca os dois temas prioritários para o Brasil: o fim das políticas antidumping e dos subsídios agrícolas americanos.

Por sua vez, a proposta do Mercosul para a Alca foi batizada pelo Ministro Celso Amorim de "três trilhos", que seriam os seguintes:

(1) A Alca só abrangeria questões basicamente burocráticas, com baixa interferência nas políticas dos países-membros. Trataria de regras para solução de controvérsias; estabeleceria tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento (todos, menos Estados Unidos e Canadá); criaria fundos de compensação para que tais países se adaptassem; e medidas que o jargão batiza de "facilitação do comércio" (menos entraves alfandegários para a entrada de produtos importados, por exemplo);

(2) A negociação mais ampla (acesso a mercados) ficaria no formato 4+1 (Mercosul e Estados Unidos). Nesse trilho também entrariam, "de forma limitada", acesso a mercado para serviços e normas genéricas para investimentos;

(3) Os temas "sensíveis" para, entre outros, Brasil e Estados Unidos, seriam deixados para a OMC.

O Brasil não quer discutir na Alca obrigações novas como propriedade intelectual, serviços e compras governamentais, ou regras para investimentos que impeçam a adoção de políticas industriais. Já os Estados Unidos deixam a liberalização agrícola e as regras antidumping para a discussão no foro multilateral.

A Reunião Ministerial da Alca, realizada no mês de novembro de 2003, em Miami, que de maneira geral não trouxe avanços, estabeleceu a agenda para a etapa final da negociação da Alca, em 2004. A conclusão do encontro foi que Brasil e Estados Unidos defenderiam juntos uma Alca na qual os países pudessem assumir níveis de compromissos distintos. Em fevereiro de 2004, na cidade de Puebla, foram confeccionados dois documentos: um defendendo uma Alca abrangente, encampado por Canadá, Chile e México, outro com uma proposta comum do Brasil e Estados Unidos. Diante de possível adiamento na implantação da Alca, marcado tentativamente para 2005, os Estados Unidos passaram a fechar acordos bilaterais com países da América separadamente, consolidando sua política protecionista agrícola, e visando colocar o Brasil e o Mercosul em uma posição de isolamento. Nesses acordos, cujo modelo é o entendimento firmado com o Chile, os países concordaram com todas as imposições norte-americanas para ter acesso livre ao mercado dos Estados Unidos. Entretanto, como são países menores, o impacto sobre o setor agrícola dos Estados Unidos será muito limitado – ao contrário do que ocorreria caso o Brasil e a Argentina tivessem livre acesso, por exemplo.

Na seqüência, em maio de 2004, os Estados Unidos comunicaram ao Brasil que vários de seus produtos agrícolas correriam o risco de jamais alcançarem tarifa zero no mercado norte-americano, ou seja, de jamais terem acesso livre àquele mercado, frustrando a principal reivindicação brasileira. Essa mudança de atitude revela que os temas relacionados a agricultura continuam causando problemas para os Estados Unidos. Desde o início do processo de negociação da Alca, o Brasil insistia em negociar a eliminação dos subsídios agrícolas no mercado norte-americano. Os Estados Unidos não concordaram e o Brasil acabou por ceder, desde que o ponto central das negociações passasse a estar concentrado no livre acesso a mercado – ponto que os Estados Unidos também retiram agora da mesa de negociação. Com razão, o co-presidente brasileiro da Alca, Ademar Bahadian, declarou à imprensa que o título da Alca deveria ser repensado, já que está se tornando um acordo de regras cada vez mais vinculadas a problemas que não têm a ver com livre comércio.

4.4.1 Abrangência relativa

É inegável a assimetria na argumentação norte-americana. Temas como serviços, propriedade intelectual, investimentos estrangeiros e compras governamentais, que os Estados Unidos pretendem negociar na Alca, com regras mais abrangentes do que na OMC, são tão globais ou sistêmicos que agricultura ou antidumping. Entretanto, apenas estes deveriam ser negociados no plano multilateral, de acordo com a proposta dos Estados Unidos.

O fato é que a Alca oferecerá pouco ao Brasil em termos de acesso adicional ao mercado dos Estados Unidos. O Executivo e o Congresso impuseram restrições seletivas ao comércio internacional, para setores pouco competitivos de sua economia, e novas medidas de defesa das empresas ianques contra a concorrência estrangeira.

Nota Paulo Nogueira Batista Jr que na área industrial, o protecionismo ganhou impulso com a instituição, em março de 2002, de um programa de defesa da siderurgia norte-americana. Por outro lado, outros setores industriais continuaram a se beneficiar do uso da legislação antidumping como mecanismo de proteção contra a competição das importações. O Brasil pretendia estabelecer um conjunto de regras para a aplicação de medidas antidumping e direitos compensatórios dentro da Alca, que seria substancialmente diferente das regras da OMC, dificultando ou impedindo o uso protecionista dessas medidas. Na área agrícola, a farm bill de 2002, votada em maio, ampliou os subsídios e outras medidas de apoio aos fazendeiros norte-americanos. Por conseguinte, os Estados Unidos concordam em negociar certos subsídios à exportação e as barreiras à importação de produtos agrícolas, mas não as medidas de apoio doméstico ao setor (empréstimos preferenciais, políticas de preços mínimos, subsídios à produção, entre outras). Essas iniciativas protecionistas tiveram a finalidade de fortalecer a posição do Presidente Bush e do Partido Republicano nas eleições de meio de mandato, em novembro de 2002 [90].

A nova lei agrícola repercutiu na Europa, onde França e Alemanha chegaram a um acordo que adia para 2006 qualquer modificação expressiva da política agrícola comum (PAC) da União Européia. Dessa forma, esvaziou-se o argumento que influenciou o governo Fernando Henrique Cardoso, de que o Brasil deveria, nas negociações da Alca ou com a União Européia, concentrar-se em sua suposta vocação agrícola, oferecendo concessões em áreas como bens industriais, serviços, propriedade intelectual, investimentos estrangeiros e compras governamentais, em troca de maior acesso aos mercados agrícolas dos Estados Unidos e da Europa [91].


5. Conclusões

A Alca, tal como está sendo proposta pelo governo norte-americano, acarretaria enorme perda de autonomia na condução de aspectos essenciais da política econômica. O Brasil estaria comprometido, por tratado internacional, a manter o seu mercado interno sempre aberto para as exportações provenientes do continente americano, deixando as empresas brasileiras expostas à concorrência das poderosas corporações dos Estados Unidos, com todo o seu poder tecnológico, financeiro e comercial, e inviabilizando qualquer projeto nacional de desenvolvimento [92].

O país se veria impossibilitado, por exemplo, de recorrer à política comercial para proteger indústrias nascentes e permitir o surgimento e a consolidação de setores novos. As barreiras tarifárias e não-tarifárias só poderiam ser aplicadas às importações de países não-membros da Alca , que representam atualmente pouco menos de 60% das importações totais do Brasil. Se o acordo Mercosul-União Européia vier a ser concluído, o país estaria privado de política comercial no que se refere à aproximadamente 70% do valor atual das importações de mercadorias [93].

Considerando-se todos os aspectos tratados na Alca, que vão muito além de matérias comerciais, o Brasil estaria impossibilitado legalmente, por tratado internacional com a maior potência do mundo, de articular e executar políticas comerciais, industriais, tecnológicas e de emprego. Essa limitação decorre das restrições no acesso à tecnologia e no uso de patentes, a ampla liberalização do comércio de serviços, a proibição de requisitos de desempenho para a aprovação de investimentos estrangeiros, a proibição de recorrer à política de compras governamentais para favorecer as empresas nacionais e estimular a produção e o emprego. Em outras palavras, o Brasil abriria mão dos instrumentos utilizados pelos os países desenvolvidos no seu processo histórico de desenvolvimento [94].

Há que se ter em mente que a Alca constitui o acordo econômico mais abrangente e mais importante já negociado pelo Brasil, que criará ampla e complexa teia de obrigações internacionais. O eventual descumprimento destas colocará o país em situação delicada, sujeito a represálias e sanções dos demais membros da Área, incluindo dos Estados Unidos [95].

De todas as negociações internacionais em curso, a da Alca é a que representa a maior ameaça à soberania do país, pois consiste em um aprofundamento, via tratado internacional, do modelo de liberalização comercial e financeira aplicado no Brasil, com resultados preponderantemente desfavoráveis, desde o início dos anos 1990. Ao impossibilitar o Estado brasileiro de se valer dos instrumentos de controle e intervenção econômica, a Alca eternizaria a linha liberal que prevaleceu no período 1995-2002 [96].

A Alca nunca teve sentido do ponto de vista de um país como o Brasil. Ela sempre foi, no essencial, um projeto dos Estados Unidos, concebido para atender os seus interesses estratégicos e consolidar a sua influência nas Américas. Uma área de livre comércio com os Estados Unidos só pode ter interesse para economias de menor porte e menos diversificadas do que a brasileira, que não possuem um amplo mercado interno e um parque industrial que mereça ser preservado e desenvolvido. Nas palavras e Paulo Nogueira Batista Jr, "País de proporções continentais e enorme potencial de desenvolvimento, o Brasil não cabe no quintal de ninguém [97]".


6. Bibliografia

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TAXIL, Bérangère. L’OMC et les pays en développement. Paris: Montchrestien, 1998.

Endereços eletrônicos

www.ftaa-alca.org

www.oas.org

www.unctad.org


Notas

  1. Em inglês FTAA, Free Trade Area of the Americas; em espanhol ALCA, Area de Libre Comercio de las Américas; em francês ZLEA, Zone de Libre-Échange des Amériques.
  2. Rubens RICUPERO. A ALCA. São Paulo: Publifolha, 2003, p. 9.
  3. Dados de 2004.
  4. Conforme observou Rubens RICUPERO, op. cit., p. 64.
  5. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 66.
  6. Dominique CARREAU; Patrick JUILLARD. Droit International Économique. 4ª ed. Paris: L.G.D.J., 1998, p. 285.
  7. Resta notar que a regra relativa ao "essencial" do comércio internacional é flexível no caso dos países em desenvolvimento, em decorrência da cláusula de habilitação de 1979.
  8. Rubens RICUPERO, op. cit.,p. 13.
  9. Samuel Pinheiro GUIMARÃES. Como será ALCA, in América Latina em Movimento, Agência Latinoamericana de Informação, http://alainet.org, em 15 de novembro de 2003.
  10. Samuel Pinheiro GUIMARÃES, op. cit.
  11. http://www.wto.org, em 03/08/2006.
  12. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 17.
  13. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 20.
  14. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 19.
  15. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 78.
  16. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR. "A Alca e o Brasil", in Estudos Avançados, nº 48, Maio/Agosto 2003. São Paulo:USP, p. 268.
  17. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 21.
  18. Nas negociações da ALCA, discute-se a possibilidade de estender às economias menores mecanismos de assistência do gênero do adotado pelo Congresso norte-americano. Este exigiu, como condição para aprovar a autorização de negociar acordos comerciais de qualquer natureza, a adoção de um programa de bilhões de dólares, a fim de ajudar os trabalhadores norte-americanos eventualmente prejudicados pelos resultados das negociações. A ajuda poderá ser dada de modo diverso: retreinamento, pensões, seguro médico, etc. Não está ainda definido na ALCA que países se beneficiariam da assistência e em que condições ela seria administrada. Cf. Rubens RICUPERO, ibid, p. 21.
  19. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 269.
  20. UNCTAD, Trends in International Investment Agreements: an Overview. New York e Geneva: United Nations, 1999, p. 43.
  21. A Minuta do Acordo ALCA está disponível no site www.ftaa-alca.org
  22. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 22.
  23. O autor refere-se ao "mito do isolamento".
  24. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 287.
  25. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 288.
  26. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 289.
  27. Rubens RICUPERO, "O jogo é outro", Folha de São Paulo, Caderno B, p. 2, 12/10/2003.
  28. Folha de São Paulo, Caderno B, p. 3, 11/10/2003.
  29. Rubens RICUPERO, "Ocupando Espaço", Folha de São Paulo, Caderno B, p. 2, 28/09/2003.
  30. www.oas.org
  31. Rubens RICUPERO. A ALCA. São Paulo: Publifolha, 2003, p. 23.
  32. www.ftaa-alca.org
  33. A Declaração de San José da Costa Rica está disponível no endereço eletrônico oficial da ALCA, www.ftaa-alca.org
  34. Princípio (a).
  35. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 28.
  36. Princípio (c).
  37. Princípio (d).
  38. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 28.
  39. Princípio (e).
  40. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 28.
  41. Princípio (f).
  42. Tal princípio já havia sido aprovado na reunião de Belo Horizonte, apesar da oposição dos Estados Unidos. Cf. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 29.
  43. Princípio (g).
  44. Princípio (h).
  45. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 29
  46. Princípio (k).
  47. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 274.
  48. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 27.
  49. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 31.
  50. A TPA é válida até junho de 2005 e pode ser prorrogada até junho de 2007. Foi aprovada por 215 a 212 votos na Câmara dos Representantes e por 64 a 34 votos no Senado. Cf. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 285.
  51. United States Congress, Bipartisan Trade Promotion Authority Act, 2002, p. 69, apud Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 286.
  52. United States Congress, Bipartisan Trade Promotion Authority Act, 2002, p. 62-64, apud Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 285-286.
  53. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 30.
  54. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 30.
  55. United States Congress, Bipartisan Trade Promotion Authority Act, 2002, p. 71, apud Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 286.
  56. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, Paulo, op. cit.,, p. 286.
  57. No entanto, remove um dos obstáculos à ALCA, e a prova da sua efetividade foi o acordo de livre comércio celebrado com o Chile, que já se arrastava há dez anos. Rubens RICUPERO, ibid, p. 30.
  58. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 287.
  59. Embaixada do Brasil em Washington, Barreiras aos Produtos, Serviços e Investimentos do Brasil nos Estados Unidos, 2002, p. 118, apud Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 287.
  60. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 287.
  61. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 31.
  62. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 32. O autor cita como exemplo do problema as propostas iniciais para o acesso a mercados em bens, isto é, mercadorias industriais ou agrícolas. Existiam 3 posições distintas sobre o método para determinar as concessões tarifárias: (1) a do Canadá e da Costa Rica, que propunham a aplicação do princípio da nação mais favorecida sem exceções, pelo qual cada país teria uma só lista de produtos e um só calendário para a redução de barreiras, que seriam os mesmos para todos os parceiros; (2) a do Mercosul, dos andinos e de outros, que propunham listas únicas de produtos por país, mas com etapas diferentes de desgravação, de forma tal que as economias avançadas (Estados Unidos, Canadá) deveriam completar a eliminação das barreiras mais rapidamente do que as outras, favorecendo-se com esquema mais acelerado de remoção de obstáculos os países menos desenvolvidos, como a Bolívia, o Paraguai, e outros; (3) a dos Estados Unidos, que preferiam formular ofertas diferentes para cada grupo de países, com etapas de desgravação distintas segundo os casos. As duas primeiras propostas inspiram-se na cláusula da nação mais favorecida aplicada à região, diferenciando-se no que diz respeito aos prazos. A proposta norte-americana conduz à bilateralização das concessões e à promoção de regimes diferentes de liberalização, possibilitando a criação de tratamentos discriminatórios segundo os parceiros. Assim, na agricultura, em que os Estados Unidos têm dificuldades para competir com o Brasil em suco de laranja ou açúcar, os norte-americanos poderiam fazer concessões em tais produtos a economias menores, na prática incapazes de competir em grande escala nessas áreas. Ao mesmo tempo, se os Estados Unidos puderem preservar por longo tempo os regimes preferenciais que estabeleceram com o México (NAFTA) ou com os caribenhos (Caribbean Basin Initiative), o acordo agravará a discriminação que o Brasil já sofre em relação a esses países, pois as concessões brasileiras não terão como contrapartida imediata igualar as condições do nosso país de competir com os favorecidos pelos regimes de preferência.
  63. Durante a fase preparatória das negociações da ALCA, doze grupos de trabalho foram criados. Os planos de trabalho destes grupos incluíram a identificação e o exame de medidas relacionadas ao comércio existentes em cada área. Na Primeira Reunião realizada em Denver em 1995, os Ministros da ALCA responsáveis pelo Comércio definiram um programa inicial e estabeleceram grupos de trabalho para iniciar discussões nas seguintes áreas: Acesso a Mercados; Procedimentos Aduaneiros e Regras de Origem; Investimento; Normas e Barreiras Técnicas ao Comércio; Medidas Sanitárias e Fitossanitárias; Subsídios, Antidumping e Direitos Compensatórios; e Economias Menores. Na Segunda Reunião realizada em Cartagena, os Ministros criaram quatro novos grupos de trabalho para encaminhar Compras Governamentais; Direitos da Propriedade Intelectual; Serviços; e Política de Concorrência. Na Terceira Reunião realizada em Belo Horizonte no Brasil em 1997, os Ministros definiram um grupo final de trabalho sobre Solução de Controvérsias. Na Declaração de São José, na qual os Ministros recomendaram o lançamento das negociações da ALCA, nove grupos de negociação (acesso a mercados; investimento; serviços; compras governamentais; solução de controvérsias; agricultura; propriedade intelectual; subsídios, antidumping e direitos compensatórios; e políticas de concorrência) e três comitês especiais (Comitê de Representantes Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil; Comitê Conjunto de Especialistas Governamentais e do Setor Privado em Comércio Eletrônicoe o Grupo Consultivo sobre Economias Menores) foram estabelecidos. Cf. www.ftaa-alca.org
  64. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 34.
  65. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 34.
  66. Rubens RICUPERO, "Travessa de Espaguete", Folha de São Paulo, Caderno B, p. 2, 11/05/2003.
  67. RICUPERO, RUBENS, "Geometria Variável", Folha de São Paulo, Caderno B, p. 2, 18/05/2003.
  68. Durval NORONHA GOYOS JR. "A arbitragem no âmbito da Alca e outros apontamentos legais referentes ao tema", in Estudos Avançados, nº 48, Maio/Agosto 2003, p. 295.
  69. Durval NORONHA GOYOS JR, ibid., p. 295.
  70. Durval NORONHA GOYOS JR, op. cit., p. 295.
  71. Rubens RICUPERO. A Alca. São Paulo: Publifolha, 2003, p. 66.
  72. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 68.
  73. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 71.
  74. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 71.
  75. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 71.
  76. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 72.
  77. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 270.
  78. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 272.
  79. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 272.
  80. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 76.
  81. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 76-77.
  82. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 73.
  83. Um estudo da Aladi sugere que talvez o maior prejuízo para o Brasil se dê no setor automobilístico, em que as exportações brasileiras aos vizinhos são protegidas por barreiras de mais de 30% contra terceiros. Cf. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 75.
  84. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 75.
  85. Rubens RICUPERO, op. cit., p. 79.
  86. Cúpula das Américas, Plano de Ação, www.ftaa-alca.org
  87. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit., p. 269.
  88. United States Trade Representative, Summary of U.S. Negotiating Positions in the FTAA, 2001. Apud Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 274.
  89. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 283.
  90. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 283.
  91. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 280.
  92. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 281.
  93. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 281.
  94. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 281.
  95. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 289.
  96. Paulo NOGUEIRA BATISTA JR, op. cit.,, p. 289.

Autor

  • Larissa Ramina

    Larissa Ramina

    Doutora em Direito Internacional pela USP, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais e Coordenadora Adjunta do Curso de Direito, ambos da UniBrasil, Professora de Direito Internacional e de Direitos Humanos da UniBrasil e do UniCuritiba.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMINA, Larissa. Área de Livre Comércio das Américas - ALCA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2663, 16 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17626. Acesso em: 23 abr. 2024.