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Os limites da aplicabilidade do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 e suas causas de redução de pena nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes praticados sob a égide da Lei nº 6.368/76

Os limites da aplicabilidade do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 e suas causas de redução de pena nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes praticados sob a égide da Lei nº 6.368/76

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Analisam-se as inovações da Lei nº 11.343/06, principalmente quando da aplicação do § 4º do art. 33 aos casos anteriores à sua vigência.

RESUMO

O presente trabalho tem como vertente principal analisar as inovações trazidas pela Lei 11.343/06 ao ordenamento jurídico, principalmente quando da aplicação do § 4º do art. 33 da citada Lei aos casos anteriores à sua vigência. Trata-se de tema controvertido, ainda sem solução apresentada pelos Tribunais Superiores e que faz parte do cotidiano de juristas no país inteiro. Buscou-se, assim, definir parâmetros com a análise de princípios norteadores do direito e das formas de resolução de conflitos de leis penais no tempo para, com segurança, orientar os aplicadores do direito quando da escolha por uma ou outra lei a incidir no caso concreto.

Palavras-chave: combinação de leis – vedação – conflito – intertemporal – aplicação integral de leis.

ABSTRACT

The present research has the purpose of analyzing the innovations brought by Law 11.343/06 to Brazilian juridical arrange, especially when using the § 4º of article 33 of that law to previous cases. That’s a controvert theme, without any solution provided by the Superior Courts, and that is already daily used by jurists all over the country. We tried, than, to provide parameters analyzing law’s direction principles, and other ways of penal law’s time conflict resolutions to regulate law’s applicators when choosing one or another one to fit it to a specific case, with safety.

Key-words: law combination – prohibition – conflict – use full law

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 2.O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL. 2.1.OS PRINCÍPIOS NO DIREITO PENAL. 2.2.O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL. 3.DISPOSIÇÕES DO ART. 33 DA LEI 11.343/06. 3.1.O CONTEXTO SOCIAL DA NOVA LEI DE TÓXICOS. 3.2.O ARTIGO 33 DA NOVA LEI. 3.3.AS CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33. 4.A LEI 11.343/06 COMO NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. 4.1.CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMBINAÇÃO DE LEIS.4.2.A ANÁLISE DO MAGISTRADO E A APLICAÇÃO DA PENA MAIS BENÉFICA. 4.3.APONTAMENTOS QUANTO A PENA DE MULTA. 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6.REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

Grande é a dificuldade encontrada pelos operadores do direito quando da aplicação do artigo 33 da Lei 11.343/06 e a mensuração dos índices de redução de pena do §4º do mesmo artigo, aos incursos no crime de tráfico sob a égide da Lei 6.368/76, tornando necessário o aprofundamento dos estudos nessa área.

Para isso, traçou-se como objetivo central a elucidação do tema através da análise de conceitos e princípios, que permitirão apresentar subsídios constitucionais e penais que justifiquem e restrinjam as sanções aplicadas, em conformidade com as determinações legais. Nesse sentido, buscou-se explicar a possibilidade da retroatividade da Lei 11.343/06 aos casos anteriores à sua vigência, estabelecendo diretrizes e determinando limites à correta aplicação do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06.

Todo esse debate iniciou quando da promulgação da Lei 11.343/06, publicada no Diário Oficial da União em 24 de agosto de 2006 e com vigência a partir de 8 de outubro do mesmo ano, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), prescrevendo medidas de prevenção para o uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. A Lei estabeleceu, ainda, normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de entorpecentes, definindo os crimes a serem combatidos, dentre outras providências.

Ao ser instituída a Lei 11.343/06, revogou-se a antiga Lei 6.368/76 e se inovou nos mais variados aspectos, positiva ou negativamente, em favor ou em desfavor dos réus, e polemizando de forma ampla a atuação dos operadores do direito.

Dentre esses pontos controversos, a Lei 11.343/06 aumentou a pena mínima cominada aos crimes de produção e tráfico ilícito de entorpecentes, em suas mais diversas formas de atuação, previstas no seu art. 33, caput, e art. 33, §1º, e instituiu causa de diminuição da pena, de um sexto a dois terços, àqueles enquadrados nos dispositivos citados, desde que preenchidos alguns requisitos.

Apesar de fomentar debates quanto aos requisitos e a forma como eles serão analisados pelos magistrados quando da aplicação ou não desses índices, não é essa a questão a ser ponderada no presente trabalho. Não se pretende discutir quando haverá enquadramento ao §4º do art. 33.

De fato, a demanda que promove as considerações que se seguem circunda quanto ao emprego dessas causas de diminuição de pena aos crimes praticados ainda sob a égide da Lei 6.368/76. Destaque-se que a dúvida persiste mesmo após a revogação dessa lei porque, pelo princípio da irretroatividade da lei penal mais severa e seu correlato da ultra-atividade da lei penal mais benéfica, em princípio não se pode condenar alguém pela prática de crimes de tráfico ilícito de entorpecentes ocorridos até 7 de outubro de 2006 com fulcro na Lei 11.343/06, devido ao aumento da pena mínima cominada ao delito, de três para cinco anos. Assim, nesses crimes o magistrado deveria se guiar pelo artigo 12 da antiga Lei, quando da definição da pena base.

Sobre a retroatividade da lei penal, por sua vez, determina a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, XL, que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

Também é o preceito esculpido no Código Penal Brasileiro, em seu artigo 2º, parágrafo único, ao dizer que "a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".

Nesse sentido, Hippel define que "o efeito retroativo dado à lei penal mais benigna não significa um presente ao criminoso, pois constitui interesse do Estado". Assim, "se, na configuração dos delitos ou na cominação das penas, o Estado formula leis mais benignas, isto significa que as novas leis correspondem verdadeiramente às exigências da Justiça e às necessidades da vida social", devendo-se, pois, aplicar aos fatos ocorridos na vigência da lei anterior, que já se considera inadequada [01].

Na seara ora debatida, todavia, lei, doutrina e jurisprudência, são omissas quanto à aplicabilidade retroativa, ou não, do art. 33 da Lei 11.343/06, quando da utilização dos seus índices de redução de pena previstos no §4º do mesmo dispositivo e, tampouco, quais os limites que devem ser observados.

Por conseguinte, inicialmente dois posicionamentos passaram a ser adotados nas sentenças judiciais, defendendo, ou não, a possibilidade de conjugação de leis, para a retroatividade isolada do citado §4º. Primeiro, há aqueles que afirmam dever haver retroatividade da causa de diminuição, por se possível a cumulação de leis, aproveitando-se o tratamento benéfico da lei nova sobre a pena aplicada com base na Lei 6.368/76. Em sentido oposto, doutrinadores defendem a impossibilidade da retroatividade de dispositivos isolados, sob o fundamento de que o preceito constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica se limitaria à Lei em si, e não a dispositivos que, isoladamente, sejam considerados mais favoráveis que os correspondentes das leis anteriores. Adotam, pois, o posicionamento do eminente Nelson Hungria quando dos seus comentários ao Código Penal, defendendo que permitir a combinação de leis autônomas significaria criar uma terceira, tornando o juiz, dessa forma, um legislador, o que iria contra o princípio da tripartição orgânica de Montesquieu.

Após, e a depender do posicionamento adotado, far-se-á necessário avaliar, destarte, até que ponto a lei mais benéfica poderá retroagir, definindo-se variáveis com fulcro nos Princípios norteadores do Direito e até nas formas de resolução de conflitos de leis.

Motivou-se a pesquisa, portanto, na grande dificuldade encontrada pelos operadores do direito quando da mensuração dos índices de redução de pena do §4º do art. 33 da Lei 11.343/06 sobre os crimes regidos a priori pela Lei 6.368/76, principalmente ao perceber que, aqueles que vêm aplicando a diminuição prevista, o fazem sem qualquer parâmetro.

Assim sendo, é de fundamental importância estudar os conceitos e princípios constitucionais e penais, para apresentar subsídios que justifiquem e limitem a redução das penas aplicadas, em conformidade com as determinações legais.

Atingidos os objetivos e estabelecidas as diretrizes à correta aplicação do art. 33 da Lei 11.343/06 e seu §4º sobre os casos anteriores à sua vigência, determinando limites às causas de redução de pena, poder-se-á auxiliar os operadores do direito na confecção de jurisprudência sólida, no intuito de garantir a segurança jurídica que tanto almejamos.


2 O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL

2.1 OS PRINCÍPIOS NO DIREITO PENAL

Extrai-se da Teoria Geral do Direito que a Área Penal é um ramo de direito público interno, formado por um conjunto de normas que qualificam certos comportamentos humanos como anti-sociais (infrações penais), definindo seus agentes e fixando sanções penais. Dessa forma, tendo por finalidade a paz social, o Direito Penal busca forçar seus destinatários a convivência harmoniosa, trazendo como punições àqueles que transgridem seus ditames, penas privativas de liberdade ou restritivas de direito, bem como outras medidas de segurança.

Advindo do Pacto Social (Rousseau), onde cada indivíduo colocou sua pessoa e sua potência, abrindo mão de parte da sua liberdade, sob a direção suprema da vontade geral, o Estado representa essa unidade e, como tal, detém o monopólio sobre o direito de punir.

E é justamente para explicar essas relações que surgem as Teorias do Funcionalismo, de Jakobs e Roxin, onde, para estudar a força do Direito Penal, este desenvolveu o Funcionalismo Racional (teleológico), que defende a idéia de que o direito tem por função a proteção de bens jurídicos indispensáveis ao convívio social, enquanto aquele tratou do Funcionalismo Sistêmico, donde o Direito Penal deve proteger a norma vigente, o império do sistema, resguardando mais que meros bens jurídicos. Enquanto o Funcionalismo Racional opera normas e princípios explícitos e implícitos, o Sistêmico trabalha com normas e princípios explícitos (positivados). Prevalece, no Brasil, o sistema do Funcionalismo Racional, que só permite a atuação do Direito Penal em face de transgressões a bens jurídicos de forma relevante.

Partindo-se, portanto, dessa premissa, remetemo-nos à observância das origens do Direito Penal, mais precisamente dos princípios, fontes formais mediatas que podem ser encontradas explícita ou implicitamente no ordenamento jurídico brasileiro e que, comumente, provocam amplos debates acerca das mais variadas formas de inovações do Legislativo nacional.

São os Princípios, então, meios de criação, interpretação e aplicação das normas penais, assim como em outros ramos do Direito.

2.2 O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL

Assim como em outros casos, o princípio da irretroatividade tem sua origem no da legalidade. Dele podemos extrair quatro postulados, segundo o esquema proposto pelo penalista espanhol Reinhart Maurach: a) nullum crimen, nulla poena sine lege praevia; b) Nullum crimen, nulla poena sine lege scricta; c) nullum crimen, nulla poena sine lege scripta; e d) nullum crimen, nulla poena sine lege certa. Para essa corrente esses postulados estão implícitos no princípio geral e determinam, como afirma Francisco Toledo, "a denominada função de garantia da lei penal como autêntica ‘função de garantia individual das cominações penais’". Em outro sentido, mas de forma complementar, o jurista italiano Ferrando Mantovani diz que as garantias derivadas do princípio da legalidade são a reserva legal, a taxatividade e a irretroatividade da lei penal. É dessa forma, então, que se permite analisar o princípio da legalidade em seus pormenores, buscando-se o alcance máximo de sua finalidade, ou seja, dificultando a intervenção do Estado na esfera de liberdade do indivíduo [02].

Afirmar que nullum crimen, nulla poena sine lege praevia é assegurar o princípio da anterioridade penal, de modo que o indivíduo somente poderá ser processado, condenado e punido por lei vigente à época do fato. Foi nesse sentido, então, que o art. 5º, XL da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 se manifestou, ao determinar que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

Destaca-se, assim, o princípio da Irretroatividade da Lei Penal, insculpido de forma explícita na Carta Magna brasileira, garantindo aos indívíduos pleno conhecimento dos ditames legais antes mesmo da prática dos seus atos.

Trata-se, portanto, de preceito expresso na Constituição Brasileira que veda, como regra, a retroação de lei penal, desde que em detrimento do réu.

Não se pode esquecer que tal preceito valerá apenas para normas de caráter penal. A lei processual não irá se submeter ao princípio da irretroatividade, ou ao seu correlato da retroatividade quando em benefício do réu.

Como bem defende Fernando Capez:

Nos termos do art. 2º do Código de Processo Penal, a norma de caráter processual terá incidência imediata a todos os processos em andamento, pouco importando se o crime foi cometido antes ou após sua entrada em vigor ou se a inovação é ou não mais benéfica. Importa apenas que o processo esteja em andamento, caso em que a regra terá aplicação, ainda que o crime lhe seja anterior e a situação do acusado, agravada.

Por norma processual devemos entender aquela cujos efeitos repercutem diretamente sobre o processo, não tendo relação com o direito de punir do Estado [03].

Assim, normas que porventura disciplinem tão somente exigências de conveniência ou necessidade do próprio processo, serão consideradas leis processuais, ao passo que aquelas que versarem sobre o aumento ou a intensificação do direito de punir estatal terão cunho penal [04].

Foi o que determinou o Supremo Tribunal Federal, ao decidir:

A cláusula constitucional inscrita no art. 5º, XL, da Carta Política — que consagra o princípio da irretroatividade da lex gravior — incide, no âmbito de sua aplicabilidade, unicamente, sobre as normas de direito penal material, que, no plano da tipificação, ou no da definição das penas aplicáveis, ou no da disciplinação do seu modo de execução, ou, ainda, no do reconhecimento das causas extintivas da punibilidade, agravem a situação jurídico-penal do indiciado, do réu ou do condenado [05].

Estabelecida a regra geral, ressalte-se a exceção disposta no mesmo dispositivo Constitucional supra, que determina a não retroação da lei penal salvo quando em benefício do réu. Essa prerrogativa está também prevista no artigo 2º do Código Penal, em seu parágrafo único, que assenta que "a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".

Tem-se, portanto, quatro situações diferentes, regradas pelos princípios da Anterioridade Penal e da Irretroatividade da Lei Penal: a primeira em caso de lei nova que cria tipo incriminador, que não poderá retroagir e passará a disciplinar atos praticados a partir da sua vigência; a segunda seria quando houver novatio legis in pejus, que venha a agravar a situação de alguém em um caso concreto, e que terá, da mesma forma, sua aplicação apenas aos casos pós vigência, mantendo-se a lei anterior aos crimes cometidos sob sua vigência; a terceira, quando houver abolitio criminis, onde a lei posterior deixa de considerar um fato como criminoso, o que determina a decretação da extinção da punibilidade do agente, nos termos do art. 107, III, do Código Penal; e, por último, quando houver novatio legis in mellius, que é quando a lei posterior inova com algum benefício ao agente no caso concreto, aplicar-se-á a lex mitior, mais benéfica, retroagindo aos fatos praticados.

Merece destaque, também, qual o momento da aplicação das condições mais benéficas ao caso concreto. Ou seja, sendo o caso de processo ainda em primeira instância, a competência para aplicar a lei mais benéfica será do juiz de primeiro grau encarregado de prolatar a sentença. Tratando-se de processo em grau de recurso, o Tribunal será o incumbido de julgar o processo e, portanto, de aplicar a lei que julgar cabível. Por sua vez, havendo trânsito em julgado da sentença condenatória, caberá ao juiz da Execução Penal tal análise (Súmula 611, do STF).


3. DISPOSIÇÕES DO ART. 33 DA LEI 11.343/06

3.1 O CONTEXTO SOCIAL DA NOVA LEI DE TÓXICOS

Conforme prescreve o art. 1º da Lei 11.343/06, com a promulgação e vigência da Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, instituiu-se o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), prescrevendo medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, e estabelecendo, ainda, normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, definindo seus crimes.

A Nova Lei de Tóxicos, como vem sendo chamada, surgiu em meio a uma crise social, reforçada sempre que possível pela mídia, na qual a população brasileira se vê refém de organizações criminosas, que envolvem e dominam desde os morros e favelas em todo o território nacional, assim como várias empresas e os três poderes da União, em esquemas de lavagem de dinheiro, comércio ilegal de armas e o próprio tráfico de entorpecentes.

Para Jorge Henrique Schaefer Martins, a realidade nacional, tocante à criminalidade, pode ser descrita da seguinte forma:

[...] a criminalidade tem raízes muito mais profundas que uma análise rápida pode expor: a problemática social, a perspectiva de ascensão célere no meio marginal, impensável com o dispêndio de trabalho honesto, a excessiva procura por drogas, a ganância, o desprezo pelas gerações futuras, tudo produzindo o crescimento desordenado da marginalidade, em contraposição às dificuldades do Estado em preservar a segurança dos cidadãos, seja pelo não aparelhamento e pela má remuneração daqueles dela encarregados, como pela visão míope do problema. Acresce-se a isso o fato de o sistema carcerário brasileiro ser considerado como um dos piores do mundo, devido à superlotação nas prisões e à violação dos direitos humanos [06].

Para se ter noção do aumento dos índices da criminalidade, de acordo com dados do IBGE, em 1994, dos 130 mil presos no Brasil, 51% estavam presos por furto, 10% por tráfico de entorpecentes e 95% eram indigentes, analfabetos e semi-analfabetos. Segundo a então Secretária Nacional de Justiça, Claudia de Freitas Chagas, em 2005 a população prisional chegava a 370 mil pessoas e poderia chegar a meio milhão em 2007. Errou, até então, por muito pouco: de acordo com dados do Ministério da Justiça, até junho de 2007 foram contabilizados 419.551 presos no Sistema Penitenciário e nas Secretarias de Segurança Pública, de um total de 265.147 vagas.

Aponta, ainda, o sociólogo Túlio Kahn, pesquisador do ILANUD (Instituto Latino-Americano da ONU para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), que três razões podem ser enumeradas para o aumento da violência entre os jovens no país: o crescimento rápido e desorganizado das periferias dos grandes centros urbanos, a maior disponibilidade de armas de fogo em circulação e o aumento das atividades do narcotráfico [07].

Ao encontro do apresentado pelo Sociólogo, as estatísticas revelam o aumento quantitativo da população, do baixo aproveitamento em todos os graus de ensino, da ausência de capacitação profissional da mão de obra disponível e dos índices de desemprego. A educação falha e os estímulos para uma boa formação moral quase inexistentes resultam em mau desenvolvimento de crianças e adolescentes, gerando desesperança. Somam-se a isso exemplos de impunidade em relação aos delitos praticados, leves ou graves, os incontáveis problemas sociais e o crescimento do crime organizado, para se obter fatores que, aliados ao descaso para com a Justiça, contribuem de forma decisiva para a elevação dos índices de criminalidade.

Isso é reflexo da política brasileira de combate à criminalidade, mais voltada a agravar penas e recriminar indivíduos, ao invés de investir em educação, saúde, emprego, moradia, etc. Nesse sentido, o SISNAD vem como mais uma arma contra a instabilidade e o caos instaurados nas cidades do país (novamente acentuados – por assim fazerem parecer – pelos meios de comunicação social).

3.2 O ARTIGO 33 DA NOVA LEI

O artigo 33 da Lei 11.343/06 prevê os mesmos núcleos do antigo artigo 12 da Lei 6.368/76, repetindo-os e criando novas condutas. Nas suas palavras:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º  Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2º  Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3º  Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4º  Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Trata-se de lex gravior, incriminadora, que busca punir com severidade qualquer pessoa envolvida com tráfico ilícito de entorpecentes. Em princípio irretroativo, com exceção aos casos tratados pela Súmula 711 do STF, por asseverar as penas aplicáveis ao exercício da narcotraficância e seus afins, o já citado artigo 33 amplifica seu rol de práticas criminosas e, no mesmo sentido dos demais artigos do Capítulo II do Título IV do SISNAD, que tratam dos crimes, visa desestimular todas as ações ligadas ao comércio de drogas, visando dificultar e impedir a sua prática.

3.3 AS CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33

Devido ao aumento da pena-base imposta aos incursos no art. 33 da Lei 11.343/06, o legislador tratou de implementar, como medida de política criminal, causas de diminuição de pena. Trata-se de assegurar conformidade ao princípio da individualização da pena, tratando-se desigualmente situações distintas.

Conforme já citado, o § 4º prevê que os delitos definidos no caput e no § 1º do artigo 33 poderão ter suas penas reduzidas de um sexto a dois terços, para agentes primários, de bons antecedentes e que não se dediquem a atividades criminosas nem integrem organizações criminosas, sendo-lhes, todavia, vedada a conversão em pena restritiva de direitos. Para Luiz Flávio Gomes criou-se, assim, a figura do tráfico ocasional.

Sem adentrar em pormenores, poder-se-á aplicar as causas de diminuição de pena do § 4º àqueles que preencherem certos requisitos:

Primariedade: significa não ser reincidente. É não ter cometido novo crime após o trânsito em julgado de sentença que tenha condenado o agente por crime anterior, observando-se a regra do art. 64 do Código Penal.

Bons antecedentes: não haver reconhecimento de fatos tidos como maus praticados pelo réu anteriormente, que vão desde inquéritos e procedimentos criminais em andamento até condenações anteriores irrecorríveis.

Não se dedicar a atividades criminosas: não praticar o réu, com freqüência, habitualidade, atividades ilícitas, demonstrando tratar-se de agente com propensão a transgredir normas.

Não integrar organização criminosa: não havendo definição legal para "organização criminosa", faz-se alusão à mera incursão do agente em quadrilha ou bando para que se torne desmerecedor das causas de diminuição de pena.

Em síntese, se aplicarmos o índice de redução de pena em seu grau máximo sobre a pena mínima cominada no caput do art. 33, chegar-se-á à pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, que deverá ser cumprida em regime inicialmente fechado.


4. A LEI 11.343/06 COMO NOVATIO LEGIS IN MELLIUS

Analisar a adoção da Nova Lei de Drogas aos casos praticados anteriormente à sua vigência parece assunto de difícil resolução. Devido às causas de diminuição de pena do §4º do art. 33 da Lei 11.343, reacendeu-se discussão quanto à possibilidade, ou não, da combinação de partes de duas leis diferentes para a aplicação ao caso concreto, bem como foram colocadas em voga as formas de resolução de conflitos de leis penais no tempo, destacando a grande dificuldade em determinar qual das duas normas - a antiga ou a nova - é a mais benéfica ao réu.

4.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMBINAÇÃO DE LEIS

A doutrina e a jurisprudência divergem muito quanto à possibilidade, ou não, da combinação de leis quando da sua aplicação ao caso concreto.

Chama-se de lex tertia a combinação de leis, consistente na aplicação das partes benéficas das leis, no intuito de favorecer o réu. Baseado no princípio do tempus regit actum, o magistrado aplicaria o preceito benéfico da primeira cumulado com a parte favorável da posterior, com fulcro no postulado da retroatividade da lei penal mais benéfica.

Defendem esse posicionamento renomados doutrinadores, como Cezar Bitencourt, Magalhães Noronha e José Frederico Marques. Afirmam poder ser efetuada não só a inclusão de um dispositivo de uma lei na outra, "como também a combinação de partes de dispositivos da lei anterior e posterior, considerando o sentido da garantia constitucional, que deve sobrepairar a pruridos de lógica formal" [08].

Sob o pretexto de que "quem pode o mais pode o menos", asseveram que sendo possível ao juiz aplicar a lei por inteiro, poderá aplicá-la também em parte. Não seria, assim, criação de nova lei, mas tão somente interpretação para adequação aos ditames constitucionais e penais, inerentes aos julgadores "garantistas". Portanto, o julgador estaria "apenas movimentando-se dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente legítima" [09].

Em outro sentido, concordando com os ensinamentos de Nelson Hungria e Aníbal Bruno, acastela-se a impossibilidade da retroação de partes de uma lei, cumulando-se com outras, sob pena de se aceitar a figura do juiz legislador, inovando o ordenamento positivado e violando o princípio da legalidade, bem como o princípio da tripartição orgânica de Montesquieu. É inadmissível que o juiz crie leis e invada o campo exclusivo e privativo do Poder Legislativo, configurando-se como legislador positivo. O juiz monocrático pode ser legislador negativo, por meio do controle de constitucionalidade, nunca positivo.

Importante destacar, ainda, que o parágrafo único do art. 2º do Código Penal determina a retroatividade da LEI posterior que de qualquer modo favoreça o réu. O parágrafo único tratou da lei como um todo, vigente após aprovação e promulgação pelo Congresso Nacional, respeitando os devidos procedimentos legislativos, e não fazendo menção a meros dispositivos que, isoladamente, possam ser benéficos.

De fato, é licito ao juiz escolher, no confronto das leis, a mais favorável e aplicá-la em sua integridade, não em pedaços, sendo-lhe vedado criar e aplicar uma terza legge diversa, para favorecer o réu. Com os mesmo argumentos, o Supremo Tribunal Federal adota há muito a segunda teoria, afirmando veementemente que "os princípios da ultra e da retroatividade da lex mitior não autorizam a combinação de duas normas que se conflitam no tempo para se extrair uma terceira que mais beneficie o réu" [10].

Recentemente, ainda, o STF se manifestou sobre a cumulação de leis, definindo por completo a premissa a ser aplicada na interpretação do ordenamento pátrio, ao firmar que:

A busca da norma mais favorável ao acusado [...] não se dá pela conjugação de dispositivos mais benéficos em diplomas legais que se seguiram no tempo. É inadmissível a criação de um terceiro estatuto normativo para reger o caso concreto [11].

Do mesmo acórdão, extrai-se que a utilização de tais métodos de solução de conflito intertemporal, "pinçando" contrastantes dispositivos de diplomas legais diversos que se seguiram no tempo, "conjugando-os e criando um novo estatuto normativo para reger o caso concreto", é inventar lei.

Como bem definiu o relator, não há que se discutir a possibilidade da ultra-atividade e da retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu, tanto que tal postulado está amplamente previsto na Carta Política Brasileira no seu art. 5º, XL. Pode-se, efetivamente, extrair do ordenamento o diploma mais favorável ao caso concreto. Mas, ao contrário, "pinçar o conjunto mais favorável de normas de Direito Positivo é arbitrariamente combiná-las para compor um novo modelo legal. Uma lei imaginária. E a partir desse improvisado mosaico fazer as vezes de legislador".

Por fim, conclui-se que, diante de um conflito de leis no tempo e da impossibilidade de combinação de dispositivos de normas diversas para resolvê-lo, deve o aplicador do direito buscar, dentre os parâmetros de cada caso, qual das leis em confronto deverá ser aplicada, considerando a condição de maior benignidade.

4.2 A ANÁLISE DO MAGISTRADO E A APLICAÇÃO DA PENA MAIS BENÉFICA

Sabendo que a lei só retroagirirá quando pró acusado e, partindo-se da premissa de que não poderá haver retroação de fragmentos da lei penal, ainda que a combinação seja mais favorável ao réu, por entender haver vedação legal e constitucional para tanto, devem ser analisadas as possibilidades práticas atinentes ao tema.

Ao receber o caso fático, o magistrado deverá, então, verificar em qual tipo penal o agente irá se enquadrar, antes de proceder à aplicação da pena propriamente dita, procedendo às etapas do art. 59 do Código Penal para determinar qual norma viria a ser mais vantajosa.

Havendo dúvida, será considerada mais benéfica a lei que oferecer maiores restrições ao ius puniendi estatal e que, consequentemente, ampliar o rol de direitos e garantias do indivíduo. Assim, regras que excluam figuras criminosas, que reflitam sobre culpabilidade e antijuridicidade, ou mesmo aquelas que comutem penas mais brandas ou de menor severidade, serão consideradas lex mitior.

Nessa ótica, em princípio a lei 6.368/76 seria mais branda por prever pena de 3 (três) a 15 (quinze) anos àqueles incursos no art. 12 da citada lei, contrapondo-se à pena mínima de 5 (cinco) anos e quinhentos dias-multa, previstas na Lei 11.343/06.

Contudo, a análise não se restringe à pena-base in abstracto, pois, sabidamente, outros fatores irão influenciar na sanção final a ser aplicada, como circunstâncias agravantes, reincidências, atenuantes e outras circunstâncias especiais de aumento ou de diminuição da pena.

É nesse ponto, então, que o magistrado decidirá qual lei será mais vantajosa ao réu. Sendo o caso de aproveitamento do § 4º do art. 33 da Nova Lei de Tóxicos, se aplicados os índices previstos sobre a pena-base de 5 (cinco) anos, ter-se-á penas variando entre 4 anos e 2 meses e 1 ano e oito meses e, possivelmente, a pena final ficará aquém daquela determinada no art. 12 da Lei 6.368/76, ignorando-se, ainda, a pena de multa.

Ou seja, após a projeção antecipada da dosimetria, será possível ao juiz o cálculo da pena antes de decidir qual lei justapor. Após, ainda que aplicada pena-base superior àquela da Lei Antiga ao caso concreto, será possível que, preenchidos os requisitos do § 4º do art. 33 da Nova Lei, sopesando-se as penas privativas de liberdade finais, seja caso de incidência da Lei 11.343/06 por inteiro.

Se ainda assim sobrevier dúvida, Nelson Hungria sugere o questionamento do acusado, dirimindo, com isso, eventuais dúvidas do magistrado.

4.3 APONTAMENTOS QUANTO À PENA DE MULTA

Por último, cabe comentar a pena de multa, prevista a todos os crimes capitulados na Lei 11.343/06.

O art. 43 da citada lei definiu que:

Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo.

Ao crime de tráfico previsto no art. 33 do regramento acima indicou o legislador que fosse determinado, além da pena privativa de liberdade, o pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Impossível passar despercebido por essa questão, considerando o aumento significativo da multa a ser imposta, antes fixada no patamar de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Ocorre que, no momento da aplicação da lei penal mais benéfica, o magistrado deverá considerar, também, a pena de multa a ser cominada. Nessa toada, havendo incidência da Lei 6.368/76, não há o que discutir. Todavia, sendo caso de aplicação do art. 33, com a causa de diminuição de pena do § 4º, da Lei 11.343/06, ensejando em pena inferior, cabe lembrar que, ainda que se tenha pena pecuniária fixada no mínimo legal, o valor da multa será, no mínimo, dez vezes superior ao previsto na Lei Antiga.

Contudo, avaliando que o tema ora debatido poderia, se acatado como empecilho, impedir a aplicação da menor pena privativa de liberdade e, sabendo que os bens jurídicos atingidos são ora a liberdade e ora o patrimônio, estima-se que deve predominar a liberdade do indivíduo. Até porque, conforme previne o art. 50 do Código Penal, a multa pode ser parcelada de acordo com as possibilidades do apenado, sendo vedada, ainda, sua conversão em pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 11.343/06, mais conhecida como "Nova Lei de Drogas" surge num momento em que a violência das grandes cidades é assunto em voga. O crescente índice de criminalidade instaurado no país e, aparentemente sem previsão para regredir, alarma todos aqueles que, de certa forma, são obrigados a conviver, diariamente, com as mazelas da sociedade. O povo brasileiro vem enfrentando uma crise oriunda dos seus próprios erros, seja quando vota, quando corrompe, quando é corrompido ou, ainda, quando se posiciona de forma indiferente às desigualdades presentes em nosso país.

A desesperança gerada por baixos níveis de escolaridade e por mercados cada vez mais competitivos, que acabam por gerar mais e mais marginalizados, funciona como força propulsora de organizações criminosas, que se aproveitam da ignorância e da fraqueza de alguns para difundir suas atividades e estender seus tentáculos em todas as camadas da população.

Nessa cadeia encontramos os mais variados tipos de pessoas envolvidas, em atividades que muitas vezes surgem como única possibilidade para sobreviver com um pouco de dignidade em um mundo doente, que promove seu crescimento sobre o sofrimento de muitos. E é nesse meio que encontramos o público-alvo das leis penais: geralmente negros, pobres, analfabetos, famintos e desempregados, criminalizados por uma sociedade lombrosiana, que condena o ser, não o fazer.

Renomados doutrinadores, entre juristas, sociólogos, antropólogos, etc., defendem a minoração da atuação do direito penal, priorizando a formação do indivíduo, como solução a médio e longo prazo para a questão da criminalidade. Por outro lado os detentores do poder, com o auxílio da mídia, só fazem crescer o ódio contra os ditos criminosos e implementam, cada vez mais, normas estigmatizadoras, pregando maior rigor na punição, colocando por terra toda a história de lutas em prol das garantias e direitos fundamentais do homem.

Entre tantos absurdos legislativos, promulgou-se a Lei 11.343/06.

Inicialmente com uma boa proposta, essa lei criou, entre os crimes nela previstos, formas de se dirimir os prejuízos causados pela desesperança provocada. Aparentemente a lei adotou a Teoria da Co-Culpabilidade de Eugênio Zaffaroni, atingindo diretamente a culpabilidade dos incidentes em crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, repassando à comunidade parte da culpa pela formação de seus criminosos e dirimindo as penas aplicadas, de acordo com o envolvimento e a reprovabilidade das condutas praticadas.

Nesse sentido, dentro das limitações constitucionais e infraconstitucionais vigentes, entende-se ser necessária a aplicação, quando em benefício do réu, das causas de diminuição de pena previstas no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06. Trata-se de um meio de diferenciar o traficante contumaz do ocasional, de acordo com os prejuízos à sociedade por eles provocados.

Trata-se de conceder ao indivíduo o que é seu por direito, não de proporcionar regalias.

Respaldando-se nas leis e nos princípios, havendo possibilidade de retroação do art. 33, § 4º, da Nova Lei de Drogas, com penas aplicáveis inferiores àquelas previstas na legislação anterior e, considerando vedada a combinação de leis, deverão os magistrados, portanto, aterem-se a tais pressupostos. Dessa forma, seriam aplicadas penas mais brandas a indivíduos menos lesivos, que apesar de envolvimentos anteriores com a criminalidade ainda podem ser recuperados e ressocializados, como meio de garantir a aplicação do princípio da igualdade.

Por fim, como preconiza Zaffaroni, "la carga de reproche que deve restársele a quien padece una carencia social, debe cargala la sociedad que motiva esa carencia y no el carenciado que no puede proveer a su superación" [12].


6. REFERÊNCIAS

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______________. Legislação Penal Especial. São Paulo: Ed. Damásio de Jesus, v.2, 5. ed., 2006.

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Notas

  1. Apud FRAGOSO, pág. 2.
  2. GONÇALVES, Danielle.
  3. CAPEZ, 2005, pág. 49.
  4. Idem.
  5. AI 177.313, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18-6-96, DJ de 13-9-96.
  6. MARTINS, p. 476.
  7. Retirado de http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u26216.shtml
  8. DUCCINI, Clarence.
  9. MARQUES, 1954.
  10. STF, HC 68416/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, julgado em 8.9.1992
  11. STF, Ext 925/PG, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 10.8.2005
  12. ZAFFARONI, p. 59.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Eduardo Luiz Vieira de. Os limites da aplicabilidade do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 e suas causas de redução de pena nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes praticados sob a égide da Lei nº 6.368/76. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2699, 21 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17851. Acesso em: 19 abr. 2024.