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O artigo 167, § 1º, da Constituição Federal e a desnecessidade de inclusão de despesas ordinárias no plano plurianual

O artigo 167, § 1º, da Constituição Federal e a desnecessidade de inclusão de despesas ordinárias no plano plurianual

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Ao analisar procedimentos licitatórios que prevêem a contratação de serviços que ultrapassam um exercício financeiro, muito comuns são os pareceres jurídicos recomendarem a inclusão da despesa no plano plurianual (PPA), fundamentando-se, para tanto, no §1º do artigo 167 da Constituição Federal. Visando ao aclaramento da questão, importa trazer à baila mencionada norma, in verbis:

Art. 167. (...)

(...)

§ 1º - Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

Entretanto, o requerimento acima citado não pode ser ampliado para qualquer tipo de despesa. Tal conclusão é obtida através de uma interpretação sistemática da Constituição Federal. Se lido de maneira pontual, o §1º do artigo 167 até poderia levar o intérprete ao entendimento de que qualquer despesa que ultrapasse um exercício financeiro somente poderia se iniciar com a inclusão no PPA. Todavia, é mister colacionar também o §1º do artigo 165, que dispõe:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

Para um maior aclaramento da questão posta, impende colacionar as lições de José Maurício Conti [01], ao discorrer sobre o conteúdo de um plano plurianual, in litteris:

O Plano Plurianual compreende a elaboração das Orientações Estratégicas do Governo – OEG, em que se analisam as prioridades, conforme o programa do candidato eleito, e as estratégias que se pretendem adotar para cumprir os compromissos assumidos, tendo em vista os meios e recursos disponíveis.

Com base no que ficou definido no OEG, os Ministros elaborarão as Orientações Estratégicas dos Ministérios – OEM, em que serão estabelecidos os objetivos setoriais e as políticas públicas a serem desenvolvidas para a sua viabilização.

Elabora-se também um Cenário Fiscal, que tem por função estimar o montante de recursos orçamentários que estarão disponíveis para aplicação no PPA, bem como a Estratégia de Financiamento, em que serão analisadas as possibilidades de obtenção de recursos por meio de crédito que permitam suprir as necessidades de caixa para as ações do PPA.

Por sua vez, concernente à definição do PPA, assim se pronuncia o Portal SIAFI, do Ministério da Fazenda [02]:

Na esfera federal, o Governo ordena suas ações com a finalidade de atingir objetivos e metas por meio do PPA, um plano de médio prazo elaborado no primeiro ano de mandato do presidente eleito, para execução nos quatro anos seguintes. O PPA é instituído por lei, estabelecendo, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para aquelas referentes programas de duração continuada. Os investimentos cuja execução seja levada a efeito por períodos superiores a um exercício financeiro, só poderão ser iniciados se previamente incluídos no PPA ou se nele incluídos por autorização legal. A não observância deste preceito caracteriza crime de responsabilidade. 

Com a transcrição das explanações acima sobre o escopo do plano plurianual, pode parecer clarividente a desnecessidade de inclusão de despesas ordinárias nele. Entretanto, consoante asseverado em linhas precedentes, é erro usual dos setores jurídicos solicitação em tal sentido.

Assim é que, v. g., a contratação de empresa para prestação do serviço de vigilância dos prédios de uma autarquia não merece recomendação de inclusão da despesa no plano plurianual. Corroborando este entendimento, tem-se a Lei nº 8.666/93, quando normatiza acerca da duração dos contratos. Vejamos:

Art. 57.  A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

I - aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; 

III – (vetado);

IV - ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato.

V - às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até cento e vinte meses, caso haja interesse da administração.

Atente-se que o Estatuto das Licitações faz distinção entre as despesas oriundas de projetos incluídos no PPA e os demais, possuindo todas estas modalidades permissão para duração do contrato para além da vigência dos respectivos créditos orçamentários. Sendo assim, em que pese referida distinção, evidencia a possibilidade de contratação ulterior a um exercício financeiro sem conseqüente necessidade de inclusão da despesa no multicitado plano plurianual.

Por tudo dito, diante da característica de ser norma programática, afirma-se que não devem ser incluídas no PPA despesas ordinárias da Administração, sob pena de seu total desvirtuamento.


Notas

  1. CONTI, José Maurício. Orçamentos Públicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 96.
  2. Disponível em <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi/atribuicoes_01_01.asp>. Acesso em 28/10/2010.

Autor

  • René da Fonseca e Silva Neto

    René da Fonseca e Silva Neto

    Procurador Federal. Coordenador Nacional de Matéria Administrativa da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes - ICMBio. Ex-Coordenador Nacional do Consultivo da PFE/ICMBio. Bacharel em Direito pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental. Coautor do livro Manual do Parecer Jurídico, teoria e prática, da Editora JusPodivm.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, René da Fonseca e. O artigo 167, § 1º, da Constituição Federal e a desnecessidade de inclusão de despesas ordinárias no plano plurianual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2682, 4 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17757. Acesso em: 19 abr. 2024.