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Da distinção entre a prestação de serviço público e o exercício de atividades econômicas por empresas estatais

Da distinção entre a prestação de serviço público e o exercício de atividades econômicas por empresas estatais

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DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

A conceituação de serviço público sofreu consideráveis alterações no decurso do tempo, especialmente no que diz respeito à sua abrangência e aos seus elementos constitutivos. Ela é essencialmente evolutiva, condicionada pela época e pelo meio social, e, como todo instituto, só pode ser compreendido pelo estudo de sua história e das tendências sociais de sua época.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua serviço público como:

(...) toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público [01].

Nas palavras de Marçal Justen Filho, serviço público pode ser definido como:

(...) uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executadas sob regime de direito público. [02]

Assim, o eminente autor destaca que o serviço é público sob três ângulos: material (satisfação de necessidades individuais ou transindividuais de cunho essencial), subjetivo (atuação desenvolvida direta ou indiretamente pelo Estado) e formal (aplicação do regime jurídico de direito público). [03]

Portanto, há serviços que, por natureza, são privativos do Poder Público e só por seus órgãos devem ser executados. Outros, entretanto, são comuns ao Estado e aos particulares, podendo ser realizados por aqueles e por estes. Daí essa gama infindável de atividades que ora estão exclusivamente com o Estado, ora com o Estado e particulares, e ora unicamente com particulares.


DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS POR EMPRESAS ESTATAIS

De outro lado, o ordenamento jurídico passou a prever a possibilidade de atuação direta e pontual do Estado na economia, por meio das denominadas empresas estatais, para o exercício de atividades econômicas. Nesse sentido, o art. 173 da Constituição da República Federativa do Brasil admite a atuação dos Entes Públicos no desempenho das atividades próprias da iniciativa privada:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Para tanto, a Administração Pública pode se valer da instituição de sociedades de economia mista ou de empresas públicas. [04]

Art. 173. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (...)

As empresas públicas e as sociedades de economia mista são definidas como sociedades mercantis, industriais ou de serviços, cuja instituição, autorizada por lei, faz-se essencialmente sob a égide do Direito Privado, com recursos públicos, no caso das empresas públicas, ou públicos e particulares, tal como ocorre nas sociedades de economia mista, para a realização de imperativos de segurança nacional ou de relevante interesse da coletividade.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista criadas para o exercício de atividades econômicas são pessoas jurídicas de direito privado e, conforme, estatui o inciso II do parágrafo 1º do art. 173, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quantos aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Apesar disso, é incontroverso que essas sociedades se submetem a certas regras jurídicas de caráter administrativo, o que de modo algum lhes extirpa a natureza privada e a essência mercantil. [05]


DOS ASPECTOS DISTINTIVOS

De fato, não se desconhece que as atividades econômicas exercidas pelas estatais revestem-se de um espesso interesse coletivo, o que por si só justifica a preocupação do constituinte em autorizar a criação de entidades pertencentes a Administração Pública Indireta, que, sob a orientação do ente público criador, possam exercer atividades de conteúdo tipicamente econômico. No entanto, a assertiva não é bastante para que se possa caracterizar a sua atividade como mera prestação de serviço público.

De fato, as atividades de prestação de serviço público repousam em bases constitucionais distintas, encontrando respaldo nos artigos 175 [06], como também no artigo 37, parágrafo 6º [07] da Constituição da República.

Em face dessa origem distinta, as atividades das entidades prestadoras de serviço público orientam-se por direcionamentos próprios, tal qual a exigência de modicidade das tarifas, não aplicável as atividades estritamente econômicas.

Sobre a distinção entre serviço público e exploração estatal de atividade econômica, preleciona Bandeira de Mello, ipsis litteris:

A distinção entre uma coisa e outra é obvia. Se está em pauta atividade que o Texto Constitucional atribuiu aos particulares e não atribuiu ao Poder Público, admitindo, apenas, que este, excepcionalmente, possa empresá-la quando movido por ‘imperativos da segurança nacional’ ou acicatado por ‘relevante interesse coletivo’, como tais ‘definidos em lei’ (tudo consoante dispõe o art. 173 da Lei Magna), casos em que operará, basicamente, na conformidade do regime de Direito Privado, é evidente que em hipóteses quejandas não se estará perante atividade pública, e, portanto, não se estará perante serviços público. [08]


CONCLUSÃO

Esta distinção entre atividade econômica e prestação de serviço público assume especial relevância face aos postulados normativos aplicáveis a cada um dos casos.

Os princípios de específica aplicação à atividade dos prestadores de serviços públicos, na verdade, justificam-se em virtude da proximidade dos mesmos com seu destinatário social, o próprio cidadão. Afinal, os serviços públicos são criados com vistas ao atendimento de necessidades básicas da coletividade. Assim o é quanto aos serviços de saneamento básico, rede de esgotos, transporte público, entre outros.

De outro lado, pela ausência dos atributos próprios do serviço público, quando do exercício de atividades econômicas, não seria possível exigir a incidência de princípios como a modicidade tarifária, a continuidade na prestação às atividades de cunho econômico desempenhadas por sociedades de economia mista ou empresas públicas, ainda que tais atividades possam revestir de face de inegável interesse coletivo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 20ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12ª edição. São Paulo: Atlas, 2000.

FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.


Notas

  1. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p.98.
  2. FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 487.
  3. Dentre esses critérios, a moderna doutrina considera que o primeiro prevalece sobre os outros dois, sendo que "o serviço público é o desenvolvimento de atividades de fornecimento de utilidades necessárias, de modo direto e imediato, à satisfação dos direitos fundamentais". FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 489.
  4. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8ªed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 629.
  5. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.371 e ss.
  6. "Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos."
  7. "Art. 37.A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
  8. § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

  9. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 20ª ed. São Paulo:Malheiros, 2006. p. 648.


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Thays Cristina Ferreira. Da distinção entre a prestação de serviço público e o exercício de atividades econômicas por empresas estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2728, 20 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18051. Acesso em: 24 abr. 2024.